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Importantes alterações nas normas de processo sobre alienação fiduciária

Agenda 12/12/2004 às 00:00

No rol de assuntos regulados pela Lei nº 10.931/2004, o legislador federal inseriu um feixe de importantes inovações no procedimento da ação de busca e apreensão de que trata o Decreto-Lei nº 911/69.

No rol de assuntos regulados pela Lei 10.931, de 02 de agosto de 2004 (v.g. patrimônio de afetação de incorporações imobiliárias, letra de crédito imobiliário, cédula de crédito imobiliário, dentre outros), o legislador federal inseriu um feixe de importantes inovações no procedimento da Ação de Busca e Apreensão de que trata o Decreto-Lei 911/69.

A iniciativa merece aplausos quando analisada sob a ótica econômica, e portanto extraprocessual, refletindo o objetivo do legislador em agilizar sobremaneira a venda dos bens retomados sob o manto da Ação de Busca e Apreensão, o que por certo reduzirá a extensa frotas de automóveis ociosos (e em franca deterioação) que atualmente acomete os páteos das instituições financeiras e que acabam por ensejar uma situação de todo indesejável.

Por outro lado, examinadas tais inovações à luz de premissas endoprocessuais, o intérprete acaba sendo convocado para reflexões mais profundas, sopesadas de início pelos critérios gerais de direito intertemporal e avançando para outras questões processuais norteadas fundamentalmente por duas grandes vertentes : (i) a especialidade do procedimento (contornos próprios) da Ação de Busca e Apreensão de que trata o DL 911/69; e as (ii) regras processuais tidas como fundamentais para a dinâmica do exercício da ação em juízo,"in casu" relacionadas à tutela jurisdicional antecipada e sua efetivação, a definição de novos prazos para a prática de atos processuais, ao procedimento para a purgação da mora, ao alcance da expressão "resposta" agora contemplada na nova redação do § 3º do DL 911/69, à atribuição de efeito meramente devolutivo para a apelação em qualquer hipótese de julgamento meritório da demanda, a possibilidade de aplicação de multa ao credor fiduciário sem prejuízo de sua responsabilidade por perdas e danos, e, por fim, os efeitos dessa multa em sede de execução provisória.

Regulando normas de processo para a alienação fiduciária (de bens móveis), alguns dispositivos do Decreto-Lei 911/69, mais precisamente os parágrafos de seu art. 3º, agora modificados pela Lei 10.931/04, alcançaram sua dimensão temporal. Isso vale dizer que as novas disposições do art. 3º do DL 911/69 encontram-se em vigor desde o dia 03 de agosto de 2004 (data da publicação da Lei 10.931/04 no DOU).

Daí a necessidade, "prima facie", de investigação das regras de direito intertemporal, sendo importante inicialmente distinguir-se três situações: (a) a lei processual nova não se aplica aos processos findos; (b) ela se aplica, inexoravelmente, aos novos processos instaurados em sua vigência ; (c) quanto aos processos em curso na entrada em vigor da lei nova, sustenta a doutrina a prevalência do denominado "isolamento dos atos processuais" pelo qual a lei nova encontrando um processo em desenvolvimento respeitará a eficácia dos atos processuais já realizados, disciplinando o processo a partir de sua vigência. Por certo que os temperamentos sobre as regras de direito processual intertemporal deverão observar a natureza de cada ato processual, em concurso com a inovação a ela impingida.

Definida a questão da lei processual no tempo, a intenção dessas linhas é a de convocar os profissionais do Direito para um exame conjunto dessas importantes inovações, que alcançarão imediatamente as ações em curso. Vale lembrar que a ação de Busca e Apreensão ocupa, há alguns anos, uma importante fatia do trabalho de toda a máquina judiciária. Isso se deve ao grande número de financiamentos de bens, com mais ênfase em veículos automotores, para os quais a alienação fiduciária representa uma garantia real importante em benefício dos credores, instituições financeiras.

Passemos então a pontuar as inovações perpetradas nos parágrafos do art. 3º do DL 911/69. A nova redação do § 1º estabelece que "cinco dias após executada a liminar mencionada no caput, consolidar-se-ão a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário, cabendo às repartições competentes, quando for o caso, expedir certificado de registro de propriedade em nome do credor, ou de terceiro por ele indicado, livre de ônus da propriedade fiduciária." Essa sem dúvida a maior novidade trazida nesse feixe de reformas do DL 911/69. O que antes se alcançava somente quando da prolação de sentença de mérito (consolidação da propriedade e posse plena e exclusiva) agora passou a integrar os efeitos da decisão de antecipação da tutela jurisdicional, concedida no limiar do procedimento da ação de Busca e Apreensão.

