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O direito à privacidade e a Lei de acesso à informação (LAI) – Lei nº 12.527/2011

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Agenda 30/04/2018 às 13:40

A Lei 12.527/2011 propiciou maior liberdade de opinião e de expressão pela sociedade civil. Por outro lado, o direito constitucional à privacidade impede a devassa nas informações de cunho estritamente pessoal.

RESUMO: A Lei de Acesso à Informação (LAI), nº 12.527/2011, decorrente do art. 5º, XXXIII, art. 37, § 3º, II e do art. 216, § 2º, todos da CF/88, possibilitou o recebimento de informações públicas dos órgãos estatais e propiciou maior liberdade de opinião e de expressão pela sociedade civil. Por outro lado, o direito constitucional à privacidade – que provêm da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intemporal e universal – impede a devassa nas informações de cunho estritamente pessoal. E, por essa razão, este artigo pretende deslindar possível conflito entre esses dois direitos. Destaca-se que a LAI constitui importante papel na propulsão da cultura da transparência na Administração Pública brasileira, na promoção da transparência das informações no estimulo à participação da sociedade no acompanhamento da gestão pública. É um direito humano fundamental e está vinculado à noção de democracia. Entrementes, constataram-se dilemas sugerindo prejuízo à privacidade, especialmente com relação à divulgação nominal do salário e a entraves aos agentes públicos que laboram na atividade de inteligência. Assim, estudou-se a origem e historicidade da LAI; os conflitos existentes da LAI com a privacidade e a Atividade de Inteligência; a historicidade da Privacidade; Privacidade e Tecnologia. Concluiu-se que a LAI, em seu propósito de fortalecer a transparência pública, não conflitou com as variáveis analisadas.

Palavras-chave: Acesso à Informação. Transparência. Privacidade


INTRODUÇÃO

Cuidou-se de confrontar a Lei de Acesso à Informação (LAI), Lei nº 12.527/2011, decorrente do art. 5º, XXXIII, art. 37, § 3º, II e o art. 216, § 2º, todos da CF/88, com o direito constitucional da privacidade. O primeiro possibilita  o recebimento de informações públicas dos órgãos estatais e propicia maior liberdade de opinião e de expressão. Enquanto o segundo protege e assegura os direitos à privacidade e à intimidade que provêm da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intemporal e universal, impedindo a devassa nas informações de cunho estritamente pessoal.

A Lei de Acesso à Informação (LAI), Lei nº 12.527/2011, entrou em vigor no dia 16 de maio de 2012 e possibilitou a qualquer pessoa, física ou jurídica, sem necessidade de apresentar motivo, o recebimento de informações públicas dos órgãos e entidades.

Salienta-se, contudo, que a Constituição Federal de 1988 já dispunha expressamente sobre o direito de acesso à informação ao estabelecer, no inciso XXXIII de seu art. 5°, que "todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado".

Entrementes, faltava ser devidamente regulamentada. Não bastava apenas a previsão na Carta Magna. Também eram necessários os contornos e marcos legais. Assim, com o advento da LAI, esse fato foi solucionado, ao menos em parte. Cabe destacar que não se pode olvidar da importância fenomenológica e estrutural, desse dispositivo, que, indubitavelmente, permitiu ao Brasil solapar a pérfida cultura do secretismo.

Após perfunctório introito, será verificado se a ampla divulgação – inclusive dos salários nominados, e de parcela dos conhecimentos produzidos pelos órgãos de inteligência –, de algum modo, constrangeu o funcionário público, dificultou o desenvolvimento da Atividade de Inteligência –  tão  indispensável  à  mantença  da  segurança  da  sociedade –,  ou se acarretou prejuízo à imagem de pessoas portadoras de doença.

Assim, este artigo disserta sobre o escorço histórico e a importância da Lei de Acesso à Informação. Deixando, ab initio, a certeza de que um governo somente pode ser considerado democrático, republicano e comprometido com o desenvolvimento social quando for efetivamente transparente, facilitando o acesso às informações de interesse público,  divulgando conhecimentos voluntariamente e previamente, numa linguagem clara e entendível, sem, contudo, prejudicar os direitos da privacidade e da intimidade de seus cidadãos.

