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Responsabilidade ambiental

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Agenda 12/12/2004 às 00:00

4-Responsabilidade Penal

A disciplina básica da responsabilidade penal ambiental encontra-se na Lei nº 9.605/98. Este diploma tem o mérito de ser a primeira lei que unificou a responsabilidade penal por infrações ambientais, que anteriormente estava dispersa em várias leis.

Inicialmente, é de se consignar que a responsabilidade penal por delitos ambientais está calcada na culpabilidade, e, no entanto, há previsão de responsabilidade de pessoa jurídica, o que adiante será analisado.

Uma leitura do artigo 2º da referida lei revela que foi adotada a teoria monista no que concerne ao concurso de agentes, pois estabelece que: "quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade".

Da mesma forma que o Código Penal, mitiga a aplicação da teoria monista estabelecendo a culpabilidade como coeficiente para aplicação da pena.

Mas a grande inovação da legislação reside na (absurda) responsabilização penal da pessoa jurídica por infrações ambientais. Um direito penal baseado na culpabilidade é uma das grandes conquistas modernas. Estabelecer a responsabilização penal de entes abstratos é tão ilógico como punir objetos, cadáveres ou animais, como já se fez em obscuro passado.

A culpabilidade está fundamentada na presença de elementos psicológicos que um ente abstrato não pode ter. Quem os tem são sempre os seres humanos que estão por trás dos entes abstratos.

A lei pode comportar o conteúdo que quisermos, mas deve sempre o legislador estar atento para aspectos dogmáticos, sob pena de criação de uma aberração lógico-jurídica. Quem tem ciência dos fatos, dos valores, e determina sua conduta de acordo com uma potencial consciência da ilicitude é uma pessoa física. A pessoa jurídica é apenas um ente abstrato, um instrumento da vontade de seres humanos. A respeito, afirma Francisco de Assis Toledo:

"Do que dito, conclui-se que o fato-crime consiste sempre e necessariamente em uma atividade humana, positiva ou negativa, pois a contrariedade ao comando da norma, que concretiza a realização de um tipo delitivo, só se estabelece diante da existência de uma ação ou omissão, que seja fruto de uma vontade, capaz de orientar-se pelo dever-ser da norma" [8]

Neste passo, calha a lição de César Roberto Bittencourt [9] que invoca o artigo 173, º 5º, da CF/88, onde se fala em punições às pessoas jurídicas compatíveis com sua natureza.

Já Carlos Ernani Constantino lembra que:

"A melhor orientação, em Direito Penal, é ainda aquela que se baseia no tradicional princípio expresso no brocardo latino societas delinquere non potest; esta foi a posição reafirmada, de maneira unânime, no 13º Congresso Internacional de Direito Penal no Cairo, Capital do Egito, em outubro de 1984. O emérito Professor alemão Doutor HANS-HEINRICH JESCHECK, seguramente um dos maiores Penalistas do mundo na atualidade e o principal sustentador da Teoria Social da Conduta, tece os seguintes comentários em seu Lehrbuch des Strafrechts, Allgemeiner Teil (Manual de Direito Penal, Parte Geral, quarta edição - 1988, Editora Duncker und Humblot, página 204): ‘O Direito Alemão em vigor não conhece nenhuma punibilidade para pessoas jurídicas ou associações de pessoas. Pessoas jurídicas e associações de pessoas são capazes de atuar apenas através de seus órgãos e não podem, destarte, ser elas próprias punidas. Aliás, em relação a elas, não faz nenhum sentido a reprovação ético-social que há na pena, porque uma atribuição de culpa só pode ser feita em relação a pessoas individualmente responsáveis, e não contra sócios não envolvidos ou contra uma massa de bens. O legítimo objetivo de política criminal, que visa retirar os ganhos das sociedades, que tenham sido acrescidos ao seu patrimônio juridicamente autônomo, através de infrações penais de seus órgãos, pode e deve ser alcançado de outra maneira que não através da pena (confisco, extinção, seqüestro dos lucros adicionais)’ (vertido diretamente do original) [10].

O previsto no artigo 225, parágrafo 3º, da CF/88 não pode servir de arrimo para defesa da punição penal de entes abstratos.

Uma interpretação sistemática e conjugada dos dois dispositivos, estribada na premissa de assegurar a ambos a integridade do texto e a eficácia concreta, implica em que as sanções penais referidas no artigo 225 sejam aplicadas de acordo com a compatibilidade lógica em relação à espécie de agente.

