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Consequências jurídicas do abuso de direito nas relações de família

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Agenda 09/10/2017 às 15:00

4. DO ABUSO DE DIREITO NAS RELAÇÕES FAMILIARES

O abuso de direito, assim como nas demais áreas, também se manifesta no âmbito do Direito de Família, uma vez que nas relações familiares são cometidos vários excessos, sendo que muitas vezes não são constatados em virtude da sutileza de suas manifestações.

Deve se proceder à identificação de tais situações, conferindo a devida punição àqueles que utilizam seu direito de forma indevida. Os principais abusos de direito, na seara familiar, serão retratados a seguir.

4.1 Direito de guarda

Ao instituto da guarda é conferido tratamento pelo Código Civil, em seus artigos 1.583 a 1.590, tendo como escopo fazer com que os direitos e deveres de pais e filhos na relação assistencial sejam efetivados da melhor maneira, buscando assegurar à criança e ao adolescente uma formação adequada.

No que tange à definição de guarda, salienta-se que:

A guarda é relação típica do poder familiar. É, em termos grosseiros, a "posse direta" dos pais sobre os filhos. Apesar de grosseiros os termos, a ideia de posse é tão atraente e expressa com tanta clareza em que consiste a guarda, que o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente a utilizou no art. 33, § 1º, ao dispor que "a guarda destina-se a regularizar a posse de fato, podendo ser deferida, liminar ou incidentalmente, nos procedimentos de tutela e adoção, exceto no de adoção por estrangeiros”. (FIUZA, 2003, p. 841).

São frequentes os casos em que há abuso de direito por parte dos genitores detentores da guarda e também dos não guardiões. Nesse caso, deve-se procurar puni-los de forma a não causar reflexos na criança, sobre a qual deve incidir a devida proteção.

As crianças e adolescentes devem ser resguardados, de maneira que não sofram as consequências provenientes dos conflitos existentes entre seus genitores, pois é evidente que os abusos perpetrados causam máculas ao convívio familiar e à personalidade dos filhos.

No que concerne à escolha do guardião das crianças, há um período atrás, essa tarefa era transmitida à mãe sem maiores questionamentos, sendo que ao pai era transferida a incumbência de propiciar o sustento dos descendentes.

Hodiernamente, a guarda é conferida observando-se o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. Nesse sentido, o detentor da guarda será aquele que possuir melhores condições de cuidar do filho, sendo que poderá haver compartilhamento da guarda, ocasião em que ambos os genitores, de forma isonômica, possuem a responsabilidade de criação e formação dos filhos.

No que tange à proteção integral que deve ser conferida à criança e ao adolescente, a título ilustrativo, faz-se imperioso transcrever os arts. 3º e 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei n. 8069/90, in verbis:

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

[...]

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (BRASIL, 1990).

Na mesma esteira de entendimento, é o art. 227 da Constituição Federal, o qual aduz que:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988).

O genitor que detém a guarda do filho deve incentivar o convívio deste com o genitor não guardião e com os demais familiares, mantendo-se, assim, os laços de afeto existentes entre eles. Ocorre que, muitas vezes, o genitor abusa de seu direito de guarda e não proporciona esse direito à criança e à família, obstaculizando as visitas, fazendo o filho acreditar que o pai e os demais familiares não querem sua companhia, sendo que a criança ou adolescente não tem conhecimento do que realmente ocorre. Nesse diapasão, elucida-se que:           

Os mais diversos casos de abuso do direito de guarda são denunciados por pais que tentam de todas as maneiras reconquistar e restaurar a convivência com seus filhos, inobstante as atitudes egoístas e repletas de ressentimentos causadas pela separação ou pelo abandono, refletidas nos filhos, que se tornam objetos de troca na disputa para ver quem tem mais poder, e desta insensata contenda, na verdade, os filhos é que sofrem os maiores prejuízos. (MARCANTÔNIO, 2010, p. 08-09).

O guardião também comete abuso de direito quando frustra as visitas pelo outro genitor, inventando desculpas apenas para impedi-lo de ver o filho. Nesse sentido, “frustra as visitas de modo direto o guardião que procura sair com o menor justamente no horário das visitas, ou que se nega a entregar o filho sob as mais esfarrapadas desculpas”. (MADALENO apud MARCANTÔNIO, 2010, p. 09).

