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O perpasse histórico do Direito Falimentar

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Inúmeros são os motivos desencadeadores de crises nas sociedades empresárias. Compreenda como se dão as tratativas da Lei Falimentar, após análise de seu escorço histórico.

RESUMO:Diversos motivos complexos desencadeiam crises, que se subdividem em: crise econômica, financeira e patrimonial. Nesse mister, relevante se faz compreender melhor algumas medidas necessárias à superação do estado crítico em que se encontra a empresa, visando notadamente a preservação de sua função social pela ótica da supremacia do interesse público e a proteção jurídica do mercado. Os efeitos chegam em dados momentos a ser incomensuráveis, por isso, surgiu no Brasil a Lei n°. 11.101/2005 (LRF), que trata da recuperação judicial, extrajudicial e falência. Assim, este estudo tem por objetivo principal demonstrar a evolução do Direito Falimentar, com ênfase no Direito Falimentar brasileiro, que passou por transformações com o advento da LRF, que veio para substituir o antigo Decreto Lei n°. 7661/45. O presente artigo traz em sua metodologia a evolução do Direito Falimentar, faz breves comparações frente às legislações anteriores, como método elucidativo evidenciando os motivos pelos quais ensejaram as modificações legislativas ao longo da história, visando à clareza do tema a que se propõe desenvolver. Ademais, busca o foco na legislação brasileira especificamente no contexto histórico normativo bem como as evoluções legislativas até o cenário atual, para uma melhor compreensão das mudanças trazidas pela LRE.

Palavras Chave: Crise - Evolução histórica - Direito Falimentar no Brasil.

 

HISTORIC EVOLUTION BANKRUPTCY LAW

Abstract: Many complex reasons trigger crises, which can be divided into: economic, financial and property crisis. In this business, it's necessary to understand some measures needed to overcome the critical condition of the company, especially for the preservation of its social role from the perspective of the public interest supremacy and market’s legal protection. At certain times, the effects are incommensurable, so in Brazil emerged the Law no. 11.101/2005 (LRF), which deals with judicial and extrajudicial recovery, and also with bankruptcy. Thus, this article's main purpose is to demonstrate the evolution of Bankruptcy Law, with emphasis on Brazilian Bankruptcy Law, which went through changes with the advent of LRF, which came to replace the old Decree Law no. 7661/45. This article's methodology brings the evolution of Bankruptcy Law, makes brief comparisons with previous legislations, as an elucidatory method, showing the reasons which gave rise to legislative changes throughout history in order to explain the theme this article proposes to develop.

Keywords: crisis - historic evolution - Bankruptcy Law in Brazil

 


INTRODUÇÃO

Uma empresa em crise pode significar fim de postos de trabalho e acarretar influências negativas na economia, prejudicando não somente empregos diretos, como também indiretos. A crise em uma empresa gera ainda prejuízos aos investidores, aos inúmeros credores de várias classes, que, em determinado momento, e, dependendo de sua modalidade podem não ter satisfeitos os seus créditos.

No decorrer do estudo em epígrafe, passa-se pelo conceito e evolução histórica do Direito Falimentar, sobretudo no Brasil que regulamenta as situações das crises sofridas pelas sociedades empresárias sobre a ótica da Lei n°. 11.101/2005.

O objetivo geral do presente estudo, é desenvolver a percepção do enfrentamento de crises pelas sociedades empresárias, bem como, sua adequação pela ótica da nova Lei de Recuperação e Falência (LRF), Lei n°. 1101/2005, trazendo em sua metodologia a evolução histórica do Direito Falimentar com o específico objetivo de elucidar os fatos ensejadores da Lei Falimentar no Brasil, dadas as mudanças históricas em todo o mundo. Tendo um caráter constitucional primando pela dignidade da pessoa humana, tutelando de um modo geral a supremacia do interesse público, bem como, salvaguardando o mercado.

O estudo passa pelos conceitos das crises, para o entendimento das naturezas distintas das diversas modalidades de crise pelas quais se passa a sociedade empresária, até mesmo, para que se verifique a viabilidade da recuperação da sociedade empresária ou sua convolação em falência.

