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O processo de demarcação das terras indígenas no ordenamento jurídico brasileiro e seu impacto na preservação ambiental:

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Agenda 20/12/2022 às 23:50

RESUMO: O presente artigo objetiva, por meio da análise do Acórdão 0003846-47.2002.4.01.3700, que determinou a demarcação das terras indígenas Awá e a expulsão dos posseiros ilegítimos das referidas terras, realizar uma concisa exposição acerca dos direitos dos povos indígenas e do processo de demarcação das suas terras. A área ocupada pelos Awá Guajá vinha sendo ocupada por posseiros e madeireiros desde a metade do século, sendo alvo de intenso desmatamento. Com o proferimento da decisão aqui discutida foi realizado o processo de extrusão, que consiste na retirada de não índios das áreas reservadas a esses povos. Sem dúvidas, tal decisão trouxe inúmeros benefícios humanos e ambientais, fazendo cumprir importantes mandamentos constitucionais, tais quais os artigos 225 e 231 da Constituição Federal, que versam, respectivamente, sobre o direito ao meio ambiente saudável e o direito dos povos indígenas, além de outros tratados e convenções internacionais como se verá a seguir.  

PALAVRAS-CHAVE: terra indígena; demarcação; awá guajá; desintrusão; desenvolvimento sustentável.


1 INTRODUÇÃO

A população brasileira soma 190.755.799 milhões de pessoas, segundo dados do censo do IBGE de 2010. Desses, 817.963 mil são indígenas.  A maior parte da população indígena se concentra na região norte (cerca de 305.873). O Nordeste é a segunda região com maior número de índios (cerca de 208.691) e possui no estado da Bahia a maior concentração. O Maranhão fica em terceiro lugar no ranking de Estados com maior contingente de nativos (FUNAI).

Uma parcela significativa de comunidades indígenas no Brasil enfrenta problemas graves, tais quais, invasão de suas terras por posseiros e madeireiros, desmatamento da sua área de ocupação, escassez de alimentos, e muitos outros.

A tribo Awá Guajá, localizada no estado do Maranhão, foi considerada a tribo mais ameaçada do mundo pela ONG Survival International. As áreas ocupadas tradicionalmente por esse povo vinha sendo invadida por não índios desde os anos 70 e, a partir dos anos 2000, a proximidade dos posseiros em relação a tribo apenas aumentou. Em setembro de 2012 a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) alegou que os posseiros estavam a apenas 6 quilômetros de distância dos Awá[1].

Em 2012, no julgamento de Apelação interposta contra decisão da Ação Civil Pública 349 ajuizada pelo Ministério Público, objetivando a demarcação das terras indígenas e desintrusão dos não índios, a confirmação da demarcação e a expulsão dos posseiros foi determinada pelo Tribunal Regional Federal da 1 Região.

É nesse contexto que o presente artigo analisará os principais fundamentos do referido acórdão, dando ênfase no processo de demarcação das referidas terras.


2 DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS

A Constituição Federal de 1988 foi um grande marco no direito dos povos indígenas. Em seu artigo 231 é reconhecido aos índios sua organização social, seus costumes, sua língua, suas crenças, suas tradições e seus direitos sobre terras que tradicionalmente ocupam (CF,art. 231).

A nossa Carta Magna adotou o paradigma do multiculturalismo, reconhecendo direitos territoriais, culturais e ambientais aos povos indígenas e quilombolas. Além disso, estabeleceu o direito socioambiental, caracterizado pela necessidade de proteção ao homem e ao meio ambiente.(DIAS, 2010)

No Plano Internacional, a Organização Internacional do Trabalho – OIT, mediante o Convênio 107 sobre Populações Indígenas e Tribais, criou proposições de caráter obrigatório para os países signatários, objetivando orientar as ações dos governos em matéria indígena.

A Convenção 169, adotada em Genebra, em 27 de junho de1989,  sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes, foi aprovada pelo Congresso Nacional, através do Decreto Legislativo nº 143, de 20 de junho de 2002, substituindo a antiga Convenção 107, adotou diversas proposições obrigatória para os países signatários, objetivando orientar as ações dos governos em matéria indígena.(DIAS, 2010).

Entre as orientações da convenção estão:

I Reconhecer as aspirações desses povos a assumir o controle de suas próprias instituições e formas de vida e seu desenvolvimento econômico, e manter e fortalecer suas identidades, línguas e religiões, dentro do âmbito dos Estados onde moram;

II Lembrar a particular contribuição dos povos indígenas e tribais à diversidade cultural, à harmonia social e ecológica da humanidade e à cooperação e compreensão internacionais;

III Estabelecer o princípio da auto-identificação como critério de determinação da condição de índio;

IV Garantir o direito de consulta sobre medidas legislativas e administrativas que possam afetar os direitos dos povos indígenas;

V o direito de participação dos povos indígenas, pelo menos na mesma medida assegurada aos demais cidadãos, nas instituições eletivas e órgãos administrativos responsáveis por políticas e programas que lhes afetem;