A respeito das punições conferidas ao guardião que abusa de seu direito, pode haver a reversão da guarda, porém é a última opção adotada. Nesse sentido, colaciona-se entendimento jurisprudencial do egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

DIREITO DE FAMÍLIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PEDIDO DE REVERSÃO DA GUARDA EM FAVOR DA GENITORA. INTERESSE DOS MENORES. MANUTENÇÃO DA SITUAÇÃO FÁTICA. AUSÊNCIA DE LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. - A guarda do menor é direito que deve sempre estar condicionado ao seu próprio interesse, decorrendo, a princípio, da lei, como consequência natural do pátrio poder, e, excepcionalmente, de decisões judiciais, conforme acordo entre as partes ou a situação fática. - É preciso considerar a necessidade de proteção dos interesses dos menores, que não têm maturidade suficiente para fazer suas próprias escolhas e que necessitam de orientação estável para tornarem-se adultos equilibrados. - A guarda não é definitiva. Constatada a falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável (ECA, art. 98, II), não deve o menor permanecer sob a guarda daquele que o possa prejudicar, podendo ser revogada a qualquer tempo. - Ausentes as hipóteses previstas no artigo 17 do CPC, não se mostra caracterizada a má-fé das partes. (TJ-MG - AI: 10702120822359001 MG, Relator: Wander Marotta, Data de Julgamento: 03/09/2013,  Câmaras Cíveis / 7ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 06/09/2013). (Online).

Dentre as maneiras de punição encontradas pelo magistrado, conforme o caso concreto, estão a alteração da guarda unilateral para a guarda compartilhada, aplicação de multa, suspensão do pagamento da pensão alimentícia e, em último caso, a busca e apreensão do menor. Na aplicação dos meios de repressão ao genitor que abusa de seu direito, deverá ser analisada a alternativa mais adequada, de forma a assegurar a proteção ao menor.

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4.2 Direito de visitas

O genitor que não detém a guarda do filho também pratica atos que excedem as prerrogativas que lhe são conferidas em virtude do direito de visitas. O abuso de direito, na maioria dos casos, acontece quando o genitor fica com o filho além do tempo acordado com o guardião ou determinado judicialmente.

O descumprimento do acordo de visitas é algo que prejudica a criança, tendo em vista o senso de irresponsabilidade daquele e os danos causados ao infante devido ao afastamento com o genitor detentor da guarda, causando uma abrupta mudança na rotina do filho.

A medida de busca e apreensão do menor é muito adotada quando o genitor não guardião retém a criança em seu poder, negando-se a restituí-la ao guardião. No entanto, tal medida deve ser utilizada em último caso, uma vez que sempre se deve visar garantir a integridade física e psíquica da criança.

Outro meio de obrigar o visitante a entregar o filho é a aplicação de multa (astreintes) pelo juiz. Nesse sentido:

A pena pecuniária serve como importante desestímulo aos embaraços oriundos de ressentimentos e traumas ainda não elaborados e que habitam o subconsciente daqueles pais que romperam a sua primitiva relação. (MADALENO apud MARCANTÔNIO, 2010, p. 13).

O genitor também comete abuso de direito quando não exerce seu direito de visitas, criando falsas expectativas na criança que fica por um considerável lapso temporal aguardando a visita do pai ou da mãe ou, ainda, quando não fornece os cuidados necessários e não supre as necessidades básicas do filho quando este está em sua companhia.

4.3 Direito aos alimentos

A obrigação relativa ao pagamento de pensão alimentícia tem como objetivo proporcionar ao alimentando meios para suprir suas necessidades gerais, como vestuário, saúde, educação e alimentação. Nesse sentido:

Alimentos, em direito, denomina-se a prestação fornecida a uma pessoa, em dinheiro ou em espécie, para que possa atender às necessidades da vida. A palavra tem conotação muito mais ampla do que na linguagem vulgar, em que significa o necessário para o sustento. Aqui se trata não só do sustento, como também de vestuário, habitação, assistência médica em caso de doença, enfim, de todo o necessário para atender às necessidades da vida; e, em se tratando de criança, abrange o que for preciso para sua instrução. (RODRIGUES, 2002, p. 418).

No que concerne aos pressupostos essenciais da obrigação de pagar alimentos, o art. 1695 do Código Civil dispõe que:

São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento. (BRASIL, 2002).

