I – INTRÓITO
Objetiva-se neste trabalho, dentro dos limites de sua superficialidade, fazer breve debate entre duas facções doutrinárias distintas, no que se refere ao caráter da multa de mora dentro do Direito Tributário.
Uma, enveredando-se para a função indenizatória da mesma, demonstrando que o objetivo da aplicação é recompor o patrimônio lesado da Fazenda Pública, outra, a qual nós professamos, que procura deixar claro que o caráter da mesma é genuinamente sancionatório, punitivo.
Existem inúmeros acórdãos e decisões administrativas nos dois sentidos, a doutrina porém é bem mais pacífica, visto que uma maciça maioria concorda com o aspecto punitivo da multa de mora. Cabe ao jurista defender o ponto de vista que mais interessa ao seu cliente ou "patrão", sem lesar contudo sua convicção filosófica.
Não temos aqui o objetivo de pacificar a questão, mas apenas de orientar o atento leitor, acadêmico ou profissional, ao caminho que lhe levará, com maior segurança às conclusões que ao mesmo forem pertinentes, a partir de vasta pesquisa.
A exigência de multa de mora no pagamento espontâneo, em atraso, de tributos e contribuições há muito tempo tem sido contestado pelos contribuintes, na esfera administrativa e principalmente judicial, com base no artigo 138 do CTN.
A legislação tributária sempre exigiu o acréscimo de multa moratória, além de juros e correção, sobre o valor dos tributos e contribuições recolhidos fora do prazo legal, ainda que de forma espontânea e antes do início de qualquer procedimento administrativo. Neste caso, e conforme o CTN, haveria a inaplicabilidade da multa tributária quando o infrator da legislação procura espontaneamente o fisco para regularizar sua situação.
Verificaremos ainda, os requisitos básicos para efetivação da exclusão da responsabilidade pela infração fiscal e suas conseqüências, além de evidenciar quais as multas que poderão estar compreendidas no instituto da Denúncia Espontânea, com o qual baseamos nosso trabalho.
Esperamos em breve, podermos aperfeiçoar nosso trabalho com o intuito de que o mesmo realmente corrobore com os lutadores pelo direito dos contribuintes.
Apesar de Doutrina escassa em nossas bibliotecas procuramos trazer a este tudo o que nos for útil para clarearmos os entendimentos a respeito do tema da Exigibilidade ou não da multa de mora quando da Denúncia Espontânea.
Assim vislumbramos o breve entendimento, até mesmo por parte da Administração, desta posição que hoje já é majoritária, que elide a responsabilidade do contribuinte que, voluntariamente, procura a repartição fazendária para, mesmo que em atraso, cumprir suas obrigações tributárias e pagando os juros devidos além de corrigir monetariamente. Encarando, enfim, não ser utópica a possibilidade de a própria Administração deixar de cobrar o que é indevido.
II – PUNIÇÃO X INDENIZAÇÃO
O ponto básico para chegarmos à inteligência do controvertido artigo 138 do nosso Código Tributário Nacional, é realmente evidenciar qual o caráter da multa de mora no Direito Tributário, se é uma punição/sanção pelo inadimplemento da obrigação tributária ou se está configurada na dita multa uma indenização aos cofres públicos pelo dano causado pelo contribuinte aos mesmos.
O Direito Tributário em si é uma matéria deveras de fácil compreensão, tanto para os acadêmicos quanto mais ainda, aos profissionais que se especializam nesta área. Porém a administração tributária de nosso país tem sido bastante conturbada visto a imensa diversidade de legislação tributária com hierarquia inferior ao CTN, assim sendo calorosas polêmicas, até mesmo apaixonantes, têm sido travadas em torno de conceitos e interpretações tributárias, tanto no campo administrativo (seções de Tributação, Delegacias de Julgamento, Conselho de Contribuintes e Câmara Superior de Recursos Fiscais) quanto judicial.
Uma destas polêmicas gira em torno exatamente da multa de mora. A administração a tem aplicado indistintamente como uma indenização aos cofres públicos, como demonstrado no voto vencido infra, efetuado pelo Conselheiro da Câmara Superior de Recursos Fiscais, o Doutor Marcos Vinícius Neder de Lima:
Tais normas refletem o poder de coerção do Estado, como ente tributante, em exigir o cumprimento das obrigações tributárias previstas no ordenamento jurídico pátrio. Sem a imposição de sanção pecuniária, não há como assegurar o adimplemento voluntário e tempestivo destas obrigações, tornando a atividade de administração tributária tarefa de extraordinária dificuldade. A lei estaria a estimular a impontualidade, que passaria a ser a regra e não a exceção.
