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Consequências jurídicas do abuso de direito nas relações de família

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Agenda 09/10/2017 às 15:00

3. DIREITO DE FAMÍLIA CONTEMPORÂNEO

3.1 Conceito de família

Primeiramente, convém destacar que a família é o ambiente no qual os indivíduos ficam inseridos a maior parte do tempo, sendo que é através dela que se adquire a formação da personalidade, mas fornecer um conceito único para a família não é uma tarefa fácil. Nesse sentido:

[...] não é possível apresentar um conceito único e absoluto de Família, apto a aprioristicamente delimitar a complexa e multifária gama de relações socioafetivas que vinculam as pessoas, tipificando modelos e estabelecendo categorias. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 39).

O artigo 226, caput, da Constituição Federal dispõe que “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. (BRASIL, 1988). É visível a importância conferida à família e, assim, o governo tem a incumbência de criar políticas públicas que tenham como objetivo a proteção aos membros da entidade familiar, notadamente no que tange aos membros providos de maior vulnerabilidade, quais sejam: a criança, o adolescente e o idoso.

A Constituição Federal de 1988 trouxe grandes avanços concernentes ao reconhecimento familiar, tendo em vista que se reconhecia como legítima apenas a família oriunda do casamento. Sendo assim:

Desde então tem se tornado mais nítida a perda do valor do Estado e da Igreja como instância legitimadora da comunhão de vida e nota-se uma crescente rejeição das tabelas de valores e dos “deveres conjugais” predeterminados por qualquer entidade externa aos conviventes. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 42).

Depreende-se da leitura dos parágrafos primeiro a quarto do artigo 226 da Carta Magna que é feita alusão a três formas de família, sendo elas derivadas do casamento, união estável e núcleo monoparental. Não obstante, não se trata de rol taxativo, sendo possível a formação de outros tipos de entidades familiares. Nesse diapasão:

Os tipos de entidades familiares explicitados nos parágrafos do art. 226 da Constituição são meramente exemplificativos, sem embargo de serem os mais comuns, por isso mesmo merecendo referência expressa. As demais entidades familiares são tipos implícitos incluídos no âmbito de abrangência do conceito amplo e indeterminado de família indicado no caput. Como todo conceito indeterminado, depende de concretização dos tipos, na experiência da vida, conduzindo à tipicidade aberta, dotada de ductibilidade e adaptabilidade. (LÔBO, 2002, p. 1).

Feitas as considerações acima, no que tange ao aspecto epistemológico do termo família, Gagliano e Pamplona Filho (2012, p. 44) dispõem, baseados no princípio da dignidade da pessoa humana, que “família é o núcleo existencial integrado por pessoas unidas por vínculo socioafetivo, teleologicamente vocacionada a permitir a realização plena dos seus integrantes”.

3.2 Princípios do Direito de Família

Os princípios que norteiam o Direito de Família têm como principal fonte a Constituição Federal, sendo que, inclusive, grande parte deles são conhecidos como princípios constitucionais.

Depreende-se que são vários os princípios que estão ligados à área jurídica em questão, sendo que cada autor aborda aqueles que acredita abranger o assunto tratado. Não obstante, a seguir são explanados aqueles que mais são citados nas doutrinas.

3.2.1 Dignidade da pessoa humana

O referido princípio está consagrado no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal e constitui o vetor basilar de todo o ordenamento jurídico, devendo ser entendido em sua plenitude. Nesse sentido, consigna-se que:

Trata-se do que se denomina princípio máximo, ou superprincípio, ou macroprincípio, ou princípio dos princípios. Diante desse regramento inafastável de proteção da pessoa humana é que está em voga, atualmente, falar em personalização, repersonalização e despatrimonialização do Direito Privado. (TARTUCE, 2017, p. 770).

Sobre a noção jurídica de dignidade, dispõe-se que:

[...] traduz um valor fundamental de respeito à existência humana, segundo as suas possibilidades e expectativas, patrimoniais e afetivas, indispensáveis à sua realização pessoal e à busca da felicidade.

Mais do que garantir a simples sobrevivência, esse princípio assegura o direito de se viver plenamente, sem quaisquer intervenções espúrias – estatais ou particulares – na realização dessa finalidade. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 76).