Cabe aqui a lembrança quanto ao pronunciamento de juízo positivo de admissibilidade da petição inicial na ação de Busca e Apreensão o qual enseja, necessariamente, a concessão da medida liminar de caráter satisfativo e, portanto, com contornos de antecipação dos efeitos da tutela sentencial.

Daí inferir-se que : (a) a decisão que conceder a antecipação de tutela "initio litis", uma vez executada a medida, já produzirá o efeito de consolidação a propriedade e posse plena do bem apreendido, independente de nova intervenção judicial, uma vez que a redação do § 1º é imperativa, (b) sustentável afirmar que a nova redação ao § 1º do art. 3º do DL 911/69 não ofende o preceito constitucional do devido processo legal, uma vez que a liminar nele referida, de natureza cognitiva sumária, pode ser classificada como tutela relativamente exauriente já que a tutela definitiva (na sentença) confirmará ou não a antecipação deferida no início da lide, mantido assim o caráter de provisoriedade da antecipação de tutela, (c) essa provisoriedade vem confirmada pela redação do § 6º do mesmo art. 3º do DL 911/69 (sobre o qual nos ocuparemos a seguir), onde se lê a previsão expressa de multa para o credor fiduciário que optar pela venda do bem apreendido tão logo decorrido o prazo de 5 dias agora previsto no § 1º, isso significa dizer, em outras palavras, que a decisão sobre a venda do bem apreendido antes da prolação de sentença de mérito não impedirá a reversão da tutela antecipada, entendida essa irreversibilidade de forma ampla, não limitada ao pensamento de "impossibilidade material de se voltarem as coisas ao estado anterior", mas sim no sentido de que a reparação será feita, (d) sustentável também afirmar, dada a especialidade procedimental da ação de busca e apreensão de que trata o DL 911/69, que a liminar tratada no § 1º do art. 3º do DL 911/69 se encaixa no conceito das denominadas tutelas jurisdicionais diferenciadas.

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Pondo fim a essas breves notas sobre o § 1º do art. 3º sob comento, apesar da omissão do novo texto legal em relação à citação do devedor fiduciante, razoável admitir-se que este ato processual ocorrerá imediatamente após o cumprimento da medida liminar, tal como já previsto na legislação revogada, sob pena de frustrar-se o próprio cumprimento da liminar se o Réu (devedor fiduciante) tiver ciência da liminar antes de sua efetivação. Ainda sobre a citação na ação de Busca e Apreensão nos ocuparemos mais adiante.

Prosseguindo, mas agora abordando a nova redação ao § 2º do art. 3º do DL 911/69, temos a seguinte prescrição legal "no prazo do § 1º, o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre de ônus." E, relativamente a esse § 2º, pontuamos as seguintes novidades : (a) as petições iniciais das ações de busca e apreensão deverão trazer, sob pena de indeferimento, o valor da dívida, em semelhança ao que ocorre no processo de execução por quantia certa, isso porque esse valor da dívida é que servirá de parâmetro para eventual purgação de mora pelo devedor fiduciário, não mais sendo admitida, "como regra", a remessa dos autos ao contador quando houver requerimento para purgação da mora, (b) a nova redação do § 2º não estabelece qualquer limite de pagamento mínimo para a purgação da mora, com o que a recente Súmula 284 do Superior Tribunal de Justiça cai por terra, (c) cabe o destaque para a proposital coincidência do prazo de 5 dias previsto no § 1º e no § 2º, ambos do art. 3º do DL 911/69, tendo essa coincidência como razão aparente a de se evitar a consolidação de propriedade e posse quando o devedor fiduciante optar pela liquidação de sua dívida, ao invés de tomar o caminho do litígio.

Relevante também registrar, no tocante às ações de Busca e Apreensão em curso quando da entrava em vigor da Lei 10.931/04 e que estejam em fase de citação (evidentemente desde que ainda não realizada a citação), ser de todo recomendável que os credores fiduciários emendam, imediatamente, suas petições iniciais e desde logo nelas insiram os valores devidos. Tal providência tem por escopo ajustar a ação em curso ao disposto § 2º do art. 3º do DL 911/69.