VI o direito dos povos indígenas decidirem suas próprias prioridades de desenvolvimento, bem como o direito de participarem da formulação, implementação e avaliação dos planos e programas de desenvolvimento nacional e regional que lhes afetem diretamente;

VII o direito dos povos indígenas serem beneficiados pela distribuição de terras adicionais, quando as terras de que disponham sejam insuficientes para garantir-lhe o indispensável a uma existência digna ou para fazer frente a seu possível crescimento numérico;

VIII  o direito a terem facilitadas a comunicação e cooperação entre os povos indígenas através das fronteiras, inclusive por meio de acordo internacionais.(DIAS, 2010)


3 TERRAS INDÍGENAS

A reserva de terras devolutas já era objeto de garantia da Lei n° 601, de 1850, "para colonização, aldeamento de Indígenas nos distritos, onde existirem hordas selvagens". Desde então, por conseguinte, entendeu-se que tais terras pertenciam ao Estado brasileiro e não podiam ser apropriadas por particulares. Desde 1850 já havia lei (Lei n° 601) que discorria sobre a demarcação das terras indígenas em território brasileiro. Tal lei determinava que o Estado era proprietário daquelas terras e que elas eram inalienáveis, não podiam ser apropriadas por particulares.

Em 1988, promulgada a Carta Magna democrática, houve uma regulamentação minuciosa sobre esse direito indígena. A Constituição reconheceu, em seu art.231, a sua organização cultural, seus costumes, ínguas, crenças e tradições, sua cultura de forma geral, e ainda reconheceu expressamente seus direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupavam, atribuindo a competência da União para demarcá-las, protege-las,e fazer com que sejam respeitados todos os bens indígenas.


4 PROCESSO DE DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS

O processo de demarcação de terras indígenas passa por diversas etapas. Primeiramente há a fase de estudo de identificação da Funai. O órgão primeiramente incube um antropólogo e técnicos, de preferência do próprio órgão, para fazer uma pesquisa da determinada terra por um prazo determinado.

Essa equipe fará um levantamento da terra, observando característica etnohistórica, sociológica, jurídica, cartográfica e ambiental, assim como uma averiguação fundiária.  Após todo o estudo esse grupo deverá apresentar à Funai todo o relatório sobre os  elementos e dados específicos listados na Portaria nº 14, de 09/01/96.

Após a aprovação do relatório pelo Presidente da Funai,  este possui 15 dias para publicar o resumo no DOU (Diário Oficial da União) e no Diário Oficial da unidade federada correspondente, sendo necessário que a publicação seja  afixada na sede da Prefeitura local.

A terceira etapa é a de Contestação. Todo interessado possui até noventa dias, após a publicação no DOU, para contestar a decisão. O interessado pode ser pessoa física ou jurídica, sendo incluído estados e municípios.  Após esse prazo, a Funai possui mais sessenta dias para elaborar um relatório sobre todas as motivações de quem contestou as terras e enviar para o Ministro da Justiça.

Este terá 30 dias para:

 (a) expedir portaria, declarando os limites da área e determinando a sua demarcação física;

 (b) prescrever diligências a serem cumpridas em mais 90 dias; ou ainda,

(c) desaprovar a identificação, publicando decisão fundamentada no parágrafo 1º. do artigo 231 da Constituição.

Após a declaração das terras promovida pela Funai, o Incra se responsabilizará pelo reassentamento dos anciões ocupantes das terras, que não são indígenas.  Logo após, o processo de demarcação será submetido pelo Presidente da República para homologação por decreto.

A última etapa é a do registro. Terá um prazo de trinta dias após a homologação para ser registrado a terra demarcada como indígena.  Isso deverá ser feitono cartório de imóveis da comarca correspondente e na SPU (Secretaria de Patrimônio da União).


5 POVOS INDÍGENAS E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

A teoria do desenvolvimento sustentável possui três grandes marcos históricos. A primeira vez que se apresentou o conceito de sustentabilidade foi na ocasião da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, em 1972, também conhecida como Conferência de Estolcomo. A proteção e o melhoramento do meio ambiente são tratadas como questão fundamenta Declaração de Estocolmo coloca a proteção e o melhoramento do meio ambiente humano como uma questão fundamental que afetaria o bem estar dos povos e o desenvolvimento econômico do mundo inteiro (RIBEIRO E SILVA, apud GOMES, 2005; COSTA NETO, 2003).

Em 1987 a ONU promoveu a Comissão Mundial do Meio Ambiente e Desenvolvimento. Nesta reunião foi publicado o Relatório de Brundtland ou Nosso Futuro Comum, onde foi elaborado pela primeira vez o conceito de Desenvolvimento Sustentável: “desenvolvimento que busca atender as necessidades da geração presente sem comprometer a capacidade das futuras gerações de atender suas próprias necessidades”. (RIBEIRO E SILVA, apud COSTA NETO, 2003)

A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente em 1992 o terceiro marco do Desenvolvimento Sustentável. Nesta conferência, também conhecida como Rio-92, foi elaborada a Agenda 21, um programa de 40 capítulos que propõem um programa de ação e planejamento do futuro de forma sustentável. Além da Agenda 21, quatro acordos foram criados: Declaração do Rio, Declaração de Princípios sobre o Uso das Florestas; Convenção sobre Diversidade Biológica e a Convenção sobre Mudanças Climáticas. (RIBEIRO E SILVA apud GOMES, 2005; COSTA NETO, 2003).

