5 Abrangência do controle de constitucionalidade e os atos controláveis para essa proteção no âmbito dos direitos fundamentais.
Para Jorge Miranda, os atos jurídicos políticos podem afetar os direitos fundamentais e outros direitos das pessoas. Aos diferentes tipos de atos e a sua diferente articulação com a Constituição pode provocar, em alguns casos, inconstitucionalidade (direta) e, noutros, ilegalidade, que segundo o autor podem corresponder a diversos modos de reação e de organização da tutela jurisdicional.
Vale ressaltar que não só os atos jurídicos, mas também os atos dos agentes públicos podem afetar os direitos, garantias e liberdades, por essa razão J.J. Gomes Canotilho afirma que determinadas normas constitucionais consagram deveres das entidades públicas, que a lei pode regular, e que estão estritamente associadas ao próprio exercício dos direitos fundamentais, por exemplo, dever de fundamentação das decisões dos tribunais, dever de atuação dos órgãos e agentes administrativos com respeito aos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, dever da fundamentação dos atos administrativos lesivos de direitos, liberdades e garantias.
Dessa maneira, a inobservância por parte do agente público de quaisquer pressupostos de validade na edição desses atos, por exemplo, falta de fundamentação de decisão judicial, implica na invalidade do ato, tendo em vista que tais pressupostos vinculam o agente público, sem se admitir exceção.
6.Restrição a direitos fundamentais
Para identificação das restrições aos direitos fundamentais se faz necessário uma avaliação do tipo, da natureza da medida legal restritiva. Nesse aspecto, J.J. Gomes Canotilho ressalta que existe uma restrição legal de direito fundamentais quando o âmbito de proteção de um direito fundado numa norma constitucional é direta ou indiretamente limitado através da lei. De modo geral, as leis restritivas de direitos “diminuem” ou “limitam” as possibilidades de ação garantidas pelo âmbito de proteção da norma consagrado nesse direito e a eficácia de proteção de um bem jurídico inerente a um direito fundamental.
A Constituição Federal de 1988 estabelece no art. 5º, X, que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. Com isso, pretendeu o constituinte resguardar esses direitos fundamentais do cidadão contra a ingerência abusiva do Poder Público ou mesmo em relação a situações privadas. De modo que, ocorrendo violação desses direitos pode o lesado requer ao judiciário a reparação por perdas e danos.
O artigo 220 da Constituição Federal dispõe que a manifestação de pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição.
Todavia, em relação o exercício dos referidos direitos, verifica-se que o Constituinte não quis dotar o exercício absoluto dos mesmos, sem limites ou restrições. Daí que o exercício desses direitos encontra limites na própria Constituição, chamada restrição constitucional (por exemplo, CF., art. 5º, V, XIII e XIV) ou, ainda, se a constituição autoriza a lei restringir esse âmbito de proteção, a chamada reserva de lei restritiva, há também os limites constitucionais não escritos, que ocorre, por exemplo, na existência de conflitos de direitos constitucionalmente protegidos.
Porém, adverte Mendes que se pode chegar a conclusão errônea de que direitos, liberdades, poderes, garantias são passíveis de ilimitada limitação ou restrição. Afirma o autor que é preciso não perder de vista, que tais restrições são limitadas. Cogita-se no caso dos chamados limites dos limites que balizam a ação do legislador quando restringe direito fundamental. Esses limites, segundo o autor, que decorem da própria Constituição, se referem tanto à necessidade de proteção de um núcleo essencial do direito fundamental, quando à clareza, determinação, generalidade e proporcionalidade das restrições impostas.
Nesse contexto, a fiscalização de constitucionalidade possibilita confrontar à conformidade de referidas normas com a ordem constitucional vigente, onde se verifica se a lei restritiva preenche os requisitos constitucionais fixados, conforme propõe Canotilho: se é uma lei formal e organicamente constitucional; existe autorização expressa da Constituição para o estabelecimento de limites através de lei; a lei restritiva tem caráter geral e abstrato; a lei restritiva observa o princípio da proibição do excesso, estabelecendo as restrições necessárias para a salvaguarda de outros direitos fundamentais ou interesses constitucionalmente protegidos e; finalmente, se a lei restritiva diminui a extensão e alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.
Ainda, sobre os limites constitucionais para o exercício de certos direitos, que por vezes leva ao equívoco de se falar restrição de direitos fundamentais, pode-se apontar, como exemplo, o veto constitucional ao anonimato, previsto no art. 5º, IV, última parte, da Constituição Federal de 1988.
Esta proibição ao anonimato foi introduzida no ordenamento constitucional brasileira já na Constituição republicana de 1891, na Seção II – Declaração de Direitos - no art. 72, § 12.
Art. 72, § 12: Em qualquer assunto é livre a manifestação do pensamento pela imprensa, ou pela tribuna, sem dependência de censura, respondendo cada um pelos abusos que cometer nos casos e pela forma que a lei determinar. Não é permitido o anonimato.
Este veto busca impedir a consumação de abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento, de modo que, ao exigir-se a identificação de quem se vale dessa prerrogativa político-jurídica, essencial à própria configuração do Estado democrático de direito, tem como finalidade possibilitar que eventuais excessos, originados da prática do direito à livre expressão, sejam passíveis de responsabilização, tanto na esfera civil, quanto no âmbito penal.