Para que a dignidade seja garantida, é necessário que seja conferido respeito ao indivíduo no que tange às esferas pessoal, social e familiar.

Na concepção de Sarmento apud Carelli (2008, p. 48-49), a dignidade da pessoa humana “[...] representa o epicentro axiológico da ordem constitucional, irradiando efeitos sobre todo o ordenamento jurídico e balizando não apenas os atos estatais, mas toda a miríade de relações privadas que se desenvolvem no seio da sociedade”.

Destarte, o Estado deve conferir a devida proteção à dignidade humana, visando garantir o desenvolvimento de todos os membros da entidade familiar.

3.2.2 Isonomia

Com a consagração do princípio da igualdade, em sede constitucional (art. 5º, inciso I da CF/88), foi conferido tratamento isonômico em relação aos cônjuges e companheiros relativamente aos seus direitos e deveres, eliminando-se aos poucos os resquícios patriarcais e o denominado poder marital. Para consubstanciar tal explanação cita-se o §5º do artigo 226 da Constituição Federal que elucida que “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”. (BRASIL, 1988). Nesse sentido, as funções e a responsabilidade dos dois cônjuges ou companheiros passam a ser equivalentes.

Além da igualdade concernente aos cônjuges e companheiros, também se verifica a igualdade entre os filhos, prevista constitucionalmente no artigo 227, §6º, o qual aduz que “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. (BRASIL, 1988). Nesse mesmo sentido é o teor do artigo 1596 do Código Civil.

Assim, depreende-se que a ordem jurídica hodierna não permite o tratamento distinto entre filhos legítimos e ilegítimos.

3.2.3 Pluralismo das entidades familiares

Com as mudanças dos paradigmas da família, não se considera como entidade familiar apenas aquela proveniente do casamento entre homem e mulher, sendo reconhecidas outras formas, as quais serão abordadas a seguir.

3.2.3.1 Família formada pelo casamento

De acordo com Rodrigues apud Carelli (2008, p. 24) “casamento é o contrato de direito de família que tem por fim promover a união de homem e mulher, de conformidade com a lei, a fim de regularem suas relações sexuais, cuidarem da prole comum e se prestarem mútua assistência”.

A família oriunda do casamento é reconhecia no art. 226, §§ 1º e 2º da Constituição Federal. O casamento válido no país é o civil, porém o casamento religioso é provido de eficácia caso todas as formalidades impostas sejam observadas, conforme se depreende do disposto no artigo 1515 do Código Civil.

Como já mencionado alhures, a concepção de família foi evoluindo ao longo da história e passou-se a admitir outras entidades familiares além desta tradicional.

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3.2.3.2 Família advinda da união estável

A união estável está expressamente consignada como entidade familiar no art. 226, §3º da Constituição Federal ao dispor que “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. (BRASIL, 1988).

O referido instituto recebe tratamento apenas pelos artigos 1723 a 1727 do Código Civil e tais dispositivos permitem apenas uma análise perfunctória a respeito do assunto. É cediço que é necessária a adequação da lei aos fenômenos sociais, o que ocasiona a evolução do pensamento jurídico no que tange aos aspectos familiares. Nesse sentido, elucida-se que:

Seja como for, o desinteresse pelo casamento acabou provocando uma espécie de clamor público, no sentido de que fossem constitucionalizadas e reguladas, legislativamente, as uniões livres entre o homem e a mulher, para efeito de recíproca assistência e proteção à prole, daí resultante; originando a noção de entidade familiar, prevista na Carta Política de 1988, em razão do que não mais se pode falar em família ilegítima, em oposição à família legítima, pois ambas essas situações estão sob o manto da proteção legal e constitucional. (SOARES apud VENOSA, 2011, p. 417).

O artigo 1723 do Código Civil disciplina que “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”. (BRASIL, 2002). Importante destacar que, segundo o §1º do referido dispositivo, a união estável não será reconhecida nos casos em que o casal está impedido de contrair casamento (art. 1521, CC), sendo que tal união é denominada pelo Código Civil como concubinato. Já as causas suspensivas, conforme disciplina o §2º do artigo 1723 não impedem a constituição da união estável.

