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O tráfico humano: estudo sobre a legislação e o desrespeito à dignidade da pessoa

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O crime de tráfico humano é um dos males sociais que mais avilta a dignidade da pessoa humana e está disseminado por todas as Nações. As histórias e relatos são inúmeros; as chagas na alma de quem consegue sair com vida deste infortúnio são eternas. É preciso bem mais que uma legislação interna feroz. É preciso uma política internacional realmente comprometida e vigilante.

RESUMO:O presente artigo tem por escopo analisar a problemática social do tráfico humano observando as suas maneiras de efetivação e discutindo as legislações e os direitos fundamentais aplicados a esta tipificação. O tráfico humano é uma prática recorrente no mundo globalizado e a sua expansão ocorre porque essa modalidade de crime apresenta baixos riscos ao praticante, pois a vítima não percebe que está sendo ludibriada e o lucro é exorbitante. No que tange aos direitos humanos, observa-se que o tráfico de pessoas desrespeita o preceito da dignidade da pessoa humana, contido na Declaração Universal dos Direitos Humanos e efetivado pela Organização das Nações Unidas em seus protocolos. A partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos e dos protocolos efetivados pela Organização das Nações Unidas e a criação de legislações Estatais internas, esses direitos passam a ser conhecidos, valorizados, discutidos e efetivados. A criação de legislação específica para o combate ao tráfico humano é de fundamental importância, tanto para enaltecer o respeito aos direitos fundamentais quanto para alertar a população de sua existência, pois este é o tipo de crime que possui dados alarmantes, porém como é de organização transnacional seu combate é laborioso.

Palavras chave:Tráfico humano; Protocolo de Palermo; Legislação  brasileira; Direitos Humanos.


1 Introdução 

O tráfico humano, apesar de ser um fenômeno recorrente na sociedade há séculos, é uma temática pouco abordada no convívio social. Possui origem ainda na antiguidade, e consiste na atividade de explorar outros indivíduos, fato que se perpetua na história e se apresenta das mais diversas maneiras.

Tratar de tráfico humano remete à sua definição, que é de fundamental importância, pois a partir da conceituação legal é possível buscar maneiras de evidenciar, alertar e aprofundar reflexões em sociedade.

Apesar de a legislação brasileira e internacional, desde o início dos anos 2000, tratar dessa temática, esse crime ainda não possui um bom funcionamento e desenvolvimento porque, devido à carência de informações, a vítima se encontra em situação de vulnerabilidade, sendo exemplo a necessidade de encontrar um trabalho que seja bem remunerado e equivalente ao tempo e esforço empregado.

Em se tratando dos direitos humanos, desde a criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos e Organização das Nações Unidas, esses direitos fundamentais passaram a ser reconhecidos e a cada dia a busca por sua efetivação fática se faz mais presente.

Analisar os casos das incontáveis vítimas e analisar como o crime é tratado nos demais países é importante, pois, a partir do contato, a sociedade adquire respaldo de que esta é uma tipificação apta a atingir qualquer cidadão em qualquer localidade e ressalta, ainda, a necessidade em não somente combater o crime, mas de ressocializar a vítima a sociedade.


 2 O tráfico humano

A prática do tráfico humano remete à história antiga, principalmente a grega e romana, repercutindo no período de colonização das Américas por meio da escravidão africana e indígena, o que nos leva ao entendimento de que as o tráfico das pessoas é uma prática hodiernamente constante e que atinge colossal proporção[1].

No Brasil Colonial, essa foi uma prática recorrente, visando especialmente a exploração da força laboral e servidão, sendo as vítimas oriundas, principalmente, da África. Sem esquecemos do tráfico indígena[2].

Além do tráfico de pessoas para a exploração laboral, também é frequente a comercialização de mulheres para fins de exploração sexual, sendo o termo francês “traite de blanches” (escravas brancas) utilizado para apelidar as mulheres brancas europeias que eram levadas para os bordéis situados nos Estados Unidos da América e aos demais países europeus[3].

É importante salientar que o tráfico de pessoas não está restrito à exploração da atividade laboral ou à exploração sexual: também são modalidades desse crime a remoção de órgãos, partes do corpo ou tecidos, adoção ilegal e uma multiplicidade de trabalhos forçados, reduzindo, para tanto, os seres humanos a condição análoga a de escravos e desrespeitando seus direitos fundamentais[4].

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De acordo com as pesquisas realizadas pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), entre 2012 e 2014, foram detectadas, em escala global, 63.200 (sessenta e três mil e duzentas) vítimas de tráfico humano, sendo que mulheres e meninas, em conjunto, representam 71% (setenta e um por cento) das vítimas. Já os homens adultos, dentro do percentual global de 29% (vinte e nove por cento), destinados a trabalhos forçados no setor de mineração como carregadores ou soldados, correspondiam a 63% (sessenta e três por cento) das vítimas[5]. Ainda segundo os dados, as crianças são o segundo grupo mais afetado por esse crime. Yury Fedotov[6] aduz que:

A exploração sexual e o trabalho forçado permanecem como as formas mais proeminentes desse crime, mas as vítimas também estão sendo traficadas para serem usadas como pedintes, para  casamentos forçados, fraudes ou produção de pornografia.

