A teoria geral do crédito bancário é um trabalho destinado a contribuir para o desenvolvimento do crédito bancário, ora pela sua adequada valoração, ora pela sistematização de seus principais fundamentos jurídicos (doutrina, lei e jurisprudência).
O crédito bancário deve ser apreciado como negócio alavancador do crescimento econômico, o caminho seguro para o aumento da renda "per capita".
"A norma obriga, não simplesmente porque é válida, mas porque contém valor. Obriga por ser justa e por ser legítima", ensina Arnaldo Vasconcelos ("Teoria da norma jurídica", São Paulo: Malheiros Editores, 5a. ed., 2a. tiragem, 2002).
O valor do crédito
Quando o acesso ao crédito é facilitado, as empresas tendem a investir mais na expansão de suas atividades, e as famílias tendem a aumentar o seu grau de consumo. Esse comportamento das empresas e das famílias colabora para uma maior taxa de crescimento econômico.
No Brasil, o primeiro banco surgiu em 1808 com a vinda de d. João VI, autorizador da abertura do primeiro Banco do Brasil, fechado em 1829. Só em 1836 nasceu o primeiro banco privado, o Banco do Ceará, mas logo fechado em 1839. Em 1838, nasceu o Banco Comercial do Rio de Janeiro, cujo sucesso motivou o surgimento de outros bancos comerciais na Bahia, Maranhão e Pernambuco.
Nos EUA, em 1811 já 90 bancos desenvolviam suas atividades e, dois anos depois, já eram 208 bancos, registra Jason Goodwin, autor de "Greenback: The Almighty Dollar and the Invention of America". Jefferson, o segundo presidente, criou o Banco dos Estados Unidos, fechado por Andrew Jackson, diz Goodwin, o qual ressalta a paixão do americano pelo dinheiro, adotado como padrão de medida de valor na sociedade. Goodwin cita Charles Tocqueville, francês, escritor político: "A característica nacional mais marcante da América é a sua obsessão por dinheiro. Ele é a medida da existência naquela democracia". (in "Da Democracia na América" – 1835 – 40).
Irineu Evangelista de Souza, o visconde de Mauá, sugeridor da criação do terceiro Banco do Brasil em 1851 e fundador do Banco Mauá em 1854, aberto com 600 contos e 182 sócios, disse sobre o valor do crédito: "O Banco do Brasil tinha, pois, a missão de tornar conhecido o uso do mais poderoso instrumento da civilização moderna, no tocante à criação da riqueza" (o crédito).
Keynes e Kalecki, os dois fundadores da macroeconomia, apontaram a importância do mercado de crédito, comenta Luiz Gonzaga Belluzo, professor, professor titular de Economia da UNICAMP. Belluzo observa: "Eles afirmaram – contrariando o senso comum – que o crescimento da renda da comunidade e dos lucros empresariais depende da disposição de um grupo social, especialmente dos empresários – mas também dos consumidores, do governo ou dos estrangeiros – de gastar acima de sua renda corrente, isto é, de colocar mais dinheiro na economia do que está tirando." Prossegue Belluzo: "Em uma economia monetária desenvolvida, empresários e consumidores, em conjunto, podem gastar acima de suas receitas correntes por conta da existência do sistema de crédito."
A atividade principal dos bancos nos primórdios do capitalismo concentrou-se no financiamento da dívida pública (garantida por impostos) e do comércio de longa distância. Depois da revolução industrial, com a aceleração dos negócios, não só cresceram as operações de desconto mercantil como se expandiu o avanço de crédito aos produtores privados. Nesse momento, o crédito assume sua função de antecipação de capital monetário: uma aposta, sujeita a perdas, no acréscimo de valor a ser criado no processo de produção, entendido como a utilização da força de trabalho assalariada e dos elementos do capital fixo e circulante na transformação de bens com o propósito de gerar mais dinheiro na vendas mercadorias produzidas. Os empresários em conjunto podem gastar valores superiores às suas receitas correntes por conta da existência do sistema de crédito, compreendendo os bancos e os demais intermediários financeiros, ensina Luiz Gonzaga Belluzzo (Folha de S. Paulo, São Paulo, 01.ago.2004, p. B2).
"Há de se compreender que o sistema financeiro é fundamental ao progresso de uma economia moderna e um sistema de crédito azeitado é chave para o desenvolvimento econômico", analisa Jairo Saddi, advogado, doutor em Direito, professor-coordenador dos cursos de Direito do IBMEC (SP).
