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O direito à propriedade versus a desapropriação de imóvel rural para fins de reforma agrária

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Examina-se o direito de propriedade frente às limitações de cumprimento de sua função social sob pena de desapropriação para fins de reforma agrária.

RESUMO: O direito de propriedade foi por muito tempo tido como absoluto, entretanto, hoje, devido aos ditames da função social da propriedade insculpido nas constituições democráticas do pós-guerra, sofreu grandes limitações, dentre elas a desapropriação para fins de reforma agrária. O presente estudo tem como objetivo analisar o direito de propriedade frente às limitações de cumprimento de sua função social sob pena de desapropriação para fins de reforma agrária. Trata-se de pesquisa bibliográfica, no âmbito da qual se utiliza dos fundamentos teóricos formulados por autores como: Cretella Júnior (1999), Di Pietro (2005), Ferreira (1998), Figueiredo (2001), Mello (2000). Além da introdução o texto contém três seções; na primeira, traça os pressupostos históricos da evolução do direito de propriedade; em seguida, enfoca o instituto da desapropriação; na terceira seção, discorre sobre a desapropriação de imóvel rural para fins de reforma agrária; nas alegações finais assentou-se que o direito de propriedade perdeu seu caráter absoluto e pode ser afastado para a realização da justiça social e do bem comum, contanto que se utilizem os meios legalmente permitidos.

Palavras-chave: Direito de Propriedade; Desapropriação; Imóvel Rural; Reforma Agrária.


INTRODUÇÃO

O direito de propriedade evoluiu ao longo dos tempos. Outrora absoluto, hoje enfrenta diversas limitações. As primeiras codificações previam um direito de propriedade em que o proprietário podia usar, gozar e dispor de seu bem assim como lhe aprouvesse. Era um tempo em que o individualismo imperava como garantia de direitos. O direito era eminentemente individual, mormente, as prescrições que tratavam do direito civil.

Com o advento das ideias socialistas advindas dos países europeus após a Primeira Guerra, surgiram os defensores da intervenção do Estado na propriedade privada. As ideias de distribuição de riquezas já eram preconizadas desde o Século XII, por São Tomaz de Aquino e foram contidas em Encíclicas Papais; todas tinham como dogma a afirmação de que a terra era de todos.

As terras particulares antes do advento da reforma agrária eram representadas por grandes propriedades rurais, onde a maior parte não tinha o necessário aproveitamento. Entretanto, a partir das preocupações com os problemas fundiários que estavam iminentes, pois crescia a necessidade de melhor distribuição de terras para torná-las produtivas para o bem estar social e para o bem do País, surgiram as primeiras aspirações e ideias do conceito que temos hoje de propriedade produtiva.

Somente com a Constituição de 1946, quando, em pleno vigor, as ideias democráticas e sociais, foi inserido que o uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. Nesse contexto, o conceito individualista do direito de propriedade foi mitigado em face do interesse público ou coletivo. Nascia, ali, o fundamento constitucional para a reforma agrária.

A relevância do presente texto está em refletir acerca do binômio propriedade versus reforma agrária, no sentido de trazer parâmetros legais, doutrinários e jurisprudenciais sobre o tema. Tem como temática central a seguinte indagação: Até que ponto o proprietário pode usar, gozar e dispor de seu imóvel rural? Para tanto o objetivo é analisar o direito de propriedade frente às limitações de cumprimento de sua função social, sob pena de desapropriação para fins de reforma agrária. Trata-se de pesquisa bibliográfica, onde são analisadas as teorias e reflexões de autores como: Cretella Júnior (1999), Di Pietro (2005), Ferreira (1998), Figueiredo (2001), Mello (2000), dentre outros. Também foram analisadas decisões judiciais disponíveis nos sítios dos tribunais superiores. Tudo para o estabelecimento de uma postura crítica dos preceitos balizadores da temática.

1 O DIREITO DE PROPRIEDADE

A instituição do direito de propriedade dos antigos tinha princípios diferentes dos que temos nos dias atuais. Até mesmo dentro das diversas civilizações e raças do período esta instituição tinha características diferentes.

