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A força jurídica dos direitos fundamentais à luz da doutrina e da jurisprudência do STF

Colisão de direitos fundamentais e o controle de constitucionalidade

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Agenda 28/07/2017 às 16:00

O presente estudo tem por objetivo analisar a força jurídica dos direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988, restrição, colisão e a evolução dos direitos fundamentais à luz da doutrina e jurisprudência do STF.

 Sumário:1- Introdução. 2- Importância do controle de constitucionalidade para a proteção dos direitos fundamentais. 3- inconstitucionalidade no âmbito dos diretos fundamentais. 4- O parâmetro dos direitos fundamentais no juízo de legitimidade constitucional. 5- Abrangência do controle de constitucionalidade e os atos controláveis para essa proteção no âmbito dos direitos fundamentais. 6- Restrição de direitos fundamentais. 7- O princípio da proporcionalidade e os direitos fundamentais. 8- A posição do STF acerca da colisão de direitos fundamentais. Conclusões.


O presente estudo tem por objetivo analisar a força jurídica dos direitos fundamentais em face da Constituição Federal de 1988 e o controle de constitucionalidade como mecanismo de proteção desses direitos, sendo o presente tema delimitado na análise dos direitos, garantias e liberdades constitucionais e infraconstitucionais instituídos para salvaguarda do cidadão contra a ingerência abusiva do Poder Público e a defesa do Estado democrático de direito.

O Constituinte de 1988 cuidou de dotar os direitos fundamentais com a proteção da imutabilidade das cláusulas pétreas. Todavia, as normas consagradoras de direitos, garantias e liberdades são alvos de grupos de pressões, com propostas tendentes a aboli-las ou, mesmo, restringir-lhes o exercício pleno. Daí, a importância que envolve o tema.

Assim, serão analisados os mecanismos utilizados para arguir a inconstitucionalidade de atos normativos contrários aos diretos fundamentais, o regime das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, o parâmetro dos direitos fundamentais no juízo de legitimidade constitucional e o princípio da proporcionalidade no âmbito dos direitos fundamentais.


1- Introdução.

Segundo Reinhold Zippellius a função principal dos direitos fundamentais consiste em proteger um espaço de liberdade individual contra a ingerência do Estado e contra a sua expansão totalitária (primeira dimensão/geração dos direitos fundamentais).

Essa ingerência estatal sobre a esfera privada do Cidadão, por muitas das vezes, manifesta-se na forma de leis contrárias à ordem Constitucional. Dessa maneira, a ideia de controle de constitucionalidade está ligada à supremacia da Constituição sobre todo o ordenamento jurídico e, também, a de rigidez constitucional e proteção dos direitos fundamentais, como corolário do Estado democrático de direito.

Em decorrência da sua evolução ao longo da história, classificam-se em direitos fundamentais de 1ª, 2ª e 3ª gerações (ou dimensões) e para alguns, como Bonavides, há uma 4ª geração.

A primeira geração ou dimensão engloba os chamados direitos de liberdade, que são direitos das chamadas prestações negativas, nas quais o Estado deve proteger a esfera de autonomia do individuo. A segunda dimensão são os direitos sociais, como direito à educação, saúde, habitação, previdência social, trabalhistas etc, que tiveram destaque na Constituição do México de 1917, que disciplinou o trabalho e previdência social e na Constituição de Weimar de 1919 (proteção dos direitos sociais e no direito Internacional, o Tratado de Versalhes criou a Organização Internacional do Trabalho – OIT, reconhecendo o direito dos trabalhadores). Os direitos de terceira geração são aqueles de titularidade da comunidade, direito à paz, solidariedade, desenvolvimento, direito ao meio ambiente equilibrado etc.

A Constituição da República Portuguesa diz explicitamente no art. 2º que Portugal é um Estado democrático de direito baseado no respeito e na garantia de efetivação dos direitos fundamentais. Por essa razão, Canotilho afirma que para a análise dos direitos fundamentais, constitucionalmente assegurados, deduz-se que a raiz antropológica se reconduz ao homem como pessoa, como cidadão, como trabalhador e como administrado.

No direito Português a força jurídica das normas definidoras de direitos encontra-se consagradas no art. 18 da Constituição da República Portuguesa, que dispõe:

CRP. Art. 18: Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.