Ora, no próprio voto o ilustre Conselheiro fala sobre sanção para evitar o inadimplemento, tendo efeito coercitivo e repressivo.
A fim de enfatizar esta corrente doutrinária, a meu ver ultrapassada, que considera a multa de mora uma indenização, podemos citar algumas considerações do ilustre tributarista Paulo de Barros Carvalho (1), que ao falar sobres as espécies de sanções tributárias insiste em salientar que as multas de mora são também penalidades pecuniárias, mas destituídas de nota punitiva, predominando nas mesmas o intuito indenizatório, pela contingência de o Poder Público receber a destempo, com as inconveniências que isso normalmente acarreta, o tributo a que tem direito. Repugna ainda o fato de muitos a considerarem de natureza civil, entrando ele mesmo em contrariedade no próximo item de sua elucidação quando fala que os juros de mora cobrados não tem caráter punitivo mas "remuneratório do capital que permanece em mãos do administrado por tempo excedente ao permitido".
Ora, se os juros já estão indenizando o Estado e a multa de mora sendo também indenizatória, estaria aí ocorrendo enriquecimento sem causa, pois haveria uma dupla indenização, inconcebível em qualquer ramo do direito, o contribuinte estaria por um mesmo atraso no adimplemento tendo que reparar duas vezes os cofres públicos.
Há de ser evidenciada as definições de indenização e punição, para que possamos ter uma idéia em qual caráter está incluída nossa famigerada multa moratória, independente de seu nome.
Conforme Sacha Calmon Navarro (1998)
A sanção, punição tem como pressuposto a prática de um ilícito, seja um descumprimento de dever legal, estatutário ou contratual, quanto a indenização possui como pressuposto um dano causado ao patrimônio alheio, com ou sem culpa.
Em assim sendo a função da indenização é restituir ao lesado o quantum em que o mesmo foi prejudicado, recompondo assim o patrimônio danificado, logo a correção monetária e os juros de mora que o contribuinte vem a pagar quando cumpre sua obrigação em atraso tem por escopo a recomposição do patrimônio, tudo o mais que lhe for imposto tem por causa o ilícito cometido, seja o não pagamento ou o não cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer (obrigação acessória).
Ora, além de ser evidente que a multa de mora é aplicada por ter o contribuinte praticado um ato ilícito, seja o não pagamento do tributo ou o não cumprimento de obrigação acessória, há ainda a flagrante desproporção entre o dano causado pelo atraso no cumprimento da obrigação e a possível "indenização", vejamos.
É pertinente ficar demonstrada a desvalia da tese que propugna pela multa moratória como caráter de ressarcimento, devido à desproporcionalidade entre o dano e o dito ressarcimento.
Sacha Calmon (1998):
Em direito civil, e mesmo em direito público, o dever de indenizar ou ressarcir exige uma medida de proporcionalidade entre o dano efetivo, sua quantificação, e o ressarcimento, deduzindo-se a relação com base em elementos concretos e precisos.
No caso das chamadas "multas moratórias" esta relação inexiste, pois são impostas pela lei previamente à ocorrência do dano, a critério do legislador. Ainda quando impostas segundo modelo proporcional em que o quantum cresce à medida que o tempo passa, ainda aí, não se vislumbra nenhuma proporcionalidade entre o dano e sua composição, é evidente o interesse do Estado em desestimular a mora. Na legislação atual por exemplo se o contribuinte atrasar o pagamento de um determinado tributo em 60 (sessenta) dias pagará uma multa de 20% sobre o principal e se pagar apenas depois de, por exemplo, 526 dias a multa será a mesma, ora se estivesse aí indenizando o dano causado aos cofres públicos, é óbvio que um atraso de dois meses causa muito menor prejuízo do que o de 500 dias.
Como resume por fim Sacha Calmon Navarro Coelho (2), as multas ditas moratórias são desnubladamente punitivas, nunca ressarcitórias.