Ressalta-se que não foi estabelecido requisito temporal para configuração da união estável, ou seja, não houve previsão de período mínimo de convivência, sendo que a estabilidade da união deve ser averiguada de acordo com o caso concreto.

Da leitura do artigo 1723 do Código Civil, extrai-se que é colocado como requisito configurador da união estável a dualidade de sexos. Todavia, tal dispositivo não deve ser interpretado de forma restritiva, entendendo ser admissível apenas a união estável heterossexual. Nesse sentido, afirma-se que:

Efetivamente, a união entre pessoas homossexuais poderá estar acobertada pelas mesmas características de uma entidade heterossexual, fundada, basicamente, no afeto e na solidariedade. Sem dúvida, não é a diversidade de sexos que garantirá a caracterização de um modelo familiar, pois a afetividade poderá estar presente mesmo nas relações homoafetivas. (CHAVES ; ROSENVALD apud GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 434-435).

Da redação do aludido dispositivo, depreende-se ser elementos essenciais de caracterização da entidade familiar em questão a publicidade, a continuidade, a estabilidade e o objetivo de constituição de família.

No que tange à publicidade, faz-se imprescindível que o casal seja reconhecido, no contexto social, como uma família, sendo tal convivência de caráter notório.

Quanto à continuidade, diz-se que é necessária a intenção de manter uma convivência permanente e definitiva, uma vez que “a união estável não se coaduna com a eventualidade, pressupondo a convivência contínua, sendo, justamente por isso, equiparada ao casamento em termos de reconhecimento jurídico”. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 436). Em relação à estabilidade, esta diz respeito à convivência de caráter duradouro.  

O animus de constituir uma família é provido de extrema relevância, não podendo estar ausente. “Isso porque o casal que vive uma relação de companheirismo – diferentemente da instabilidade do simples namoro – realiza a imediata finalidade de constituir uma família, como se casados fossem”. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 436).

3.2.3.3 Família monoparental

Tal modalidade de família está prevista no art. 226, §4º da Constituição, o qual aduz que “entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”. (BRASIL, 1988).

São várias as causas que originam essa entidade familiar, como, verbi gratia, a morte de um dos genitores, o divórcio ou separação do casal, a inseminação artificial e a adoção feita por pessoa solteira.

3.2.3.4 Família anaparental

Tal entidade familiar pode ser entendida como:

[...] aquela constituída basicamente pela convivência entre parentes dentro de uma mesma estrutura organizacional e psicológica, visando a objetivos comuns, que residem no mesmo lar, pela afetividade que os une ou por necessidades financeiras ou mesmo emocionais, como o medo de viver sozinho. (ALMEIDA apud CARELLI, 2008, p. 40).

Nesse sentido, cita-se como exemplo a convivência de dois irmãos, sendo que, nesse caso, tal união, embora não presente o elemento de conotação sexual, deve ser reconhecida como família com o fito de serem produzidos todos os efeitos jurídicos previstos em lei.

3.2.3.5 Família eudemonista

Quanto ao conceito de família eudemonista, destaca-se o seguinte:

Eudemonista é considerada a família decorrente da convivência entre pessoas por laços afetivos e solidariedade mútua, como é o caso de amigos que vivem juntos no mesmo lar, rateando despesas, compartilhando alegrias e tristezas, como se irmãos fossem, razão porque os juristas entendem por bem considerá-los como formadores de mais um núcleo familiar. (ANDRADE apud CARELLI, 2008, p. 41-42).

Assim, mais uma vez verifica-se a importância atribuída aos laços afetivos e à comunhão de vida dos indivíduos, deixando de lado aspectos consuetudinários e tradicionalistas.

3.2.3.6 Família mosaico

A família mosaico também é conhecida como família pluriparental, sendo que ela é caracterizada pela existência de vários vínculos e pelo elevado grau de interdependência.

Tal entidade familiar deriva das relações em que houve união de pessoas divorciadas ou separadas, possuindo filhos. Nesse sentido, “nessa nova organização as famílias passam a receber o ‘marido da mãe’ os ‘filhos do marido da mãe’, os filhos da nova esposa do pai, as famílias de cada um dos novos pares, cada um trazendo para o núcleo familiar sua própria cultura”. (CHAGAS apud CARELLI, 2008, p. 41).

