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Fundo Garantidor de Parceria Público Privada Federal: fundo especial distorcido e inconstitucional?

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Agenda 04/09/2017 às 11:36

Teria razão a parcela da doutrina que defende a inconstitucionalidade de tais fundos, ao argumento de que dependeriam de Lei Complementar para sua criação?

Resumo: O fundo garantidor de PPP, delineado pela Lei Federal nº 11.079/2004, possui personalidade jurídica de direito privado, assemelhando-se a uma empresa pública, razão pela qual não se sujeita à execução pelo art. 100, CRFB/88 e tampouco demanda regramento por lei complementar, vez que não se trata de fundo financeiro especial tratado pelo art. 165, § 9º, II da CRFB/88. Com essa nova formatação, tem-se como ofertar garantia atraente aos investidores privados da PPP.

Palavras-chave: Garantia; parceria público privada; fundo garantidor; personalidade jurídica de direito privado; empresa pública; constitucionalidade.


NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE AS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS E A NECESSIDADE DE CONSTITUIÇÃO DE UM FUNDO GARANTIDOR.

As parcerias público-privadas, modalidade de contratação em que entes públicos e organizações privadas, mediante compartilhamento de riscos e com financiamento obtido pelo setor privado, assumem a realização de serviços ou empreendimentos públicos, são disciplinadas, em âmbito federal, pela Lei nº 11.079/2004.

Alvo de críticas e de louvores por parte da doutrina, até então dividida quanto ao tema, o fato é que em contratos deste jaez, justificados, especialmente, pela insuficiência de recursos públicos para empreender de modo “exclusivo”[1], aliada à necessidade de aproveitamento da eficiência da gestão privada, faz-se imprescindível lançar mão de reforço de garantias de parte a parte, a fim de tornar o empreendimento viável, economicamente falando, para ambos os parceiros, como bem destacado por Gustavo Binembojm[2]:

“Uma das características peculiares dos contratos de PPP é o reforço das suas garantias em relação à generalidade dos contratos celebrados pela Administração Pública. A razão de ser de tal característica é de fácil compreensão: ao contrário dos demais contratos, as PPPs (i) exigem investimentos iniciais vultosos dos particulares, (ii) propõem sua amortização em longo prazo e (iii) no caso das concessões patrocinadas e das concessões administrativas de serviço público, não oferecem um objeto suficientemente atrativo para justificar per se os riscos assumidos pelos investidores privados”.

Por força do regramento federal – neste ponto compreendido como norma geral, aplicável, portanto, a todos os demais entes federativos[3] – é possível, a teor do disposto pelo art. 8º, V[4], da Lei nº 11.079/2004, a instituição de Fundos Garantidores por parte do Poder Público, objetivando minorar os riscos de inadimplemento de sua parte e tornar atraente a parceria ao setor privado.

A decantada Lei Federal – Lei nº 11.079/04 – dispõe de normas gerais e outras que são aplicáveis exclusivamente à União. Dentre estas, destacam-se aquelas relativas à autorização de criação e contornos do FGP-Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas, o qual terá por finalidade prestar garantia de pagamento de obrigações pecuniárias assumidas pelos parceiros públicos federais, distritais, estaduais ou municipais em virtude das parcerias de que trata a Lei nº 11.079/2004[5].

Na sequência, prevê o legislador federal que o sobredito FGP terá personalidade jurídica de direito privado (art. 16, §1º), sendo sujeito de direitos e obrigações próprias.

Por ser mais esclarecedor, transcreve-se na íntegra o dispositivo em questão:

“Art. 16. Ficam a União, seus fundos especiais, suas autarquias, suas fundações públicas e suas empresas estatais dependentes autorizadas a participar, no limite global de R$ 6.000.000.000,00 (seis bilhões de reais), em Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas - FGP que terá por finalidade prestar garantia de pagamento de obrigações pecuniárias assumidas pelos parceiros públicos federais, distritais, estaduais ou municipais em virtude das parcerias de que trata esta Lei.         (Redação dada pela Lei nº 12.766, de 2012)

§ 1o O FGP terá natureza privada e patrimônio próprio separado do patrimônio dos cotistas, e será sujeito a direitos e obrigações próprios.