Não resta dúvida que as pessoas jurídicas devam ser punidas, porém que sejam sanções cíveis e administrativas, compatíveis com sua natureza, jamais penais. Estabelecendo natureza penal para as sanções aplicadas às pessoas jurídicas, o legislador em nada melhorou a eficácia da repressão e prevenção as infrações ambientais, pois todas as penalidades de natureza penal aplicáveis à pessoas jurídicas poderiam ser aplicadas com natureza cível ou administrativa, sem que prejuízo algum houvesse.

Ao estabelecer a punição penal das pessoas jurídicas, no entanto, além de nada se ganhar, se cria uma grave brecha na dogmática penal. Além do mais, teremos uma hipótese em que a sanção penal poderá atingir, ainda que de forma indireta, o patrimônio de pessoas que expressamente contrariaram os atos que significaram delito ambiental. É o caso, e.g. dos acionistas que expressamente contrariaram a deliberação que deu azo ao ato de infração. Isto significa violação ao artigo 5º, inc. XLV, da CF/88.

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E como está a questão na jurisprudência [11]? A questão ainda gera controvérsias. Veja-se, ad exemplum, que no julgamento do Recurso Criminal nº 00.004656-6, 2ª Câmara Criminal do TJSC, Rel. Des. Juiz Torres Marques. j. 12.09.2000 chegou-se à conclusão descrita na seguinte ementa, não obstante a previsão legal:

"CRIME AMBIENTAL - DENÚNCIA NOS TERMOS DO ART. 3º DA LEI Nº 9.605/98 REJEITADA EM RELAÇÃO A PESSOA JURÍDICA - PROSSEGUIMENTO QUANTO A PESSOA FÍSICA RESPONSÁVEL. - Recurso da acusação pleiteando o reconhecimento da responsabilidade penal da pessoa jurídica - ausência de precedentes jurisprudenciais - orientação doutrinária - observância dos princípios da pessoalidade da pena e da irresponsabilidade criminal da pessoa jurídica vigentes no Ordenamento Jurídico Pátrio. - Recurso desprovido." [12]

E se legem habemus, pergunta-se: Por que não está sendo aplicada? De fato, são escassos os casos de procedimentos policiais instaurados contra pessoas jurídicas, e as infrações são milhares, inclusive cometidas por concessionárias de serviços públicos e empresas públicas, ou mesmo o próprio poder público [13]. Basta ver, por exemplo, a questão do lançamento de esgotos em todas as cidades brasileiras.

Iria ainda mais longe na indagação: Como fica a questão da responsabilidade penal da pessoa jurídica de direito público? Se a lei não faz distinção à espécie de pessoa jurídica, seria lícito concebermos um crime ambiental cometido pelo Estado? Neste caso, confundir-se-iam o réu e o juiz.

O que se observa é que a responsabilidade penal da pessoa jurídica é fonte de inúmeros problemas de difícil resolução, e é verdadeira aberração, com a devida venia dos seus valorosos defensores.

Feitas estas digressões, devemos passar a algumas considerações de ordem prática acerca da responsabilidade penal por infrações ambientais.

Um ponto importante que merece atenção concerne ao fato de que nas infrações previstas na Lei nº 9.605/98, as penas de até 03 anos poderão ser objeto de suspensão condicional (artigo 16), quando a regra no Código Penal são penas de até dois anos.

Devendo a sentença fixar, sempre que possível os danos causados, poderá ser utilizada para este fim a perícia levada a cabo no juízo cível ou mesmo no inquérito civil, "instaurando-se o contraditório", ressalva a lei. É pertinente considerar que isso bem sempre será viável, pois o réu poderá questionar aspectos da perícia levada a efeito no inquérito civil que demandaria a realização de nova perícia, por exemplo, o que nem sempre é possível.

A ação é sempre pública incondicionada, podendo haver transação penal, condicionada, porém à prévia reparação do dano ambiental, salvo impossibilidade.

Igualmente aplicáveis as disposições do artigo 89 da lei nº 9.099/95, porém a extinção da punibilidade somente será decretada a vista de laudo que comprove a reparação do dano ou a impossibilidade de fazê-lo, devendo, enquanto não efetuada a reparação, ser prorrogado o prazo de suspensão por até duas vezes (artigo 28).