A confiança subsistente entre homens de comércio nas suas relações mercantis é o crédito, conforme definiu Henry Thornton no século XIX, lembra Jairo Saddi ("Protegendo o crédito bancário, não o banqueiro". Valor, São Paulo, 20.mai.2004, p. A10). Haverá pouca confiança e crédito e, igualmente, pouco comércio, numa sociedade na qual a lei e o senso moral são fracos e, em consequência, o direito de propriedade privada é inseguro. O crédito bancário movimenta a economia, garante o comércio e a fluidez dos mecanismos de troca. Quando não há certeza jurídica, torna-se desnecessário aprofundar-se nas imensas dificuldades para baixar juros e ampliar a oferta do crédito bancário, conclui Saddi.
O sistema bancário brasileiro provou ser resistente a crises, mas o País precisa ampliar a intermediação financeira, e a falta de segurança no crédito e de regras para execução de falências retardam o desenvolvimento das operações creditícias, avaliou a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Os EUA perceberam, desde cedo, a importância do crédito como alavancador da produção e do consumo. No início, tomaram recursos emprestados à Inglaterra. Hoje, continuam os maiores tomadores de recursos do mundo: captam US$ 500 bilhões ao ano.
O Brasil só em 1967, através da Resolução nº 63, de 21.ago.67, do CMN, permitiu aos bancos a captação de empréstimos externos destinada a repasse às empresas no País. Essa abertura, segundo Stephen Kanitz, viabilizou o Brasil crescer da 46ª para a 9ª economia do mundo.
O crédito detém a força econômica. Hoje a maioria das transações comerciais não tem nada a ver com a moeda e sim com o crédito. O crédito determina os rumos da economia, observa Joseph Stiglitz, professor da Universidade de Colúmbia, Prêmio Nobel de Economia de 2001 (Valor, São Paulo, 18.jun.2004, p. C12).
A compreensão do funcionamento de uma economia monetária exige a análise das forças determinantes da demanda e da oferta de crédito e envolve o entendimento do papel dos bancos. A oferta de crédito é o novo paradigma monetário, defende Joseph Stiglitz em seu novo livro "Rumo a um novo paradigma em economia monetária" (Belluzzo, Luiz Gonzaga. "Um novo paradigma em economia monetária?". Folha de S. Paulo, São Paulo, 06.jun.2004, p. B2). A abordagem da teoria monetária tradicional, baseada na demanda de moeda por transações, não oferece uma explicação convincente da importância do dinheiro, avalia Stiglitz.
Os bancos dispõem da faculdade de aumentar o poder de compra. Adiantam recursos para a efetivação do gasto. Intermediam todo o processo de geração e utilização da renda.
O volume do crédito no Brasil
O Brasil, numa lista de 21 países, ocupa a 15ª colocação no volume total de crédito em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), de acordo com dados coletados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), com base em 2000, quando o volume total de crédito de nosso País ainda representava 29,4% do PIB. Essa proporção recuou para 23,8% ao final de 2002.
O Japão se destaca em 1º lugar da lista com 191,4% do PIB. Em seguida, Portugal com 144,1%; Reino Unido com 132,8%; Malásia com 127,4%; Alemanha com 125,6%; Espanha com 123,6%; Coréia do Sul com 112,3%; Tailândia com 102,6%; França com 90,7%; Canadá com 81,8%; Itália com 81,1%; Chile com 76,6%; EUA com 62,4%; Uruguai com 51,1%.
Vêm atrás do Brasil: Peru com 25,9%; Paraguai com 24,9%; Argentina com 23,9%; Indonésia com 20,9%; México com 13,2%; Venezuela com 12,0%.
O volume de crédito no Brasil caiu de 37% do PIB, em dez/94, para 24% do PIB, em dez/2002. O baixo volume de crédito no Brasil é, sem dúvida, um obstáculo ao crescimento, observou, em 29.jan.2003, Altamir Lopes, chefe do Departamento Econômico do Banco Central do Brasil (BCB).
O governo FHC sempre anunciou ter como objetivo criar condições para a relação entre o crédito e o PIB chegar aos níveis observados em países como o Chile, onde essa proporção gira em torno de 60%. O governo alimentou expectativas na atuação dos novos bancos estrangeiros, mas eles não confirmaram essas expectativas.