§ 2o O patrimônio do Fundo será formado pelo aporte de bens e direitos realizado pelos cotistas, por meio da integralização de cotas e pelos rendimentos obtidos com sua administração.

§ 3o Os bens e direitos transferidos ao Fundo serão avaliados por empresa especializada, que deverá apresentar laudo fundamentado, com indicação dos critérios de avaliação adotados e instruído com os documentos relativos aos bens avaliados.

§ 4o A integralização das cotas poderá ser realizada em dinheiro, títulos da dívida pública, bens imóveis dominicais, bens móveis, inclusive ações de sociedade de economia mista federal excedentes ao necessário para manutenção de seu controle pela União, ou outros direitos com valor patrimonial.

§ 5o O FGP responderá por suas obrigações com os bens e direitos integrantes de seu patrimônio, não respondendo os cotistas por qualquer obrigação do Fundo, salvo pela integralização das cotas que subscreverem.

§ 6o A integralização com bens a que se refere o § 4o deste artigo será feita independentemente de licitação, mediante prévia avaliação e autorização específica do Presidente da República, por proposta do Ministro da Fazenda.

§ 7o O aporte de bens de uso especial ou de uso comum no FGP será condicionado a sua desafetação de forma individualizada.

§ 8o A capitalização do FGP, quando realizada por meio de recursos orçamentários, dar-se-á por ação orçamentária específica para esta finalidade, no âmbito de Encargos Financeiros da União.         (Redação dada pela Lei nº 12.409, de 2011)

§ 9o (VETADO). (Incluído e vetado pela Lei nº 12.766, de 2012)”.

A indagação que se impõe é: teria razão a parcela da doutrina que defende a inconstitucionalidade de tais fundos, ao argumento de que dependeriam de Lei Complementar para sua criação[6]?

E como equacionar o fato de que os mesmos seriam desprovidos de personalidade jurídica e a norma do art. 16, § 1º da Lei nº 11.079/2004  afirmar justamente o contrário?


DA NATUREZA JURÍDICA DO FUNDO GARANTIDOR DE PPP ESTATUÍDO PELA LEI Nº 11.079/2004: FUNDO ESPECIAL DISTORCIDO, REGRADO PELA LEI Nº 4.320/194?

Compete inicialmente definir o que venha a ser um “fundo especial”. Para tanto, vale-se do próprio conceito legal, veiculado pelo art. 71 da Lei Federal nº 4.320/1964, ao defini-lo como “o produto de receitas especificadas que por lei se vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços, facultada a adoção de normas peculiares de aplicação”.

Caso se compreenda que o FGP federal se trata de “fundo especial”, seu regramento se sujeitaria ao disposto pelo art. 165, § 9º, II, CRFB/88, segundo o qual “cabe à lei complementar: (...) II - estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta bem como condições para a instituição e funcionamento de fundos”.

Parte da doutrina, escorada, inclusive, em posicionamento do STF[7], entende que a referência à lei complementar restaria atendida pela Lei nº 4.320/1964, recepcionada pela nova ordem constitucional com o status de lei complementar[8].

Os fundos especiais, segundo J. R. Caldas Furtado, citando Heilio Kohama, são classificados em fundos especiais de despesa, fundos especiais de financiamentos (rotativos) e fundos de natureza contábil, caracterizados, respectivamente, por:

a) fundos especiais de despesa: são destituídos de personalidade jurídica, constituindo-se de receitas geradas no âmbito de atuação de órgão ou unidade administrativa que estão vinculadas à realização dos objetivos ou serviços que lhe estão afetos, proporcionando maior autonomia financeira;

b) fundos especiais de financiamentos (rotativos): são, em geral, administrados por uma instituição financeira oficial ou vinculada à Administração Pública, sendo igualmente destituídos de personalidade jurídica. São constituídos de receitas que se vinculam à execução de programas de empréstimos e financiamentos a entidades públicas ou privadas; possuem a denominação de rotativos porque incorporam o recebimento da amortização, juros, rendimentos, acréscimos e correção monetária, relativos a empréstimos concedidos, os quais servirão para reaplicação mediante mais empréstimos e financiamentos;

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c) fundos de natureza contábil: prestam-se ao recolhimento, à movimentação e ao controle de receitas e sua distribuição para a realização de objetivos ou serviços específicos, atendidas as normas de captação e utilização dos recursos que forem estabelecidas na lei de instituição do fundo. “O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), previsto no art. 60, I, da Constituição Federal e instituído pela Lei nº 11.494/07, é o exemplo típico de fundo de natureza contábil” [10].