Coulanges (2002, p. 65) nos dá notícias da existência de raças que nunca chegaram a instituir a propriedade privada, e de outras que só com o tempo e muito penosamente a admitiram. Como exemplo, cita os Tártaros que o admitiam quanto aos rebanhos, mas não o conheciam quanto ao solo. Já para os antigos germanos a terra não pertencia a ninguém; o germano apenas era proprietário da colheita. Entretanto, as populações da Grécia e Itália, desde a mais remota antiguidade, sempre reconheceram e praticaram a propriedade privada.

Nos primórdios havia uma conexão muito arraigada dentro de cada sociedade no que se refere aos institutos: religião, família e direito de propriedade. A religião ditava as normas da propriedade, pois, cada lar com seus próprios deuses, tinham que ser fixos, só admitindo a mudança em caso de extrema necessidade. A família fixava-se ao solo por dever e por religião, o lugar pertencia-lhe, era sua propriedade e por respeito aos deuses tinham que ser isolados, isto é, tinham que estar a certa distância uns dos outros. Nota-se que pelas regras impostas pela religião quanto ao isolamento dos cultos aos antepassados, a idéia de propriedade foi se estendendo do local onde repousavam os Penates[1] até os campos onde os rodeavam, pois a sepultura estabelecia o vínculo indissolúvel da família com a terra. Em algumas raças a venda da terra era proibida pelas leis locais. “A casa e o campo estavam tão ligados à família, que esta não poderia renunciar nem perdê-los nem abandoná-los” (COULANGES, 2002, p. 70).

Sem discussão, sem trabalho, sem sombra de hesitação, chegou de um só golpe e em virtude de suas crenças à concepção do direito de propriedade, desse direito que origina toda a civilização, pois por sua causa o homem beneficia a terra e ele próprio se torna melhor. (COULANGES 2002, p. 72).

O direito de propriedade foi mais completo e mais absoluto em todos os seus efeitos nas sociedades antigas do que nas modernas.  Na família patriarcal do período, o domínio estava ligado a terra. O senhor detinha todos os poderes inerentes ao solo, quer de frutos, rendas, serviços e até mesmo de jurisdição.

Com este domínio sobre a terra e a consequente produção de rendas, com o tempo ocorreram sobras na produção, com tais sobras ocorreu a necessidade de se criar estruturas para armazenamento, conservação e proteção. A partir deste excedente a produção foi recebendo um valor diferenciado para cada mercadoria.

Diferentemente do que se tinha anteriormente para o conceito de propriedade, onde este era tido como a junção de dois domínios, o útil e o iminente, aos poucos a modernidade começou a modificar os velhos conceitos, e a propriedade passou a ser tida como a soma de todos os antigos direitos que estavam associados a ela.

A propriedade só se torna aquilo que hoje o é quando associada à liberdade e à autonomia garantidas pelas concepções contratuais modernas, seja no que diz respeito à compra e venda ou aluguel da terra, seja no que diz respeito ao contrato de trabalho, seja no que diz respeito ao crédito e à generalizada garantia de cumprimento das promessas.

A partir das mudanças ocorridas o direito de propriedade teve sua liberdade da unidade familiar e assumiu um novo conceito que abrangeu tanto a exclusividade, como a negociabilidade.

Mas, foi com as transformações do processo econômico que a partir do Século XIX e principalmente no século XX a passagem da economia de rendas para a economia de capital, a própria terra transforma-se em capital. Ante a isso, o conceito de propriedade sobre determinados bens, principalmente sobre os bens de produção mudou. Essa mudança ocorreu, principalmente, por causa da possibilidade de transmutação da titularidade.

A partir do momento em que as organizações passaram a deter a titularidade, não mais somente de bens de produção ou bens materiais, mas de bens imateriais, ocorreu a mais completa mudança no conceito de propriedade. Esse novo conceito veio com as mudanças também no modelo e expansão das pessoas jurídicas, as quais passaram a dominar e a deter todos os tipos de propriedades.      

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Nossa atual Constituição assegura o direito à propriedade, entretanto, ressalta que ela terá uma função social e poderá ser desapropriada (art. 5º, incisos XXII, a XXVI). Esses direitos desempenharam importante papel na implementação do liberalismo em matéria econômica, o que possibilitou a liberdade da burguesia das garras do Estado absolutista (MIRANDA, 2004, p. 219-220).

As regras de limitação do direito de propriedade estão estipuladas na legislação infraconstitucional[2].

