Maquiagem da criminalidade: Estratégia ignóbil da incompetência na gestão pública.
"(...) A impunidade salta aos olhos, o povo sofre duramente, mas contabiliza os últimos dias de terror de uma gestão exangue e absenteísta, pois não há mal que sempre dure e nem burrice que sempre persiste. Se o gestor é deficiente e não consegue administrar bem a coisa pública, sobretudo, com a eficiência esperada, princípio constitucionalmente previsto, art. 37, da CR/88, a opção honrosa é vazar-se do cargo, voluntária ou coercitivamente, de acordo com a justiça do tempo, que ficará incumbida de corrigir as incongruências malditas e os abortos do destino(...)"
É corriqueira a notícia da abominável maquiagem na lavratura de ocorrências policiais, com o propósito de apresentar índices de criminalidade menores, com firme propósito de alcançar metas postas, sobretudo, em divulgação de dados, na chamada cifra dourada, aqueles números oficiais divulgados pelo Estado, excluídos dados das cifras cinzentas, amarelas e negras, prática adotada por gestões incompetentes, pífias e inoperantes.
É certo que pelos menos duas agências de Segurança Pública são as principais responsáveis pelo registro de boletins de ocorrência, a Polícia Militar e a Polícia Civil.
Sabe-se, que a maior parte dos registros é realizada pela valiosa e imprescindível Polícia de Segurança Preventiva.
Via de regra, a Autoridade Policial, no seu legítimo exercício de Polícia Judiciária recebe os Registros de Eventos de Defesa Social lavrados por operosos policiais militares, cuja classificação do crime inicialmente feita pelos militares não influencia a atividade do Delegado de Polícia, uma vez que, na sua condição de profissional do direito, responsável pela promoção de direitos humanos e detentor de carreira jurídica, tem o dever jurídico de formatar a justa adequação típica provisória dos fatos que lhe são encaminhados e decidir de acordo com sua consciência vinculada aos ditames da justiça.
Ainda na fase de persecução criminal, tem o Ministério Público a legitimidade exclusiva da ação penal, artigo 129, inciso I, da Constituição Federal de 1988, podendo lançar posições diferentes de acordo com sua convicção, sem prejuízo das normas do Art. 28 do Código de Processo Penal, num modelo de pesos e contrapesos, na concepção de “checks and balances".
Assim, a exordial classificação da natureza jurídica realizada pela Polícia Militar não tem força decisiva, probante e vinculante, considerando que a Autoridade Policial é quem exerce a função de tipificar o delito em sua decisão motivada com elementos fáticos e jurídicos.
E tanto isso é verdade que em alguns Estados da Federação não há necessidade da Polícia Militar lavrar Boletim de Ocorrência, uma vez que o fato que deveria ter sido evitado acabou por acontecer.
Destarte, em casos de eventos criminosos já ocorridos são lavrados diretamente nas Delegacias de Polícia Civil.
Entrementes, em casos de suposta maquiagem ou manipulação levados a efeito por policiais militares no momento da lavratura dos Relatórios de Eventos de Defesa Social, qualquer que seja o seu interesse subjacente, devem as instâncias competentes realizar os ajustes necessários, muito embora a estatística que aparece nos registros preliminares, normalmente, vem sem as correções supervenientes, sem prejuízo, ainda, para a responsabilidade penal do prolator da ordem de manipulação dos dados, na melhor forma do artigo 9º, II, alínea c) do Código Penal Militar, Decreto-Lei 1001/69, e ainda a construção típica do artigo 312 do CPM, tem a Justiça Castrense a competência para processar e julgar os crimes ventilados em função da competência em razão da matéria.
O que mais se pode gerar dúvidas é quanto algumas modalidades de registros.
Assim, não custa nada indagar:
Deve ser registrado encontro de cadáver ou homicídio? Lesão corporal ou tentativa de homicídio? Homicídio ou lesão corporal seguida de morte? Furto ou roubo? Estupro ou ato obsceno?