Observa-se que na Constituição portuguesa a força de vincular as entidades públicas vem declarada explicitamente. Essa vinculação do legislador pela Constituição é absoluta no domínio dos direitos, liberdades e garantias; não se admite exceções.

Analisando a proteção dos direitos fundamentais pelos tribunais na Alemanha, que tem também como princípio inalienável a aplicação imediata das normas que tratam dos direitos fundamentais albergadas em todo sistema constitucional, destaca Klaus Schlaich: “Según el art. 1, apartado 3, de la Ley Fundamental de la República Federal Alemana de 1949, los derechos fundamentales vinculan al poder legislativo, al poder ejecutivo u al poder judicial, em suma al poder estatal em todas sus formas a título de derecho directamente aplicable. Según el artículo 20, apartado 3, L.F., este principio es igualmente válido para las restante partes de la Constitucion.”

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O Constituinte brasileiro de 1988 seguindo o modelo da Constituição portuguesa de 1976, da Constituição espanhola de 1978, da Lei Fundamental da Alemanha de 1949, imprimiu força jurídica especial às normas de direitos fundamentais. O referido tratamento especial das normas definidoras de direitos fundamentais é facilmente identificado no artigo 5º, §, 1º, da Carta Constitucional brasileira de 1988, que dispõe:

CF: art. 5º, § 1º: As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

Verifica-se que o referido dispositivo fala sobre direitos e garantias, nesse aspecto cumpre observar, tomando da distinção formulada por Jorge Miranda1, que os direitos representam por si só certos bens, as garantias destinam-se a assegurar a fruição desses bens; os direitos são principais, as garantias são acessórias; os direitos permitem a realização das pessoas e inserem-se direta e imediatamente nas respectivas esferas jurídicas, só nelas se projetam pelo nexo que possuem com o direito; pela concepção jusnaturalista, os direitos declaram-se, as garantias estabelecem-se.

No Brasil, a executoriedade imediata das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais faz com que estas sejam diretamente aplicadas, sem que seja necessário adotar, previamente, medidas legislativas ou administrativas de natureza regulamentar.

Todavia, essa declaração pura e simplesmente não bastaria se outros mecanismos não fossem disponibilizados para torná-la eficaz, por exemplo, a previsão do mandado de injunção e da iniciativa popular.

A importância dos direitos fundamentais está presente também na Seção VII, do Processo Legislativo, precisamente no art. 60, § 4º, inciso IV, da Constituição da República Federativa do Brasil. O Constituinte de 1988 cuidou de dotar os direitos fundamentais com a proteção da imutabilidade das cláusulas pétreas. Assim, qualquer emenda constitucional tendente a abolir referidos direitos será excluída do nosso ordenamento jurídico brasileiro pela declaração de sua inconstitucionalidade:

CF: art. 60, § 4º: Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

(...)

IV – os direitos e garantias individuais.

No Brasil, não há consenso entre os estudiosos do direito constitucional acerca da sistematização dos direitos fundamentais assegurados na Constituição Federal de 1988. Para alguns, os direitos fundamentais são todas as normas da Constituição, para outros, são apenas aqueles estabelecidos no art. 5º, da Constituição Federal. 

Alexandre de Moraes ressalta que a Constituição Federal de 1988 trouxe em seu Título II os direitos e garantias fundamentais, subdividindo-os em cinco capítulos: direitos individuais e coletivos; direitos sociais; nacionalidade; direitos políticos e partidos políticos.

Guerra Filho, numa posição de vanguarda, vai além da sistematização proposta ao afirmar que a norma jurídica que consagra direito fundamental não é a única forma de expressão dos direitos fundamentais. Conclui: “o que significa dizer que esses são uma realidade mais abrangente que a norma.”

Corroborando nesse sentido, Gilmar Ferreira Mendes ressalta que a garantia dos direitos fundamentais enquanto direitos de defesa contra a intervenção indevida do Estado e contra medidas legais restritivas dos direitos de liberdades não se afigura suficiente para assegurar o pleno exercício da liberdade. Destaca o autor que não apenas a existência da lei, mas também a sua falta pode relevar-se afrontosa aos direitos fundamentais. É o que se verifica, v.g., com as chamadas garantias de natureza institucional, com os direitos à prestação positiva de índole normativa e, não raras vezes, com o direito de igualdade.