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Especial atenção foi dedicada ao direito constitucional à privacidade, quando foi estudado no Direito Romano, o surgimento das primeiras medidas protetivas do direito à honra, e os ideais da Revolução Francesa, em que os cidadãos buscavam maior autonomia em face das interferências do Estado e justamente no período em que começou a se falar nos direitos personalíssimos como o direito à vida, à integridade física, à honra, à intimidade e à privacidade.

Nas considerações finais serão demonstrados os principais resultados deste artigo com base em tudo aquilo que foi estudado e analisado. Com isso, espera-se que este trabalho possa propiciar uma visão mais abrangente da importância da Lei de Acesso à Informação (LAI), Lei nº 12.527/2011, no fortalecimento da democracia no Brasil e seus reflexos na privacidade.


LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO (LAI) E SUAS IMPLICAÇÕES

Quando se quer criar um bom nome, uma boa marca, um nome que rapidamente seja assimilado por muitas pessoas, inevitavelmente esse nome deve ser curto, fácil de memorizar e de pronunciar, para evitar, até mesmo, tropeços e gaguejos na hora da pronúncia. Nesse sentido, o “Acrônimo”: LAI – Lei de Acesso à  Informação – cumpre magistralmente esse papel. O nome se transformou numa pequena e memorável palavra que já está na “boca do povo” como sinônimo de: “Eu tenho o direito de saber!”

Essa facilidade com que a LAI está sendo pronunciada leva,  consequentemente, a uma rapidez no conhecimento pela população. Sua célere divulgação e utilização trarão vastos benefícios para o Brasil, propiciando uma relação mais saudável e transparente entre sociedade e governo, assim como uma melhor fiscalização da coisa pública, e propiciará a efetividade da accountability[2]. É bom lembrar que o acesso à informação está diretamente ligado à cidadania.

Predita Lei criou mecanismos que, segundo a Controladoria Geral da União (CGU), possibilita, a qualquer pessoa, física ou jurídica, sem necessidade de apresentar motivo, o recebimento de informações públicas dos órgãos e entidades. Tal lei é aplicável nos três Poderes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, inclusive nos Tribunais de Conta e Ministério Público. Entidades privadas sem fins lucrativos também são obrigadas a dar publicidade a informações referentes ao recebimento e à destinação dos recursos públicos por elas recebidos.

Nessa vertente, é bom lembrar que o Brasil é signatário de tratados e convenções internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, pelo Pacto de Direitos Civis e Políticos, por Convenções Regionais de Direitos Humanos, que garantem o direito à informação como fundamental da pessoa humana, além de o dever de transparência e publicidade dos atos públicos figurarem em diversas leis infraconstitucionais, garantindo ao cidadão o conhecimento dos atos da Administração Pública,  porém não  com a  amplitude  e  o  caráter  democrático advindos  com a LAI (CASTRO; DIAS, p. 11)[3].

É oportuno destacar também o artigo 19° da Declaração Universal dos Direito Humanos, tido como um marco histórico ao fazer constar, formalmente, a liberdade de expressão e opinião, incluindo em seus termos o direito à informação (CALDERON, 2014, p. 2), a saber: Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar,  receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão.

Porém, muito antes da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 10 de dezembro de 1948, os representantes do povo francês, reunidos em Assembleia Nacional, declararam inalienáveis e sagrados os direitos naturais do homem e do cidadão, no dia 26 de agosto de 1789.

A divulgação máxima das informações, estimulada pela LAI, representa, inapelavelmente, um avanço na democracia de um Estado que se afirma republicano. Sobre isso, Ribeiro Filho e Antony Filho (2012, p.54)[4] entendem que a liberdade de acesso aos atos governamentais é um corolário republicano edificante da prática cidadã; é a nova realidade pátria contemporânea.