Em relação ao novo § 3º, do art. 3º do DL 911/69, "o devedor fiduciante apresentará resposta no prazo de quinze dias da execução da liminar", observamos o seguinte : (a) o prazo para resposta, antes de 3 e agora de 15 dias, reflete importante inovação, (b) o art. 297 do Código de Processo Civil defini, ao abrigo da expressão "resposta", contestação, exceção e reconvenção, (c) quanto à contestação, a nova redação do DL 911/69 não traz mais a limitação à defesa de mérito (pagamento do débito ou cumprimento das obrigações), que refletia questão conturbada tanto na doutrina como na jurisprudência, mas, por outro lado, cabe aqui uma lembrança, qual seja, a matéria de defesa alegada deve ser apta a resolver a questão da propriedade resolúvel, presente no instituto da alienação fiduciária, (d) em relação à exceção, a rigor não houve qualquer inovação uma vez que tanto a exceção ritual (de incompetência relativa, já que a incompetência absoluta é matéria para contestação) como as de impedimento e suspeição eram (e continuam sendo) admitidas no procedimento da ação de Busca e Apreensão, (e) em relação à reconvenção, particularmente sustento sua inadmissibilidade "in casu", tal como já defendia à luz dos dispositivos revogados, quer seja pela especialidade do procedimento da ação de busca e apreensão, quer seja por tratar-se de ação onde a sentença a ser nela proferida possui eficácia executiva "lato sensu" (o comando da sentença realiza-se sem a necessidade de instauração de processo de execução), (e) por fim, permanece sendo possível a impugnação ao valor da causa, como forma de correção deste requisito da petição inicial.

Importante anotarmos que a omissão em relação à citação do Réu (devedor fiduciário) constitui, a meu ver, uma lamentável omissão da atual redação do DL 911/69, omissão essa que ocasionará inúmeros incidentes processuais até que doutrina e jurisprudência alcancem um consenso sobre o "dies a quo" tanto do prazo para purgação da mora como do prazo para o oferecimento de resposta, isso porque tanto o § 1º como o § 3º, ambos do art. 3º do DL 911/69, falam em contagem do prazo a partir do "cumprimento da liminar" e não da citação do Réu, o que além de contrariar o disposto no art. 241 do Código de Processo Civil, afronta flagrantemente a garantia constitucional ao contraditório, que por sua vez esbarra na também garantia constitucional do devido processo legal. Em uma palavra : como ficarão os processos quando os bens alienados fiduciariamente forem apreendidos em poder de terceiros, já que o prazo será contado da "execução da liminar", como agora estabelece o DL 911/69 ? Por essa razão é que me parece razoável sustentar que a contagem de tais prazos deverá se iniciar, em qualquer hipótese, da citação e não da "execução da liminar".

Passemos então à nova redação do § 4º do DL 911/69, "a resposta poderá ser apresentada ainda que o devedor tenha se utilizado da faculdade do § 2º, caso entenda ter havido pagamento a maior e desejar restituição", sobre a qual destacamos o seguinte : (a) o estabelecimento de diferentes prazos para a purgação da mora e para a resposta poderão gerar tumultos indesejáveis no processo, razão pela qual tais prazos devem ser observados com todo rigor e atenção, (b) tanto o prazo para purgação da mora (de 5 dias) como o prazo para resposta (de 15 dias), conforme ponderado acima, correrão a partir do ato citatório, (c) em procedimento semelhante ao previsto no Decreto 7.661/45 (Lei de Falências), faculta-se agora ao devedor fiduciante a apresentação de resposta ainda que tenha realizado o depósito elisivo, com o que, nesta excepcional situação, o processo prosseguirá tendo por objeto a relação de crédito.

Relativamente à nova redação do § 5º do art. 3º do DL 911/69, "da sentença cabe apelação apenas no efeito devolutivo", chama a atenção a novidade quanto à padronização do efeito meramente devolutivo para o recurso de apelação, independente de tratar-se de sentença extintiva (com exame de mérito) ou terminativa (sem exame de mérito) de procedência ou improcedência do pedido.