No período de 1992 a 2002, o PIB brasileiro cresceu 31,62%, ou 2,87% de crescimento médio anual. Mas as instituições financeiras acusam uma retração de 5,75% nesse período, e o peso da participação das instituições financeiras no PIB recuou de 32,76%, em 1993, para 6,58%, em 2001. Na formação do PIB, as instituições financeiras participam com as receitas provenientes do "spread" e das tarifas de serviço. O IBGE não contabiliza as receitas de títulos públicos em carteira.
O PIB do Brasil, ao final de 2002, se fixou em R$ 1,321 trilhão (US$ 450 bilhões), correspondente a R$ 7.567,00 de renda "per capita". No "ranking" das maiores economias do mundo, a Coréia do Sul ultrapassou o Brasil, agora na 12ª posição, e em 1º lugar vêm os EUA com PIB de US$ 10,336 trilhões; em 2º, o Japão, US$ 3,935; em 3º, a Alemanha, US$ 1,975; em 4º, o Reino Unido, US$ 1,548; em 5º, a França, US$ 1,408; em 6º, a China, US$ 1,304; em 7º, a Itália, US$ 1,167; em 8º o Canadá, US$ 0,715; em 9º, a Espanha, US$ 0,639; em 10º, o México, US$ 0,634; e 11º, a Coréia do Sul, US$ 0,470.
Proposta, análise e classificação
As instituições financeiras solicitam aos pretendentes de operações de crédito uma proposta, e por meio da análise dessa proposta as instituições financeiras aprovam ou não o crédito pleiteado.
As instituições financeiras iniciam a análise da proposta com a verificação do conceito do proponente no mercado e, para esse fim, consultam a SERASA ou outra empresa de informações cadastrais.
O prazo para anotação dos dados do devedor nos cadastros de restrição de crédito (SERASA, SPC e afins), conforme decisão do STJ (julgamento em 23.jun.2004 do Resp 472203), é de cinco anos e não de três anos, como vinham entendendo alguns tribunais de Justiça. Contados cinco anos desde a data da negativação do nome do devedor, não poderão ser fornecidas sobre ele quaisquer informações possíveis de impedir ou dificultar novo acesso ao crédito.
O crédito especializado (crédito rural, crédito industrial, crédito habitacional e outros) envolve um processo de análise específico, mais técnico e mais detalhado, por ter características e garantias próprias.
Para propiciar às instituições um ambiente mais seguro na concessão dos limites de crédito, o BCB criou a "Central de Risco de Crédito (CRC)" (Resolução nº 2.390, de 22.mai.97, do CMN), atualmente regulamentada pela Resolução nº 2.724, de 31.mai.2000, do CMN, e pela Circular nº 2.977, de 06.abr.2000, do BCB, complementada pela Circular nº 2.909, de 26.abr.2000, e Circular nº 3.098, de 20.03.2002.
O Sistema de Informações de Crédito do Banco Central (SCR) começou a operar em 30.jun.2004, de acordo com a Carta-Circular nº 3.139, de 29.jun.2004, do BCB.
O SCR inclui todos os nomes de tomadores de crédito com dívidas iguais ou superiores a R$ 5 mil por instituição financeira, vencidas ou a vencerem, nos 13 meses anteriores à última atualização, independentemente de a dívida já ter sido quitada.
O SCR é uma versão aprimorada da CRC criada em 1997, explica Henrique Meirelles, presidente do BCB (Valor, São Paulo, 30.jun.2004, p. C1).
Sob o ponto de vista da diversidade de informações, o SCR substitui a CRC com larga vantagem. A SCR passa a ser uma poderosa ferramenta de gestão de risco de crédito. A SCR indicará os saldos devedores por modalidade de operação, por moeda e também por 12 diferentes níveis de prazo, vencidos e a vencer; créditos já lançados em prejuízo também vão aparecer.
O sistema financeiro contrata média de 196 milhões de operações de crédito por mês, mas 94,4% dessas operações estão fora do SCR (saldo devedor inferior a R$ 5 mil). Apenas 5,6% das operações, envolvendo cerca de 8,6 milhões de clientes, são reunidas pelo SCR, mas correspondem a 86% do valor total da carteira de operações de crédito do sistema financeiro, calculado em R$ 608 bilhões.
