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Poder geral de efetivação: em defesa da constitucionalidade da técnica de execução dos direitos do art. 139, IV, do Código de Processo Civil

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Agenda 04/09/2017 às 09:35

5.MECANISMOS DE CONTROLE AO PODER GERAL DE EFETIVAÇÃO DO JUIZ

A cláusula geral de efetivação aumenta os poderes do juiz, mas, como todo exercício de poder, deve observar limites para não se tonar carta branca ao arbítrio. São eles a: i) necessidade de fundamentação substancial; ii) observância do contraditório; iii) existência de indícios de que o devedor tem condições de cumprir a obrigação, omitindo seu patrimônio; iv) aplicação do princípio da proporcionalidade; v) incidência “apenas caso o itinerário típico se mostre frustrado”[51]. 

Por implicar restrição de direitos do devedor, seja de propriedade, seja de liberdades, a cláusula geral de efetivação impõe um ônus argumentativo diferenciado para o juiz, com fiel observância ao artigo 489, §1º, II do CPC e demonstração de quais circunstâncias do caso sugerem a adequação, efetividade e eficiência da medida imposta[52]. Os meios executivos devem ser indicados de forma precisa, com delimitação do objeto da execução, início, fim e forma para evitar um desbordamento ilegítimo do exercício da tutela executiva[53] Quanto mais grave a medida, maior o ônus argumentativo[54].

Nas obrigações de pagar quantia, é indispensável que haja indícios de que o devedor está se esquivando do pagamento da dívida para que lhe sejam aplicadas medidas restritivas de seus direitos como meio executivo atípico[55]. Caso contrário, a medida se revestirá de caráter punitivo – e não coercitivo –, não tendo eficácia e violando desarrazoadamente direitos sem contrapartida para o direito fundamental à tutela executiva. A cláusula geral de efetividade não autoriza a adoção de medidas meramente punitivas, mas de medidas de efetividade.

Imagine-se a hipótese em que determinada pessoa jurídica é condenada a pagar quantia em dinheiro a um fornecedor pequeno, pessoa física, e não tem bens passíveis de execução registrados em seu nome, mas se vê em blogs e aplicativos de internet (como “instagram”) que está em pleno funcionamento, promovendo diversos eventos. Valendo-se do poder geral de efetivação, poderá o magistrado requerer que o devedor justifique tais sinais de riqueza[56]. Mantendo-se o devedor inerte, caberá aplicação da medida restritiva, se os demais requisitos foram preenchidos e a medida se mostrar adequada e eficaz ao caso.

É imprescindível ainda que o devedor seja ouvido antes de se aplicar a medida restritiva como forma de coerção, é imprescindível que, garantindo-se, por meio do exercício do direito fundamental ao contraditório, que todos os argumentos venham à tona para a realização do juízo de proporcionalidade e sopesamento de direitos fundamentais e escolha da medida mais adequada[57].

O juiz deve também avaliar a técnica mais adequada a ser aplicada, utilizando-se do princípio da proporcionalidade e seus subprincípios: i) da adequação, para que haja concreta possibilidade de que o uso da medida leve ao cumprimento da determinação judicial; ii) da exigibilidade, pelo qual a medida adotada resulte no menor prejuízo possível ao devedor e não excedam o estritamente necessário para a tutela do direito a ser efetivado ; iii) proporcionalidade em sentido estrito, de modo que o juiz, antes de eleger a medida sopese as vantagens e desvantagens de sua aplicação[58]. A restrição de direitos do devedor apenas será adequada se idônea a obtenção da tutela satisfativa.

Segundo Rafael Oliveira, é requisito à aplicação dos meios atípicos de execução, que “as circunstâncias e peculiaridades do caso concreto indiquem a possibilidade de uso das medidas, pois são vocacionadas à efetividade da tutela – sob pena de se implicar onerosidade excessiva e inútil ao executado”[59].

Também no juízo de proporcionalidade, deve-se atentar que a maior importância do bem jurídico protegido (tutela de crédito alimentar, destinado à saúde e educação, por exemplo) poderá justificar maior gravidade da medida executiva empregada.”[60].

Por fim, parte da doutrina defende ser indispensável que as medidas coercitivas atípicas sejam vistas como exceção e lançadas apenas caso o itinerário típico se mostre frustrado[61]. Nesse sentido, o enunciado número 12 do Fórum Permanente de Processualistas Civis prevê que elas “serão aplicadas de forma subsidiária às medidas tipificadas, com observação do contraditório, ainda que diferido, e por meio de decisão à luz do art. 489, § 1º, I e II. (Grupo: Execução)”.

