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De novo Benjamin Constant e a liberdade

Agenda 13/11/2018 às 14:00

Benjamin Constant, no texto intitulado "Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos", discute acerca do valor liberdade em dois momentos históricos relevantes para a estruturação e a consolidação dos pilares fundamentais da civilização ocidental.

A narrativa trazida por Benjamin Constant, no texto intitulado Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos, explicita, na verdade, o cotejamento de dois momentos históricos relevantes para a estruturação e a consolidação dos pilares fundamentais da civilização ocidental, na medida em que tem como abordagem fulcral a questão do valor liberdade.

A princípio, a liberdade é analisada dentro do contexto histórico do Iluminismo, no qual prevalecem os ideais do liberalismo burguês, hegemônico no pensamento filosófico dos séculos XVII e XVIII.

Neste sentido, a noção de liberdade é toda ela calcada na ideologia da efetivação de direitos ditos humanos a partir de premissas subjetivas e individuais, segundo a qual o foco das atenções política, social, econômica e jurídica passa de uma abordagem em que preponderam os interesses visados pela coletividade para um enfoque voltado à pessoa humana como indivíduo.

Em outras palavras, até os estertores da Idade Moderna, em virtude da ideia dominante de que o todo coletivo tinha absoluta primazia perante os interesses pessoais específicos, não se cogitava da existência, por exemplo, de direitos e garantias individuais, das liberdades públicas e da limitação dos poderes dos Estados Absolutistas, motivo pelo qual se fazia crer que a pessoa humana, àquela época, em sua individualidade, era considerada apenas súdito, e não cidadão, ou seja, para o indivíduo havia somente pesadíssimas obrigações a cumprir ante o soberano de plantão, e não direitos a serem por ele implementados em seu favor.

Com efeito, devido à vigorosa influência do Renascimento, da Revolução Científica, da Reforma Protestante, do Pensamento Iluminista, materializado nas Revolução Gloriosa Inglesa, na Revolução da Independência Americana e na Revolução Francesa, cujo corolário foi, sem dúvida, a proclamação de inúmeros direitos inalienáveis da pessoa humana, inerentes a ela pelo simples fato de existir, documentados inclusive nas declarações revolucionárias daquele período, a liberdade começa a ser tratada por outro ângulo, sob o aspecto do individualismo.

Outrossim, o direito natural à liberdade, de que todo ser humano e inevitavelmente detentor, pois todos nascem livres e iguais, se consubstancia na vertente da vida privada, na intimidade e na autonomia das decisões referidas como individuais, isto é, aquelas escolhas nas quais o poder político do Estado soberano não pode adentrar de forma arbitrária, na medida em que tais deliberações dizem respeito, única e exclusivamente, ao indivíduo. Tem-se, sob este prisma, uma visão atomista da liberdade.

Neste ponto, é forçoso reconhecer, então, que as questões atinentes à liberdade religiosa, de consciência, de expressão, de ir e vir, de manifestação do pensamento e até de escolher seus representantes, enfim, todo aquele catálogo de direitos, muitos dos quais constam do famigerado artigo 5.º da CF/88, denominados direitos individuais, são realizados no âmbito particular, individual e pessoal de cada cidadão, o que, de resto, traduz os ditames do Estado Democrático de Direito.

Por outro lado, quando nos reportamos à liberdade sob os auspícios do pensamento grego clássico, ganha ela outra conotação, outra abordagem e tonalidade que em nada se compara à liberdade dos modernos, isto porque, vale lembrar, naquela conjuntura histórica, social e política, os interesses da pólis, é dizer, os interesses da coletividade sobrepujavam os interesses individuais, ainda que se defenda o caráter eminentemente democrático de tal modelo.

Ao contrário da percepção moderna da liberdade, a dos antigos, no caso grego especificamente, era perpetrada na esfera essencialmente pública, na Ágora, onde todos os cidadãos possuíam igual direito à participação, à opinião e à decisão dos assuntos inerentes à manutenção da vida boa e do bem comum no cotidiano da pólis grega.

Enfim, as deliberações relativas aos interesses particulares e individuais do cidadão grego eram limitadíssimos, quase inexistentes, por conta do poder de influência e de penetração das decisões tomadas pelo conjunto dos cidadãos reunidos em praça pública, a partir das quais se estabeleciam os rumos que a pólis, como um todo, deveria seguir.

Não é à toa que Aristóteles sustentava que a felicidade plena só seria obtida no âmbito da pólis, ou seja, a eudaimonia só se realizaria no plano coletivo e público, pela intensa convivência e interação entre os cidadãos, e nunca individualmente. Aliás, quem pensava somente nos seus próprios assuntos e problemas e fazia tábula rasa das grandes discussões de cunho público era considerado idiota (do grego idios), logicamente sem a conotação que a palavra tem hoje em dia.

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O curioso disso tudo é que a Filosofia, manifestação cultural que distinguiu profundamente a Civilização Grega em face das demais, foi burilada no cadinho fervilhante dessas discussões ocorridas em praça pública.

Ou melhor, a constante troca de ideias, o conflito de posições antagônicas, a contestação de teses, o processo dialético e dialógico dos debates levados a efeito na Ágora foi condição de possibilidade para a estruturação do pensamento filosófico grego e, por conseguinte, do mundo ocidental.

A livre manifestação do pensamento, em última análise, não obstante ser exercido nos limites do espaço público, estimulou sensivelmente a reflexão racional acerca do que seria o bem, o justo e o verdadeiro e, por assim dizer, a noção de felicidade.

Nota-se, portanto, que o conceito de liberdade, tão cara aos anseios do mundo judaico-cristão, sofreu incalculável variação no decorrer da História da Filosofia, haja vista que, na Grécia Antiga, a liberdade se restringira ao uso da palavra e às decisões na esfera pública, de sorte que restaria uma pequeníssima margem de liberdade no âmbito individual, relegada a segundo ou terceiro plano; ao passo que, para os modernos, a lógica se inverteu: o exercício da liberdade se concretizaria, pois, no alvorecer do individualismo, sendo questão de foro íntimo, eis que o poder político do Estado, aqui, é estritamente limitado à supervisão das relações sociais promovidas pelos indivíduos, caracterizando um papel de mero assistente, sem imiscuir onde não é chamado.

Sobre o autor
Marcos Antônio da Silva

Mestre em Direito pela Universidade Estadual do Norte do Paraná - UENP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Marcos Antônio. De novo Benjamin Constant e a liberdade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5613, 13 nov. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60371. Acesso em: 24 nov. 2024.

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