A inclusão do nome no SCR independe da situação do tomador, se regular ou irregular. O SCR pode ser usado tanto como cadastro negativo quanto cadastro positivo, pois mostra também o histórico de crédito dos bons pagadores. O BCB permite o acesso do próprio interessado às suas informações. Qualquer pessoa com nome no SCR poderá acessar e imprimir seu histórico por meio da página na internet <www.bcb.gov.br/SCR>..
A Carta-Circular nº 3.107, de 26.nov.2003, do BCB, determinou às instituições financeiras o cadastramento no SCR das medidas judiciais relativas a titulares de operações de crédito registradas na CRC.
A Lei Complementar nº 105, de 10.jan.2001, reguladora do sigilo das operações das instituições financeiras, autoriza o funcionamento de centrais de risco para a troca de informações entre instituições financeiras, para fins cadastrais (artigo 1º, parágrafo 3º, I).
O BCB obriga as instituições financeiras a procederem à análise e à classificação das carteiras de crédito (Resolução nº 2.682, de 12.dez.99, do CMN), e pela classificação as instituições realizam a constituição de provisões para perdas em bases tecnicamente adequadas, considerando não apenas o andamento da operação (atraso), mas também as variáveis de caráter prospectivo, tais como: capacidade de geração de caixa do devedor, segmento econômico de atuação, condições macroeconômicas, setores, etc., explica Sérgio Darcy da Silva Alves, diretor do BCB.
Provisionamentos de crédito
Cada operação de crédito, continua Sérgio Darcy, "deve ser classificada em um dos nove níveis estabelecidos na regulamentação. As classificações possíveis vão de AA (baixíssimo risco) a H (alto risco ou ‘default’), estando cada faixa de ponderação associada a um nível mínimo de provisionamento. Assim, por exemplo, a provisão mínima para um crédito classificado como nível D é 10%. Da mesma forma, créditos em atraso devem sofrer reclassificação, observando-se os parâmetros estabelecidos na norma. Por exemplo: as operações em atraso entre 15 e 30 dias devem ser classificadas, no mínimo, como risco B."
A legislação do Imposto sobre a Renda não acolhe as exigências do CMN, corporificadas na Resolução nº 2.682/99, para a constituição da "Provisão para Operações de Crédito" pelas instituições financeiras, as quais passam a acumular "créditos tributários", provenientes do pagamento de IR sobre despesas apropriadas na escrituração bancária, mas adicionadas ao "lucro real". O peso dos "créditos tributários" nos ativos das instituições financeiras, representativo de comprometimento de "patrimônio de referência", motivou o CMN a regulamentar o registro e a dinâmica desses "créditos tributários" (Resolução nº 3.059, de 20.dez.2002). O mercado de crédito ressente-se da falta de conciliação entre as normas da Resolução nº 2.682/99 do CMN e as normas da legislação do IR em relação à "provisões" (artigo 335 do RIR) e à "perdas no recebimento de créditos" (artigo 340 do RIR).
O BCB reconhece: a falta de uniformidade no tratamento dos provisionamentos de crédito, para fins de dedução do IR/CSLL, afeta o custo do crédito ao tomador ("Juros e ‘Spread’ Bancário no Brasil", divulgado em novembro/2001).
Capacidade de pagamento
Um dos aspectos mais sopesados pelas instituições financeiras é o percentual de comprometimento das prestações assumidas pelo devedor em relação a sua renda mensal. Para preservar a capacidade pagamento do devedor, o comprometimento não deve ultrapassar, a título de parâmetro, 30% da renda mensal.
Juros remuneratórios
"Os juros remuneratórios são devidos como compensação pelo uso do capital de outrem, e os juros moratórios, pela mora, pelo atraso, em sua devolução", ensinam Álvaro Villaça Azevedo e Luiz Antônio Scavone, professores, definições citadas pelo ministro Castro Filho, do STJ, no processo RESP 402.483.
O Conselho Monetário Nacional (CMN), alicerçado no artigo 4º, IX, da Lei nº 4.595, de 31.dez.64, autorizou as instituições financeiras a praticarem em suas operações de crédito taxas de juros livremente pactuáveis, de acordo com a Resolução nº 1.064, de 05.dez.85, preceito consagrado no Manual de Normas e Instruções (MNI) 02-01-03.