Logo se a punição pressupõe um ilícito e a multa de mora só é aplicada em nosso direito, quando do cometimento de uma infração, ou seja o inadimplemento da obrigação de pagar, ou ainda a não entrega de Declaração, e ainda considerando que o patrimônio estatal estará sendo indenizado com os juros além da devida correção, não há o por quê de se ter dúvida de que esta multa está a punir o contribuinte, tendo natureza coercitiva evitando o proliferamento da inadimplência.
Não nos apoiamos apenas na vasta doutrina mas também em inúmeros julgados, dos quais destacamos alguns para firmeza de conclusões.
O Ministro Cordeira Guerra, relatando o Recurso nº 79.625 sentencia que "não disciplina o CTN as sanções fiscais de modo a estremá-la em punitivas ou moratórias, apenas exige sua legalidade", e ainda prolata em um de seus acórdãos:
"A multa era moratória, para compensar o não pagamento tempestivo, para atender exatamente ao atraso no recolhimento. Mas, se o atraso é atendido pela correção monetária e pelos juros, a subsistência da multa só pode ter caráter penal" (grifo nosso).
O epigrafado não destoa da decisão prolatada pela Doutora Tânia Escobar em recurso "ex offício" nº 97.04.50426-8/PR: - A denúncia espontânea de multa moratória ou multa punitiva – que são a mesma coisa -, sendo devidos apenas juros de mora, que não possuem caráter punitivo, constituindo mera indenização decorrente do pagamento fora do prazo, ou seja, da mora, como aliás consta expressamente do citado artigo 138 do CTN.
Fica então claro que há a desproporção entre o valor da multa e o dano causado pelo adimplemento em atraso, visto que nem se leva em consideração, na hora da aplicação da sanção o quanto foi danificado o patrimônio público, se é que o foi. Além de nos desanuviar quanto também ao fato de somente ser aplicada quando há uma infração à regra, causada pelo não cumprimento no tempo previsto da obrigação.
Apenas por estas duas características básicas da multa de mora, desproporcionalidade e prévia infração, já não tem como se defender a tese de que se trata de uma indenização, mas é, evidentemente vencedora, embora prejudicial ao recordes de arrecadação batidos pela Secretaria da Receita Federal nos últimos tempos, a opinião de que trata-se de uma multa punitiva, uma sanção.
Esta evidência tem caráter primordial em nosso singelo trabalho, como poderemos nos vislumbrar no seguimento do mesmo. Hoje pode-se ver a aceitação da multa como sanção não só nos Tribunais Superiores, principalmente o Superior Tribunal de Justiça, mas mesmo na esfera administrativa, nas diversas Câmaras do Conselho de Contribuintes, órgão colegiado da, digamos, 2ª Instância Administrativa nível federal.
Depois de quase 30 anos de vigência do CTN, e de a própria administração tributária, embora tardiamente, e apenas em seus escalões superiores, estar reconhecendo a punibilidade da multa de "mora", vislumbra-se a probabilidade de as doutrinas que pregam o caráter indenizatório da dita multa passarem a fazer parte apenas da história do Direito tributário.
III – INSTITUTO DA DENÚNCIA ESPONTÂNEA
Achamos por bem já falarmos sobre o Instituto da Denúncia Espontânea, visto ser o fim de todo o nosso trabalho, pois é exatamente, como veremos, por causa de tal instituto que discutimos exaustivamente o caráter da multa moratória no direito tributário.
O instituto em apreço nos parece claro no artigo 138 do atual Estatuto Tributário Nacional, o qual fala em responsabilidade, motivo pelo qual faremos breve relato sobre as sanções independente do já tratado no ítem anterior ( Art. 138 – A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração.