Após, comenta-se o conteúdo histórico da Lei Falimentar no contexto geral e pelas influências do Direito Falimentar no Brasil, que num primeiro momento era regido pelas Ordenações Filipinas e influenciado fortemente sob os moldes costumeiros da Idade Média, passando pelo Código Napoleônico, onde foi sofrendo influências até chegarmos à atual Lei. De fato, as relações comerciais clamavam por uma regulamentação mais isonômica pautada em princípios pelos quais indubitavelmente apontamos a equidade.

O Direito Falimentar, como todo fenômeno social, evoluiu com o passar dos tempos, com as influências e costumes de cada sociedade, e, sobretudo no Brasil, chegaou a um patamar muito elevado a se comparar ao remoto Direito Romano, mas, pergunta-se: será que realmente houve somente evolução, ou incontáveis retrocessos? A partir da abordagem ora apresentada, pretende-se aclarar tal questionamento a partir da análise de linhas históricas.

 


CRISE E SEUS CONCEITOS

Primeiramente, é importante pontuar neste estudo o conceito de crise e suas modalidades. A palavra crise deriva do latim crisis is e do grego krísis éos, que significa: ato de separar, decisão, evento, momento decisivo.

Por deveras, diz-se que a empresa está em crise e essa crise pode figurar em determinados momentos, possuindo conceitos distintos, naturezas distintas (COELHO, 2015). Nesse desiderato, importante traçar a distinção entre três modelos de crises aparentes: econômica, financeira e patrimonial.

A crise econômica, como bem pontua Coelho (2015, p.241) é entendida como a “retração considerável nos negócios desenvolvidos pela sociedade empresária”. A crise econômica possui vários fatores para sua instauração, dentre eles, a desproporcionalidade dos consumidores em adquirir os serviços ou produtos oferecidos pela sociedade empresária. A crise econômica pode atingir vários ramos de empreendimentos ao mesmo tempo, ou pode se limitar tão somente a um determinado empresário. Quando isso ocorre, é preciso verificar, por exemplo, se o empreendimento passa por um déficit tecnológico ou mesmo está limitado ao problema de sua incapacidade de competir no mercado.

Por outro lado, a crise pode ser financeira; esta ocorre quando o caixa não é suficiente para a honradez dos compromissos da empresa. Os doutrinadores apontam tal modalidade como  crise de liquidez. Onde, se pode ter um faturamento satisfatório, existir um aumento de vendas, mas a sociedade não amortiza o capital investido nos produtos mais novos. É de se dizer que pode existir uma crise cambial, ou, ainda, a sociedade possuir dívidas em moeda estrangeira.

Perante este tipo de situação exposta, COELHO (2015, p. 242) aponta uma saída, vejamos:

Em geral, se a sociedade empresária não está também em crise econômica e patrimonial, ela pode superar as dificuldades financeiras por meio de operações de desconto em bancos das duplicatas, outro título representativo de créditos derivados das vendas, ou, contraindo mútuo bancário mediante a outorga de garantia real sobre bens do ativo, contudo, essas medidas podem acentuar a crise financeira, vindo a comprometer todos os esforços de ampliação de venda e sacrificar reservas imobilizadas.

Por último, resta falar da crise patrimonial que é apontada como insolvência e ocorre quando o passivo supera os bens do ativo, não havendo possibilidade de satisfação dos créditos de inúmeros credores cuja sociedade empresária é devedora.

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Em síntese, temos a crise patrimonial quando o passivo supera o ativo e a sociedade empresária não consegue adimplir seus créditos e a financeira quando o dinheiro em caixa e insuficiente ao pagamento das dívidas. Por fim, a econômica quando as vendas dos produtos ou o fornecimento de serviços, não são realizados na medida necessária para a manutenção do negócio.

 


EVOLUÇÃO HISTÓRICA

 

Para uma melhor compreensão do Direito Falimentar moderno, faz se necessário uma passagem pelo cenário histórico de origem e aprimoramento. Pois bem, assim como as evoluções sociais, o Direito passa por longas transformações históricas, sendo certo que buscar o entendimento desde sua gênese é fundamental para o perpasse até os cenários hodiernos com um melhor entendimento das tratativas da especificidade falimentar.