Antes da Resolução nº 1.064, o CMN fixava às instituições financeiras as taxas máximas das operações de crédito, prática introduzida pela primeira vez, de forma coercitiva, pela Resolução nº 114, de 07.mai.69.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) pacificou a competência do CMN para regular as taxas de juros praticadas pelas instituições financeiras, competência atribuída pela lei especial disciplinadora do Sistema Financeiro Nacional (SFN), a Lei nº 4.595/64, recepcionada pela CF de 1988 como lei complementar. A Súmula nº 596, de 15.dez.76, do STF, e o Acórdão nº RESP-213.825/RS, de 22.ago.2000, do STJ, são exemplos dessa jurisprudência. Diz esse Acórdão:
"É ponto pacífico nesta Corte que a limitação das taxas de juros remuneratórios prevista no Decreto nº 22.626/33 foi revogada com a edição do artigo 4º, inciso IX, da Lei nº 4.595/64, nas operações realizadas por instituições financeiras, ressalvadas as hipóteses de legislação especial." (voto-vista do ministro César Asfor Rocha).
A regulação dos juros remuneratórios pelo artigo 591 da Lei nº 10.406, de 10.jan.2002, o novo Código Civil, não alcança as taxas praticadas pelas instituições financeiras, pois essas taxas continuam sendo regidas pelo comando da lei especial. O mesmo ocorre com os juros moratórios previstos no artigo 406 do novo Código.
A Emenda Constituicional nº 40, de 29.mai.2003, revogou todos os parágrafos da redação original do artigo 192 da CF. A limitação dos juros em 12% ao ano, então prevista parágrafo 3º desse dispositivo, não chegou a ter eficácia e aplicabilidade por falta de regulamentação. O STF, por decisão plenária de 07.mar.91, havia esclarecido: esse dispositivo pendia de complementação legislativa para ter vigência. Por decisão de 24.set.2003, o STF editou a Súmula nº 648 com o seguinte enunciado: "A norma do parágrafo 3º do art. 192 da Constituição, revogada pela EC 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à edição de lei complementar".
O novo Código Civil, à luz do artigo 591 combinado com o artigo 406, preferiu vincular os juros à taxa SELIC e estabeleceu: os juros não poderão exceder a "taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional".
A Receita Federal estabelece: o pagamento dos tributos e contribuições, efetuado com atraso, "está sujeito a multa e a juros de mora": 1) Cálculo da multa de mora: "0,33% por dia de atraso, calculada a partir do primeiro dia útil subsequente ao do vencimento, até o dia do pagamento, limitada a 20%"; 2) Cálculo dos juros de mora: "percentual equivalente à taxa referencial do SELIC, acumulada mensalmente, do mês seguinte ao do vencimento até o mês anterior ao pagamento, e de 1% relativamente ao mês em que o pagamento estiver sendo efetuado".
A taxa SELIC é a média ajustada dos financiamentos diários apurados no SELIC para títulos federais (definição da Circular nº 2.900, de 24.jun.99, do BCB, artigo 2º, parágrafo 1º). A legislação tributária federal passou a adotar a taxa SELIC como "juros de mora" a partir de 01.jan.95 (Lei nº 8.981, de 20.jan.95, art. 84, alterada pela Lei nº 9.065, de 20.jun.95, art. 13), com o fim da correção monetária e o congelamento da Unidade Fiscal de Referência (UFIR).
Resta totalmente revogada a Lei da Usura (Decreto nº 22.626/33) e derrogada a Súmula nº 121, de 16.dez.63, do STF. Explica Arnold Wald: "[...], cabe reconhecer que é entendimento dominante que a Lei de Usura (Decreto 22.626, de 07.04.1933) está revogada, embora a ela ainda se faça numerosas referências e que possa ser aplicada em relação às situações que ocorreram até a entrada em vigor da nova legislação. Nem mesmo de vigência concomitante entre o Código Civil e a Lei da Usura, no tocante aos juros, se pode cogitar, pois a nova legislação tratou exaustivamente da matéria que constava da anterior. Descabe, pois, entender que sendo o Decreto 22.626 lei especial e o Código Civil diploma legal de caráter geral, não teria havido revogação da lei de usura. Ao contrário, a Lei de Introdução é clara: ‘a lei posterior revoga a anterior quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior’." ("Os juros no código civil", Valor, São Paulo, 04.set.2003, p. B2).
A Medida Provisória nº 1.820, de 05.abr.99, hoje correspondente à Medida Provisória nº 2.172-32, de 23.ago.2001, já havia excluído as instituições financeiras do alcance de estipulações usurárias, ratificando o entendimento da Súmular 596 do STF.