A Constituição Federal de 1988, para esses autores (2012, p.54), já dispunha expressamente sobre o direito de acesso à informação ao estabelecer, no inciso XXXIII de seu art. 5°, que "todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado".

Nessa direção, Ribeiro Filho e Antony Filho (2012, p.55) assinalam que para um Estado que se afirma democrático, a credibilidade da gestão pública pelo indivíduo aumentará tanto quanto maior for a sua imersão em uma "cultura de acesso", na qual a informação pertence ao cidadão e caberá ao Estado divulgá-la, em detrimento de uma "cultura de segredo", típica das ditaduras, caracterizada pelo empecilho à inclusão cidadã.

Com efeito, a nova lei tem grande importância fenomenológica e estrutural, uma vez que com sua publicação e implementação nos órgãos públicos o Brasil marcha na direção de transformar a cultura de segredo – na qual “a informação é retida e,  muitas vezes, perdida. A gestão pública perde em eficiência, o cidadão não exerce um direito e o Estado não cumpre seu dever”[5] – na cultura de acesso, ou seja, “o fluxo de informações favorece a tomada de decisões, a boa gestão de políticas públicas e a inclusão do cidadão”[6].

A transformação estrutural reside no fato de que os órgãos necessitam  organizar as informações públicas sob sua guarda, no que se refere à produção, tratamento e armazenamento, classificação das informações sigilosas... enfim, cumprir com a exigência da lei de “integridade, autenticidade e disponibilidade”[7].

Calderon (apud SILVA, 2014, p.5) ensina que seria necessária a distinção entre liberdade de informação e direito à informação. O primeiro consistiria em um direito individual, traduzido no direito subjetivo do indivíduo em manifestar o seu pensamento e opinião. Tem, portanto, seu berço nas garantias de liberdade individual. Já o segundo significaria o direito da coletividade à informação, o interesse geral contraposto àquele individual.

Assim, resta claro que: “um governo transparente deve facilitar aos cidadãos o acesso às informações de interesse público, divulgando de forma proativa e espontânea essas informações, sempre que possível, numa linguagem clara e de fácil entendimento”[8], sem contudo, causar prejuízo aos direitos da privacidade e intimidade das pessoas.

Para Bertazzi[9] (2011, p.25), os mecanismos de acesso à informação pública no sistema jurídico brasileiro são recentes. Não ultrapassam três décadas de existência. Ele aduz que durante a ditadura militar o sigilo era a regra para as ações governamentais. O autor comenta que a falta de transparência, muito mais do que uma  característica pontual neste ou naquele caso, tornou-se um atributo constante nos atos  da administração pública brasileira, contribuindo para o fortalecimento da cultura do sigilo no trato da coisa pública. Com a reabertura democrática e a promulgação da Constituição Federal de 1988, o acesso à informação pública foi elevado ao patamar de direito fundamental.

Antes da LAI, a publicidade e a transparência, bem como o direito de acesso às informações de interesse público, já faziam parte da Constituição Federal. Entretanto, Bertazzi (2011, p. 25-26) assinala que foram necessários mais de duas décadas, após a promulgação da Constituição de 1988, para serem efetivamente regulamentadas.

Bertazzi (2011, p. 26) recorda que existia apenas a regulamentação do que era considerado sigiloso, ou seja, a exceção, pela Lei nº 11.111, de 5 de maio de 2005. Faltava garantir, segundo o autor, o efetivo acesso à informação, transformando-o em uma política pública de acesso à informação e promoção da transparência, política esta que deveria envolver desde a lei que regulamenta o acesso até a criação de condições para que todos os entes federativos, poderes, órgãos e entidades públicas sejam capazes de produzir e divulgar informações úteis, com integridade, de maneira amigável e fácil.

A grande queixa de Bertazzi (2011, p. 26), que sintetizava a angustia de muitos outros estudiosos da temática, era a tendência natural das burocracias, particularmente aquelas de países latinos, incluindo a brasileira, de se manter a cultura do segredo, uma vez que a informação monopolizada é importante recurso de poder em sua relação com superiores hierárquicos, políticos e órgãos de controle.