Buscando a origem do Direito Falimentar, tem-se a ilustre contribuição de Bertoldi e Ribeiro (2015, p.496) nos seguintes termos:

 

É da antiguidade romana que a doutrina extrai a origem dos regimes falimentares. Naquele tempo, a insolvência era punida com a morte real ou civil do devedor, que poderia inclusive ser considerado escravo do credor, em razão do não cumprimento de suas obrigações.

 

Essa visão enfocada no sentido de que o devedor responderia pela dívida com a própria liberdade ou até mesmo com a vida, fora instituída através da Lex Duodecim Tabularum. Vale salientar, que naquela época, não existia uma visão de Direito Empresarial para os romanos, pois, os mesmos consideravam a atividade comercial incompatível e a abominavam.

A partir da Lex Praeteria Papiria, passa-se a entender que o patrimônio do devedor é que responde pelas suas dívidas, e, atenuam-se, por conseguinte, os castigos corporais infligidos à época aos devedores, embora se admitissem ainda algumas sanções como perda de Direitos civis, expulsão da cidade, perda da cidadania romana, entre outras.

Herdamos do Direito Romano, também, o conditio creditorum, que em tese, seria um conjunto de regras processuais aplicadas ao comerciante insolvente, em que haveria possibilidade de chamamento dos credores para que pudessem ter a satisfação de seus créditos de forma isonômica, na relação processual de partilha dos bens do devedor.

Importante também apontar que, mais tarde, emerge o instituto bonorum venditio, que tratava de regras aplicadas ao campo patrimonial, em que se permitia a um credor a ficção dos bens do devedor, onde este ficaria responsável pelos bens arrecadados do devedor. Concorda-se com Bertoldi e Rieiro, quando os mesmos apontam este sistema como favorável a fraudes. Ora, havia uma grande possibilidade de lesão de direitos à coletividade de credores uma vez que tal credor era escolhido pelo próprio devedor.

Tempos depois, buscando a minimização dessas fraudes, o pretor romano passa a fiscalizar a atuação do credor que recebera os bens, onde tal credor era apontado como curator ou magister, que mais tarde seria o síndico e atualmente o administrador judicial. Por todo este período, ocorreram mudanças importantes no Direito patrimonial, como o chamamento de credores para gozarem da mesma condição isonômica (na medida das desigualdades de cada classe). Enfim, todas essas fontes norteiam o nosso Direito Falimentar atual.

Passando pela Idade Média, aponta a doutrina um tremendo retrocesso, ao qual se concorda, pois, se admitiria novamente a aplicação de pena de morte ao insolvente. Mantiveram as regras relativas ao concurso de credores, e, indo mais além, estenderam aos herdeiros e sucessores do devedor as penas relativas ao seu inadimplemento, inclusive, não havia naquele momento da história, um tratamento diferenciado entre o insolvente honesto e o desonesto, aplicando assim, a mesma pena uma vez que se considerara a insolvência um crime.  Houve mudança em relação a esta situação jurídica frente ao Código do Comércio de 1807, inspirado na Ordonnance de Luís XIV datado em 1673.

Em Portugal, aconteceram muitos estudos e mudanças legislativas que contribuíram para a distinção entre a insolvência e a desonestidade. Pelo grave terremoto sofrido em 1755, onde vigia as Ordenações Filipinas, observa-se que o Direito Falimentar passou por mudanças significativas, pois, de forma necessária, ocorreram alterações devido às condições mercantis abaladas pela condição natural. A partir daí, passou-se a fazer distinção de fato entre o insolvente e o criminoso.

