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Teoria geral do crédito bancário

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Agenda 03/12/2004 às 00:00

Juros moratórios

O STJ permite a elevação dos juros remuneratórios em caso de mora do devedor.

Ensina o voto-vista do ministro César Asfor Rocha, do STJ, no Recurso Especial nº 213.825: "No que tange à taxa de juros moratórios, verifico a existência de precedentes de ambas as Turmas componentes da Seção de Direito Privado desta Corte, no sentido de que, à mingua de legislação especial restringindo a elevação das taxas dos juros remuneratórios em caso de mora, a exemplo dos créditos rural, comercial e industrial, devem prevalecer as taxas de juros de mora pactuadas nos demais contratos de empréstimo bancário ... "

"Excluir os juros remuneratórios após o vencimento do empréstimo constitui, do ponto de vista jurídico, um prêmio para o inadimplente, que mereceria, ao contrário, uma sanção", observa o ministro Ari Pargendler, do STJ (Gazeta Mercantil, São Paulo, 18.mar.2003, p. A-11).

"O entendimento majoritário desta Corte é no sentido de se permitir, nos contratos bancários, a cobrança cumulada de juros remuneratórios com moratórios, quando pactuada", afirma o ministro Castro Filho, do STF (RESP 402.483, decisão unânime).

O novo Código Civil, em seu artigo 406, permite a estipulação dos juros moratórios e, na falta de convenção, prevalecerá "a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional".


"Spread"

Os bancos e as financeiras desempenham o papel da intermediação financeira, e o "spread" corresponde à diferença entre a taxa de aplicação (cobrada dos devedores nas operações de crédito) e a taxa de captação (paga aos investidores).

"Em toda atividade comercial ou industrial, o preço de venda do produto não pode ser menor do que o respectivo custo", observou o ministro Ari Pargendler, do STJ, em análise sobre a formação da taxa de juros (Gazeta Mercantil, São Paulo, 18.mar.2003, p. A-11).

Em agosto de 2001, segundo o estudo "Juros e ‘Spread’ Bancário no Brasil", divulgado pelo Banco Central do Brasil em novembro/2001, o "spread" médio se situou em 2,65% ao mês, decomposto nos seguintes fatores: "despesas de inadimplência responderam por 15,8% do total; despesas administrativas por 19,2%; impostos indiretos por 8,2%, impostos diretos por 21%; margem líquida do banco por 35,7%."

A fixação da taxa de juros nominal é instrumento de política monetária. A maioria dos bancos centrais utiliza a taxa de juros como instrumento de controle da inflação. Na formação do preço do crédito pelas instituições financeiras, o BCB foca o seu trabalho na redução do "spread".

Há ainda algumas medidas a serem tomadas para garantir a exigibilidade do contrato bancário e, assim, reduzir o "spread" e estimular o crédito, acha Sérgio Darcy da Silva Alves, diretor do BCB. "O sistema financeiro está hígido. Mas o objetivo não é fazer um banco morrer saudável. Tem que ser saudável e cumprir sua finalidade", observa Darcy.

Os devedores sabem: as instituições financeiras exercem o papel de agentes econômicos da intermediação financeira, de relevante importância para a produção e a circulação da riqueza. Mas alguns devedores, em notória configuração da litigância de má-fé, recorrem, sem fundamento, ao processo de revisão e pleiteiam o benefício da taxa de juros em patamar inferior ao custo dos recursos para a instituição financeira.

Imbuídos de má-fé, esses maus pagadores não abordam a questão do "spread" para justificar uma eventual excessiva onerosidade, e se apegam tão somente à taxa de juros nominal, sem examinar essa taxa no ambiente macroeconômico e como instrumento de política monetária, distante do poder de mercado das instituições financeiras.

Os juros das operações de crédito, à luz da taxa efetiva anual, quando não propiciam elevada margem líquida ("spread" líquido) para o credor, não representam excessiva onerosidade para o devedor, a partir do princípio segundo o qual a excessiva onerosidade pressupõe uma extrema vantagem para o credor (artigo 478 do novo Código Civil).


Capitalização de juros

Nos contratos de mútuo, o artigo 591 do novo Código Civil estabelece a capitalização anual no tratamento dos juros nas operações de mútuo (artigo 591).

Essa regra implica: 1º) a taxa efetiva ou o custo efetivo para o consumidor deve ser expressa para o consumidor em termos anuais (42,58% ao ano); 2º) utilizada em períodos inferiores a um ano, a taxa efetiva anual deve ser descapitalizada para gerar a taxa nominal (3,00% ao mês).

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O Tesouro Nacional já adota, há longos anos, a taxa efetiva anual, em regime de capitalização anual, para expressar a remuneração de seus títulos lançados em mercado. Os autores do novo Código Civil trouxeram essa prática para as operações de mútuo e, assim, consagrarão uma metodologia reconhecida nas operações internacionais.