§ único – Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração"
3.1 – DA RESPONSABILIDADE
Pela leitura, mesmo que superficial do artigo 136 do CTN já verificamos que nosso direito tributário consagra o princípio da responsabilidade objetiva, pois não há de ser verificada a intenção do agente ou do responsável (Art. 136 – Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão). É preciso no entanto deixar claro que esta responsabilidade é apenas com relação ao ilícito fiscal, pois conforme preceitua Sacha Calmon Navarro Coelho (1998)
"É preciso deixar claro que o ferimento da lei fiscal pode fazer com que o legislador tipifique a conduta lesiva como um delito. O tipo na espécie tanto pode se basear na descrição da conduta de não pagar o tributo, agregando-lhe um plus, como na descrição da conduta descumpridora dos deveres instrumentais(fazer e não fazer com intenção fraudulenta). Todavia, se a infração é tal que não merece os cuidados do legislador penal, então não adentra o Código Penal, mantendo-se nos lindes do direito administrativo e do direito tributário. Nesta última hipótese, a infração tributária é apurada pelas autoridades administrativas, rege-se pelas disposições legais de direito administrativo e tributário aplicáveis, e as sanções são aplicadas, igualmente, pelas autoridades administrativas competentes. Via de regra, as sanções são pecuniárias (multas). São inconversíveis em penas privativas da liberdade e, em alguns casos, passam da pessoa do infrator para os sucessores, inter vivos ou causa mortis"
A mesma doutrinadora ainda demonstra como claramente diferenciar um ilícito fiscal de qualquer outro, com o intuito primordial de demonstrar o por quê da adoção da responsabilidade objetiva por parte do legislador. Evidencia que o ilícito fiscal não guarda similitude com as instituições e regras penais. O ilícito fiscal, sem ser apenas objetivo não se divide em doloso e culposo, tampouco se considera no fiscal institutos como o erro de direito e o erro de fato.
Em assim sendo na legislação tributária basta a existência da infração para ficar caracterizada a responsabilidade do contribuinte infrator sem necessidade de averiguação de culpa em sentido lato.
Ainda com o claro intuito de evidenciar o que seria uma infração fiscal, para fins de responsabilidade, colocamos o texto de autor desconhecido inserido na página www.dji.com.br:
INFRAÇÕES E SANÇÕES TRIBUTÁRIAS – Com a mesma estrutura lógica da regra-matriz de incidência, pertencem à subclasse das normas de conduta e têm uma hipótese descritora de um fato do mundo real e uma conseqüência prescritora de um vinculo jurídico que há de formar-se entre dois sujeitos.
Ilícito ou infração tributária – é a conduta antijurídica que transgride o mandamento prescrito em leis fiscais. Pode advir da não-prestação do tributo (infração substancial) ou do não-cumprimento de deveres instrumentais formais (infração formal). O artigo 136 do CTN elegeu o princípio da responsabilidade objetiva, mas permite ao legislador construir infrações subjetivas (ex. sonegação). (...) Podem ser meras infrações ou ilícitos tributários (contido em leis tributárias, de conteúdo não criminal) que se sujeitam aos princípios gerais do Direito Administrativo e ainda os crimes fiscais, subordinados aos princípios, institutos e formas do Direito Penal.
(...) No art. 138 está o modo de exclusão da responsabilidade por infrações à legislação tributária, é a denúncia espontânea do ilícito. Evita a aplicação de multas punitivas, mas não afasta os juros de mora e a multa de mora.
"Como já vimos em capítulo anterior esta multa de mora também caracteriza sanção ao ilícito, à infração fiscal, motivo pelo qual não ficaremos debatendo novamente sobre o tema, sendo excluídos do caráter sancionatório apenas os juros e correção monetária, pois toda a ação tendente a reprimir os ilícitos são sanções, e a multa de mora claramente o é como já fundamentado.
Apesar das diferenças "gritantes" entre o ilícito fiscal e penal, não é nenhum equívoco considerarmos a relação que alguns autores fazem entre a Denúncia Espontânea do Direito Tributário e a desistência voluntária do Direito Penal, como por exemplo José Jayme de Macedo :
" A exoneração da responsabilidade regulada neste artigo (138) respeita tão-só às penalidades pecuniárias. Pressupõe que o sujeito passivo, por ato espontâneo (de moto próprio), reconheça haver praticado a infração e, simultaneamente, recolha o débito tributário porventura existente (atualizado monetariamente e acrescido dos juros de mora) ou deposite o montante arbitrado, se depende de apuração. Como se vê, é instituto que guarda grande similitude com a desistência voluntária e o arrependimento eficaz, ambos do Direito Penal."
Como já ficou claro basta o contribuinte cometer uma infração, com ou sem intenção de fazê-lo, para que se caracterize sua responsabilidade, que enfim poderá ser ilidida em casos específicos da lei, entre estes o do artigo 138 do CTN, cuja inteligência é o fundamento de nosso trabalho.