Carl Shimitt ao abordar a problemática da divisão e distinção dos direitos fundamentais, afirma: “Los derechos fundamentales han de distinguirse de otros derechos garantizados y protegidos en la Ley constitucional. No todo derecho fundamental se encuentra garantido en las Constituciones del Estado de Derecho por una regulación constitucional, y, a la inversa, no toda protección contra la reforma por ley ordinaria significa ya un decho fundamental.”

Segundo Alexy, “os direitos fundamentais são, por um lado, elementos essenciais do ordenamento jurídico nacional respectivo. Por outro, porém, eles remetem além do sistema nacional. Nesse exceder do nacional deixam distinguir-se dois aspectos: um substancial e um sistemático. Os direitos fundamentais rompem, por razões substanciais, o quadro nacional, porque eles, se querem poder satisfazer as exigências a serem postas a eles, devem abarcar os direitos do homem. Os direitos do homem têm, porém, independentemente de sua positivação, validez universal. Eles põem, por conseguinte, exigências a cada ordenamento jurídico.”

Assim, constatou-se que no sistema jurídico brasileiro nem, tampouco, em outros sistemas jurídicos, como acima apontado, as normas consagradoras de direitos fundamentais não estão obrigatoriamente estabelecidas em um padrão sistemático, em razão de que uma sistematização rigorosa dessas normas pode implicar na limitação de outras possibilidades do exercício dos direitos, garantias e liberdades. Tal precaução é explicitada no Texto Constitucional brasileiro, no art. 5º, parágrafo 2º, que dispõe:

CF: Art. 5º, § 2º: Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.


2 Importância do controle de constitucionalidade para a proteção dos direitos fundamentais

O controle de constitucionalidade das leis tem significativa importância para a proteção dos direitos fundamentais, na medida em que sem um controle efetivo da obra do legislador infraconstitucional, ou mesmo do constituinte derivado, estariam as normas de direitos fundamentais à mercê de alterações inoportunas e casuísticas produzidas, por muitas das vezes, em defesa de interesses menores, dissociados dos princípios que norteiam o Estado democrático de direito. Daí porque pode-se afirmar que a defesa desses direitos por meio da fiscalização de constitucionalidade implica na defesa da própria Constituição.


3 O direito de suscitar a inconstitucionalidade no âmbito dos direitos fundamentais

Ressalta Canotilho que não existe, no sistema jurídico-constitucional português, um processo de “queixa constitucional” que permita aos cidadãos lesados nos seus direitos apelarem diretamente para um tribunal constitucional. Todavia, os particulares podem, nos feitos submetidos à apreciação de qualquer tribunal e em que sejam parte, invocar a inconstitucionalidade de qualquer norma ou ilegalidade de atos legislativos violadores de lei com valor reforçado, fazendo assim funcionar o sistema de controle de constitucionalidade e da ilegalidade numa perspectiva de controle subjetivo.

Na casuística das cortes de justiça portuguesa, ressalta o referido autor que a jurisprudência do primeiro sexénio do Tribunal Constitucional é no sentido de que, também na ordem jurídico-constitucional portuguesa este tribunal se legitimou como “defensor da Constituição” enquanto “guardião dos direitos fundamentais”, sobretudo dos direitos, liberdades e garantias. Destaca Canotilho que as particulares cautelas reveladas pelo Tribunal Constitucional quando, em via de recurso, controla as decisões dos tribunais conexos com os direitos, liberdades e garantias, o que sugere uma nova refração da constitucionalidade da jurisdição. Consiste esta nova direção na vinculação dos tribunais às decisões do Tribunal Constitucional, pois as sentenças judiciais passaram a estar sob a reserva da interpretação (controle) dada pelo Tribunal Constitucional à concretização dos direitos fundamentais.

No Brasil, o Constituinte de 1988, além dos tradicionais instrumentos e garantais de proteção dos direitos fundamentais do mandado de segurança e do habeas corpus, institui novos instrumentos, individuais e coletivos, para a proteção desses direitos, como por exemplo, o habeas data, mandado de injunção, mandado de segurança coletivo. Esses mecanismos são garantias constitucionais, individuais e coletivas, destinadas ao cidadão para inibir ilegalidades perpetradas por parte do Poder Público e, ainda, para se arguir possível inconstitucionalidade das leis e atos normativos, por meio do controle difuso.