Há, em sentido diverso, o posicionamento de Luiz Guilherme Marinoni, segundo o qual, na lógica do sistema processual, não há vantagem no pagamento imediato da condenação. Tendo o condenado ciência de que a satisfação do crédito declarado na sentença demorará para ser efetivada, preferível esperar que o lesado suporte o tempo e o custo da execução por expropriação. Além disso, lembra que o simples fato de o infrator poder trabalhar com o dinheiro durante o tempo de demora pode lhe trazer benefício, com igual prejuízo ao lesado. Com base nessa premissa, defende a desnecessidade de esgotamento dos meios executivos típicos para aplicação de multa na execução de pagamento de quantia.”[62].

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Parece mais correto, contudo, o posicionamento ponderado de M. Y. Minami, para quem as medidas de efetivação devem ser vistas como exceção, mas podem ser aplicadas tanto na hipótese de o itinerário típico ser ineficiente, quanto no caso de o devedor se valer de ardis para não realizar a prestação devida[63]. Não é razoável, diante do uso manifesto e inquestionável de artifícios fraudulentos para se eximir da obrigação, a espera do credor pelo demorado procedimento de penhora e alienação pública de bens para adoção de medidas mais efetivas. “Decidir sem tutelar, ou conhecer sem executar, não é o que se espera do processo civil no Estado Constitucional”.[64]

Há ainda outros limites naturalmente impostos à aplicação das medidas atípicas: a observância da jurisprudência que irá se formar em torno delas, dando concretude à cláusula geral, e devendo ser seguida pelos juízes e tribunais, nos termos do art. 926 do CPC[65]; e a possibilidade de interposição de recursos contra a decisão que fixar as medidas, mecanismo interno próprio de controle da atuação do poder judiciário.


6.DIALOGANDO COM OS ARGUMENTOS CONTRÁRIOS A CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 139, IV, NCPC: A POSIÇÃO DE LÊNIO STRECK E GUILHERME PUPE DA NOBREGA E A PREOCUPAÇÃO COM OS PODERES DO MAGISTRADO

Diante do espectro de aplicação da cláusula geral de efetividade prevista no art. 139, IV do CPC, alguns renomados autores sustentam que o art. 139, IV do CPC de 2015 está a merecer declaração de inconstitucionalidade, ainda que sem redução de texto, para afastar a possibilidade de afetação de direitos individuais do executado pelo juiz, sob pena de vulneração aos artigos 1º, IV, 5º, XV e LIV, 37, I, 173, § 3º, III, e 175, todos da Constituição. Dialogar – ou refletir sobre contrapontos a essas posições – é o objetivo desse tópico.

Em texto cujo título é bastante sugestivo – “Como interpretar o artigo 139, iv do CPC? Carta branca para o arbítrio” – Lênio Streck e Dierle Nunes sustentam que a interpretação do art. 139, IV precisará se limitar às possibilidades de implementação de direitos (cumprimento) que não sejam discricionárias ou autoritárias e não ultrapassem os limites constitucionais, por objetivos que consideram ser meramente pragmáticos, de restrição de direitos individuais em detrimento do devido processo constitucional[66].

Não se trata, contudo, de “objetivos meramente pragmáticos”, mas da própria autoridade do poder judiciário para impor suas decisões e efetivar a tutela do direito fundamental à execução da sentença, quando, por exemplo, constatado o uso de meios fraudulento para se evadir do cumprimento das decisões.

Os autores defendem que não há liberdade de julgar e a interpretação da cláusula geral pode levar a entendimentos utilitaristas e análise superficial de busca de resultados que desprezem a necessária leitura constitucional. “As decisões públicas precisam prestar contas em relação aos princípios fundamentais da comunidade em que vivemos”[67], alegam. Apesar das dificuldades em torno da execução, isso não autoriza, segundo eles, resultados desconectados das balizas constitucionais. Concluem os autores que o CPC jamais daria carta branca para o juiz determinar quaisquer medidas aptas para que a obrigação fosse cumprida e nem poderia dar[68].

Mas o código deu. Carta branca que deve ser devidamente fundamentada e cuidadosamente utilizada, mas carta branca a ser preenchida e aplicada como técnica de efetivação de direitos. Não se defende aqui a aplicação irrestrita e infundada do art. 139, IV do CPC e o alcance de resultados a todo custo, o que é óbvio, sob risco de se retomar a lei do talião “do olho no olho e dente no dente” – só que executada pelo juiz – para se alcançar o resultado almejado. Não é isso, de modo algum, pois essas decisões serão devidamente fundamentadas, com respaldo no ordenamento jurídico, sobretudo no princípio da proporcionalidade, e prestarão contas à sociedade, como já acontece e prevê a própria Constituição.