3.2 – DA EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE
Basta que o cidadão cometa qualquer ilícito fiscal, seja uma infração de obrigação principal ou acessória, para o mesmo ser responsável e consequentemente poder voluntariamente/espontaneamente desistir de gozar dos frutos desta infração, conforme preceitua nosso artigo 138 – "a responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração". Nos calquemos em algumas manifestações doutrinárias deste conceito:
Luciano Amaro (1999):
Como já se viu, o objetivo fundamental das sanções tributárias é, através da intimidação do potencial infrator, evitar condutas que levem ao não-pagamento do tributo ou que dificultem a ação fiscalizadora (que, por seu turno, visa também a obter o correto pagamento do tributo).
Ora, dentro dessa perspectiva, é desejável que o eventual infrator, espontaneamente, ‘venha para o bom caminho’. Esse comportamento é estimulado pelo artigo 138 do Código, ao excluir a responsabilidade por infrações que sejam objeto de denúncia espontânea
Sacha Calmon Navarro Coelho (1998):
Destarte, para os fins do art. 138, não faz mais sentido distinguir entre multas moratórias (não punitivas) e multas propriamente ditas e, pois, irrecusavelmente punitivas. Todo dever tributário, seja de dar (pagar tributo), seja de fazer ou não fazer (deveres acessórios), uma vez descumprido, acarreta a aplicação de uma sanção. Ora, se o infrator se adianta, denunciando-se e pedindo perdão, a responsabilidade fica elidida, premiados, assim, os que se arrependem ou os que, tendo sido negligentes, procuram espontaneamente reparar as infrações cometidas, sanando-as, a bem da Fazenda Pública.
Parece claro que, em sendo recebido o princípio da responsabilidade objetiva, em ocorrendo uma infração o sujeito é responsável perante o fisco, e em, antes de qualquer procedimento fiscal específico, procurar a administração para, espontaneamente sanar a infração e pagar o tributo se for o caso, estará excluída sua responsabilidade, assim ninguém poderá ser punido, sancionado por algo que não é mais responsável.
A questão da expressão "se for o caso" veremos logo adiante, pois reflete a diferenciação das multas sancionatórias sobre infração cometida a cerca de cumprimento de obrigação principal ou acessória.
Assim, precocemente, chegamos ao cerne de nosso superficial trabalho. Em sendo as multas ditas moratórias uma sanção por um ato ilícito (infração fiscal), quem cumpriu intempestivamente a obrigação não estaria denunciando espontaneamente ao pagar o tributo por exemplo, visto que a obrigação era exatamente esta? Se foi elidida a responsabilidade, ainda assim haveria de ser imposta alguma outra sanção? Parece claro, como veremos em fundamentos doutrinários e jurisprudenciais, que o contribuinte ao efetuar o pagamento de tributos em atraso, por exemplo, sem prévio procedimento administrativo específico, acrescido dos juros de mora, não poderia ser penalizado com multa alguma isolada ou vinculada, que hoje está fixada em até 20% sobre o valor do principal.
Citemos alguns acórdãos que alicerceiam nossa "tese", salientando, como é óbvio, que a jurisprudência não é pacífica:
Tributário. ICMS. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. INEXIGIBILIDADE DA MULTA DE MORA. Na forma da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a denuncia espontânea exclui a aplicação da multa moratória (CTN, art. 138, mesmo em se tratando de imposto sujeito a lançamento por homologação. Recurso Especial não conhecido (Resp. 172816/SP, j. 21.09.1998, Min. Ari Pargendler, v.u. 2ª Turma do STJ)
TRIBUTÁRIO. PIS. DÍVIDA DECLARADA ESPONTANEAMENTE. MULTA INDEVIDA. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. A iterativa jurisprudência de ambas as turmas de direito público deste STJ tem assentado que a denúncia espontânea da infração, com o recolhimento do tributo e acréscimos devidos, por força do disposto no art. 138 do CTN, afasta a imposição de multa. Recurso provido(Resp. 116998/SC, j. 30.06.1997, Min. Demócrito Reinaldo, v.u., 1ª Turma STJ)
Com muita propriedade a senhora Ministra do STJ Drª Eliana Calmon, relata em acórdão proferido em Agravo:
DENÚNCIA ESPONTÂNEA – VERIFICAÇÃO DE OCORRÊNCIA – SÚMULA N. 7/STJ – DISSÍDIO NÃO DEMONSTRADO – AGRAVO DESPROVIDO.
Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que inadmitiu recurso especial, interposto com fulcro no art. 105, inciso III, alíneas "a" e "c" da CF/88, ao argumento de que não houve prequestionamento e demonstração analítica da divergência jurisprudencial.