O BCB divulga, através da página "www.bcb.gov.br/Sistema Financeiro Nacional/Operações de Crédito", o "Ranking das Taxas de Operações de Crédito", apresentado em duas formas: "ranking" por "ordem de classificação por ordem crescente de taxa"; "ranking" por "ordem alfabética de instituição". Em ambas as formas, o "ranking" mostra as taxas por tipo de encargo (prefixado, pós- fixado e flutuante) e por modalidade de linha de crédito, separadamente por pessoa física e por pessoa jurídica.
O BCB também divulga através do mesmo "site", as taxas médias praticadas pelo SFN nas operações de crédito.
Sempre constata o BCB, nos dados das taxas, uma heterogeneidade significativa, comprovadora da hipótese do comportamento competitivo no SFN.
A livre concorrência é um dos princípios gerais da atividade econômica previstos no artigo 170, IV, da CF.
A liberdade das instituições financeiras para a prática da taxa de juros nunca foi uma liberdade ampla e irresponsável; é (e sempre foi) uma liberdade limitada pelas forças de mercado, dentro de um regime de livre concorrência e de alta competitividade, porque o mercado financeiro é formado por mais de duzentas instituições creditícias, aí incluídas as públicas e as privadas, estas abrangendo as de capital nacional e as de capital estrangeiro.
O BCB não limita os juros remuneratórios, mas determina às instituições financeiras toda a transparência: elas devem indicar a taxa de juros em sua expressão efetiva ao ano (a taxa efetiva corresponde ao custo efetivo para o cliente e já traduz o impacto da capitalização, em qualquer período inferior a 360 dias).
O ministro César Asfor Rocha, do STJ, no Recurso Especial nº 213.825, emitiu voto-vista, devidamente aprovado, com o seguinte entendimento:
"Todas as vezes em que a contratação dos juros remuneratórios se apresente excessivamente onerosa, em percentual caracterizadamente abusivo, por extrapolar dos padrões da conjuntura econômica pátria, à qual devemos estar atentos, pode e deve ser aplicada a norma protetora do consumidor, com o fito de coibir-se intoleráveis abusos por parte das instituições financeiras. Assim, a estipulação de aludido percentual não pode ser imposta de forma assim tão desabrida, devendo se estabelecer uma convivência harmônica entre a liberdade conferida pela Lei nº 4.595/64 e a razoabilidade extraída pelo Código de Defesa do Consumidor, para impedir a cobrança de taxas abusivas."
O ministro Ari Pargendler, do STJ, comentou: "A maioria dos recursos que chega hoje ao STJ alega que a cláusula que define os juros remuneratórios é abusiva, mas não há provas disso nos autos." ("Juros só mudum se houver abuso", Valor, São Paulo, 14.mar.2003, p. E1).
Voto do ministro Pargendler, aprovado pela Segunda Seção do STJ, em sessão presidida pelo ministro Ruy Rosado de Aguiar, realizada em 12.mar.2003, adotou o seguinte entendimento: "A intervenção do Judiciário nos juros contratados pelas partes será possível apenas em casos excepcionais – quando ficar provado que o banco concede taxas mais baixas a outro cliente em operação semelhante." (voto do ministro Pargendler no RESP 407.097-RS, julgado em 12.mar.2003). Conclui o acórdão do referido processo: "A revisão judicial somente pode ocorrer quando reconhecida a abusividade".
O entendimento vitorioso na Seção será aplicado daqui por diante no julgamento de juros remuneratórios em contratos de mútuo, esclareceu o ministro Ruy Rosado de Aguiar ("Juros só mudum se houver abuso", Valor, São Paulo, 14.mar.2003, p. E1).
"Qualificar de abusivos os juros que, resultantes de política governamental, são praticados cotidianamente no País, não tem o menor sentido", afirmou o ministro Pargendler ("Juros podem ser contratados livremente", Gazeta Mercantil, São Paulo, 18.mar.2003, p. A-11).
O STJ sempre reconhecerá a existência de juros abusivos, mas em casos concretos, explicou o ministro Pargendler na mesma oportunidade, o qual admite a prova também pela taxa média de mercado: "Se a taxa média de mercado, numa determinada operação bancária, é de 10% ao mês e o banco contrata uma taxa de 20%, sem que o mutuário represente uma taxa adicional de risco ou tenha outra particularidade que onere o contrato, então é abusivo."