Assim, devem ser analisados alguns requisitos quanto ao dever de prestação de alimentos, como existência de companheirismo, vínculo de parentesco ou conjugal entre o alimentando e alimentante; necessidade do alimentando; possibilidade econômica do alimentante e proporcionalidade, quando de sua fixação, levando em conta a necessidade do alimentando e os recursos financeiros do alimentante. (DINIZ, 2011, p. 618-619).

O abuso de direito concernente aos alimentos pode ser concretizado tanto pelo alimentante quanto pelo alimentando.

O alimentante comete abuso de direito quando atrasa no adimplemento da pensão alimentícia, causando danos aos alimentandos, que necessitam pagar as contas referentes ao seu sustento e demais necessidades básicas.

Em muitas situações, é preciso que o alimentando ingresse com ação de execução para ver satisfeito o débito alimentar, o que acaba causando desgaste físico e emocional. Nesse diapasão:

Com relação à ação de execução de alimentos, diversas vezes o devedor, na tentativa de postergar o cumprimento da obrigação alimentar, comete verdadeiro abuso do seu direito de defesa ao opor resistência injustificada ao andamento da execução, com argumentos descabidos e meramente protelatórios, o que acaba reduzindo a prestação jurisdicional em sede de alimentos atrasados e ferindo a dignidade do alimentando. (MARCANTÔNIO, 2010, p. 15).

Sendo assim, o alimentante incorre em abuso de direito quando não cumpre seu dever de pagar a pensão alimentícia e quando utiliza meios de defesa com o intuito de protelar a cobrança do débito alimentar vencido. Como meio de coibir tal prática, cumpre ressaltar que:

Permite a execução pela via da dignidade da pessoa humana estabelecer uma fértil composição de expeditos e pontuais procedimentos processuais, todos eles ensaiados para conferir, mesmo de ofício, dignidade à Justiça e ao credor da prestação alimentar, valendo-se da possibilidade de ser moralmente ressarcido pela procrastinação maliciosa de seu inquestionável crédito alimentar, pois importa, acima de tudo, devolver ao processo de execução alimentar a velha crença de que a pensão em atraso dá cadeia e gera outras eficazes soluções jurídicas de rápida satisfação processual. (MADALENO apud MARCANTÔNIO, 2010, p. 16-17).

Hodiernamente, com fundamento no art. 139, inciso IV, do Código de Processo Civil, o magistrado pode aplicar outras medidas coercitivas como forma de pressionar o devedor da prestação alimentícia a pagar o quantum devido, como, por exemplo, a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação e do passaporte, inscrição nos órgãos restritivos de crédito e bloqueio de cartões bancários.

Salienta-se que os alimentandos também cometem abuso de direito e o principal caso em que isso ocorre é quando protelam as ações que versam sobre exoneração de alimentos, diante das hipóteses em que o alimentante não tem mais a obrigação de continuar pagando a pensão em virtude de terem desaparecido os requisitos para tanto.

Os filhos maiores não têm necessidade de continuar recebendo a pensão, salvo para garantir os estudos universitários, conforme entendimento jurisprudencial, até completar a idade de 24 anos. Nesse diapasão:

FAMÍLIA. EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. MAIORIDADE. OBRIGAÇÃO DECORRENTE DA RELAÇÃO DE PARENTESCO. FREQUÊNCIA EM CURSO SUPERIOR. DESEMPENHO DE ATIVIDADE LABORAL. EXONERAÇÃO. POSSIBILIDADE. NECESSIDADE NÃO COMPROVADA. - Apesar do advento da maioridade não extinguir, de forma automática, o direito à percepção de alimentos, em virtude desses passarem a ser devidos em virtude da relação de parentesco e não mais em razão do Poder Familiar, necessário se faz que o alimentado comprove que permanece tendo necessidade de receber alimentos. - Mesmo que ainda esteja frequentando curso superior, tal fato por si só não é o bastante para demonstrar a necessidade do alimentado, especialmente quando este já se encontra com 24 anos e já desempenha atividade laboral remunerada. (TJ-MG - AC: 10024112697149001 MG, Relator: Duarte de Paula, Data de Julgamento: 22/05/2014,  Câmaras Cíveis / 4ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 28/05/2014). (Online).