3.2.3.7 Família formada pela união homoafetiva

É cediço que a homossexualidade sempre se fez presente na sociedade, mas ainda existe muita discriminação em relação a tal prática. Não obstante, é preciso se ater à realidade hodierna e, assim, a união homoafetiva deve ser considerada como entidade familiar. No que tange a esse aspecto, elucida-se que:

Por absoluto preconceito, a Constituição emprestou, de modo expresso, juridicidade somente às uniões estáveis entre homem e uma mulher, ainda que em nada diferencie a convivência homossexual da união estável. A nenhuma espécie de vínculo que tenha por base o afeto pode-se deixar de conferir status de família [...] o respeito à dignidade da pessoa humana. (DIAS apud CARELLI, 2008, p. 44).

Todavia as concepções normativas a respeito foram sendo reformuladas e a união homoafetiva vem produzindo de forma regular seus efeitos jurídicos como entidade familiar. Nessa senda, mostrou-se de extrema importância a decisão prolatada pelo Supremo Tribunal Federal no tocante à ação direta de inconstitucionalidade n. 4277/DF. À guisa de ilustração, segue ementa do entendimento jurisprudencial:

1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO. RECEBIMENTO, NA PARTE REMANESCENTE, COMO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNIÃO HOMOAFETIVA E SEU RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE OBJETOS ENTRE AÇÕES DE NATUREZA ABSTRATA. JULGAMENTO CONJUNTO. Encampação dos fundamentos da ADPF nº 132-RJ pela ADI nº 4.277-DF, com a finalidade de conferir interpretação conforme à Constituição” ao art. 1.723 do Código Civil. Atendimento das condições da ação.

2. PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA NO PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO COMO CAPÍTULO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. HOMENAGEM AO PLURALISMO COMO VALOR SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA DISPOR DA PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA. O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de promover o bem de todos. Silêncio normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos como saque da kelseniana norma geral negativa, segundo a qual o que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido. Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da dignidade da pessoa humana: direito a autoestima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade das pessoas naturais. Empírico uso da sexualidade nos planos da intimidade e da privacidade constitucionalmente tuteladas. Autonomia da vontade. Cláusula pétrea.

3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO “FAMÍLIA” NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃO-REDUCIONISTA. O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão família, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por intimidade e vida privada” (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas.

4. UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO CONSTITUCIONAL REFERIDA A HOMEM E MULHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO DESTA ÚLTIMA. FOCADO PROPÓSITO CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES JURÍDICAS HORIZONTAIS OU SEM HIERARQUIA ENTRE AS DUAS TIPOLOGIAS DO GÊNERO HUMANO. IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE “ENTIDADE FAMILIAR” E “FAMÍLIA”. A referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no § 3º do seu art. 226, deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a um mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros. Impossibilidade de uso da letra da Constituição para ressuscitar o art. 175 da Carta de 1967/1969. Não há como fazer rolar a cabeça do art. 226 no patíbulo do seu parágrafo terceiro. Dispositivo que, ao utilizar da terminologia entidade familiar, não pretendeu diferenciá-la da família. Inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do fraseado entidade familiar”como sinônimo perfeito de família. A Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua não-equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do § 2º do art. 5º da Constituição Federal, a evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente listados na Constituição, emergem do regime e dos princípios por ela adotados, verbis: Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

5. DIVERGÊNCIAS LATERAIS QUANTO À FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO. Anotação de que os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso convergiram no particular entendimento da impossibilidade de ortodoxo enquadramento da união homoafetiva nas espécies de família constitucionalmente estabelecidas. Sem embargo, reconheceram a união entre parceiros do mesmo sexo como uma nova forma de entidade familiar. Matéria aberta à conformação legislativa, sem prejuízo do reconhecimento da imediata autoaplicabilidade da Constituição.

6. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA “INTERPRETAÇÃO CONFORME”). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de interpretação conforme à Constituição. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva. (STF - ADI: 4277 DF, Relator: Min. AYRES BRITTO, Data de Julgamento: 05/05/2011, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-03<span id="jusCitacao"> PP-00341</span>). (Online).