A taxa SELIC, à taxa efetiva anual de 19,00%, corresponde à taxa nominal de 0,0691% ao dia ou à taxa nominal de 1,46% ao mês (o Tesouro Nacional utiliza os dias úteis no ano, na base de 252 dias).

Nos títulos de crédito, a jurisprudência do STJ, consubstanciada na Súmula nº 93, de 03.11.93, admite expressamente o pacto da capitalização de juros.

A Lei nº 10.931, de 02.ago.2004, artigo 28, parágrafo 1º, I, autoriza o pacto da capitalização na Cédula de Crédito Bancário. Diz o inciso I: "§ 1o - Na Cédula de Crédito Bancário poderão ser pactuados: I - os juros sobre a dívida, capitalizados ou não, os critérios de sua incidência e, se for o caso, a periodicidade de sua capitalização, bem como as despesas e os demais encargos decorrentes da obrigação."

Os juros remuneratórios não estão limitados a 12% ao ano nos contratos de mútuo firmados com instituição do Sistema Financeiro Nacional e a capitalização dos juros em periodicidade mensal é possível em contrato celebrado ao amparo da MP nº 2.170-36/2001, confirmou o STJ no julgamento em 22.jun.2004 do REsp 629.487-RS. De acordo com o entendimento assente do STJ, as limitações dos juros remuneratórios em 12% ao ano não se aplicam às instituições financeiras por força da Lei nº 4.595/1964, conforme Súmula nº 596 do STF. Quanto à capitalização de juros remuneratórios em periodicidade inferior à anual, está autorizada pela MP nº 2.170-36/2001.

A vigente Medida Provisória nº 2.170-36, de 23.ago.2001, em seu artigo 5º, admite a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional.

Prescreve o referido artigo 5º: "Art. 5º - Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano." Esse dispositivo está em vigor desde a Medida Provisória nº 1.963-17, de 30.mar.2000.

A melhor técnica é sempre adotar o regime de capitalização anual, agora estatuído no novo Código Civil, e definir a taxa efetiva anual para o devedor.


Equilíbrio

Desde que tenha sido observado o adequado comprometimento da renda mensal do devedor e desde que a taxa de juros tenha sido fixada de acordo com os parâmetros do mercado, bem como o devedor tenha ciência da taxa efetiva anual dos juros, a operação de crédito nasce em perfeito equilíbrio, em condições de assegurar, como preconiza Arnoldo Wald, "o bom e justo funcionamento do contrato em si, de modo que possa preencher as suas finalidades no interesse não só dos contratantes, ou de apenas um deles, mas sim do próprio contrato".


Intenções & assimetria de informações

As instituições financeiras cuidam para ter (e ter com transparência para o mercado, investidores, auditores independentes e BCB) uma carteira de crédito saudável, o principal sinal de sua saúde.

As instituições financeiras se afastam dos clientes com excessivo endividamento, sem adequada capacidade de pagamento. Alguns pensam, equivocadamente, serem as instituições gananciosas e apressadas na concessão de crédito. As análises são feitas previamente, mas não se pode garantir o sucesso em 100%. O mundo dos negócios não é tão racional.

As causas do insucesso de uma operação decorrem: as instituições financeiras não podem prever as intenções do cliente (a verdadeira fonte da incerteza) e, para complicar, as instituições financeiras sempre analisam informações assimétricas, imperfeitas ou limitadas (o devedor não revela sua verdadeira situação – o princípio da revelação ou "revelation principle").

Joseph Stiglitz e A . Weiss, autores do artigo "Credit Rationing in Markets with Imperfect Information", publicado em 1981, enfocam ainda outros aspectos como os comportamentos oportunísticos do devedor ("moral hazard") e a "seleção adversa": o aumento da taxa de juros atrai somente devedores de maior risco; a garantia amplia a certeza do retorno do crédito, para qualquer devedor, e serve como um filtro informacional ("screening device"), mas o aumento de garantias, até certo ponto, poderá determinar a escolha de devedores ou de projetos mais arriscados.

Stiglitz repartiu o Prêmio Nobel de Economia de 2001 com George Akerlof e Michael Spence.

Spence comentou: "Todos nós recebemos esse prêmio por tentar entender como os mercados se desempenham quando as pessoas têm informações imperfeitas."

Akerlof demonstrou: no mercado de carros usados, o vendedor é o único conhecedor das condições e do estado do automóvel; o comprador tem de confiar nas informações do vendedor, mas normalmente exige um desconto para compensar a desconfiança pela falta de informações.

Spence evidenciou a falta de informações também no mercado de crédito: o banco desconfia de não ter tido acesso a todos os detalhes do projeto; o risco então afeta não só a taxa de juros, mas também determina a redução do valor do crédito pretendido.