Sendo condição legal de extinção da punibilidade, é despiciendo referir a reparação do dano com cláusula da proposta de suspensão condicional do processo.

E a representação das pessoas jurídicas? Feitas as ponderações acerca do contra-senso lógico que é atribuir-se responsabilidade penal a pessoas jurídicas, e na ausência de previsão específica no que concerne a representação judicial na seara penal, devemos os valer da lei processual civil, mais precisamente ao artigo 12 do CPC.

Quanto à fixação da pena, a própria lei fornece as penas aplicáveis e os vetores a serem utilizados na sua quantificação. A condenação demandará, por certo a formação de um PEC, como ocorreria com pessoa física.


5-Responsabilidade administrativa

A responsabilidade administrativa decorre de regras próprias e implica um procedimento, in casu um "processo administrativo" [14] próprio. Nenhuma relação direta tem, portanto, com a responsabilidade pena ou civil, até porque o fundamento das obrigações, embora relacionado a um fato comum, pode não ser o mesmo [15].

As infrações administrativas encontram um largo espectro de ocorrência, pois nos termos do artigo Art. 70 da Lei nº 9.605/98: "Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.".

Quais regras? Todas.

A constatação e apuração das infrações ambientais será levada a efeito pelas autoridades referidas no parágrafo 1º da Lei nº 9.605/98, que são: "os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente - SISNAMA, designados para as atividades de fiscalização, bem como os agentes das Capitanias dos Portos, do Ministério da Marinha".

No caso do Rio Grande do Sul, temos como exemplos de órgãos a PATRAN (patrulha ambiental da Brigada Militar) e o DEFAP (Departamento Estadual de Florestas e Áreas Protegidas),além da FEPAM.

Normalmente, a partir da constatação do dano pelos órgãos de fiscalização ambiental, com a respectiva lavratura do Boletim de Ocorrência Ambiental e do Auto de Infração, já se inicia a apuração das responsabilidades civil e penal, pois cópias destes documentos são encaminhados ao Ministério Público para abertura do competente inquérito civil, e cópias são remetidas, por este órgão, para a autoridade policial instaurar o pertinente procedimento.

Na seara administrativa, a constatação da infração pode dar ensanchas à tomada de medidas administrativa prévias como a apreensão de coisas e animais. Mas somente após o processamento do feito na esfera administrativa, sob o pálio do contraditório e da ampla defesa, é lícita a imposição de penalidade.

Não há previsão específica de que o resultado de eventual processo civil ou criminal venha a interferir na responsabilidade administrativa, que é independente.

A aplicação de sanções administrativas também pode encontrar esteio em normas estaduais e municipais, já que é competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios a proteção ao meio ambiente (CF/88, artigo 23, inc. VI e VII), havendo competência legislativa concorrente para as questões ambientais (CF/88, artigo 24, inc. VI).

Como cediço, a competência legislativa concorrente permite que Estados e Municípios legislem no "vácuo" da legislação de esfera mais abrangente [16]. Tal competência abrange, inclusive, a para legislar sobre procedimentos administrativos.

Por fim, é de se lembrar que não devemos confundir a competência para constatação e autuação (que é dos agentes públicos encarregados) com a competência para processamento administrativo (que é da autoridade administrativa).


6- Conclusão

O direito ambiental ainda é uma disciplina desconhecida por muitos. Trata-se de um ramo a ciência jurídica que tem uma dinâmica e princípios próprios, e que se enquadra dentro do direito público.

Poucas são as atividades humanas que não demandam incidência do Direito Ambiental. Se espectro de abrangência é, portanto, vasto.

É imperativo, assim que os operadores jurídicos e os estudantes, sobretudo, todos, busquem aprimorar-se no conhecimento desta disciplina.

A presente abordagem buscou somar-se no processo de difusão de informações. Se dúvida que é uma singela contribuição. Mas é através de singelas contribuições que iremos alimentar o contínuo debate que desenvolve a ciência.

Espero, desta forma, ter contribuído com este processo, no qual devem estar engajados todos os profissionais do Direito, sob pena de permanecerem estáticos, na contramão da história, como meros redatores de petições.