É incumbência dos filhos universitários comprovar que estão realizando o curso superior, assiduidade e frequência e a necessidade dos referidos proventos, sob pena de não mais terem o direito de recebê-los. Nesse sentido, segue jurisprudência:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. FILHO MAIOR. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. 1.O alcance da maioridade do alimentado não acarreta, por si só, a dispensa da percepção de alimentos, quando comprovada a permanência da sua necessidade em recebê-los. A pensão deve ser mantida nas hipóteses em que o jovem é estudante, necessitando da pensão para obter formação profissional qualificada. 2. De toda sorte, tratando-se de alimentos a filhos maiores de idade, é fundamental que se analise caso a caso a fim de verificar a comprovação da necessidade do alimentado e a possibilidade do alimentante, evitando que o filho maior e com plena capacidade para o trabalho acomode-se e que uma das partes saia prejudicada. 3. Apelado que demonstra total desinteresse pelos seus estudos, diante de seu baixo rendimento escolar e histórico de faltas, o que torna descabida a manutenção da pensão alimentícia, sob pena de estimular o ócio e a condição parasitária. 4.Reforma da sentença que se impõe para se julgar procedente o pedido de exoneração do dever do apelante de prestar alimentos ao demandado, ressalvando-se o direito dos alimentos até o término do ano letivo em curso. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARCIALMENTE. (TJ-RJ - APL: 00294105420128190204 RJ 0029410-54.2012.8.19.0204, Relator: DES. FERNANDO CERQUEIRA CHAGAS, Data de Julgamento: 03/12/2014, DÉCIMA PRIMEIRA CAMARA CIVEL, Data de Publicação: 12/12/2014 13:54). (Online).

Não mais subsistindo os motivos que ensejam ao pagamento da prestação alimentícia, deve se extinguir a obrigação do alimentante, não havendo mais motivos plausíveis para recebimento dos alimentos por aquele que não mais possui necessidade.

Não podem mais continuar recebendo os alimentos aqueles que possuem atividade laboral, terminaram seus estudos ou constituíram família e agora seu sustento é dependente do cônjuge.

Há o princípio da irrepetibilidade dos alimentos, segundo o qual os valores, a título de pensão alimentícia, já adimplidos não serão restituídos ao alimentante. No entanto, em razão do princípio da boa-fé esta questão vem sendo revista pelas jurisprudências com o fito de se evitar o enriquecimento ilícito por parte do alimentando.

O Superior Tribunal de Justiça já adotou o referido entendimento, conforme se verifica abaixo:

RECURSO ESPECIAL - EXECUÇÃO DE PRESTAÇÃO ALIMENTÍCIA SOB O RITO DO ART. 733 DO CPC - LIMITES DA MATÉRIA DE DEFESA DO EXECUTADO E LIQÜIDEZ DOS CRÉDITOS DESTE - PREQUESTIONAMENTO - AUSÊNCIA - COMPENSAÇÃO DE DÍVIDA ALIMENTÍCIA - POSSIBILIDADE APENAS EM SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS, COMO IN CASU - RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. 1. É inviável, em sede de recurso especial, o exame de matéria não prequestionada, conforme súmulas ns. 282 e 356 do STF. 2. Vigora, em nossa legislação civil, o princípio da não compensação dos valores referentes à pensão alimentícia, como forma de evitar a frustração da finalidade primordial desses créditos: a subsistência dos alimentários. 3. Todavia, em situações excepcionalíssimas, essa regra deve ser flexibilizada, mormente em casos de flagrante enriquecimento sem causa dos alimentandos, como na espécie. 4. Recurso especial não conhecido. (STJ - REsp: 982857 RJ 2007/0204335-4, Relator: Ministro MASSAMI UYEDA, Data de Julgamento: 18/09/2008,  T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: <!-- DTPB: 20081003<br> --> DJe 03/10/2008). (Online).           

Depreende-se que ao alimentando cabe a tarefa de comunicar sua independência financeira e que, portanto, não mais faz jus aos alimentos fornecidos pelo alimentante. Entretanto, comumente se verifica que as pessoas não adotam essa postura, continuando a receber os alimentos como forma de complementar sua renda e não para atingir o fim da prestação alimentícia que é suprir as necessidades básicas do alimentando.