Torna-se evidente, portanto, que o conceito de família é indeterminado e, em que pese estejam explicitadas três formas de família nos parágrafos do art. 226 da CF, as demais formas estão implícitas no caput do referido dispositivo. Diante do exposto, é perceptível que o rol das modalidades de entidades familiares previstas na Constituição Federal não é numerus clausus. Assim, visou-se conferir proteção ampla às entidades familiares, sendo a tutela constitucional abrangente e não exclusiva a determinadas formas de constituição familiar.

3.2.4 Afetividade

No que tange ao princípio em comento, destaca-se que:

A afetividade é construção cultural, que se dá na convivência, sem interesses materiais, que apenas secundariamente emergem quando ela se extingue. Revela-se em ambiente de solidariedade e responsabilidade. Como todo princípio, ostenta fraca densidade semântica, que se determina pela mediação concretizadora do intérprete, ante cada situação real. Pode ser assim traduzido: onde houver uma relação ou comunidade unidas por laços de afetividade, sendo estes suas causas originária e final, haverá família. (LÔBO, 2002, p. 1).           

A família, ao longo do tempo, passou a ser vista como um grupo social consubstanciado nos laços providos de afeto e não apenas como um ente que possui fins de cunho procriacional e econômico.

Segundo Tartuce (2014, p. 776), “mesmo não constando a expressão afeto do Texto Maior como sendo um direito fundamental, pode-se afirmar que ele decorre da valorização constante da dignidade humana e da solidariedade”.

O afeto permeia as relações familiares, sendo que ele contribui para o respeito da dignidade humana, havendo fortalecimento da reciprocidade dos sentimentos existentes entre os membros do núcleo familiar.

3.2.5 Mínima intervenção do Estado

           Na visão de Diniz (2011), o princípio da liberdade se destina à constituição livre da entidade familiar, seja por meio do casamento ou união estável, sem a existência de imposição; livre decisão relativa ao planejamento familiar, sendo a intervenção do Estado exclusiva para proporcionar recursos para o exercício de tal direito; livre aquisição e administração do patrimônio e possibilidade de escolha do regime patrimonial e de formação cultural, educacional e religiosa dos filhos.

Diante disso, infere-se que o Estado tem a incumbência de apoio e assistência, não podendo interferir de forma demasiada no contexto do núcleo familiar. Não obstante, há situações em que os órgãos públicos têm a obrigação de agir, não podendo permanecer inertes, quando, por exemplo, o direito de algum integrante da família está sendo ameaçado ou lesionado.

Tal princípio encontra-se previsto no artigo 1513 do Código Civil, ao dispor que “é defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família”. (BRASIL, 2002).

3.2.6 Melhor interesse da criança e do adolescente

Segundo Diniz (2011, p. 37-38), o referido princípio permite à criança e ao adolescente “[...] o integral desenvolvimento de sua personalidade e é diretriz solucionadora de questões conflitivas advindas da separação ou divórcio dos genitores, relativas à guarda, ao direito de visita, etc.”.

Tal princípio também se encontra explícito no âmbito constitucional, uma vez que o artigo 227 da Carta Magna preconiza que:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar a criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988).

Então, é perceptível a maior responsabilidade dos pais quando os filhos ainda estão em tenra idade, devendo ser observadas todas as diretrizes dispostas no Estatuto da Criança e do Adolescente, buscando-se conferir primazia à proteção dos direitos, sendo que a inobservância e o descumprimento dos deveres familiares pelos genitores poderá ocasionar responsabilização, resultando, em casos mais extremos, na suspensão ou destituição do poder familiar, conforme previsto nos artigos 1637 e 1638 do Código Civil.

Nos artigos 1566, inciso IV, e 1724 do Código Civil são previstos como deveres dos cônjuges e companheiros o sustento, a guarda e educação dos filhos, não podendo eles se eximirem de tais incumbências.

Sobre a autora
Thaísa da Silva Borges

Delegada de Polícia do Estado de São Paulo. Ex-advogada. Graduada em Direito pela Universidade do Estado de Minas Gerais. Pós-graduada em Direito Civil e Processual Civil pelo Instituto Elpídio Donizetti. Pós-graduada em Direito Penal e Processual Penal pelo Instituto Elpídio Donizetti.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORGES, Thaísa Silva. Consequências jurídicas do abuso de direito nas relações de família. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5213, 9 out. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60638. Acesso em: 22 nov. 2024.

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