Quando à nova redação do § 6º do art. 3º do DL 911/69, "na sentença que decretar a improcedência da ação de busca e apreensão, o juiz condenará o credor fiduciário ao pagamento de multa, em favor do devedor fiduciante, equivalente a cinquenta por cento do valor originalmente financiado, devidamente atualizado, caso o bem já tenha sido alienado" observamos o seguinte : (a) o artigo fala somente em improcedência da ação, o que leva o intérprete a concluir que trata-se de decisão com exame de mérito, (b) portanto, quando houver extinção do processo por sentença terminativa (sem exame de mérito, CPC, art. 267) não há previsão legal para a aplicação da multa, até porque qualquer multa ou sanção não pode constituir-se mediante processo analógico, (c) a multa somente atingirá o credor fiduciário se o bem antes apreendido já houver sido vendido, isso significa dizer que a disposição do § 6º está em harmonia com o § 1º, já que o fato do credor ter a propriedade e posse consolidadas a seu favor, como consequência da antecipação de tutela, não significa dizer que ele tenha obrigatoriamente se desfeito do bem, (d) importante anotar que a redação desse parágrafo fala em uma multa no valor de cinquenta por cento do valor originalmente financiado e não do valor declinado na petição inicial, (e) como a apelação contra a sentença terá efeito meramente devolutivo, poderá o Réu (devedor fiduciante) dar início à execução provisória do valor da multa, com o que serão de todo aplicáveis as disposições do art. 588 do Código de Processo Civil.

Da nova redação do § 7º do art. 3º do DL 911/69, "a multa mencionada no § 6º não exclui a responsabilidade do credor fiduciário por perdas e danos", cabem os seguintes destaques : (a) essa indenização por perdas e danos necessitará de prova dos prejuízos experimentados pelo devedor fiduciante, (b) poderá ser liquidada e executada nos próprios autos, por interpretação analógica ao disposto no art. 588 do Código de Processo Civil, (c) se beneficiará pelo efeito meramente devolutivo do recurso de apelação, previsto no § 5º.

Por fim, alcançamos o § 8º, último parágrafo do art. 3º do DL 911/69, "a busca e apreensão prevista no presente artigo constitui processo autônomo e independente de qualquer procedimento posterior", o qual repete a redação do revogado § 6º do mesmo artigo, vindo reafirmar que a ação de busca e apreensão de que trata o DL 911/69 deve ser vista como procedimento especial de jurisdição contenciosa, em nada se confundindo com o processo cautelar.

E, como última modificação no DL 911/69, também introduzida pela Lei 10.931, de 02 de agosto de 2004, temos o art. 8-A, "o procedimento judicial disposto neste Decreto-Lei aplica-se exclusivamente às hipóteses da Seção XIV da Lei 4.728, de 14 de julho de 1965, ou quando o ônus da propriedade fiduciária tiver sido constituído para fins de garantia de débito fiscal ou previdenciário". Significa dizer que o procedimento especial previsto no DL 911/69, à exceção do fisco, aplica-se somente a alienações fiduciárias instituídas em favor de instituições financeiras. De todo compreensível essa previsão legal, uma vez que a Lei 10.406/02 (Novo Código Civil), em seus arts. 1.361 a 1.368 trouxe a previsão da alienação fiduciária. Desta forma, após o advento do Novo Código Civil a alienação fiduciária poderá figurar como garantia para qualquer contrato civil ou comercial, mas, por outro lado, a utilização da via processual rápida e eficiente do DL 911/69 somente poderá ser percorrida pelas instituições financeiras (e pelo fisco). Aos demais credores (que não as instituições financeiras e o fisco) restará a via do processo de conhecimento, procedimento comum (ordinário ou sumário, conforme o valor).

Enfim, são estas as inovações ocorridas no DL 911/69, aqui trazidas em breves e sucintos comentários, que não possuem, nem de longe, a pretensão de esgotar o tema nessas rápidas linhas. Por certo outras visões surgirão, outras opiniões, convergentes e divergentes, serão lançadas até que a doutrina e a jurisprudência assentem, sendo importante o registro do debate para futuras reflexões.

Sobre o autor
Marcio Calil de Assumpção

Advogado em São Paulo,Mestre em Direito pela Universidade Mackenzie,Autor do livro : Ação de Busca e Apreensão Decorrente de Alienação Fiduciária em Garantia, Editora Juarez de Oliveira,Membro do Comitê Legal da Associação Brasileira de Bancos Comerciais – ABBC,Membro da Subcomissão de Recuperação de Crédito da Federação Brasileira de Bancos – FEBRABAN

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ASSUMPÇÃO, Marcio Calil. Importantes alterações nas normas de processo sobre alienação fiduciária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 523, 12 dez. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6029. Acesso em: 24 nov. 2024.

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