2 O INSTITUTO DA DESAPROPRIAÇÃO DE IMÓVEL RURAL

Pinto Ferreira (1998, p. 186) nos diz que “a fonte histórica da desapropriação é o Art. 17 da Declaração dos Direitos do Homem e do cidadão (DDHC), conforme preceituado pela Revolução Francesa de 1789, “Ninguém poderá ser privado da propriedade, que é um direito inviolável e sagrado, senão quando a necessidade pública, legalmente verificada, evidentemente o exigir e sob condições de justa e prévia indenização”.

A Constituição Federal de 1988, dispõe no Art. 5º, XXIII, CF/88, que “a propriedade atenderá a sua função social”.

No mundo moderno o exercício do direito de uso da propriedade encontra-se restringido por uma série de fatores, não assumindo mais o caráter omnímodo de outrora. Atualmente o gozo dos direitos decorrentes da posse ou domínio deve coadunar-se com outros valores, igualmente tidos por relevantes pela sociedade, como a função social e o respeito aos interesses públicos. (MIRANDA, 2004, p. 220).

A desapropriação é um procedimento administrativo que consiste na forma mais gravosa de intervenção do Estado na propriedade privada. A transferência do domínio dá-se de forma compulsória, mediante prévia declaração de necessidade pública, interesse social ou utilidade pública, e, o pagamento de indenização.

Celso Antonio Bandeira de Mello (1999, p. 686-687) a conceitua como:

O procedimento através do qual o Poder Público, fundado em necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, compulsoriamente despoja alguém de um bem certo, normalmente adquirindo-o para si, em caráter originário, mediante indenização prévia, justa e pagável em dinheiro, salvo nos casos de certos imóveis urbanos ou rurais, em que, por estarem em desacordo com a função social legalmente caracterizada para eles, a indenização far-se-á em títulos da dívida pública, resgatáveis em parcelas anuais e sucessivas, preservando seu valor.

Lúcia Valle Figueiredo (2001, p. 303), por sua vez, define o instrumento da desapropriação como:

O procedimento administrativo, preparatório do judicial, por meio do qual o Poder Público, compulsoriamente, pretende despojar alguém de seu direito de propriedade a fim de o adquirir, mediante indenização, prévia, justa, em geral, em dinheiro ou, excepcionalmente, em títulos da dívida pública, fundada em interesse público, necessidade pública, interesse social, como pela não utilização do bem nos termos de sua função social, ou, ainda, em decorrência de ilícito criminal. 

A ilustre autora ainda ressalta que “na desapropriação revela-se o poder extroverso do Estado, o poder (competência) de compelir alguém unilateralmente” (FIGUEIREDO, 2001, p. 303).

Pela desapropriação o Estado agindo com seu poder de império condiciona um direito individual em prol de toda a sociedade. A expropriação da propriedade não deverá, no entanto, ser arbitrária, para preencher caprichos pessoais, deverá ser declarada sua necessidade para, dependendo da situação do bem, mediante prévia e justa indenização, ocorrer o ato expropriatório.

Helly Lopes Meireles (2004, p. 575) assevera que a “intervenção na propriedade privada é todo ato do Poder Público que compulsoriamente retira ou restringe direitos dominiais privados ou sujeita o uso de bens particulares a uma destinação de interesse público”. Atente-se que o interesse deve ser da coletividade e não particular do governante.

Nesse contexto, este instrumento é um meio eficaz de que se utiliza o Estado para remover óbces que dificultam sua atuação em benefício do desenvolvimento, bem como a garantia da justiça social. Nas sábias palavras do douto Helly Lopes Meireles, (2004, p. 576-577) “a desapropriação é uma forma conciliadora entre a garantia da propriedade individual e a função social dessa mesma propriedade, que exige usos compatíveis com o bem-estar da coletividade”.

Se entendermos que o fim da Reforma Agrária é promover moradia adequada à classe necessitada da população, deve o Estado, então, promover mecanismos de efetivação de tal direito, o que, sem dúvida, leva à concretização do processo de desapropriação em tempos e modos adequados (FURTADO, 2001, p. 38).

O processo expropriatório acontece em duas fases; uma declaratória e uma executória. Naquela o poder público manifesta sua intenção de desapropriar um determinado bem; nesta são adotadas as providências para a consumação da transferência do objeto. (CARVALHO FILHO, 2000, p. 595).