O acórdão recorrido entendeu que não restou configurada a denúncia espontânea, nos termos do art. 138 do CTN, por conseguinte, aplicou-se à espécie a multa moratória, com redução de valor prevista em legislação local.
DECIDO:
Verifica-se, no voto condutor do Tribunal de origem, que houve prequestionamento do artigo considerado violado (art. 138 do CTN).
Disse o relator:
Sustenta, em síntese, a inexigibilidade da multa, em face do disposto no art. 138 do CTN. Este prevê que, em caso de denúncia espontânea da infração tributária -, e nesse caso, segundo a apelante entende, se incluiria o recolhimento tardio do imposto – o contribuinte será exonerado da multa moratória.
É pacífico neste Tribunal o entendimento de que a exclusão da multa moratória só é possível se reunidos os seguintes elementos: denúncia espontânea, pagamento do tributo, acrescido de juros de mora e correção monetária, e ausência de procedimento administrativo de cobrança ou de fiscalização.
Em verdade, discute-se nos autos a própria existência da denúncia espontânea, que foi afastada pelo acórdão recorrido, o qual entendeu haver, apenas, o recolhimento tardio do imposto.
Não foram interposto embargos de declaração com o intuito de ver sanada a omissão quanto à ocorrência dos requisitos da denúncia espontânea, permanecendo este ponto em litígio, conforme demonstra a Fazenda do Estado de São Paulo em suas contra-razões:
Assim sendo, tem-se que não há como excluir do montante devido pela executada os consectários legais, posto que quando a mesma efetuou a denúncia espontânea da dívida, já havia procedimento para apuração do valor a ser pago.(...) (AG 192355/SP, Min. Eliana Calmon, j. 13.10.1999, v.u., 2ª Turma STJ)
Se o contribuinte denuncia espontaneamente o débito fiscal em atraso e recolhe o montante devido, com juros de mora, fica exonerado de multa moratória (AG 247120/PR, Min. Humberto Gomes de Barros, j. 09.09.1999, v.u., 1ª Turma STJ)
Não ficaremos aqui apenas para tornar o nosso trabalho de maior quantidade de páginas, inserindo inúmeros acórdãos repetitivos, basta ao mais interessado passar os olhos nos compêndios jurisprudenciais principalmente do Superior Tribunal de Justiça. Porém, ainda neste momento, achamos de suma importância a citação de algumas decisões administrativas, para que fique claro que mesmo a administração, em seus órgãos colegiados, já tem aderido à tese de que a multa de mora não passa de uma sanção e assim não podendo ser imposta ao não responsável, ficando o infrator com direito subjetivo de exclusão da mesma, com fulcro no artigo 138 do CTN desde que presentes os requisitos que falaremos mais pormenorizadamente em seguida.
NORMAS PROCESSUAIS – DENÚNCIA ESPONTÂNEA DA INFRAÇÃO – MULTA DE MORA – Denunciado espontaneamente ao Fisco o débito em atraso, acompanhado do pagamento do imposto corrigido e dos juros de mora, nos termos do art. 138 do CTN, descabe a exigência da multa de mora prevista na legislação de regência. Recurso Provido. (Acórdão 201-72182, Relator Serafim Fernandes Correa, 10.11.1998, Dado Provimento Por Maioria, 1ª Câmara do 2º Conselho de Contribuintes)
COFINS – DENÚNCIA ESPONTÂNEA – O pagamento do tributo, desacompanhado dos juros de mora, não se constitui em denúncia espontânea a que se refere o art. 138 do CTN. ( Acórdão 202.10361, Relator José de Almeida Coelho, 29.07.1998, Provimento Parcial por Unanimidade, 2ª Câmara do 2º Conselho de Contribuintes)
MULTA – DENÚNCIA ESPONTÂNEA – INEXIGIBILIDADE – Na hipótese de denúncia espontânea, realizada formalmente, com o devido recolhimento do tributo, é inexigível a multa de mora por força do disposto no art. 138 do CTN" (Acórdão 107-05657, j. 08.06.1999, Relator Francisco de Assis Vaz Guimarães, Provimento por Unanimidade, 7ª Câmara do 2º Conselho de Contribuintes)
DENÚNCIA ESPONTÂNEA – OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA – MULTA AFASTADA – A denúncia espontânea da infração exclui o pagamento de qualquer penalidade, tenha ela a denominação de multa moratória ou multa punitiva – que são a mesma coisa -, sendo devido apenas juros de mora, que não possuem caráter punitivo, constituindo mera indenização decorrente do pagamento fora do prazo, ou seja, da mora, como aliás consta expressamente no artigo 138 do CTN.