Perceba-se que a tônica de todas as “subclassificações” acima indicadas é a ausência de personalidade jurídica do fundo especial, consistindo, em linhas gerais, em grupamento de bens pertencentes ao ente instituidor, esse sim, dotado de personalidade jurídica.

Dissecando os termos constantes da definição legal carreada pelo art. 71 da Lei nº 4.320/194, para uma melhor compreensão e catalogação dos fundos garantidores das PPP’s como fundo especial “desvirtuado” (já que há expressa previsão de que são dotados de personalidade jurídica de direito privado) ou instituto diverso, identificando-se sua real natureza jurídica, tem-se por indispensável a análise dos diversos termos constantes do enunciado: “o produto de receitas especificadas que por lei se vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços, facultada a adoção de normas peculiares de aplicação”.

Principia-se pela análise do termo “receitas especificadas”. Tomando de empréstimo escólio da lavra de Sérgio Jund[11], pode-se afirmar que o fundo especial deve ser constituído de receitas específicas e especificadas, instituídas por lei, ou outra receita qualquer, própria ou transferida, devendo-se observar, quanto a estas, as normas de aplicação estabelecidas pela entidade beneficente. Destaque-se a vedação de vinculação da receita de impostos a fundos especiais, a teor do disposto pelo art. 167, IV, CRFB/1988.

Ao referir à necessidade de vinculação das receitas especificadas à realização de determinados objetivos ou serviços, preleciona o mesmo doutrinador que o próprio fundo é que deverá, quando de sua instituição, vincular-se à realização de programas de interesse da Administração, cujo controle deve ser realizado por meio dos planos de aplicação e contabilidade próprios. A lei que instituir o fundo especial deverá dispor sobre as obrigações que serão pagas com o produto composto pelas receitas especificadas.

Ao abordar a parte final da conceituação legal – “facultada a adoção de normas peculiares de aplicação” – indica que a lei que instituir o fundo especial deverá estabelecer normas de controle referentes à destinação e aplicação dos recursos financeiros, ressaltando que as disponibilidades de caixa deverão ser escrituradas à parte, com clareza, em contas específicas no ativo financeiro, que indiquem a especificação do fundo especial, a sua destinação com a sua respectiva contrapartida, em obrigações a pagar escrituradas no passivo financeiro.

Todas essas características, aliadas à vinculação do fundo especial a determinado órgão da Administração, a quem cabe a gestão dos recursos financeiros destinados ao fundo especial por meio de um gestor próprio designado para tal fim, devendo possuir ordenador de despesas, plano de aplicação, orçamento, contabilidade e prestação de contas específica próprio, levam à iniludível conclusão de que o fundo especial não possui patrimônio, sendo, ainda nas palavras de Sergio Jund, o próprio patrimônio, entidade jurídica, órgão ou unidade orçamentária, ou mesmo mera “conta mantida na contabilidade. Assumindo uma ou outra forma, o fundo especial se traduziria em um “tipo de gestão de recursos ou conjunto de recursos financeiros destinados aos pagamentos de obrigações por assumir encargos de várias naturezas, e, ainda, por aquisições de bens e serviços a serem aplicados em projetos ou atividades vinculadas a um programa de trabalho para cumprimento de objetivos específicos em uma área de responsabilidade determinada.”[12]

Considerando todas as características acima apontadas e contrapondo-as ao comando normativo do art. 16 da Lei nº 11.079/2004, especialmente seu § 1º, e a própria razão de ser dos fundos garantidores de PPP’s – possibilitar o rápido e fácil acesso do parceiro privado à garantia ofertada pelo parceiro público em caso de inadimplemento deste – a resposta que se impõe às indagações formuladas ao final do item anterior só pode ser negativa, justamente pelo fato do sobredito fundo não guardar compatibilidade ou identidade com o “fundo especial” tratado pela Lei nº 4.320/1964.


DA CONSTITUCIONALIDADE DOS FUNDOS GARANTIDORES DE PPP FEDERAIS DE ACORDO COM O REGRAMENTO DA LEI Nº 11.079/2004 E DE SUA NATUREZA JURÍDICA DE EMPRESA PÚBLICA.