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A Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento trata-se de uma carta contendo 27 princípios com o objetivo de estabelecer um novo estilo de vida, um novo tipo de presença do homem na Terra, através da proteção dos recursos naturais e da busca do desenvolvimento sustentável e de melhores condições de vida para todos os povos. Dentre esses princípios destacamos o de número 22:

“PRINCÍPIO 22: As populações indígenas e outras comunidades locais têm um papel vital no gerenciamento e desenvolvimento ambiental em função de seus conhecimentos e práticas tradicionais. Os Estados devem reconhecer e assegurar seus direitos;”

Como se depreende do princípio acima enunciado as populações indígenas são peça chave na consolidação do desenvolvimento sustentável. Essa contribuição se dá de duas maneiras. Primeiramente, por meio da valorização dos seus conhecimentos e das suas práticas tradicionais. Como consectário lógico, para que os índios contribuam ao meio ambiente é necessário reconhecer e assegurar seus direitos. Subsume-se que a proteção das comunidades indígenas gera benefício direto ao meio ambiente e garantir a sua proteção deve ser um dos objetivos do desenvolvimento sustentável.

Em um julgado versando sobre Exploração Energética em Área Indígena a Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região se posicionou acerca da proteção das comunidades indígenas dentro do contexto do desenvolvimento sustentável:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO, AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EXPLORAÇÃO DE RECURSOS ENERGÉTICOS EM ÁREA INDÍGENA. UHE BELO MONTE. DESCUMPRIMENTO DE CONDICIONANTES ESTIPULADAS NA LICENÇA PRÉVIA Nº 342/2010. EMISSÃO DE LICENÇA PARCIAL DE INSTALAÇÃO Nº 770/2011, POSTERIORMENTE, SUCEDIDA PELA LICENÇA DE INSTALAÇÃO Nº 795/2011. AUTORIZAÇÃO DE SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO Nº 501/2011. NULIDADE. SUBSISTÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR. AGRESSÃO AOS PRINCÍPIOS DE ORDEM PÚBLICA DA IMPESSOALIDADE, DA MORALIDADE AMBIENTAL (CF, ART. 37, CAPUT), DA PRECAUÇÃO, DA PREVENÇÃO, DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO ECOLÓGICO E DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (CF, ARTS. 170, INCISOS I E VI, E 225 CAPUT). LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DO BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL - BNDES. “

[...]

IV - A tutela constitucional, que impõe ao Poder Público e a toda coletividade o dever de defender e preservar, para as presentes e futuras gerações, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, como direito difuso e fundamental, feito bem de uso comum do povo (CF, art. 225, caput), já instrumentaliza, em seus comandos normativos, o princípio da precaução (quando houver dúvida sobre o potencial deletério de uma determinada ação sobre o ambiente, toma-se a decisão mais conservadora, evitando-se a ação) e a conseqüente prevenção (pois uma vez que se possa prever que uma certa atividade possa ser danosa, ela deve ser evitada). No caso concreto, impõe-se com maior rigor a observância desses princípios, por se tratar de tutela jurisdicional em que se busca, também, salvaguardar a proteção da posse e do uso de terras indígenas, com suas crenças e tradições culturais, aos quais o Texto Constitucional confere especial proteção (CF, art.231, §§ 1º a 7º), na linha determinante de que os Estados devem reconhecer e apoiar de forma apropriada a identidade, cultura e interesses das populações e comunidades indígenas, bem como habilitá-las a participar da promoção do desenvolvimento sustentável (Princípio 22 da ECO-92, reafirmado na Rio + 20).”(grifo nosso)

(TRF-1 - AC: 9681920114013900 PA 0000968-19.2011.4.01.3900, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, Data de Julgamento: 16/12/2013,  QUINTA TURMA, Data de Publicação: e-DJF1 p.632 de 14/01/2014)

Em 2012 foi realizada a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20. Nesta ocasião foi elaborado documento “Futuro que queremos”, que prevê no seu parágrafo 49:

“49. Ressaltamos a importância da participação dos povos indígenas na conquista do desenvolvimento sustentável. Reconhecemos também a importância da Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas no contexto de implementação global, regional, nacional e subnacional de estratégias de desenvolvimento sustentável.”

Conforme informação obtida no site da Funai, atualmente existem 462 terras indígenas regularizadas, as quais representam cerca de 12,2% do território nacional.

A terra indígena é, portanto, a garantia de preservação do modo de vida diferenciado dos povos indígenas, cabendo exclusivamente a eles o usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos. Ainda, apenas mediante autorização do Congresso Nacional poderá ser realizado o aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais existentes em terras indígenas.