Como bem pontua Marcelo Abelha, os meios executivos estão entregues a “escolha do magistrado”, mas não há nisso nenhum ponto de discricionariedade judicial, tendo em vista que a hipótese, além de ser adequada, deve ser fundamentada, aliás, como toda e qualquer decisão[69].

Sustentam ainda os autores que haveria similitude entre as medidas que foram pontualmente adotadas por alguns magistrados de apreensão de passaporte e carteira de habilitação e a disposição do art. 48 da Lei de Segurança Nacional, pelo qual o simples recebimento da denúncia ou a prisão em flagrante importava a suspensão do exercício de profissão[70].

A comparação soa estranha já que a restrição de direitos, no caso da Lei de Segurança Nacional, decorria automaticamente do ajuizamento da ação penal, diferente da aplicação do poder geral de efetivação que demanda decisão e exige justificativa, caso a caso, para aplicação de cada medida.

Perfeita a conclusão, por outro lado, de que “a melhor interpretação do preceito normativo não é a de buscar um juízo criativo ilimitado e despreocupado com as restrições normativo-constitucionais com fins utilitalistas”, o que se coaduna com o que se defendeu da utilização da cláusula geral de efetivação anteriormente. Sensata também a assertiva de que o magistrado não pode mais se preocupar tão só com a declaração da parte vencedora, mas também com o cumprimento (efetivação) da sentença por meio de uma estrutura processual comparticipada, havendo, contudo, restrições práticas.

A primeira técnica a ser utilizada pelo magistrado deve ser sempre a cooperação – se a solução vier por acordo, perfeito –, mas nem sempre as partes estão dispostas a cooperar e a possibilidade de se acobertar por meios fraudulentos que omitem seu patrimônio pode colocá-la numa zona de conforto. Nessa hipótese, destaca-se a importância prática da execução por coerção: através da pressão de cunho psicológico e pecuniário o devedor pode entender ser melhor cumprir a obrigação do título a ter de se submeter aos atos coercitivos impostos pelo Estado-juiz[71]. Essa pressão pode contribuir para o interesse da parte executada, inclusive, em celebrar um acordo.

Guilherme Pupe da Nóbrega defende que o artigo 139, IV, do CPC de 2015, está a merecer declaração de inconstitucionalidade, sem redução de texto. Sustenta que a adoção de técnica de execução indireta para incursão radical na esfera de direitos do executado — notadamente direitos fundamentais —, quando carente de respaldo constitucional, sob pena de violação ao devido processo legal; direitos fundamentais apenas devem ceder em ponderação quando houver, do lado oposto, outros direitos fundamentais[72].

Ocorre que o direito a efetividade da tutela executiva é corolário do devido processo legal, do direito ao acesso a justiça, direitos de igual envergadura constitucional aos direitos individuais e que devem ser sopesados, com observância ao postulado da proporcionalidade. Não há que se falar em carência de respaldo constitucional quando temos direitos igualmente fundamentais de ambos os lados. A Constituição será respeitada, sim, quando o dever de fundamentar a decisão for observado justificando-se no caso concreto a razão pela qual o direito à tutela efetiva deve prevalecer e o direito individual do executado está sendo afastado. 

Guilherme Pupe da Nóbrega invoca para sustentar a impossibilidade de restrição a direitos individuais o entendimento consagrado pela jurisprudência que relativiza a autoexecutoriedade no exercício do poder de polícia para reconhecer como ilegal a imposição de pagamento como condição para a prática de ato administrativo[73] [74].

A comparação não parece adequada, pois autoexecutoriedade não se confunde com a atuação por meio de um processo judicial, procedimento em contratório com respeito a todas as garantias constitucionais do devido processo legal[75]. A autoexecutoriedade da administração pública não podem observar os mesmos limites dos poderes de efetivação do magistrado. 

Sobre a autora
Gabriela Macedo Ferreira

Graduada em Direito pela Universidade Federal da Bahia, especialista em Direito Processual Civil pelo Jus Podivm, Juíza Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Gabriela Macedo. Poder geral de efetivação: em defesa da constitucionalidade da técnica de execução dos direitos do art. 139, IV, do Código de Processo Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5178, 4 set. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60190. Acesso em: 22 nov. 2024.

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