A oferta do crédito pelos bancos depende das condições do mercado para a avaliação dos riscos de crédito, explica Joseph Stiglitz (Belluzzo, Luiz Gonzaga. "Um novo paradigma em economia monetária?". Folha de S. Paulo, São Paulo, 06.jun.2004, p. B2). Falhas de mercado dão origem ao racionamento de crédito, como forma de os bancos maximizarem o retorno esperado sobre a carteira de empréstimos e financiamentos. As falhas de mercado dizem respeito a déficits no abastecimento de informações. Os bancos são instituições especializadas na avaliação da qualidade dos candidatos ao crédito ou na avaliação dos riscos do não-pagamento de uma dívida.

Uma das características do mercado de crédito é a assimetria de informações, ou seja, na relação credor-devedor, as partes têm dificuldade de avaliar adequadamente as condições e as intenções do outro protagonista (idem)

Os bancos não podem superar o problema do déficit informacional simplesmente pelo aumento da taxa de juros. A simples elevação do custo do crédito pode até dar o necessário equilíbrio à carteira de empréstimos e financiamentos, mas determina a "seleção adversa", isto é, o afastamento dos bons devedores potenciais. Os bancos também não podem superar o problema do déficit informacional com a supervisão do correto uso do crédito por parte do devedor. Os bancos assumem essa incapacidade de supervisão. Os devedores podem desviar e aplicar o dinheiro em operações de maior risco, problema reconhecido pelos bancos como "risco moral" (idem).

O "spread" (margem bancária adicionada à taxa aplicável a um crédito) aumenta quando há incertezas, quando há risco de moratória alto, quando a economia está fraca. Nesse cenário, os riscos são maiores e as instituições buscam maiores compensações. O "spread" é variável conforme a liquidez e as garantias do tomador do empréstimo, assim como do volume do empréstimo e o seu prazo de resgate. A falta de dados sobre os agentes da transação pode resultar em escassez de crédito, pois os juros deixam de estabelecer o equilíbrio entre a oferta e a demanda do crédito (idem).


Formalização

As instituições financeiras têm duas alternativas principais para a formalização das operações de crédito: 1º) o contrato de mútuo (artigo 586 do novo Código Civil); 2º) o título de crédito (artigo 887 subsequente).

O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis, e o título de crédito é documento representativo do direito literal e autônomo nele contido e produz efeito desde que preencha os requisitos da lei. A lei aditiva cria e regula os diversos títulos de crédito.

Nas operações de crédito em geral, as instituições financeiras utilizam a Cédula de Crédito Bancário, título de crédito criado pela Medida Provisória nº 1.925, de 14.out.1999, posteriormente regulamentada pela Medida Provisória nº 2.160-25, de 23.ago.2001 e, por fim, disciplinada pela Lei nº 10.931, de 02.ago.2004, capítulo IV.

Nas operações de crédito rural, as instituições financeiras dispõem dos títulos de crédito criados pelo Decreto-Lei nº 167, de 14.fev.67: I) Cédula Rural Pignoratícia (CRP); II) Cédula Rural Hipotecária (CRH); III) Cédula Rural Pignoratícia e Hipotecária (CRPH); IV) Nota de Crédito Rural (faculta-se a formalização do crédito rural por meio de contrato, no caso de peculiaridades insuscetíveis de adequação aos títulos mencionados).

A lei aditiva criou ainda, para atender a situações específicas: Cédula de Crédito Industrial (Decreto-Lei nº 413, de 09.jan.69); Cédula de Crédito à Exportação e a Nota de Crédito à Exportação (Lei nº 6.313, de 16.dez.75); Cédula de Crédito Comercial (Lei nº 6.840, de 03.nov.80); Cédula de Produto Rural e Cédula de Produto Rural Financeira (Lei nº 8.929, de 22.ago.94); Letra de Crédito Imobiliário (Lei nº 10.931, de 02.ago.2004, capítulo II); Cédula de Crédito Imobiliário (Lei nº 10.931, de 02.ago.2004, capítulo III).

O novo Código Civil não considera o título de crédito uma espécie de contrato: o "Título VI – Das Várias Espécies de Contrato" não inclui o título de crédito, o qual figura, com independência, no "Título VIII – Dos Títulos de Crédito". O artigo 887 define o título de crédito como o documento representativo do direito literal e autônomo nele contido.

Por sua literalidade e autonomia, o título de crédito não configurará, em nenhum momento, contrato de adesão, interpreta Antônio Carlos Fernandes, cearense, advogado aposentado do BEC, professor do Curso de Direito da Universidade de Fortaleza (UNIFOR).

A teoria de finanças trata os bancos como agentes econômicos especializados nas atividades de compra e venda de contratos e títulos, e a teoria das carteiras explica a existência de agentes econômicos (investidores), com diferentes aversões ao risco, tomadores de recursos no mercado para aplicar recursos acima de sua riqueza em uma carteira, com "spread".

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Newton. Teoria geral do crédito bancário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 514, 3 dez. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6010. Acesso em: 17 nov. 2024.

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