A proteção ao meio ambiente envolve a conservação dos recursos hídricos, a atenuação da mudança do clima, a conservação de florestas e biodiversidades, conforme os objetivos traçados pela Constituição Federal. Todas essas ações ecológicas se relacionam diretamente com os objetivos traçados pela Carta Magna para a conservação das terras indígenas.

Nesse sentido o Ministério do Meio Ambiente tem a função de desenvolver Políticas de ações voltadas para o desenvolvimento de Gestão Ambiental e Territorial através de estratégias integradas e participativas com vistas a alcançar a sustentabilidade e à autonomia dos povos indígenas. (FRAZÃO, 2014).

A Lei nº 6.001 de 19/12/1973, o Estatuto do Índio, por sua vez, dispõe em vários dispositivos o papel preservacionista ambiental que as comunidades indígenas podem desempenhar.  É nítido que a referida norma busca assegurar “que o modo de vida indígena seja preservado e conservado para que as futuras gerações possam aprender e se apropriar das melhores referências reconhecidas dos povos indígenas”. (FRAZÃO, 2014).

É inegável que a vida e conhecimentos tradicionais dos povos indígenas podem trazer importantes insights, a respeito da relação do homem com a natureza, tendo em vista que incorporam muitos elementos da sustentabilidade como parte integrante da sua vida diária. Temos, como exemplo, precisamente apontado por Frazão(2014) o fato de o índio não caçar além das suas necessidades, a utilização do solo de forma racional e a utilização dos recursos hídricos de uma maneira que não os esgotem.

Nos dizeres de Nakashima na sua obra Tapping into the World Wisdom (2000, p.12)::

 “Sophisticated knowledge of the natural world is not confined to science. Human societies all across the globe have developed rich sets of experiences and explanations relating to the environments they live in. These ‘other knowledge systems’ are today often referred to as traditional ecological knowledge or indigenous or local knowledge. They encompass the sophisticated arrays of information, understandings and interpretations that guide human societies around the globe in their innumerable interactions with the natural milieu: in agriculture and animal husbandry; hunting, fishing and gathering; struggles against disease and injury; naming and explanation of natural phenomena; and strategies to cope with fluctuating environments.

[…]

Indigenous people have a broad knowledge of how to live sustainably. However, formal education systems have disrupted the practical everyday life aspects of indigenous knowledge and ways of learning, replacing them with abstract knowledge and academic ways of learning. Today, there is a grave risk that much indigenous knowledge is being lost and, along with it, valuable knowledge about ways of living sustainably.”[2]


4. ACÓRDÃO DO CASO AWÁ GUAJÁ.

O acórdão 0003846-47.2002.4.01.3700, ora em análise, foi proferido em julgamento de recursos de Apelação Civil interpostos contra decisão do Juízo Federal da Seção Judiciária do Maranhão no julgamento da Ação Civil Pública 349. O Ministério Público propôs a referida ação objetivando a identificação e demarcação da ÁREA INDÍGENA AWÁ, nos termos da Portaria n. 372/92 do Ministério da Justiça. O Ministério Público alegou também que as áreas adquiridas pela empresa AGROPECUÁRIA ALTO DO TURIAÇU LTDA, nas regiões próximas aos vales dos rios Turiaçu, Pindaré e Guripu corresponderiam a terras tradicionalmente ocupadas pelos grupos tribais Awá-Guajá, acarretando na nulidade dos títulos de propriedade, por entender que a existência de títulos de propriedade, decorrentes de discriminatória de terras devolutas, não poderia ser manejada contra o reconhecimento de posse indígena, resultante do indigenato, ainda que as terras dos silvícolas (cuja propriedade cabe à UNIÃO) esteja pendente de demarcação pela FUNAI, conforme se depreende do disposto no art. 231, § 6º, CF.

Transcrever-se-á alguns pontos fundamentais do relatório do acórdão em estudo para possibilitar a compreensão do caso Awá Guajá:

“[...]

3.Em contestação, a AGROPECUÁRIA ALTO DO TURIAÇU LTDA., argumentou que a área descrita na Portaria 373/92 do Ministro da Justiça extrapolou os limites de possíveis terras indígenas de presumível ocupação. [...] Suscitou anomalias técnicas nos laudos periciais produzidos pela Antropóloga Eliane Cantarino O’Dwyer e pelo Engenheiro Agrônomo Francisco José Lopes de Sousa. A respeito deste último, asseverou que ele não teria especialização técnica suficiente para emitir o laudo pericial, em razão da falta de formação em Geo-Processamento de Imagens de Satélite.

 [...]

13. Em suas razões finais (fls. 950/959), a UNIÃO e a FUNAI defendem a capacitação técnica dos peritos que elaboraram o laudo pericial, sob o argumento de que tanto o engenheiro agrônomo quanto a antropóloga possuem formação profissional condizente com as necessidades compreendidas no caso concreto. Argumentam que a prova testemunhal indicada pela empresa corroborou as conclusões do laudo pericial, ao tempo em que requerem a total improcedência da Ação Ordinária n. 95.00.00353-8, em que a Agropecuária ora ré pleiteia a nulidade da Portaria MJ 373/92, e a procedência parcial desta ação civil pública, para que sejam declarados nulos os títulos de domínio que incidam em terras indígenas.