Observa-se, a partir do exposto, que a tipificação descrita na Lei Federal n.º 13.344/2016[7] pode atingir qualquer cidadão situado em qualquer continente.

No âmbito mundial, o tráfico humano é a terceira atividade mais lucrativa, ficando atrás apenas do tráfico de armas e drogas, respectivamente[8].

Após, estaremos definindo o que vem a ser tráfico humano.


4 A definição de tráfico humano

Preocupada com as dimensões que o tráfico humano pode alcançar, a Organização das Nações Unidas elaborou uma convenção internacional global, aprovada no ano de 2000 em Nova Iorque intitulada de Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças[9] - Protocolo de Palermo – o qual foi admitido pelo Brasil no ano de 2004. No capítulo I, artigo 3, alínea ‘a’, o tráfico de pessoas diz respeito a:

O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos   ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins   de exploração.

Cabe aqui ressaltar a importância em se analisar a definição de tráfico humano, retirada do Protocolo de Palermo, e a realidade prática. O tráfico humano é compreendido como recrutar uma maneira de aliciar a vítima, para traficá-la. O Conselho Nacional de Justiça[10] define os recrutadores ou aliciadores:

São, na maioria das vezes, pessoas que fazem parte do círculo de amizades da vítima ou de membros da família. São pessoas com que as vítimas têm laços afetivos. Normalmente apresentam bom nível de escolaridade, são sedutores e têm alto poder de convencimento. Alguns são empresários que trabalham ou se dizem proprietários de casas de show, bares, falsas agências de encontros, matrimônios e modelos. As propostas de emprego que fazem geram na vítima perspectivas de futuro, de melhoria da qualidade de vida.

Outro ponto importante é a mensurabilidade que ganha a vida humana, pois tanto o responsável de um sujeito ao consentir com a exploração visando adquirir uma compensação, seja ela financeira ou não, e as pessoas que são partes nesses negócios tratam a vida como uma mercadoria taxativa monetariamente infringindo todos os anseios e perspectivas de um cidadão e desmerecendo seus direitos e garantias enquanto tal.

Além disso, devemos demonstrar como se configura o crime de tráfico humano. O manual sobre la lucha contra la trata de personas para profesionales de la justicia penal, da Oficina de las Naciones Unidas contra la droga y el delito[11] exige a configuração de, ao menos, três características consideradas indispensáveis, que são: a) os atos, o que se faz para induzir ou ludibriar a vítima; b) como se faz, quais os meios mais efetivos; c) por que, qual a finalidade da exploração.

Transcorrida esta etapa, passaremos a demonstrar a legislação brasileira no que tange ao tráfico humano. 


5 A legislação brasileira e o tráfico humano

Desde seu advento, o Código Penal brasileiro[12], em seus artigos 231 e 231-A, reconhece, embora restrita a finalidade de exploração sexual, o tráfico de pessoas. Porém com o advento da Lei Federal n.º 13.344/2016[13], estes dispositivos foram revogados, a legislação interna foi adaptada à internacional e visando uma maior efetividade em âmbito nacional foi acrescido à legislação penal brasileira o novel artigo 149-A.

Art. 149-A. Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa,mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de:

I – remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo;

II – submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo;

III – submetê-la a qualquer tipo de servidão;

IV – adoção ilegal; ou

V – exploração sexual.

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

§ 1° A pena é aumentada de um terço até a metade se:

I – o crime for cometido por funcionário público no exercício de suas funções ou a pretexto de  exercê-las;

II – o crime for cometido contra criança, adolescente ou pessoa idosa ou com deficiência;

III – o agente se prevalecer de relações de parentesco, domésticas, de coabitação, de hospitalidade, de dependência econômica, de autoridade ou de superioridade hierárquica inerente ao exercício de   emprego, cargo ou função; ou

 IV – a vítima do tráfico de pessoas for retirada do território nacional.

§ 2o A pena é reduzida de um a dois terços se o agente for primário e não integrar organização  criminosa.

Ao analisarmos o tipo penal e as suas características essenciais temos que as condutas utilizadas para ludibriar a vítima são: agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa; que os meios efetivos são: a grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso; e que a finalidade da exploração: I – remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo; II – submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo; III – submetê-la a qualquer tipo de servidão; IV – adoção ilegal; ou V – exploração sexual.

A remoção de órgãos, tecidos ou partes do corpo também é regulamentada pela Lei Federal n° 9.434/1997[14], que trata da remoção de órgãos com a finalidade de transplante, abrangendo tanto o doador vivo quanto o morto. Porém o artigo 149-A, do Código Penal trata, exclusivamente, do doador vivo que foi submetido a violência, grave ameaça, coação, fraude ou abuso.