A expectativa em torno do nascimento de uma lei que viesse a proporcionar maior transparência nas ações, programas e políticas do Brasil, aumentando a participação da população e fortalecendo a democracia, ganhou força com o Projeto de Lei 41 de 2010.

Predito Projeto, que mais tarde se converteu na LAI, teve como objetivo a regulamentação do acesso à informação pública na Constituição Federal, de informação sigilosa,   das   diretrizes,   a   conceituação   de   documento   e,   fundamentalmente a regulamentação dos procedimentos garantidores da política de acesso à informação pública no Brasil.

Para a Controladoria Geral da União (CGU), uma legislação sobre direito à informação deve observar um conjunto de padrões estabelecidos com base nos melhores critérios e práticas internacionais. Dentre esses princípios, destacam-se: acesso é a regra, o sigilo, a exceção (divulgação máxima); requerente não precisa dizer por que e para que deseja a informação (não exigência de motivação); hipóteses de sigilo são limitadas e legalmente estabelecidas (limitação de exceções); fornecimento gratuito de informação, salvo custo de reprodução (gratuidade da informação); divulgação proativa de informações de interesse coletivo e, criação de procedimentos e prazos que facilitam o acesso à informação (transparência passiva).

Um dos problemas que podem prejudicar as políticas ou mesmo uma lei é o seu gradativo esquecimento com o correr dos anos. Sobre isso, foi lembrado por Michener (2011, p. 8-9) que as políticas de acesso à informação, mundo afora, se tornaram mais enfraquecidas com o passar do tempo[10]. Imagina-se que o entusiasmo político inicial pela transparência perca força, à medida que aumentam as solicitações de informações que levam a revelações embaraçosas e a encargos administrativos excessivos. O atraso e a resistência do setor público levam a leis mais fracas.

Contudo, essa generalização não condiz com a realidade empírica. As leis da Nova Zelândia e do México se tornaram mais consistentes com o passar do tempo. A Austrália recentemente reformou a sua lei (2010), após anos de enfraquecimento. E os Estados Unidos e outros países experimentaram altos e baixos  que, de modo geral, apresentaram uma tendência para cima, no sentido de uma maior abertura, especialmente em termos de publicação proativa (MICHENER, 2011, p. 8-9).

No Brasil, com base nos dados estatísticos da CGU, o que se observa é um aumento nas buscas de informações dos órgãos públicos após a vigência da LAI.

Sobre o autor
Clarindo Alves de Castro

Mestre em Educação (IE/ UFMT/2011/2013) na linha de Movimentos Sociais e Educação Popular. Especialista Latu Sensu em Ciências Jurídicas pela Universidade Cruzeiro do Sul. São Paulo-SP (2015). Especialista em Administração com Ênfase em Inteligência de Segurança Pública pela FAECC - UFMT (2008). Especialista em Gestão Organizacional de Segurança Pública pela UNEMAT (2008). Especialista em Segurança Pública no Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais (CAO) pela Polícia Militar do Estado de Goiás (2001). Bacharel em Direito pela Universidade Cidade de São Paulo (2015). Graduado no Curso de Formação de Oficiais pela Polícia Militar do Estado de Santa Catarina (1992). É docente da disciplina de Polícia Comunitária e Inteligência de Segurança Pública em cursos da SENASP/MJ, PMMT e SSP/MT. Possui o Curso Superior de Inteligência Estratégica (CSIE) na Escola Superior de Guerra, Rio de Janeiro, do Ministério da Defesa (2010). Coronel da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso. Ex Secretário Adjunto de Administração Penitenciária de Mato Grosso.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO, Clarindo Alves. O direito à privacidade e a Lei de acesso à informação (LAI) – Lei nº 12.527/2011. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5416, 30 abr. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61205. Acesso em: 24 nov. 2024.

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