[...]

15. Defendeu o parquet Federal que o laudo antropológico produzido nos autos do processo judicial n. 95.00.00353-8, sob o crivo do contraditório, é bastante e suficiente para subsidiar a demarcação da área indígena, a homologação e o registro imobiliário (fl. 967).

[...]

17. O Órgão Público Federal arguiu que “os títulos dominiais invocados pela autora são nulos, não só porque incidem sobre área de propriedade da UNIÃO, mas também porque os títulos que lhes antecederam perderam a eficácia, ao ser anulada a ação discriminatória que os fundamentou” (fl. 24). Nesse passo, registrou que não procede a alegação de ofensa ao direito de propriedade, uma vez que a ocupação indígena é originária e prevalece diante de qualquer outra posse ou título de domínio eventualmente incidente na área.

18. Por derradeiro, o Ministério Público defendeu o laudo antropológico e requereu a procedência do pedido inicial com a confirmação da liminar concedida a fim de que seja homologada judicialmente a demarcação da Área indígena AWÁ, com o registro imobiliário dos seus atos.

20. No mérito o Juiz decidiu pela procedência do pleito inicial e condenou a FUNAI e a UNIÃO ao cumprimento da obrigação de fazer, consistente na demarcação contínua da Área Indígena Awá, nos termos da Portaria 373/92 do Ministério da Justiça e os critérios estabelecidos no laudo antropológico, ao tempo em que declarou a nulidade dos títulos de domínio invocados pela empresa Agropecuária Alto do Turiaçu Ltda., concluindo o decisum com o seguinte dispositivo.

[...]           

23.  Todos os Recorrentes acima elencados requerem os benefícios da assistência judiciária gratuita e embasam seus argumentos no sentido de que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são aquelas do momento da promulgação da Constituição Federal de 1988, não alcançando os direitos dos moradores, posseiros e pequenos proprietários de terrenos situados no entorno da área da Agropecuária Alto do Turiaçu Ltda. desde antes do advento da Carta de 88. Requerem a nulidade da sentença de primeiro grau por entenderem que o édito judicial não indicou claramente todos os pontos atacados na inicial e, ainda, pelo fato de não terem sido citados para compor os autos na condição de litisconsortes passivos necessários. No mérito, asseveram que as provas dos autos são firmes a favor dos Recorrentes, que há muito tempo ocupam área de terras na região.

25. Em suas razões de recurso (fls. 1717/1729), a UNIÃO sustenta a perda parcial do objeto da demanda em razão do encerramento dos trabalhos de demarcação física da área objeto da Portaria 373/92 do Ministro da Justiça. [...] Por fim, aduz que “... a área em questão traz consigo histórico de conflitos e tensões, refletindo uma questão sócio-cultural, étnica e econômica de tamanha envergadura que demanda um processo de planejamento e uma atuação coordenada entre diversas instituições federais para uma correta e segura retirada de todas as pessoas que ocupam a área” (fl. 1728).”(grifo nosso)

(TRF-1 - AC: 3846 MA 0003846-47.2002.4.01.3700, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, Data de Julgamento: 09/12/2011,  SEXTA TURMA, Data de Publicação: e-DJF1 p.311 de 07/03/2012).

Assevera-se necessário apresentar um breve histórico do assentamento da população indígena Awá Guajá na região que hoje ocupa e o conflito fundiário existente nessa localidade, antes de analisarmos os fundamentos da decisão do Acórdão aqui discutido.

Os índios Awá Guajá ocupam desde o século XIX, a região próxima aos vales dos rios Turiaçu, Capim, Pindaré e Gurupi, nos estados do Pará e do Maranhão. No início do século XX, por conta da pressão colonizadora, eles se movimentaram em direção aos rios Turiaçu, médio Gurupi e alto Caru, no estado do Maranhão. 

Com o crescimento das plantações de algodão no estado na década de 1940, os Awá-Guajá foram forçados a descer os vales dos rios, expondo-se ao contato com colonizadores que ocupavam a região. Passaram a ser vistos nos afluentes do rio Caru, mas recusaram, por um longo tempo, qualquer tipo de atrativo das Frentes de Contato do antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), órgão que antecedeu a Funai.

Em 1961 foi criada a antiga Reserva Florestal Gurupi, com artigo específico para a proteção dos indígenas que ali estivessem. Quando fossem estabelecidos contatos, terras indígenas deveriam ser reconhecidas para uso exclusivo dessas comunidades. Ademais, a Criação da Reserva Florestal do Gurupi definiu uma área de domínio Federal, cujos limites deveriam ter sido preservados, o que não foi cumprido.

A partir dos anos 1970, com o processo intensificado com os impactos advindos da construção de rodovias e, depois, da ferrovia Carajás, grupos inteiros de indígenas foram exterminados, vítimas do contato com não índios. Na década de 1980, a Funai reconheceu as Terras Indígenas Alto Turiaçu e Caru.