Por graves crises extrínsecas às sociedades empresárias no perpasse da evolução mercantil, ou mesmo intrínsecas, se olhando pela ótica da proteção do mercado, vários Estados modificaram suas legislações aprimorando seus dispositivos legais, como explicita LOBO (1996):

A crise da empresa pode ser fatal, gerando prejuízos não só para os empreendedores e investidores que empregam capital no seu desenvolvimento, como para credores e, em alguns casos, num encadear de sucessivas crises, também para outros agentes econômicos. A crise fatal de uma grande empresa significa o fim de postos de trabalho, desabastecimento de produtos ou serviços, diminuição na arrecadação de impostos, e dependendo das circunstâncias, paralisação de atividades satélites e problemas sérios para a economia local, regional ou, até mesmo, nacional. Por isso, muitas vezes o Direito se ocupa em criar mecanismos jurídicos e judiciais de recuperação da empresa. LOBO (1996) COELHO (2015, p.243).  

  Dentro deste contexto, em 1934, surgiu nos Estados Unidos, o primeiro diploma de Direito Estatutário, cujo objetivo era regulamentar a recuperação judicial dando enfoque à quebra da bolsa de Nova York que ocorrera em 1929. Na Itália, o diploma apareceu no fim da década de 1970, com a nomenclatura de administração extraordinária. Na França, foi instituído na Lei em 1967, sendo aperfeiçoado mais tarde em 1985 e novamente em 1995. Em 1976, foi a vez de Portugal incorporar em sua legislação um diploma capaz de tutelar a empresa que estivesse em condições de dificuldade. Mais tarde, esse diploma foi base sólida para o Código Processual de Recuperação e Falências.

Outros países que se ocuparam em tratar da situação sub examine foram: Áustria (1982), Reino Unido (1986), Colômbia (1989), Irlanda (1990), Austrália (1992) Espanha no mesmo ano e Argentina (1994).

É evidente que a gênese de todos esses regulamentos foi, principalmente, a proteção do mercado e a preservação da empresa pelo seu papel social desempenhado. Concorda-se com Coelho (2015 p. 245), quando afirma:

 

Quando as estruturas do sistema econômico não funcionam convenientemente, a solução de mercado simplesmente não ocorre. Nesse caso, o Estado deve intervir por meio do Poder Judiciário, para zelar pelos vários interesses que gravitam em torno da empresa.

Mas, por outro lado, em determinados momentos, para o próprio mercado é saudável a falência de algumas empresas, seja por motivo da precariedade tecnológica, financeira e/ou administrativa. Neste caso, é inadmissível que o Estado com seus aparatos zele pela permanência de uma empresa insolvente, margeada pela precariedade e má atuação no mercado (LYNN; JORDAN, 1985, p.657).

Acerca de tal assunto, como muito bem nos aponta Coelho (2015, p.245):

Quando o aparato estatal é utilizado para garantir a permanência de empresas insolventes e inviáveis, opera-se uma inversão inaceitável: o risco da atividade empresarial transfere-se do empresário para seus credores.

 

Ora, não passa pelo crivo da razoabilidade o Estado dar aparato a uma empresa precária e nociva ao mercado, fazendo uma inversão, transferindo o risco da atividade aos credores.

 


O DIREITO FALIMENTAR NO BRASIL

 

No Brasil, o Direito Falimentar foi regido, inicialmente, sob os moldes costumeiros da Idade Média, obviamente pelos pilares das Ordenações Filipinas. Com a evolução da legislação, por assim dizer, é que em 1850 sob influência do Código Napoleônico, editou-se o Decreto n°. 697, de 1850, onde, se tratava no capítulo “da quebra”, obviamente, da falência que se entendia à época pelo mero inadimplemento do empresário frente aos seus credores, não importando se este dispusesse de fundos para honrar seus compromissos (“Art. 1°. Todo comerciante que cessa seus pagamentos entende-se quebrado ou falido. Código Comercial de 1850”) .

Já em 1890, o Decreto n°. 917 /1890 trouxe uma mudança e determinou não mais a cessação do pagamento, mas a impontualidade da sociedade empresária ao adimplemento para a consideração do estado de falência; vejamos seu art. 1°: “O comerciante, sob firma individual ou social, que, sem relevante razão de Direito (Art.8°), deixa de pagar no vencimento qualquer quantia líquida e certa, (Art.2°) entende-se falido)”.