Ruy Rosado de Aguiar, autor de "Os contratos bancários e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça" (Brasília: CJF, 2003, 140 p., Série Pesquisas do CEJ, n. 11), comenta na referida pesquisa:
O juro "não significa apenas o fruto civil do capital, pois passou a ser importante instrumento de política monetária, juntamente com o câmbio, o comércio exterior e a regulação da moeda e do crédito, servindo para controlar o fluxo financeiro".
"Para o cálculo dos juros, considera-se o custo de captação do dinheiro, a sobretaxa do banqueiro, a desvalorização da moeda e, por fim, os riscos operacionais, pois, quanto maior a possibilidade de inadimplência, maior o risco."
Os juros remuneratórios (compensatórios ou lucrativos) são devidos desde o trepasse; os juros moratórios, correspondentes à indenização pela inadimplência, fluem a partir do momento da mora.
Na atividade bancária, prevalece o enunciado da Lei nº 4.595/64, cujo artigo 4º, IX, atribui ao Conselho Monetário Nacional (CMN) a competência para fixar a taxa de juros, as comissões e o custo dos serviços bancários (Súmula nº 596 do STF).
Hoje em dia, à falta de outro índice deferido pelo CMN, a taxa legal passou a ser a prevista no artigo 406 do Código Civil.
A partir dos julgamentos do REsp nº 271.214/RS e REsp. nº 407.097/RS, ambos ocorridos em 12.mar.2003, "a Seção de Direito Privado do STJ liberou a cobrança em juízo das taxas de juros remuneratórios, durante a vigência do contrato, e da comissão de permanência, após a inadimplência, que podem ser exigidas de acordo com as taxas praticadas no mercado, no limite do contrato, só permitida a revisão judicial no caso de o devedor demonstrar que o banco cobrou juros menores em situação similar".
No julgamento posterior do REsp nº 466.979/RS, Ruy Rosado assim manifestou-se: "O entendimento que hoje predomina na Segunda Seção é francamente favorável à cobrança dos juros de acordo com os índices fixados pelos bancos, sem outro limite senão a taxa média de mercado e sem possibilidade de sua revisão pelo juiz, salvo quando o mutuário comprovar que o banco está cobrando dele mais do que cobra de outro, em situação similar. Como dificilmente ocorrerá tal hipótese (e, caso ocorra, implica indevida transferência ao mutuário da carga da prova do abuso, a ser feita possivelmente em perícia de difícil e onerosa realização), o resultado prático daquele julgamento é a liberação dos juros, sejam remuneratórios, sejam moratórios, sem nenhum controle efetivo."
No julgamento do REsp. nº 399716/RS, em 03.nov.2003, registrou Castro Filho, ministro-relator: com base na Súmular nº 596 do STF, a Lei da Usura (Decreto nº 22.626/33) não se aplica às instituições financeiras e compete ao Conselho Monetário Nacional, na forma da Lei nº 4.595/64, disciplinar os juros cobrados pelas instituições financeiras. O CMN atualmente não fixa limite para a taxa dos juros, mas essa taxa não pode ser abusiva. Castro Filho esclareceu: inexistiu a limitação dos juros em 12% ao ano pelo artigo 192 da CF, pois esse dispositivo não foi regulamentado.
Os juros remuneratórios não estão limitados a 12% ao ano nos contratos de mútuo firmados com instituição do Sistema Financeiro Nacional e a capitalização dos juros em periodicidade mensal é possível em contrato celebrado ao amparo da MP nº 2.176-36/2001, confirmou o STJ no julgamento em 22.jun.2004 do REsp 629.487-RS. De acordo com o entendimento assente do STJ, as limitações dos juros remuneratórios em 12% ao ano não se aplicam às instituições financeiras por força da Lei nº 4.595/1964, conforme Súmula nº 596 do STF. Quanto à capitalização de juros remuneratórios em periodicidade inferior à anual, está autorizada pela MP nº 2.170-36/2001.
Geraldo Brindeiro, procurador-geral da República, em parecer de 07.mar.2002 sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 2591), ajuizada em 26.dez.2001 no STF pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro Nacional (CONSIF), questionou decisões da Justiça que obrigam os bancos a alterar taxas de juros: "Provocado a dirimir conflito de interesses originado de relação de consumo, o Poder Judiciário ultrapassa os estritos limites da proteção do consumidor, interferindo diretamente em instrumentos da política monetária nacional, como a oferta de crédito e a estipulação das taxas de juros, a cargo do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central."