Não obstante o reconhecimento das e interdição da Terra Indígenas Awá, posseiros e madereiros passaram a ocupar áreas e a explorar seus recursos naturais, gerando graves prejuízos ambientais e ameaçando a sobrevivência dos Awá.

 Em 1992, a TI Awá o Ministério da Justiça homologou a portaria 372, a qual declarou a posse permanente dos indígenas. Essa portaria só viria a ser homologada em 2005, por decreto presidencial. Em 2009 foi registrada na Secretaria do Patrimônio da União.[3]

Apenas em 2011, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região julgou improcedentes as ações judiciais impetradas por posseiros para permanecerem na área, no Acórdão ora analisado.

Depois dessa breve exposição fática envolvendo a TI AWÁ passaremos à apreciação do conteúdo decisório do Acórdão transcrevendo seus dados mais relevantes:

“CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS. GRUPO AWÁ-GUAJÁ. VALIDADE DA PORTARIA 373/92 DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. REGULARIDADE DA PERÍCIA TOPOGRÁFICA E ANTROPOLÓGICA. PERITOS QUALIFICADOS. DECRETO 22/91. APELAÇÃO DE TERCEIROS ALEGADAMENTE PREJUDICADOS NÃO CONHECIDA. PERDA PARCIAL DO OBJETO DA DEMANDA NÃO CONFIGURADA. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE NA FIXAÇÃO DO PRAZO JUDICIAL. OCUPAÇÃO TRADICIONAL DE TERRA INDÍGENA.

I. Na "Constituição do Índio" conforme denominação atribuída a Uadi Lammêgo Bulos, merece destaque a proeminência com que o constituinte de 88 tratou as questões indígenas, alçando-as a patamares tão relevantes que tracejou sua disciplina em inúmeros dispositivos constitucionais, como se vê dos arts. 20, XI; 22, XIV; 49, XVI; 109, XI; 129, V e 176, § 1º e, especialmente, no arremate definido no capítulo VII do título que trata da ordem social, constituído pelos arts. 231 e 232 da Carta Política de 88, que consagrou o direito originário dos índios sobre as terras que ocupam tradicionalmente.

II. A conjunção dos dispositivos supra mencionados configura as reservas indígenas como bens da União com afetação especial aos índios que nelas habitam, podendo usufruir com exclusividade da posse originária outorgada pelo constituinte de 88. Precedente do STF - RE 183.188/MS.

III. A disciplina para o processo administrativo de demarcação de terras indígenas no Brasil é de competência da União e consiste numa série de atos correlatos. Sendo certo que a demarcação não representa título de posse ou requisito de ocupação, uma vez que o pleno gozo dos índios sobre suas terras independe de qualquer ato administrativo. Assim, o processo demarcatório da terra indígena é regulado por decreto do Poder Executivo, materializando-se num procedimento administrativo conduzido pela Fundação Nacional do Índio - FUNAI e concluído com um decreto homologatório do Presidente da República. Esse procedimento tem início com a formação de um grupo técnico especializado que deverá promover o estudo etno-hisórico, sociológico, jurídico, cartográfico e ambiental, bem como o levantamento fundiário necessários à delimitação das terras indígenas, a fim de elaborar relatório circunstanciado a ser encaminhado ao Ministro da Justiça. Este, por sua vez, expedirá portaria delineando os limites da demarcação administrativa da área e concluirá o processo enviando-o ao Presidente da República que tem competência para editar decreto homologatório.[...]

V. O procedimento de demarcação de terras indígenas não está adstrito a aviso circular, que não tem força imperativa a ensejar alteração nas regras do procedimento demarcatório estabelecido, à época, no Decreto 22/91. O aviso representa mero "expediente pelo qual os Ministros de Estado se comunicam com iguais ou subalternos, transmitindo instruções, fazendo solicitações, interpretando dispositivos regulamentares, ou determinando providências necessárias à boa ordem dos serviços públicos" (NEY, João Luiz. Prontuário de Redação Oficial. 6ª ed. 1971, p. 93).

VI. O acervo probatório, constituído de perícia técnica, oitiva de testemunha, exibição de documentos, esclarecimentos prestados em audiência pelos peritos, laudo topográfico e inspeção judicial, mostra-se robusto e suficiente para ratificar os estudos conduzidos pela FUNAI e conformar o convencimento do julgador pela validade da Portaria 373/92 do Ministro da Justiça, firmando a concepção de que a área demarcada é de posse tradicional do grupo indígena Awá-Guajá. [...]

VIII. O laudo pericial topográfico elaborado por engenheiro agrônomo comprovadamente qualificado para descrever os limites do imóvel da Agropecuária Alto do Turiaçu Ltda., mostrou-se suficiente e válido ao apurar que 89,98% da área da Empresa-Apelante encontra-se no interior das terras do grupo indígena Awá-Guajá, tal qual descrita na Portaria 373/92. [...]

