AS PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES JURISPRUDENCIAIS SOBRE O ART. 139, IV DO CPC
Para ratificar o posicionamento exposto nesse texto, imprescindível conhecer, em breve termos, como os tribunais vêm aplicando a cláusula geral de efetivação.
Analisando os julgados mais recentes do STJ, posteriores ao CPC de 2015, observa-se que o poder geral de efetivação ainda está atrelado as obrigações de fazer e não fazer, não havendo ainda manifestações sobre a ampliação do poder geral de efetivação para as obrigações pecuniárias[76]. Chamou atenção que se tem admitido, por força da atipicidade dos meios executivos e como já mencionado, a aplicação de multa a servidores públicos como forma coerção ao cumprimento de decisões pelas pessoas jurídicas de direito público[77].
Nos tribunais de justiça estaduais, já se assiste às primeiras manifestações sobre o art. 139, IV do CPC.
O Tribunal de Justiça de São Paulo negou provimento a recurso de agravo no qual se pleiteava a aplicação de medida atípica de execução relativa ao bloqueio de cartões de crédito de devedora que, apesar de não possuir veículo registrado em seu nome, postava na rede social facebook fotos indicativas de alto padrão de vida e realização de diversas viagens internacionais.
A leitura do inteiro teor do acórdão permite inferir que, não obstante tenha reconhecido a existência de uma cláusula geral de efetivação ampliada para todas as obrigações, os julgadores negaram a concessão da medida atípica sob o argumento de que a medida não seria proporcional. Argumentou-se, nos seguintes termos:
(...) não se pode afirmar, com a segurança necessária, que as viagens e gastos realizados pela devedora estejam vinculados à utilização de cartões de crédito ou débito emitidos em seu nome ou de terceiros dos quais figure como dependente, ressalvando-se, desde logo, a impossibilidade da medida atingir aquele que não participou da demanda na qual formado o título executivo. Não é razoável, por outro lado, privar o devedor da utilização dos cartões de débito e crédito de sua titularidade, sabido que é somente através do respectivo cartão que se pode movimentar os valores porventura recebidos em conta salário, imprescindíveis, portanto, para garantia de seu sustento e para a satisfação de outras necessidades básicas[78].
Entendeu-se ser demasiadamente gravosa a medida pleiteada pela agravante, ante a não correspondente relevância do bem jurídico (crédito de R$488.332,92 decorrente de royalts e direitos de publicidade) que se pretendia tutelar com a satisfação da execução. Admitiu-se, por outro lado, o bloqueio dos créditos das operações comerciais realizadas pela autora[79].
Como se observa, a decisão do tribunal é acertada, razoável e bem fundamentada. Reconhece o poder geral de efetivação, mas não o aplica considerando o princípio da proporcionalidade, a subsidiariedade, o dever de fundamentação acentuado ante o caráter da medida e o contraditório.
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Território também já manifestou seu posicionamento, em recurso de agravo cujo pedido era a suspensão de carteira de habilitação, apreensão de passaporte e bloqueio de cartões de crédito, entendendo que as medidas não são aplicáveis quando inexiste nos autos evidência de que o executado oculta seu patrimônio. Para os julgadores, a medida deve se relacionar com o óbice do credor em alcançar o crédito almejado, não agrega efetividade à determinação judicial, passando ao largo do fim pretendido pela norma[80]. Asseveram que o novo dever do magistrado deve ser exercido com “proporcionalidade, cuidado e consciência”.
Mais uma vez é cauteloso e merecedor de aplauso o posicionamento adotado sobre o tema.
A terceira turma do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, contudo, não tem admitido a adoção de medidas limitadoras de direitos individuais como suspensão do direito de dirigir ou apreensão de passaporte, em nenhuma hipótese. Seus integrantes entendem serem essas medidas desconexas e excessivas, interferindo na liberdade do indivíduo, cuja limitação somente pode ocorrer por meio de norma expressa que discipline a matéria e com a garantia do devido processo[81].
Não parece acertada a opção por restrições de medidas em abstrato, salvo aquelas expressamente proibidas no ordenamento, como a prisão por dívida, mas a posição é respeitável e tem ao seu lado doutrina de referência como Lênio Streck, Dierle Nunes e Guilherme Pupe da Nóbrega.
CONCLUSÃO
O direito fundamental à tutela executiva, corolário do devido processo legal e do direito de acesso à justiça, autoriza o legislador infraconstitucional a criar a cláusula geral de efetividade de que trata o art. 139, IV do CPC, instrumento voltado à pronta e integral efetivação das decisões judiciais. Não há que se falar, portanto, em qualquer mácula de inconstitucionalidade a inquinar a nova técnica legislativa.
Ainda não é possível dimensionar a relevância desse dispositivo para o direito brasileiro, mesmo que os magistrados, sobretudo dos tribunais superiores, lhe atribuam máxima efetividade. Passado mais de um ano de vigência do código, não se assistiu ainda na prática a disseminação dessa nova técnica e a fixação de posicionamentos definitivos pelos tribunais, sendo sua aplicação pontual e sempre circundada de muita discussão e alarme, inclusive nos meios de comunicação. Nas poucas aplicações que já se realizaram, o que se assistiu foi um judiciário cuidadoso e preocupado com os direitos fundamentais das partes. Não há, portanto, o que temer.
É fato, contudo, que a alteração legal não tem, por si só, o condão de resolver o problema da crise de confiança e efetividade das decisões do Judiciário, ainda mais diante da inércia dos operadores do direito em utilizar as novas técnicas processuais, seja por falta de conhecimento, seja por falta da cultura processual. Mas, se for bem aplicada, já implicará em uma resignificação da estrutura de efetivação dos direitos fundados em decisão judicial no cenário jurídico brasileiro e aí, sim, haverá “uma luz no fim do túnel”[82].
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