A lei exige que antes do início das providências executórias se promova a declaração da vontade da Administração com base nos pressupostos de interesse da coletividade em geral, estatuídos nos diplomas legais que regem a matéria[3].

Ressaltamos que a declaração é um ato administrativo, e por assim o ser, pode ser objeto de controle judicial, não obstante, está excluído de tal apreciação o exame da conveniência e da oportunidade que levaram o administrador à escolha do bem para ser objeto de desapropriação. Neste sentido o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) decidiu que “não é dado o Judiciário examinar o ato da Administração, sob os critérios de oportunidade, necessidade e conveniência da desapropriação” (TJSP – Ap. 246.253 – 11ª C. Civ. – Rel. Des. Gildo dos Santos – 1994. apud CARVALHO FILHO, 2000, p. 645).

Concluída a fase declaratória a Administração passa a concretizar a transferência do bem para seu patrimônio, se for o caso, ou, o destina a uma atividade de interesse público. Em virtude de o decreto ser auto-executável o Poder Público dá efetividade à suas prescrições. Ressaltamos que, por se tratar de um ato de confisco, a auto-executoriedade do decreto expropriatório somente se efetiva se a Administração e o proprietário chegarem a um acordo bilateral quanto ao preço. Caso não haja acordo o Poder Público deve propor a competente ação expropriatória (CARVALHO FILHO, 2000, p. 601). Assim, verifica-se que o decreto de declaração de utilidade pública do imóvel é o gatilho do procedimento da desapropriação para fins da reforma agrária.

3 DESAPROPRIAÇÃO DE IMÓVEL RURAL PARA REFORMA AGRÁRIA

A desapropriação de imóvel rural para fins de reforma agrária está previsto no Art. 184 da CF/88.

Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.

Contudo, o conceito do que seja imóvel rural está disposto no Art. 4º I, da lei nº 4.504/64 (Estatuto da Terra) e contempla a unidade de exploração econômica do prédio rústico.

Para a ocorrência do processo expropriatório faz-se necessário que a propriedade rural não tenha utilização compatível com sua função social rural. Atende, entretanto, a função social rural e, portanto, não pode ser desapropriada para este fim, a propriedade que atenda os requisitos previstos no art. 186, CF/88:

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I - aproveitamento racional e adequado;

II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Também ficou afastada a incidência da desapropriação rural sobre a pequena e média propriedade definida em lei e a propriedade produtiva (Art. 185, CF/88)[4]. A doutrina considera este como o núcleo insuscetível de desapropriação, porque vem designado em preceito constitucional.

Nossa atual Constituição ainda prevê no Art. 243, a desapropriação de glebas em que forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas, sem indenização, e terá como finalidade o assentamento de colonos. Seu parágrafo único, ainda estatui que todo e qualquer bem apreendido em decorrência de tráfico ilícito será confiscado.

Convém lembrar que o confisco de bens adquiridos por atos ilegais ou através de produto proveniente de atos ilícitos já era disciplinado no Código de Processo Penal nos seus artigos 125 e 132. Tais dispositivos versam sobre o que se denomina de desapropriação sancionatória. Lúcia Valle Figueiredo (2001, p. 326) frisa “que a desapropriação sancionatória deve obedecer ao devido processo legal. E somente pode ser objeto a área em que se desenvolva o cultivo de psicotrópicos”.

Compete à União desapropriar para fins de reforma agrária imóvel rural que não está cumprindo sua função social. Entretanto, preceitua a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) no sentido de que para esta atividade a União Federal “não está dispensada da obrigação de respeitar os princípios constitucionais que, em tema de propriedade, protegem as pessoas contra a eventual expansão arbitrária do poder estatal” (MS 22.164-0-SP, DJU de 27.11.1995, p. 39.206).

Não perde a qualificação de propriedade produtiva o imóvel que por motivo de força maior ou caso fortuito deixar de apresentar os graus de eficiência na exploração (Art. 6º, § 7º, Lei 8.629/93). Por repetidas decisões o STF tem entendido que o imóvel invadido configura situação de força maior prevista no § 7º do Art. 6º da Lei 8.629/93 (MS 24.925 – DF. DJU de 15.04.2005, p. 154-165). Não obstante, o Pretório Excelso também tem decidido que “a invasão de parte mínima da gleba rural por integrantes do Movimento SOS Sem-Terras não induz, por si só, ao reconhecimento da perda de produtividade do imóvel em sua totalidade” (MS 24.133 – DF. j. 20.08.01993, DJU de 06.08.2004).