Se o cadáver é encontrado crivado por disparos de arma de fogo, inviável e absurda a classificação como encontro de cadáver. Se o autor quis o resultado morte ou assumiu o risco de produzir o resultado lesivo, fica afastada a hipótese de lesão corporal seguida de morte.
Por outro lado, se o agente quis ou assumiu o risco de produzir o resultado morte, agiu com animus necandi, não se pode cogitar de mera lesão corporal, mas sim, homicídio na forma tentada.
Quando o autor age com arrebatamento na subtração do objeto material do delito patrimonial, não se pode falar em furto. Arrebatar é ato de violência e logo, a melhor classificação é roubo.
Se o autor, logo depois de subtraída a coisa, emprega violência contra pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro, deve responder por crime de roubo impróprio, art. 157, § 1º, do Código Penal.
Aqui a depender da classificação preliminar levado a feito pelas agências de segurança, pode conduzir a níveis intoleráveis dos chamados crimes violentos, com inequívoca demonstração de incompetência do estado, clara ineficiência na gestão de políticas públicas, no seu enfrentamento, o que tem ocorrido em todo o país, que somente em 2015, nos casos de homicídio, bem jurídico por excelência, foram registrados perto de 60 mil eventos superando sozinho todo continente europeu, Estados Unidos, Canadá, Rússia, Nova Zelândia e parte da Ásia.
Comparando os 100 países que registraram taxa de homicídios, entre 2008 e 2012, para cada grupo de 100 mil habitantes, estudos concluem que o Brasil ocupa o sétimo lugar no ranking dos analisados, ficando atrás somente de El Salvador, da Guatemala, de Trinidad e Tobago, da Colômbia, Venezuela e de Guadalupe.
E o pior de tudo é viver o pesadelo em Minas Gerais que além da falência múltipla da Segurança Pública, um verdadeiro mar de estouros de caixas eletrônicos em cidades de pequeno porte, crimes patrimoniais sem solução, tudo por força do fraquejado modelo de políticas de combate ao crime, notadamente no que tange aos crimes de homicídios, com a desativação dos programas de prevenção criminal, ainda perdura, insistentemente, a criminosa retenção dolosa dos salários de parte de seus servidores, fruto de um parcelamento abjeto e seletivo, o que viola, frontalmente, inúmeras normas em vigor.
Assim, a título exemplificativo, o governo que assim age agride a Convenção nº 117 da OIT, que estabelece medidas necessárias para assegurar que todos os salários ganhos sejam devidamente pagos aos empregados e servidores, infração a Consolidação das Leis do Trabalho, Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, no seu § 1º, artigo 459, que prevê normas fixando como dia do pagamento, o 5º dia útil do mês subsequente ao do vencimento, desatenção ao Pacto de San José da Costa Rica, de 1969, ratificado pelo Brasil por meio do decreto nº 678/92, no seu artigo 24 que assegura igualdade de tratamento entre os servidores, grave violação do art. 7º, X, da CF, que assegura a proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa, injusto penal previsto no artigo 168 do Código Penal e por último, aviltante ofensa com pena de morte ao artigo 11 da Lei nº 8.429/92, ensejando ato de improbidade administrativa.
Por último, é preciso estabelecer regras claras. A impunidade salta aos olhos, o povo sofre duramente, mas contabiliza os últimos dias de terror de uma gestão exangue e absenteísta, pois não há mal que sempre dure e nem burrice que sempre persiste. Se o gestor é deficiente e não consegue administrar bem a coisa pública, sobretudo, com a eficiência esperada, princípio constitucionalmente previsto, art. 37, da CR/88, a opção honrosa é vazar-se do cargo, voluntária ou coercitivamente, de acordo com a justiça do tempo, que ficará incumbida de corrigir as incongruências malditas e os abortos do destino.