  Retomando a questão dos fundos garantidores, tem-se que, a despeito da enorme celeuma na doutrina em torno do tema, contando com defensores de peso tanto para um lado, quanto para o outro, parece mais consentâneo com a própria dicção legal a tese de que a instituição dos sobreditos Fundos Garantidores não padece de inconstitucionalidade ou mesmo revela-se contraditório conferir-lhes personalidade jurídica de direito privado. Explica-se.

Como bem sustentando por Carlos Ari Sundfeld, em coletânea por ele mesmo organizada, o FGP federal (e, consequentemente eventuais fundos símiles que se pretenda adotar em âmbito estadual) trata-se de nova espécie de pessoa jurídica governamental, “concebida para fins específicos, enquadrada no ‘gênero’ empresa pública, pois seu capital é inteiramente público, subscrito pela União, suas autarquias e fundações públicas, no limite expressamente previsto pela lei (art. 16, caput)”[13].

Prossegue afirmando que a finalidade específica da “empresa pública FGP” seria oferecer garantia de pagamento de obrigações pecuniárias federais em concessões patrocinadas ou administrativas (na esteira do art. 16, Lei nº 11.079/2004), e que tais garantias para o parceiro privado se justificariam diante do fato de estes “adiantarem vultosos investimentos para a criação de infraestrutura pública – contraindo, para tanto, obrigações financeiras com terceiros, que devem ser honradas – confiando no adequado cumprimento da contrapartida da Administração Pública”[14]. E arremata afirmando que sem ele o contrato não seria viável.

Em defesa da sistemática, acrescenta:

“Outra peculiaridade do FGP em relação às demais empresas públicas é a de, embora possuindo administração própria – isto é, autônoma em relação à administração e interesse de seus quotistas – esta ter sido legalmente delegada, por razões de eficiência, a um gerente externo, que será necessariamente uma instituição financeira federal (art. 17, caput, e § 3º). Mas isso tudo sem prejuízo de sua própria personalidade jurídica, que é garantida pela existência de patrimônio próprio, bem como de direitos e obrigações também próprios.

O oferecimento de garantia pelo FGP – que, não sendo por ele honrada, levará a uma execução nos moldes privados – em nada se choca com o disposto no art. 100 da CF, que submete ao regime de precatório a execução de débitos das pessoas de direito público. A execução contra o FGP será privada, porque privada é sua personalidade – e, portanto, privados são seus bens. São lícitas a desafetação e a transferência de bens do domínio público para o privado (isto é, para o patrimônio do FGP) justamente para permitir sua utilização como lastro real de garantias oferecidas, em regime privado, pelo FGP aos concessionários. Aliás, tais desafetação e transferência são justamente o que ocorre em toda criação de empresa estatal, que fica, como se sabe, sujeita ao regime privado, inclusive quanto à execução de suas dívidas.

A medida de modo algum implica a criação, por via de lei, de um sistema de execução de débitos públicos paralelo ao disposto no art. 100 da CF. Isso é evidente: a execução contra o parceiro público – seja movida pelo concessionário, seja pelo garantidor – será sempre a do citado art. 100. O que se submete a outro regime é a execução do débito contraído por uma pessoa privada – o FGP – ao prestar contratualmente uma garantia de pagamento de débito público. Evidentemente, o uso dessa solução está circunscrito às possibilidades patrimoniais da empresa pública FGP, não podendo se generalizar. Por isso, descabe falar em burla à norma constitucional.”[15]

Na mesma esteira, colhe-se ensinamento de Fernando Vernalha Guimarães, para quem o FGP é uma hipótese lícita de criação de unidade administrativa de direito privado para atuar no interesse da Administração, legitimada pelo exercício da auto-organização do aparelho estatal. Confira-se:

“É induvidoso que o Estado goza de autonomia política de auto-organização, conferida pela Constituição. Neste domínio, respeitados os limites impostos pelo texto constitucional (incisos XIX e XX do art. 37), poderão ser instituídas unidades administrativas dotadas de personalidade jurídica de direito privado, com vistas a cumprir uma certa política de estruturação e organização do aparelho administrativo, que tem raízes na discricionariedade estatal (entendida como a discricionariedade do legislador e do administrador).

(...)