Frente a tudo isso e ao importante perpasso histórico apresentado neste estudo, há de se concordar que existia, ainda, uma necessidade de se tratar da recuperação da empresa e não meramente a partir de uma visão de considerar falida uma sociedade empresária com simples inadimplementos. Para tanto, o Direito Falimentar, de forma mesmo que morosa, galgou passos importantes ante às dificuldades surgidas na seara comercial por diversos fatores já pontuados neste estudo. Nesse diapasão, importante pontuar com o pensamento de Coelho (2015 p. 247) ao qual se concorda:

 

A recuperação judicial não pode significar, a substituição da iniciativa privada pelo juiz na busca de soluções para a crise da empresa. Se a sobrevivência de determinada organização empresarial em estado crítico não desperta o interesse de nenhum agente econômico privado (empreendedores ou investidores), então, em princípio, as suas perspectivas de rentabilidade não são atraentes quando comparadas com as demais alternativas de investimento. Ora, se assim é, ninguém pode perder dinheiro investindo naquele negócio. Contudo, pode ocorrer de a solução do mercado não se viabilizar por alguma disfunção do sistema econômico, como por exemplo, o valor idiossincrático. Nesse caso, e com o objetivo de garantir o regular funcionamento das estruturas do livre mercado, pode e deve o juiz atuar. Note-se, a solução da crise não é dele, nem sequer deve ser aprovada por ele; o papel do estado-juiz deve ser apenas o de afastar os obstáculos ao regular o funcionamento do mercado.” COELHO (2015 P. 247).

 

Coelho (2015, p.248) aponta ainda em sua obra que:

Se essa é a premissa, conclui-se que o Direito falimentar deve passar por profundas alterações, norteadas pela equação do Law as market mimiker, desenvolvida pela análise econômica do Direito. Em termos gerais, quando a empresa está em crise – econômica financeira ou patrimonial -, o Direito deve regular o procedimento extrajudicial, iniciado pela própria sociedade empresária devedora, de cessação de pagamentos. O objetivo é criar condições para renegociações globais das dívidas. Ao fazer a declaração unilateral de cessação de pagamentos, a devedora convoca assembleia de credores, na qual apresenta seu plano de recuperação da empresa e uma proposta de negociação do passivo. Até a realização da assemleia, para cada credor aferir a viabilidade do plano e ponderar o interesse em aceitar ou não a proposta, é indispensável ampla transparência sobre a realidade econômica, financeira e patrimonial da devedora.

 

Como as alterações legislativas passam por profundas discussões e se avaliam as especificidades as quais deve pautar cada ponto da alteração, foi com certa morosidade que chegamos ao atual sistema normativo relativo à falência, recuperação judicial e extrajudicial.

É importante salientar, neste estudo, que ocorreram inúmeras alterações no Direito Falimentar brasileiro. Seguindo este estudo histórico, a Lei n°. 859/1902, de 16 de agosto, que foi alterada pelo Decreto n°. 4.855, de dois de junho de 1903, que vieram a substituir o Decreto n°. 907, já mencionado anteriormente, minimizara a participação do Ministério Público no processo relativo às falências e determinara que o síndico (que hoje figura como administrador Judicial) seria nomeado pela Junta Comercial.

Já em 1908, a Lei n°. 2024, de 17 de dezembro, fez por remodelar o sistema falimentar, com a introdução do Ministério Público como curador das massas falidas, quando sua atuação fosse de interesse à ordem pública. Criou-se, também, um procedimento célere à época para as falências de pequeno passivo, regularizou-se a falência das concessionárias de serviços e obras públicas, submeteu-se a sociedade anônima à falência dentro dos parâmetros legais ditadas por tal Lei. Dentre tantas alterações, ainda se apontam duas fases para o procedimento falimentar, sendo uma a fase de informação, logo após a liquidação, dando liberdade ao magistrado na escolha do administrador judicial, que à época, era tido como síndico.

Estabeleceu-se também, duas modalidades de concordatas, a preventiva e a aplicada na falência. Já em 1929, o Decreto 5.746, complementou a legislação falimentar da época no intuito de se dar uma resposta efetiva à significativa crise pela qual o mundo passava.