Exige-se apenas que a confissão não seja precedida de processo administrativo ou de fiscalização tributária, por que isso lhe retiraria a espontaneidade, que é exatamente o que o legislador tributário buscou privilegiar ao editar o artigo 138 do CTN.
Recurso Provido. (Acórdão 107-05303, j. 23.09.1998, Relator Francisco de Assis Vaz Guimarães, Provimento por Unanimidade, 7ª Câmara do 2º Conselho de Contribuintes)
3.3 – REQUISITOS
Parece-nos claro, por tudo que debatemos acima, que a Denúncia Espontânea a que nos referimos neste capítulo, para que tenha como conseqüência a exclusão da responsabilidade consagrada no artigo 138 do CTN, tem que vir, necessariamente acompanhada de outros dois requisitos.
Assim são três os requisitos para socorrer-se do artigo 138, com a conseqüente exclusão da multa de mora (como infelizmente continua sendo chamada):
A – Denúncia Espontânea
B – Pagamento do tributo, com os juros e Correção Monetária
C – Ausência de procedimento Administrativo ou fiscal específico.
Prestou-se o § único do artigo em questão a definir o alcance do termo espontâneo (Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração), fazendo-a pela negativa. Assim a denunciação da irregularidade pelo infrator tem que anteceder o início de qualquer ação fiscalizadora. Se assim o for, é espontâneo seu ato. Valendo salientar ainda que o procedimento de fiscalização que obsta a denúncia espontânea não pode ser genérico, ao contrário, tem de relacionar-se com a infração, assim não basta existir uma fiscalização genérica, tem que ser exatamente relacionado à obrigação pela qual se está inadimplente.
"Para caracterização da denúncia espontânea é preciso, além do pagamento do tributo e juros moratórios, que seja ela feita antes do início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização e tenha por objeto infração desconhecida do fisco. Por outro lado, não há como e nem por que confundi-la com a mora fiscal. O crédito tributário será então acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo da falta do pagamento." (Ap. 8.633. TACivRJ, 6ª C, Rel. Juiz Sérgio Cavalieri Filho, j. 06.03.1990)
"Sem antecedente procedimento administrativo, descabe a imposição de multa, mesmo pago o imposto após a denúncia espontânea (art. 138 do CTN). Exigí-la, seria desconsiderar o voluntário saneamento da falta, malferindo o fim inspirador da denúncia espontânea e animando o contribuinte a permanecer na indesejada via da impontualidade, comportamento prejudicial à arrecadação da receita tributária, principal objetivo da atividade fiscal" (Resp. 9.241/PR. STJ, 1ª T, Rel. Min. Milton Pereira. DJU 19.10.1992) (no mesmo sentido Ap. e RN 47.649-7, TJPR, 6ª C, Rel. Des. Newton Luz. RT 739/383)
Por denúncia espontânea entende-se então, aquela que é feita antes de a autoridade administrativa tomar conhecimento da infração ou antes do início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionada com a infração denunciada.
Conforme pode ser visto pela imensa gama jurisprudencial e doutrinária, e mesmo pela análise, ainda que não aprofundada, do art. 138, fica evidente que presente os requisitos espontaneidade, pagamento do tributo (se houver) com respectivo juros e não existência de fiscalização específica, a autoridade lançadora ou fiscalizadora fica obrigada não cobrar multa de mora, ou se já o fez restituí-la ao contribuinte que, embora em atraso, tenha cumprido sua obrigação tributária.
Assim podemos concluir que a denúncia espontânea, vindo acompanhada dos outros requisitos já elucidados, elide qualquer responsabilidade pela infração, ficando isento de qualquer sanção, incluindo aí o caso da multa que o legislador, inadivertidamente, chama de moratória, ou seja, o contribuinte que em atraso cumpre sua obrigação tributária voluntariamente com o pagamento do tributo, se for o caso, e juros, antes de procedimento fiscal específico, tem direito à inexigibilidade da multa sancionatória ou moratória, qualquer que seja o nome, visto que o caráter será sempre de sanção.