O tráfico de pessoas visando à retirada de órgãos é uma das atividades mais monstruosas, pois nela, além dos aliciadores também estão envolvidos os profissionais da área da saúde. No Brasil, a morosidade em encontrar um doador compatível estimula esse mercado desumano, que tem como principais vítimas as pessoas que vivem em situação de desigualdade.

De acordo com a Organização das Nações Unidas, a submissão a trabalho em condições análogas à de escravo, ocupa a segunda posição na causa do tráfico humano. Reduzir alguém à condição análoga de escravo é submeter uma pessoa a trabalhos forçados, com jornadas exaustivas, condições degradantes e restringindo, de qualquer maneira, a liberdade de locomoção fundamentada em dívida que o empregado possui com o empregador[15].

O Conselho Nacional de Justiça reconhece que o trabalho escravo tem sido uma prática frequente, principalmente em pequenas fábricas e lavouras. As vítimas desse crime chegam a viver em condições miseráveis e não recebem o retorno equivalente aos seus trabalhos[16].

Embora a escravidão seja prática já abolida, ainda permanecem os resquícios de sua existência. O trabalho servil também é uma das modalidades do tráfico humano, de maneira ampla é possível compreendê-lo como uma das modalidades do trabalho escravo, mas também é possível recorrer a Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura, do Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à escravatura, promulgada no Brasil pelo Decreto n° 58.563/1966[17], que em seus artigos 1° e 2°, da Seção I, trata sobre o assunto. O dito Decreto, em seu artigo 1°, alínea b, menciona que a servidão pode ser entendida como:

A condição de qualquer um que seja obrigado pela lei, pelo costume ou por um acordo, a viver e trabalhar numa terra pertencente a outra pessoa e a fornecer a essa outra pessoa, contra remuneração ou gratuitamente, determinados serviços, sem poder mudar sua condição.

A adoção é um gesto de amor para com o próximo. Contudo, para efetivar essa prática há procedimentos que precisam ser seguidos para garantir a segurança da criança ou adolescente. O inciso IV do tipo em estudo cita a expressão adoção ilegal. A prática da adoção está prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente[18], na subseção IV, nos artigos 39 a 52-D. Seguindo seu ensinamento a adoção é ilegal quando não atende às exigências imperativas da lei para a sua efetivação. Ainda, segundo o referido Estatuto, são práticas que visam facilitar a prática de adoção ilegal as enunciadas nos artigos 237 e 238.

Entre todas as modalidades de tráfico humano, a exploração sexual é o fim mais procurado e lucrativo. Para ser eficaz, esse sistema se utiliza da violência física e emocional sob a vítima - comumente mulheres e adolescentes - e, também, de o meretrício ainda não ser institucionalizado como profissão. Principalmente nessa modalidade de tráfico humano o corpo é uma mercadoria valorizada e vendável de todas as formas[19].

Mencionadas estas explicações devemos continuar o presente estudo para as causas do tráfico humano.

Sobre os autores
Leonardo Barreto Ferraz Gominho

Graduado em Direito pela Faculdade de Alagoas (2007); Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina (2010); Especialista e Mestre em Psicanálise Aplicada à Educação e a Saúde pela UNIDERC/Anchieta (2013); Mestre em Ciências da Educação pela Universidad de Desarrollo Sustentable (2017); Foi Assessor de Juiz da Vara Cível / Sucessões da Comarca de Maceió/AL - Tribunal de Justiça de Alagoas, por sete anos, de 2009 até janeiro de 2015; Foi Assessor do Juiz da Vara Agrária de Alagoas - Tribunal de Justiça de Alagoas, por sete anos, de 2009 até janeiro de 2015; Conciliador do Tribunal de Justiça de Alagoas. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito das Obrigações, das Famílias, das Sucessões, além de dominar Conciliações e Mediações. Advogado. Professor da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF -, desde agosto de 2014. Professor e Orientador do Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF -, desde agosto de 2014. Responsável pelo quadro de estagiários vinculados ao Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF - CCMA/FACESF, em Floresta/PE, nos anos de 2015 e 2016. Responsável pelo Projeto de Extensão Cine Jurídico da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF, desde 2015. Chefe da Assessoria Jurídica do Município de Floresta/PE. Coautor do livro "Direito das Sucessões e Conciliação: teoria e prática da sucessão hereditária a partir do princípio da pluralidade das famílias". Maceió: EDUFAL, 2010. Coordenador e Coautor do livro “Cine Jurídico I: discutindo o direito por meio do cinema”. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821832; Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito civil e direito processual civil”. Volume 01. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821749; Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito das famílias e direito das sucessões”. Volume 01. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821856. Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito das famílias e direito das sucessões”. Volume 02. Belém do São Francisco: Editora FACESF, 2018. ISBN: 9788545558019. Coordenador e Coautor do livro “Cine Jurídico II: discutindo o direito por meio do cinema”. Belém do São Francisco: Editora FACESF, 2018. ISBN: 9788545558002.

Lígia de Moraes Cruz

Acadêmica de Direito da Facesf.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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