Inspirado no projeto de Trajano de Miranda Valverde surgiu, em 1945, o Decreto Lei n°. 7661. Nele a falência ocupara evidência, a qual poderia se desencadear a partir de determinadas condutas consideradas como “alarmes” de insolvência, ou mesmo na impontualidade de adimplir suas obrigações frente a seus credores.

É importante demonstrar, neste estudo, que o decreto Lei ora em tela, pautava pela concordata para ser utilizada pelo empresário com fito de recuperar suas atividades possuía duas modalidades: a preventiva e a suspensiva. Permitia-se também, a remissão parcial das dívidas e dilatação dos prazos de vencimento.

Por estar em desconformidade com a sociedade e a economia contemporâneas, como apontam BERTOLDI e RIBEIRO (2015, p. 499) com os quais se concorda com tal posicionamento.  Surge, em 9 de fevereiro de 2005, a Lei n°. 11.101, que trata da recuperação extrajudicial, judicial e falências da empresa. A finalidade da nova legislação não vem mais pautada na condução ao esvaziamento da empresa pondo fim a suas atividades, mas pautando pela reorganização de suas atividades.

Havia na legislação antecedente uma morosidade exacerbada em todas as etapas processuais pelo excesso de formalismo, como apontam Bertoldi e Ribeiro (2015, p. 499):

 

Um dos grandes defeitos da legislação então vigente estava na morosidade, presente em todas as fases do processo falimentar em decorrência do grande acúmulo de trabalho do poder Judiciário, responsável, em última análise pela aplicação do excesso de formalismo de que se reveste o procedimento, além do fato de tal morosidade ser útil ao devedor desonesto, uma vez que permitia naturalmente, a incidência da prescrição da punibilidade de eventuais crimes falimentares que pudessem ser configurados na prática. A LRE pretende inovar não apenas por tratar a recuperação judicial e extrajudicial da empresa, como também procurando dotar os procedimentos de maior celeridade, inclusive mediante estabelecimento de prazos para o desenvolvimento desses procedimentos.

 

Diante do cenário apontado neste estudo, visando atender as necessidades das relações comerciais com fulcro na supremacia do interesse público, proteção jurídica do mercado, pela função social da empresa e obviamente consolidação de princípios fundamentais no arcabouço da Constituição Federal de 1988, como a garantia da livre iniciativa, surge a LRF.

Como um Direito Falimentar mais robusto, que visa a abarcar em seu sentido jurídico uma relação mais justa, equilibrada sob a ótica e princípios como o da equidade, inclusive em relação a assembleia de credores, onde o credor retardatário pode habilitar seus créditos, porém fica impedido de participar de eventuais rateios e de ter Direito ao voto na assembleia geral dos credores como predispõe o § 1° do Art. 10 da Lei.

A Lei estipula quem poderá ser o Administrador Judicial, o sujeita à fiscalização do comitê geral de credores, do juiz, e lhe atribui funções e obrigações de modo a pautar sempre pela transparência do procedimento. A Lei trata ainda da recuperação judicial como uma forma de mantença da ordem econômica sobre diversos pontos, como podemos conferir no Art. 46 onde se prediz:

A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação econômico financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim a preservação da empresa, sua função social e o estímulo a atividade econômica (Art.46 LRF).

Tem-se com todo o procedimento da referida Lei, um processo mais célere e transparente em relação às legislações anteriores, pela sequência das disposições processuais claras, tem-se o plano da recuperação judicial na seção III, na IV já se traz obviamente todo o procedimento para a recuperação Judicial. Logicamente nos capítulos subsequentes à possibilidade da convolação da recuperação judicial em falência, obviamente pelos requisitos elencados nos incisos do Art.73 da Lei a qual observamos.