Deve-se agregar, ainda, que os esquemas organizacionais da Administração hoje conhecidos pelo direito positivo não são definitivos, na acepção de não ser inviável a configuração legislativa de entes jurídicos dotados de peculiaridades desconhecidas presentemente do direito posto. Uma vez não existir no texto constitucional delimitações e esquemas definitivos quanto à estrutura administrativa (que retrata a encampação da estruturação organizacional prescrita pelo Decreto-lei 200/67), nada impede que lei ordinária introduza novos sujeitos de direito, integrando-os na esfera da Administração Pública.

(...)

Logo, a criação de fundos garantidores, como um ente dotado de personalidade jurídica própria e com vocação assemelhada a de uma empresa pública que presta atividades de apoio à Administração (ou atividade econômica em sentido estrito), é admitida pelo ordenamento constitucional, e se apresenta como uma técnica de gestão organizacional estatal”[16].

Em reforço, traz-se, ainda a doutrina de Gustavo Binenbojm:

“(...) Nada impede, de fato, que o Poder Público constitua uma empresa pública ou uma sociedade de economia mista (ou uma subsidiária dessas entidades) cujo objeto social seja o de garantir determinados projetos, concebidos no formato de PPP. Trata-se de um aspecto da atividade de fomento, que pode ser desempenhada por pessoas estatais de direito privado. Ora, segundo art. 173, § 1º, inciso III, da Constituição, empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias sujeitam-se ao ‘regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários’.

Veja-se, então: se é legítima a constituição de uma pessoa estatal de direito privado com o objetivo específico de dar garantias a projetos especiais sob a forma de PPP; se não há qualquer dúvida acerca da sujeição dessas entidades ao regime de execução e acionamento de garantias próprio das empresas privadas; impõe-se reconhecer como válido o expediente de constituição de um fundo privado para lastrear os contratos de PPP.”

Conclusivamente, restam afastados, a nosso ver, os óbices suscitados pela corrente doutrinária que se opõe à instituição dos fundos garantidores, acoimando-os de inconstitucionais por ofensa ao disposto pelos arts. 100[17] e 165, § 9º, II, CRFB/88, máxime em se considerando a presunção de constitucionalidade de que são dotadas as leis e a ausência de manifestação do STF em sentido contrário até o presente momento[18].

Fernão Justen de Oliveira, em obra coletiva organizada por Marçal Justen Filho e Rafael Wallbach Schwind, intitulada “Parcerias Público-privadas: reflexões sobre os 10 anos da Lei 11.079/2004”, qualifica a garantia dada por fundos símiles ao FGP como “garantia por relação obrigacional dual”, caracterizada pela detenção, pelo credor de um direito subjetivo, de satisfazer o seu crédito por meio do acesso e patrimônio de titularidade de terceiro, não integrante da relação substancial original[19]. E continua:

“O exemplo mais característico da dualidade obrigacional na Lei 11.079 – e sobre o qual recaíram maiores indagações doutrinárias – consiste no Fundo Garantidor de PPP – FGP (um fundo-sujeito), admitido no inciso V do art. 8º e cujo modo de gestão, funcionamento e de extinção está previsto nos arts. 16 a 22 da Lei de PPP. As características mais marcantes do Fundo Garantidor federal são  (a) sua personalidade de direito privado (art.16,§ 1º), com o próprio patrimônio respondendo por suas obrigações (art. 16, § 5º); (b) a integralização de capital por ações de sociedade de economia mista federal em quantidade que mantenha o controle pela União (art. 16,§ 4º); (c) independentemente de licitação, por proposta do Ministro da Fazenda e aprovação pelo Presidente da República (art. 16, §6º) e (d) vinculação direta, inclusive pela representação judicial, por instituição financeira controlada pela União (art. 17). O art. 21 autoriza vincular uma parcela do patrimônio do Fundo à determinada garantia, tornando essa parcela a salvo de penhora, arresto, sequestro, busca e apreensão originadas de outras obrigações do Fundo.