X. Independentemente do momento em que a Empresa Agropecuária tenha iniciado suas atividades na área, as terras reconhecidas como de ocupação indígena já recebiam, desde antes, tutela constitucional. Ou seja, não há falar em direito adquirido a bem jurídico com força em valores desacolhidos pela nova ordem constitucional. O reconhecimento do direito originário dos povos indígenas em ocupar suas terras é ato meramente declaratório e não constitutivo, uma vez que a Lei Maior declarou expressamente a nulidade dos atos que tenham por objeto a ocupação, domínio e posse das terras indígenas (art. 2131, § 6º, CF). [...]

XII. O argumento de perda parcial do objeto da demanda em razão da demarcação administrativa carece de relevância jurídica na hipótese em que o poder público, embora tenha procedido à demarcação e homologação da terra indígena, concedeu títulos dominiais ou permitiu a instalação de terceiros na região a conformar verdadeiro embaraço para que os silvícolas, parte hipossuficiente na espécie, pudessem apossar-se das áreas que lhes foram reconhecidas. Para conferir eficácia à homologação de terra indígena, é preciso que o poder público cumpra as medidas aptas a dar efetividade ao procedimento administrativo, especialmente a extrusão dos ocupantes não índios da área e a remoção das obras e construções que impedem a efetiva utilização da terra para o desiderato que lhe foi dado pela norma administrativa constituída em harmonia com a Constituição Federal.

XIII. O estabelecimento de prazo para cumprimento de decisão consistente em remoção de pessoas e desfazimento de construções em áreas demarcadas como terras indígenas deve ser temperado de razoabilidade a fim de evitar conflitos. Caso em que o prazo de 1 (um) ano, a contar da data de intimação deste acórdão, mostra-se suficiente para que sejam removidas as pessoas não índias e desfeitas as construções edificadas na área reservada ao grupo indígeena Awá-Guajá.

XIV. A ocupação tradicional de terras indígenas a que se refere o art. 231, § 1º, da CF diz respeito a relação dos autóctones com o território conforme seus usos, costumes e tradições para a promoção de seu bem-estar e de sua reprodução física. [...] Daí dizer-se que tudo se realiza segundo seus usos, costumes e tradições." (José Afonso da Silva, in Os Direitos Indígenas e a Constituição, 1993). [...]

XVI. A robustez do acervo probatório conduz ao reconhecimento da higidez da Portaria 373/92 do Ministério da Justiça e da demarcação levada a cabo pelo poder público que. Assim, eventual direito de propriedade adquirido sob a égide de normas anteriores não subsiste diante da nova ordem constitucional inaugurada em 5 de outubro de 1988, de modo que acolher eventual título de propriedade em áreas reconhecidamente ocupadas por grupos indígenas é labor inútil em razão da imperatividade da norma constitucional.

XVII. [...] Determinação para que a UNIÃO e a FUNAI promovam o registro da área demarcada no cartório imobiliário e na Secretaria do Patrimônio do Ministério da Fazenda e, no prazo de um ano, a contar da intimação deste julgado, a remoção das pessoas não-índias que se encontram no interior da terra demarcada, bem como o desfazimento das construções edificadas no perímetro da Portaria 373/92, além do cumprimento das demais determinações oriundas da sentença recorrida.”

(TRF-1 - AC: 3846 MA 0003846-47.2002.4.01.3700, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, Data de Julgamento: 09/12/2011,  SEXTA TURMA, Data de Publicação: e-DJF1 p.311 de 07/03/2012).

Para maior esclarecimento do Acórdão supracitado e do processo de demarcação das terras em comento é necessário realizar um breve resumo dos fatos que antecederam a decisão da Justiça Federal, objeto do recurso de Apelação.

Conforme já mencionado, a lide judicial envolvendo a TI Awá remonta ao ano de 1992 quando a Empresa Agropecuária Alto Turiaçu move ação cautelar contra a FUNAI, reivindicando a posse de 37. 980 hectares situados na TI Awá.

Em 2001, um levantamento realizado pela FUNAI revela que o Povoado V. da Conquista, do Município de Ze Doca serve de entrada para madeireiros. Além disso, “foram encontradas vias de acesso pela TI Awá para escoação de madeira- e 3 serrarias ao longo da rota 1 de escoamento que liga as TIs Awá e Alto Turiaçu. Grande parte dessas estradas são clandestinas”[4]

A demarcação da Terra Indígena é reiniciada em 2002, por determinação do Juiz Federal Carlos Madeira e em 2005 é finalmente homologada com 116.582 hectares.