Há também outras garantias previstas na legislação infraconstitucional para proteção dos interesses difusos da sociedade e direitos individuais homogêneos, como por exemplo, a ação popular (Lei 4.717, de 29.6.65), que se destina a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público e a ação civil pública (Lei nº 7. 347, de 24.7.85), que consiste no instrumento processual adequado para reprimir ou impedir danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valores artísticos, estéticos, históricos e paisagísticos.

Outra inovação trazida pela Constituição de 1988, em sede de controle concentrado de constitucionalidade para defesa dos direitos fundamentais, foi a previsão de uma ação de arguição de descumprimento de preceito fundamental (art. 102, § 1º, da Constituição Federal), a referida norma constitucional é de eficácia limitada, para regulamentá-la foi editada a Lei 9.882/99, que será objeto de estudo em capítulo específico.


4 O parâmetro dos direitos fundamentais no juízo de legitimidade constitucional.

Afirma Canotilho que o problema dos direitos fundamentais como parâmetro ou norma de referência a ter em conta no juízo de legitimidade constitucional não oferece grandes dificuldades numa constituição, como a portuguesa, consagradora de amplo catálogo de direitos, albergando direitos, liberdades e garantias e direitos econômicos e sociais e culturais. Todas elas , segundo o autor, são normas de referências obrigatórias em qualquer controle de constitucionalidade dos atos normativos.

Porém, adverte o constitucionalista português que os únicos problemas que se podem suscitar dizem respeito aos direitos fundamentais não formalmente constitucionais, ou seja, os direitos constantes de leis ordinárias ou de convenções internacionais. Adverte o autor que esses diretos são densificações possíveis e legítimas do âmbito normativo constitucional de outras normas e, consequentemente, direitos positivos constitucionalmente plasmados, e nesta hipótese forma parte do bloco de constitucionalidade, ou são direitos autônomos, não reentrantes nos esquemas normativo constitucionais, e, nessa media entraram no bloco da legalidade, mas não no da constitucionalidade.

Sobre o tema, o Ministro Celso de Mello, relator, no julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da ADIn 595, em seu voto, destaca que na construção do significado de Constituição permite, na elaboração desse conceito, que sejam considerados não apenas os preceitos de índole positiva, expressamente proclamados em documento formal (que consubstancia o texto escrito da Constituição), mas, sobretudo, que sejam havidos, igualmente, por relevantes, em face de sua transcendência mesma, os valores de caráter supra positivo, os princípios cujas raízes mergulham no direito natural e o próprio espírito que informa e dá sentido à Lei Fundamental do Estado.

Ressalta o Ministro Celso de Mello, no referido voto, que não foi por outra razão que o Supremo Tribunal Federal, certa vez, e para além de uma perspectiva meramente reducionista, veio a proclamar - distanciando-se, então, das exigências inerentes ao positivismo jurídico - que a Constituição da República, muito mais do que o conjunto de normas e princípios nela formalmente positivados, há de ser também entendida em função do próprio espírito que a anima, afastando-se, desse modo, de uma concepção impregnada de evidente minimalismo conceitual (RTJ 71/289, 292 - RTJ 77/657).

Sobre o autor
Francisco de Assis Cabral

Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pelo UNIPÊ/JPA (1991). Mestre em Direitos Fundamentais pelo UNIFIEO-SP. (concluído em 2005, sob orientação da Profa. Dra. Anna Cândida da Cunha Ferraz - Livre Docente e Professora Associada da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – FD-USP). Ex-Procurador da FUNDAC/PB – Fundação de Desenvolvimento da Criança. Filiado ao Instituto Brasileiro de Direito Constitucional – IBDC, ao Instituto de Hermenêutica Jurídica – IHJ e ao Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Direito (CONPEDI) . Advogado em São Paulo de 1993 a 2003. Ex-Professor de Direito Constitucional e Hermenêutica Jurídica da Faculdade Integrada do Recife – Primeiro colado na seleção pública de docente para a disciplina de Direito Constitucional – I na Faculdade Integrada de Pernambuco - FACIPE (2008). Obras do autor: a) coautor da obra Constituição Federal Interpretada - artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. Coordenador/Organizador: Machado, Antônio Cláudio da Costa & Ferraz, Anna Cândida da Cunha. São Paulo: 8ª edição, Editora Manole, 2017; b) Controle de constitucionalidade. Editora Schoba, Salto-São Paulo 2009; c) Controle de constitucionalidade. 2ª edição, Editora Saraiva, São Paulo 2016.

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