Por meio do Fundo Garantidor de PPP e das demais modalidades expressamente dispostas a partir do inc. III do art. 8º da Lei de PPP, dissociam-se as respectivas obrigações: de um lado o dever do parceiro público de prestar ao parceiro privado a contrapartida estipulada no contrato; de outro, a vinculação de terceiro, relativamente ao pagamento resultante de eventual inadimplemento na relação jurídica original. Tal distinção acarreta a dúplice relação jurídica – distintas, porém coligadas por um sincronismo de índole temporal. Não há absoluta independência, ao contrário: surge uma vinculação acessória entre o credor e o devedor dito secundário, na posição do agente garantidor. Por decorrência, surgem identicamente dois sujeitos passivos (e subsequentes) da responsabilidade: o parceiro público e o agente garantidor.

O garantidor assume a titularidade de uma obrigação imperfeita, que equivale ao dever de prestar sem vinculação própria, que consiste em sanção interna aplicável por causa do inadimplemento da contraprestação do parceiro público. O Estado, investido na categoria de parceiro público, permanece devedor na relação substancial, o debitum, enquanto o garantidor da contraprestação do parceiro público a ser prestada por sujeito diverso do devedor da relação substancial (companhia seguradora, organismo internacional ou instituição financeira não controlados pelo Poder Público ou ainda por fundo-sujeito garantidor ou empresa estatal com essa finalidade)”[20].

Conclusivamente, portanto, tem-se que o Fundo Garantidor de PPP delineado pela Lei nº 11.079/2004 apresenta-se em conformidade com a Constituição Federal de 1988 e possui natureza assemelhada a de uma empresa pública, dotado, portanto, de personalidade jurídica de direito privado, distanciado do regramento aplicável aos fundos financeiros e contábeis previstos nos arts. 71 a 74 da Lei nº 4.320/1964 e, por isso, não qualificado como “fundo especial”, mas sim um “fundo-sujeito”, por todas as razões acima elencadas.

Sobre a autora
Germana

Procuradora do Estado de Alagoas desde outubro de 2001, havendo atuado nas áreas de contencioso (Procuradoria Judicial e Procuradoria da Fazenda Estadual) e consultivo (Assessoria Especial do Gabinete do Procurador Geral do Estado de Alagoas). Procuradora da ARCE (Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado do Ceará) de março a outubro de 2001. Publicações anteriores: 1. “O direito líquido e certo no procedimento do mandado de segurança: cognição exauriente secundum eventus probationis e reflexos na Súmula 304 do STF”. Revista Dialética de Direito Processual nº 18, São Paulo, setembro de 2004. 2. “Recurso adesivo nos embargos infringentes após edição da Lei nº 10.352/01. Revogação tácita do art. 500, II do CPC?”. Revista Dialética de Direito Processual nº 19, São Paulo, outubro de 2004. 3. “A busca da efetividade processual e a superação de seus óbices através da tutela específica.” Revista Dialética de Direito Processual nº 21, São Paulo, dezembro de 2004. 4. “Da inadequação da ação cautelar para prestação da tutela inibitória e da remoção do ilícito”. Revista Dialética de Direito Processual nº 24, São Paulo, março de 2005. 5. “Da execução indireta: linhas preliminares e sua inserção no novo processo cognitivo-executivo (art. 461, CPC)”. Revista Dialética de Direito Processual nº 25, São Paulo, abril de 2005. 6. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS MORAIS E MATERIAIS – CONTESTAÇÃO. Cadernos de Direito – revista de divulgação da produção científica no campo do Direito da Faculdade de Alagoas. Maceió, jul/dez. 2005. 7. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS MORAIS E MATERIAIS – CONTESTAÇÃO. Juris Plenum – doutrina-jurisprudência-legislação. Ano II, n. 7 (jan/fev. 2006), Caxias do Sul, 2006. 8. PARECER. PERDA DE BENS. Juris Plenum – doutrina-jurisprudência-legislação. Ano II, n. 7 (jan/fev. 2006), Caxias do Sul, 2006.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GERMANA, . Fundo Garantidor de Parceria Público Privada Federal: fundo especial distorcido e inconstitucional?: Afinal, qual sua natureza jurídica?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5178, 4 set. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60107. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Trabalho fruto de estudo realizado junto à Assessoria Especial do Gabinete do Procurador Geral do Estado de Alagoas, onde se encontra lotada a autora (Procuradora de Estado), quando da análise do anteprojeto de lei que culminou com a criação do Fundo Garantidor de Parcerias Público Privadas no âmbito do Estado de Alagoas.

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