O laudo antropológico é realizado pela Dra Eliane Cantarino em 2007, concluindo que os Awá Guaja estão diante de verdadeira situação de genocídio.  Ao ser questionada se as terras, cujo domínio era reivindicado ela empresa de Agropecuária, integravam o habitat necessário à sobrevivência física e cultural dos índios, a perita enfatizou:

“A análise desenvolvida no laudo antropológico conduz a uma resposta afirmativa (...). Os índios Awá-Guajá tinham ali seu habitat conforme descrito nos itens 3) Fontes Documentais: o Indigenato; 4) Situação de Contato: o campo de ação indigenista; 5) Nomadismo: os Patrigrupos em seus incisos a), b), c). O domínio atual da empresa Agropecuária Alto do Turiaçu Ltda. sobre antigos habitats dos Awá-Guajá, com o fechamento da fronteira norte-sul impede antigas trocas e o fluxo em direção ao norte é consistente e consideravelmente antigo (...). Os efeitos desse fechamento é a fragmentação dos grupos Awá-Guajá em uma ‘multidão de famílias, que formariam outros tantos sistemas fechados, nômades sem porta nem janela, cuja proliferação e antagonismos não poderiam ser impedidos por nenhuma harmonia pré-estabelecida’ (Levi-Strauss 1976, p. 250). Este perigo considerado ‘mortal’ para o grupo ameaça principalmente os que sobrevivem isolados nas Serras do Tiracambu e da Desordem.” (Grifo nosso). (fl. 645 do processo anexo n. 95.00.00353-8).

O laudo antropológico, juntamente ao lado topológico e toda a instrução probatória carreada nos autos do processo aqui discutido comprovaram de maneira suficiente e definitiva da presença do grupo indígena Awá-Guajá na área definida pela Portaria 373/92, do Ministério da Justiça, e que o perímetro demarcado era tradicionalmente ocupado e utilizado permanentemente para suas atividades produtivas.

Em 2010 o Juiz Federal Madeira visita a Terra Indígena Awá- Guajá e se convence de que a terra está sendo esquartejada e os índios massacrados sob os olhos do Estado. No julgamento da Ação Judicial aqui discutida, é demandado que todos os invasores devem deixar a área em 180 dias e uma operação é realizada em conjunta com o IBAMA e a Polícia Federal para retirar invasores ilegais da TI Alto Turiaçu, Awá e Caru.[5]

Em 2012 o acórdão em análise foi publicado, confirmando a decisão de 1º grau, declarando a validade e suficiência do acervo probatório (inspeção judicial, laudo antropológico e topológico) cuja confiabilidade havia sido questionada pela Empresa Agropecuária no recurso de Apelação e, por fim, determinando a remoção de pessoas e desfazimento de construções em áreas demarcadas.

A operação de desintrusão das terras Awá Guajá teve início no ano de 2014. Esse processo de retirada dos posseiros ilegítimos teve dois momentos:

“A operação Awá foi constituída por duas fases. A primeira, notificação pelos oficiais de justiça dos não índios (posseiros, pequenos agricultores, agricultores e madeireiros) que ainda se encontravam na terra indígena e, após 40 dias o desfazimento de construções, cercas e estradas. "Encontrando-se livre de pessoas e coisas estranhas ou incompatíveis ao modo de vida do povo Awá-Guajá, damos por cumprida a ordem judicial de desintrusão expedida pelo Juiz federal da 5ª Vara da Justiça Federal do Maranhão dr. José Carlos do Vale Madeira", diz o documento entregue aos indígenas.

A desintrusão da terra indígena Awa-Guajá ficou sob a responsabilidade de uma força tarefa interministerial, coordenada pela Secretaria-Geral da Presidência da República em parceria com os ministérios da Justiça (Funai, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Secretaria Nacional de Segurança Pública/Força Nacional de Segurança Pública), Gabinete de Segurança Institucional (Abin); Defesa (Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia / Censipam), Saúde (Secretaria de Saúde Indígena) Desenvolvimento Agrário (Incra), Meio Ambiente (Ibama/ Instituto Chico Mendes), Ministério do Desenvolvimento Social e Secretaria Nacional de Direitos Humanos (SDH) e Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).”[6]

A decisão supramencionada pôs fim ao conflito fundiário envolvendo as terras Awá, salvaguardando a população indígena habitante da área, que se encontrava em estado de gravíssima vulnerabilidade. Ademais de proteger os Awá Guajá e seus direitos ao uso de suas terras, a decisão referida também contribuiu fortemente para a preservação ambiental da área que sofria acentuado processo de desmatamento.  Segundo dados da Funai, a retirada de madeira e as invasões de posseiros devastaram mais de 30% da área. Essa análise foi realizada por meio de um conjunto de dados disponíveis sobre desmatamento, focos de calor, levantamento fundiário, denúncias documentais e outro dados obtidos em trabalhos de campo, demonstrando que aproximadamente 36 mil hectares foram desmatados na TI Awá entre os anos de 2000 e 2009.[7]

Tais dados demonstram que o processo de demarcação de terras indígenas e desintrusão dos não-índios das suas reservas, além de amparar as comunidades indígenas e cumprir os deveres constitucionais atribuídos ao Estado, também promove a proteção dos recursos naturais e estagna a degradação ambiental.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIOS, Marco Túlio Costa. O processo de demarcação das terras indígenas no ordenamento jurídico brasileiro e seu impacto na preservação ambiental:: uma análise do caso Awá Guajá. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7111, 20 dez. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61079. Acesso em: 4 dez. 2024.

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