É possível vislumbrar que o abuso de direito na modalidade supressio também ocorre. Isso se verifica, verbi gratia, quando o credor de pensão alimentícia se mantém inerte por um considerável lapso temporal, não promovendo a execução do débito alimentar e, assim, cria no alimentante a expectativa de que a ausência de execução se deve à inexistência da necessidade do recebimento da prestação alimentícia. À guisa de ilustração, segue entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. PRISÃO. RITO ARTIGO 733. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO OBRIGACIONAL PELO COMPORTAMENTO CONTINUADO NO TEMPO. CRIAÇÃO DE DIREITO SUBJETIVO QUE CONTRARIA FRONTALMENTE A REGRA DA BOA-FÉ OBJETIVA. SUPRESSIO. Em atenção a boa-fé objetiva, o credor de alimentos que não recebeu nada do devedor por mais de 12 anos permitiu com sua conduta a criação de uma legítima expectativa no devedor e na efetividade social de que não haveria mais pagamento e cobrança. A inércia do credor em exercer seu direito subjetivo de crédito por tão longo tempo, e a consequente expectativa que esse comportamento gera no devedor, em interpretação conforme a boa-fé objetiva, leva ao desaparecimento do direito, com base no instituto da supressio. Precedentes doutrinários e jurisprudenciais. No caso, o filho deixou de exercer seu direito a alimentos, por mais de 12 anos, admitindo sua representante legal que a paternidade e auxílio econômico ao filho era exercido pelo seu novo esposo. Caso em que se mostra ilegal o decreto prisional com base naquele vetusto título alimentar. (TJ-RS - AI: 70042234179 RS, Relator: Rui Portanova, Data de Julgamento: 18/08/2011,  Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 23/08/2011). (Online).

No que tange ao duty to mitigate the loss no Direito de Família, a hipótese em que é clara sua incidência é aquela decorrente do conteúdo descrito na súmula 309 do STJ, a qual já fora retratada em momento anterior. Nesse sentido, elucida-se que:

[...] Sem dúvida, considerando que os alimentos possuem natureza de manutenção, se o credor deixou somar um volume considerável de parcelas é porque não precisava tanto da pensão e, por conseguinte, seria abusivo permitir o uso de um mecanismo tão excepcional e odioso, como é a prisão civil, com finalidade coativa. Aqui, de qualquer modo, vale o registro de que, não havendo qualquer atentado à boa-fé na conduta do credor (quando, por exemplo, deixa de executar os alimentos por impossibilidade absoluta, como na hipótese do credor em cuja cidade não há Defensoria Pública nem representação titular do Ministério Público), já não mais se justifica a limitação imposta pelo entendimento sumulado, porque afastada a violação da boa-fé objetiva. (FARIAS, 2010, p. 14).

Depreende-se, então, que se trata de clara obrigação do credor da pensão alimentícia em procurar mitigar os danos conferidos a si e ao alimentante.

4.4 Do impedimento do casamento dos filhos menores

O art. 1517 do Código Civil prevê a necessidade de autorização de ambos os pais ou os representantes legais para que os filhos com 16 anos possam contrair matrimônio.  O art. 1519 do referido diploma legal aduz que quando a ausência do consentimento pelos genitores for injusta, o juiz poderá suprir a denegação da autorização.

Salienta-se que os pais ou tutores poderão se retratar e revogar a autorização em comento até a realização do casamento, conforme aduz art. 1518 do Código Civil..

Quando a denegação do consentimento ocorrer nas vésperas do casamento e ela for injusta, é cabível ressarcimento dos danos materiais e indenização por danos morais aos nubentes. Nesse diapasão:

Poderia ser dito que a obrigação de reparar não persistiria, porquanto prevê a lei que o magistrado está autorizado a suprir o consentimento denegado de maneira censurável; contudo, tendo em vista ser permitido que até a celebração propriamente dita do casamento os pais podem revogar a autorização e considerando que até os nubentes conseguirem o suprimento judicial da outorga já tenha transcorrido a data marcada para a cerimônia, os pais podem ser compelidos a reparar os prejuízos dos nubentes, por terem abusado do seu direito ao revogar a autorização concedida para que seus filhos casassem, sem que houvesse qualquer razão plausível para tal conduta, inesperada e causadora de profundos danos aos filhos. (MARCANTÔNIO, 2010, p. 33).