Não há dúvidas de que a denúncia anônima pode ensejar situações conflitantes entre valores essenciais, igualmente protegidos pelo ordenamento constitucional, dando causa ao surgimento de verdadeiro estado de colisão de direitos, caracterizado pelo confronto de liberdades que se encontram no mesmo patamar jurídico, de modo que a solução do conflito deve possibilitar primazia a uma das prerrogativas básicas, em relação de antagonismo com determinado interesse também previsto na própria Constituição.
Com efeito, a manifestação do pensamento atinge por vezes situações jurídicas de outras pessoas titulares de direito, também fundamental individual, de resposta. Dessa maneira, o Constituinte de 1988, no artigo 5º, V, estabelece que é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem. Esse direito de resposta, é também uma garantia de eficácia do direito à privacidade. Esse é um tipo de conflito que se verifica com bastante freqüência no exercício da liberdade de informação e comunicação.
Assim, pode-se afirmar que as restrições de direitos são normas que restringem posições jurídicas que, prima facie, se devem considerar como direitos, liberdades e garantias.
7. O princípio da proporcionalidade e os direitos fundamentais
Além dos chamados limites dos limites que balizam a ação do legislador quando restringe direitos fundamentais, é necessário observar para a proteção de um núcleo essencial desses direitos, além da clareza, determinação e generalidade das restrições impostas, a correta aplicação do princípio da razoabilidade ou proporcionalidade.
O Constituinte brasileiro de 1988 não tratou com o devido merecimento o princípio da razoabilidade, não obstante a falta de cláusula constitucional acerca deste princípio, a casuística dos tribunais vêm demonstrando sua aplicabilidade de forma efetiva. Verificou-se, também, que os doutrinadores brasileiros não medem esforços para ressaltar a importância e a força imperativa do princípio da proporcionalidade, muito embora não tenha sido delineado de forma explícita o referido princípio na Carta Constitucional .
Nesse sentido, afirma Willis Santiago Guerra Filho que a ausência de uma referência explícita ao princípio no texto da nova Carta não representa nenhum obstáculo ao reconhecimento de sua existência positiva. Sob o argumento de que: “...ao qualificá-la como “norma fundamental,” nos termos da Teoria Pura Kelseniana, se lhe a atribui o caráter ubíquo de norma a só tempo “posta” (positivada) e “pressuposta” (na concepção instauradora da base constitucional sobre a qual repousa o ordenamento jurídico como um todo). Conclui: “Por isso, haveria uma inconstitucionalidade sua com uma prescrição na forma de uma proposição normativa, pois trata-se de um princípio denominado “aberto” por LARENZ (1995, p. 308 s.), em contraposição àqueles formulados normativamente.”
No julgamento pelo STF do HC 80.949-RJ, impetrado com a finalidade de impugnar a inserção de provas ilícitas em procedimento penal e postular o seu desentranhamento, destaca-se trecho do voto do relator, Ministro Sepúlveda Pertence, que bem dimensiona a posição da Corte em relação à aplicabilidade do princípio da proporcionalidade no âmbito de proteção dos direitos fundamentais:
“Ora, até onde vá a definição constitucional da supremacia dos direitos fundamentais, violados pela obtenção da prova ilícita, sobre o interesse da busca da verdade real no processo, não há que apelar para o princípio da proporcionalidade, que, ao contrário, pressupõe a necessidade da ponderação de garantias constitucionais em aparente conflito, precisamente quando, entre elas, a Constituição não haja feito um juízo explícito de prevalência. Esse o quadro constitucional, não tem mais lugar a nostalgia, embora inconsciente, do dogma vetusto das inquisições medievais, para as quais "in atrocissimus leviores conjecturae sufficiunt et licent judiciura transgredi". Certo, a Constituição reservou a determinados crimes particular severidade repressiva (art. 5º, XLII, XLIII e XLIV). Mas, como observa Magalhães Gomes Filho, por sua natureza, as restrições que estabelecem são taxativas: delas, não se podem inferir, portanto, exceções a garantia constitucional - qual, a da vedação da prova ilícita -, estabelecida sem limitações em função da gravidade do crime investigado.”
Adverte Bonavides que a aplicação do princípio da proporcionalidade em sede constitucional num determinado ordenamento jurídico, como instrumento de salvaguarda dos direitos fundamentais para frear a ação limitativa que o Estado impõe a esses direitos, por via das reservas de lei consagradas pela própria ordem constitucional, pode comprometer o equilíbrio entre o Legislativo e o Judiciário, se for utilizado de maneira inadvertida e abusiva.
Nesse mesmo sentido, Gilmar Ferreira Mendes afirma que o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso pode estimular o constitucionalista, a Corte Constitucional ou o órgão que desempenhe função análoga a arrogar poderes que, efetiva ou aparentemente, afetam a esfera de competência dos demais órgãos constitucionais.
Portanto, para uma correta verificação dos requisitos formais na instituição de normas restritivas de direitos é necessário, também, observar se as condições impostas pelo legislador não se revelam incompatíveis com o princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade (adequação, necessidade, razoabilidade).