Notas

1 "Verificado o dano ambiental, coexistem a obrigação civil de indenizar, a responsabilidade administrativa e a penal. Precedentes (STF: Tribunal Pleno - MS 21113/DF, Mandado de Segurança. Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 14.06.91; STJ: RHC 9610/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ de 21.08.00; ROMS 9859/TO, Recurso Ordinário em Mandado de Segurança, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ de 17.04.00; HC 9281/PR, Recurso Ordinário em Habeas Corpus, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ de 30.10.00; e TRF: RHC, Recurso em Habeas Corpus, 2ª Turma, Rel. Des. Fed. Salette Nascimento, DJ de 06.08.97)." (Apelação Cível nº 97.03.086417-1/SP, 6ª Turma do TRF da 3ª Região, Relª. Juíza Salette Nascimento, j. 23.05.2001, Publ. DJU 07.01.2002, p. 38)

2 "A responsabilidade civil por dano ambiental é objetiva pois independe da perquirição de culpa do agente. A lei de política nacional do meio ambiente (Lei nº 6.938/81), dispõe em seu artigo 14, § 1º, que o poluidor é obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar danos causados ao meio ambiente e a terceiros afetados por sua atividade." (Apelação Cível nº 2000.04.01.132370-0/SC, 3ª Turma do TRF da 4ª Região, Relª. Juíza Maria de Fátima Freitas Labarrère. j. 04.09.2001, Publ. DJU 26.09.2001, p. 1527).

3 "A obrigação de preservar a mata e de repará-la acompanha a propriedade, independentemente de quem seja o seu titular, por tratar-se de obrigação propter rem, ou seja, de obrigação que recai sobre uma pessoa por força de um determinado direito real." (Processo nº 095815802 (3946), I Grupo de Câmaras Cíveis do TJPR, Paranavaí, Rel. Des. Antônio Prado Filho. j. 19.12.2002).

4 Ver artigo 1º, inc. I, da Lei nº 7.437/85.

5 O Inquérito Civil, Saraiva 2ª edição, 2000, p. 53-54

6 Op. cit. p. 56.

7 A expressão aqui vai utilizada em contraposição ao "processo administrativo".

8 Princípios Básicos de Direito Penal, Saraiva, 5ª edição, p. 91.

9 Teoria Geral do Delito, p. 54.

10 "O artigo 3º da Lei nº 9.605 é inconstitucional", artigo constante do CD Júris Plenum, edição nº 74.

11 Na doutrina, Ivan Lira Carvalho (in A empresa e o Meio Ambiente, constante do CD Juris Plenum, ediçãonº 74) fez um apanhado a aponta: "Defendendo a responsabilização criminal das pessoas jurídicas, doutrinaram juristas do quilate de Toshio Mulkai, Paulo Affonso Leme Machado, Sergio Salomão Schecaira, Celeste Leitos dos Santos Pereira Gomes, Luís Paulo Sirvinskas, Eládio Lecey, Gilberto Passos de Freitas e Vladimir Passos de Freitas (estes últimos com as reservas já comentadas). Contrariamente à responsabilização criminal das pessoas coletivas, alinham-se Renê Ariel Dotti, Luiz, Luiz Vicente Cernicchiaro, Luiz Regis Prado e José Henrique Pierangelli" . Como se nota, dentre os penalistas, prepondera a impossibilidade.

12 A respeito da temática da questão na jurisprudência, é pertinente uma consulta ao julgado do MS 349.440/8, pela 3ª Câmara do TACrim, relator Fábio Gouveia, citado por Alberto Silva Franco et alii, Leis Penais Especiais e sua Interpretação Jurisprudencial, RT, 7ª ed. 2ª tiragem, 2002, p. 734-738, onde constam eruditos votos com menção, inclusive, ao direito comparado.

13 O que é admitido, por exemplo, por Paulo Afonso Leme Machado, "Direito Ambiental Brasileiro", Malheiros, 10ª edição, p. 656.

14 O próprio parágrafo 4º do artigo 70 prevê: "As infrações ambientais são apuradas em processo administrativo próprio, assegurado o direito de ampla defesa e o contraditório, observadas as disposições desta Lei".

15 Mutatis mutandis, a situação assemelha-se a da infração tributária decorrente de inobservância de obrigação assessória.

16 Por óbvio que a legislação penal é exclusiva da União, nos termos do artigo 22 da CF/88.

Sobre o autor
Marcelo Colombelli Mezzomo

Ex-Juiz de Direito no Rio Grande do Sul. Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. Responsabilidade ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 529, 12 dez. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5981. Acesso em: 18 nov. 2024.

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