Ademais, convém destacar que é pacífica a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) na orientação contida na Súmula nº 354 que, “a invasão do imóvel é causa de suspensão do processo expropriatório para fins de reforma agrária”.

O valor do imóvel rural desapropriado deve ser fixado de modo justo e pago previamente. Este valor pode ser estabelecido por comum acordo entre o Poder Público e o expropriado, na falta do pacto poderá ser estabelecido o valor declarado para pagamento do Imposto Territorial Rural (ITR) e, se continuar a desavença será procedida a avaliação, em todo caso, como frisado antes, se persistir o desajuste quanto ao valor a ser pago, a Administração deverá proceder a ação de desapropriação para efeito de reforma agrária.

O procedimento judicial de desapropriação para fins de reforma agrária foi disciplinado pela Lei Complementar nº 76, de 6.07.1993, prevendo que o procedimento obedecerá ao contraditório.   

As benfeitorias úteis e necessárias são indenizadas em dinheiro, assim prevê o § 1º do Art. 184, CF/8.  Os demais acessórios e a terra em si, são pagos em títulos especiais da dívida agrária. A lei considera como justa a indenização que permita ao desapropriado a reposição, em seu patrimônio, do valor do bem que perdeu por interesse social. Entretanto, esse valor deve ser contemporâneo à data da avaliação do perito judicial, conforme decide pacificamente o STJ[5].

Controvérsias surgem quando se interpreta literalmente o disposto nos incisos do § 3º do Art. 6º da Lei 8.629/93, quanto ao pagamento da indenização pelas áreas de pastagens nativas. O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que não havendo exploração econômica não há como haver condenação ao pagamento de indenização pela cobertura vegetal (REsp 617.527/MS, julgado em 18.10.2005, DJ 07.11.2005 p. 201). Contudo, entende o mesmo Tribunal, que comprovada a exploração dos recursos vegetais de forma lícita e anterior ao processo expropriatório há a incidência da indenização[6].

Quanto à dilação no pagamento, o percentual dos juros compensatórios em vista da perda antecipada da posse que implica diminuição da garantia de prévia indenização assegurada constitucionalmente era de doze por cento ao ano, conforme entendimento consolidado pelo STJ[7]. Entretanto após a entrada em vigor da Medida provisória nº 2.183-56, de 24.08.01, que deu nova redação ao Art. 15-A do Decreto-Lei nº 3.365/41, os juros compensatórios passaram a ser calculados no percentual de seis por cento ao ano. Não obstante, este dispositivo foi suspenso liminarmente na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) Nº 2.332-DF, por contrariar a exigência constitucional de indenização justa. Também foi entendido por esta mesma ADIN que os juros compensatórios são devidos independentemente de o imóvel produzir renda (Di Pietro, 2005, p. 168).[8]

Este pagamento destina-se, apenas, a compensar a perda de renda comprovadamente sofrida pelo proprietário. Nesse sentido, o STF sumulou que “no processo de desapropriação, são devidos juros compensatórios desde a antecipada imissão de posse, ordenada pelo juiz, por motivo de urgência.” (Súmula 164).

Também cabe correção monetária de acordo com o Art. 1º da Lei 6.899, de 08.04.2001, que determina sua incidência sobre custas e honorários advocatícios. Esse também é o entendimento do STF, para quem, “em desapropriação, é devida correção monetária até a data do efetivo pagamento da indenização, devendo proceder-se à atualização do cálculo, ainda que por mais de uma vez”. Porque “A cláusula de garantia dominial que emerge do sistema consagrado pela Constituição da República tem por objetivo impedir o injusto sacrifício do direito de propriedade” (RTJ 164-158).