Temos, também, no tratamento da falência o cuidado da Lei, inclusive, na economia processual. Vejamos primeiramente o que diz a letra da Lei nas disposições gerais da falência:

 

“A falência, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades, visa preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis da empresa” (Art.75 LRF). Em sequência o PARÁGRAFO ÚNICO: “O processo da falência atenderá aos princípios da celeridade e economia processual. ” (PARÁGRAFO ÚNICO, ART. 75 LRF)

 

A Lei em análise, em comparação às legislações anteriores é obviamente mais sensata ao ser abarcada por princípios constitucionais como a celeridade processual. Outrossim, a Lei traz em seu bojo os motivos que ensejam a decretação da falência da sociedade empresária, como por exemplo no inciso I do artigo 94 que preconiza:

 

                                      Art.94 será decretada a falência ao devedor que: “Sem relevante valor de Direito, não paga, no vencimento da obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40(quarenta) salários mínimos na data da falência. ” (ART.94 I, LRF).

Nota-se, que o Código comercial de 1850 ensejava a decretação de falência a cessação ou impontualidade da sociedade empresária no pagamento de seus credores, mesmo que o empresário dispusesse de fundos para honrar as obrigações.

Comparando com a LRF, neste ponto, vemos o quanto à Lei evoluiu ao ser abarcado por princípios e formas mais abrangentes de tutelar Direitos.

Manoel Justino Bezerra Filho (Nova Lei p.129) aduz:

 

Esta Lei pretende trazer para o instituto não da falência e da recuperação Judicial uma nova visão, que leva em conta não mais o Direito dos credores, de forma primordial, como ocorria na anterior. A Lei anterior de 1945 privilegiava sempre o interesse dos credores, de tal forma que um exame sistemático da ausência de preocupação com a manutenção da empresa, como unidade produtiva, criadora de empregos e produtora de bens e serviços, enfim, como atividade de profundo interesse social, cuja manutenção deve ser procurada sempre que possível. BEZERRA FILHO (2005 p.129).

 

Obviamente, há contrapontos e retrocessos na LRF que vários doutrinadores apontam como Newton De Lucca a respeito da não aplicação da LRF sobre as sociedades de economia mista e empresas públicas, vejamos:

 

É incontestável tanto a empresa pública quanto a sociedade de economia mista e as outras estatais- desde que todas sejam exercentes de atividade econômica- deveriam sujeitar-se à falência, tal como ocorre com o Direito obrigacional das empresas privadas, sob pena de à toda evidência, não se estarem sob o mesmo regime jurídico próprio das empresas privadas, conforme estabelece a retro mencionada disposição constitucional. DE LUCCA (2005 p.49).

Embora haja controvérsias e contrapontos na Lei, é incontestável a evolução que atual legislação falimentar trouxe ao ordenamento jurídico pátrio em relação a outros instrumentos normativos pelos quais se tratava a situação das empresas em dificuldade. O foco mudou e não mais somente visa-se a tutelar o Direito do credor a qualquer custo. A Lei veio balizar as relações falimentares de maneira isonômica, pautando pela celeridade processual, de forma bem explícita, pontuando a função do administrador judicial, priorizando aqueles credores que fazem jus ao recebimento de seus créditos de acordo com o caráter e urgência de cada crédito.

A Lei traz em seu bojo a desobrigação da empresa em honrar os compromissos a título gratuito e as despesas que os credores fizerem para tomar parte na recuperação judicial ou a falência, nos dois incisos do Art. 5°, prevê o parcelamento das execuções fiscais de acordo com o código tributário nacional, como preconiza o §7° do Art. 6°; tudo isso, visando à função social da empresa e sua recuperação sempre que possível.

Pela proteção ao mercado, a Lei também traz a possibilidade de convolação em falência o processo de recuperação Judicial, pois, se durante o curso do processo, comprova-se a precariedade e impossibilidade de a empresa em manter suas atividades, é desproporcional o Estado zelar pela mantença de algo nocivo a todo sistema comercial.

 

Sobre os autores
Mateus Oliveira

Advogado Militante, graduado pela Universidade Presidente Antônio Carlos De Mariana. Monitor de Direito Penal e Processual Penal Na instituição até dezembro de 2016.

Michele Aparecida Gomes Guimaraes

Mestre em Direito; Professora de Direito da UNIPAC Mariana Advogada e Consultora Jurídica; Tutora EaD da Universidade Federal de Ouro Preto

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo escrito em Agosto de 2016 e publicado na revista ReDE (Revista De Direito Empresarial Ano 4 Volume 20. Novembro de 2016)

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