Assim, viável a concessão do ressarcimento dos danos aos nubentes em virtude dos prejuízos advindos.

4.5 Da relação existente entre o abuso de direito e a síndrome da alienação parental

O conceito legal de alienação parental encontra-se estatuído no art. 2º da lei n. 12.318/10, o qual aduz que:

Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. (BRASIL, 2010).

Não é despiciendo trazer uma definição doutrinária sobre o tema em questão, in verbis:

A Síndrome de Alienação Parental é um transtorno psicológico que se caracteriza por um conjunto de sintomas pelos quais um genitor, denominado cônjuge alienador, transforma a consciência de seus filhos, mediante diferentes formas e estratégias de atuação, com objetivo de impedir, obstaculizar ou destruir seus vínculos com o outro genitor, denominado cônjuge alienado, sem que existam motivos reais que justifiquem essa condição. Em outras palavras, consiste num processo de programar uma criança para que odeie um de seus genitores sem justificativa, de modo que a própria criança ingressa na trajetória de desmoralização desse mesmo genitor. (TRINDADE apud VIEIRA, 2014, p. 1).           

A alienação parental é terrível abuso cometido contra a criança, a qual possui personalidade frágil e acaba se influenciado facilmente por um dos genitores.  Nesse diapasão, imperioso se faz mencionar que:

Enuncia-se que “a prática de ato de alienação parental fere direito fundamental da criança ou do adolescente de convivência familiar saudável, prejudica a realização de afeto nas relações com genitor e com o grupo familiar, constitui abuso moral contra a criança ou o adolescente e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda” (art. 3.º). Desse modo, não há dúvida que, além das consequências para o poder familiar, a alienação parental pode gerar a responsabilidade civil do alienador, por abuso de direito (art. 187 do CC). (TARTUCE, 2014, p. 892).

O genitor que extrapola seus direitos de guarda para providenciar a manipulação da criança tem como principal intuito atingir o outro genitor em virtude dos ressentimentos oriundos da separação do casal ou por não conseguir lidar com a entrega do filho ao outro genitor. Isso traz vários consectários de cunho negativo para a criança que insere em seu subconsciente situações falaciosas, que nunca aconteceram, o que lhe traz uma visão depreciativa do outro genitor.

São comuns os falsos relatos de abuso sexual pelo genitor guardião com o fito de que as visitas sejam interrompidas. Nesse diapasão:

Adultos corrompem covardemente a inocência das crianças, com o uso de chantagens de extrema violência mental, sem nenhuma chance de defesa da criança, que acredita piamente que o visitante não lhe faz bem, e o menor expressa isso de forma exagerada e injustificada para rejeitar o contato. Isso quando nos casos mais severos de alienação um genitor fanático não acrescenta uma acusação de agressão ou de abuso sexual. (MADALENO apud MARCANTÔNIO, 2010, p. 30).

A síndrome da alienação parental vem sendo analisada pelos juízes, os quais contam com profissionais especializados para a identificação dos casos em que ela se verifica e, assim, serem aplicadas as penalidades cabíveis ao alienador.

Dentre as medidas a serem aplicadas para erradicar ou ao menos diminuir tal prática, o magistrado pode proceder à imposição de multa diária ao genitor guardião que procura impedir o contato do filho com o genitor visitante e a suspensão do direito de visitas do genitor que visa denegrir a imagem do outro.

Verificando a existência de alienação parental, faz-se fundamental que o magistrado determine que o genitor alienador e a criança alienada se submetam a acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico com o escopo de que os danos de ordem psicológica sejam amenizados e posteriormente não haja reincidência em abuso de direito de tal natureza. É importante, para fins de cumprimento da referida medida, que seja cominada, como penalidade à desobediência, a mudança da guarda.

Sobre a autora
Thaísa da Silva Borges

Delegada de Polícia do Estado de São Paulo. Ex-advogada. Graduada em Direito pela Universidade do Estado de Minas Gerais. Pós-graduada em Direito Civil e Processual Civil pelo Instituto Elpídio Donizetti. Pós-graduada em Direito Penal e Processual Penal pelo Instituto Elpídio Donizetti.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORGES, Thaísa Silva. Consequências jurídicas do abuso de direito nas relações de família. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5213, 9 out. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60638. Acesso em: 22 nov. 2024.

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