Cabe fazermos uma abordagem sobre o recurso administrativo em sede de desapropriação. O Art. 29 da Lei 9.784, de 29.01.1999, é enfático no sentido de proibir, salvo disposição legal em contrário, o efeito suspensivo do recurso administrativo. Corroborando com este disposto o STF decidiu que esta regra incide sobre processo administrativo para desapropriação que vise o implemento da reforma agrária, nos seguintes termos:

DESAPROPRIAÇÃO – INTERESSE SOCIAL – DECRETO – OPORTUNIDADE E ALCANCE. A ausência de eficácia suspensiva do recurso administrativo viabiliza a edição do decreto desapropriatório no que apenas formaliza a declaração de interesse social, relativamente ao imóvel, para efeito de reforma agrária, decorrendo a perda da propriedade de decisão na ação desapropriatória, não mais sujeita, na via recursal, a alteração. (MS 24.163 – DF, j. 13.08.2003, DJU de 19.09.2003)

Decorridos cinco anos, contados da data de expedição do decreto expropriatório, caducará para a Administração a pretensão executória da desapropriação, quando não promovida, quer através de acordo amigável, quer intentada judicialmente. O mesmo mandamento legal estabelece que decorrido um ano após a decadência, poderá o mesmo imóvel ser objeto de nova declaração (Art. 10, Dec-Lei nº 3.365/41).

Note-se que, com isso, o legislador deixou um lapso temporal relativamente curto para que o administrador desidioso possa promover novamente a declaração expropriatória. Tal prazo está em consonância com o que é determinado para as prescrições contra e a favor do Poder Público.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O direito de propriedade é uma faculdade de usar, gozar e dispor de seus bens que ao longo do tempo foi sendo modificado; sofreu mudanças que variaram de acordo com o desenvolvimento cultural, histórico e espiritual dos povos. O imóvel “terra”, foi um diferencial de extrema importância no direito de propriedade, pois estava ligada ao indivíduo por laços indeléveis.

Todo indivíduo tem o direito de usar, gozar e dispor livremente do que adquiriu licitamente, sem quaisquer outros limites que não aqueles impostos pela moral e pelos direitos dos seus semelhantes (CRETELLA JR., 1999, p. 568). Contudo, outrora absoluto, hoje se configura o direito de propriedade em um instrumento sujeito a inúmeras restrições, todas elas, não obstante, fundamentadas no interesse público, e não poderia ser outro o intento, visto que a coletividade quando demanda uma necessidade pode sacrificar interesses disponíveis individuais.

A desapropriação, mesmo indenizável, é a mais profunda forma de intervenção do Estado no direito de propriedade do indivíduo. Entretanto, ao tempo em que é um modo de perda da propriedade é uma aquisição de bem público e um instrumento de realização do interesse público, pois redistribui a propriedade.

O Estado, para cumprir uma de suas funções, desapossa o indivíduo de seus bens. Esse mecanismo de expropriação, raríssimas vezes, não se transforma em uma lide. Torna-se um quadro desolador e aflitivo, pois as delongas judiciais sempre acabam por ocasionar elevações nos valores anteriormente estabelecidos para as indenizações, principalmente com os acréscimos ocorridos com os juros de mora e compensatórios. Não obstante, estes não são os únicos fatores de elevação dos custos; ressalte-se que com o acionamento da máquina judiciária muitos outros acréscimos serão incorporados aos valores a serem pagos pela Administração.

  Não nos olvidamos dos ensinamentos de Renata Furtado (2001, p. 37), quando diz que “o fundamental é ter em mente que a negociação extrajudicial é comprovadamente a melhor forma de se efetivar a reforma agrária democrática, se ultimada, é claro, com métodos e propostas adequadas de negociação”.

Não se tem dúvida de que, se realizada com toda legalidade, segurança, lisura e probidade a conciliação é a melhor e mais rápida maneira de se processar a desapropriação do imóvel, entretanto, cabe lembrar, que não raras vezes, o preço exigido pelo proprietário é irreal para os valores praticados para o local.

Devido aos benefícios sociais que promove, há que se fazer uma conjugação de esforços para criação de câmaras de conciliação compostas por membros da Administração responsável por promover as expropriações, por profissionais ligados ao assunto e principalmente por representantes do Ministério Público, para que a desapropriação ocorra dentro dos limites de legalidade, de probidade e principalmente de eficiência, como afirmou Renata Furtado (2001, p. 37).

Sobre os autores
Joaquim Antonio de Amorim Neto

Especialista em Direito da Administração Pública pela Universidade Castelo Branco. Professor da UNINASSAU - Parnaíba-PI. Advogado em Parnaíba-PI.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NETO, Joaquim Antonio Amorim; OLIVEIRA, Alane Spindola. O direito à propriedade versus a desapropriação de imóvel rural para fins de reforma agrária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5218, 14 out. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60137. Acesso em: 25 dez. 2024.

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