CAPÍTULO III - DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO NA GESTÃO E FISCALIZAÇÃO DE CONTRATOS PÚBLICOS
1 - ASPECTOS INICIAIS
A legalidade, a qual a Administração está intimamente adstrita, é a premissa que obsta a liberalidade às alterações dos contratos administrativos.
O art. 66 da Lei n. 8.666/1993 preconiza o princípio geral da obrigatoriedade das convenções, na acepção de que o pactuado entre as partes deve ser cumprido. Por outro viés, a Lei também conferiu à Administração, em relação ao particular, prerrogativas especiais, relativizando a obediência ao “pacta sunt servanda” nos contratos públicos.
As hipóteses de alterações contratuais encontram limites objetivos na Lei n. 8.666/1993, conforme preconizam os §§ 1º dos artigos 58 e 65 da LLC.
Segue-se daí que as pretensões administrativas devem advir do atendimento dos requisitos prescritos em lei, ante o dever de observância à legalidade de seus atos. Assim, não basta apenas um sentimento de proveito, benfeitoria, vantagem, utilidade para que a Administração possa validar as alterações contratuais. Essas circunstâncias não são suficientes quando desassociadas de uma valoração positiva (+) da norma, ou seja, devem guardar relação protetiva sob fundamentos prescritos em lei.
Portanto, a regra é a fiel execução do contrato nos termos originalmente pactuados. A mutabilidade, com força necessária para exigir a modificação de cláusulas contratuais, uni ou consensualmente, é exceção que somente se justifica em face de fatos novos e imprevisíveis à época da deflagração do certame e que sejam suficientes para alterar a demanda de interesse público, em deferência ao princípio da identidade do objeto.
Preceito esse que reveste a demanda pública deflagrada sob os fundamentos da licitação de proteção, ao passo que, quando desvirtuado aos olhos do princípio da vinculação ao instrumento convocatório (p.ex.), em tese, pode caracterizar fuga à licitação, passível de responsabilização. Assim, as alterações nos contratos administrativos, sejam qualitativas e/ou quantitativas supervenientes, carecem de identidade com o objeto inicialmente contratado, sem modificá-lo em sua essencialidade ou inová-lo na finalidade.
2 – DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO NAS ALTERAÇÕES UNILATERAIS
2.1 - De natureza qualitativa e/ou quantitativa
O inciso I do art. 65 da Lei de Licitações e Contratos autoriza a Administração a efetuar, unilateralmente, alterações qualitativas (alínea “a”) e quantitativas (alínea “b”) do objeto contratado para adequá-lo à nova demanda de interesse pública, cuja finalidade foi alterada em face de fatos superveniente e imprevisíveis à época da instauração do certame e verificada durante a execução do contrato.
A norma é clarividente quando, no § 2º do citado art. 65, dispõe que nenhum acréscimo ou nenhuma supressão poderá exceder os limites estabelecidos, salvo as supressões que ultrapassarem o permissivo legal, que se sujeitam à concordância do particular contratado.
Quando especificado em edital ou no termo contratual, a determinação do âmbito de modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos, não possuem maiores implicações. Por outro lado, nas contratações excepcionais de dispensas e inexigibilidade de licitação, quando dispensado o instrumento contratual, far-se-á necessário uma avaliação minudente dos termos ofertados na negociação bilateral para a definição dos contornos da alteração contratual, principalmente no que diz respeito às alterações qualitativas.
Por se tratarem de procedimentos sui generis, as contratações decorrentes de dispensa e inexigibilidade de licitação se submetem aos termos ofertados entre Administração e o particular. Tais condições se traduzem nas especificações constantes no Projeto Básico e na proposta comercial da empresa, cujos contornos se aderem ao instrumento hábil utilizado para formalizar a contratação pública e dele fazem parte, independentemente de transcrição. É na conjugação dessas peças - principal em que está consignado o que se pretende contratar, o seu objeto, suas especificações e também tudo o que as partes estão obrigadas a fazer.
Assim, a decisão de alteração unilateral do contrato pela Administração representa uma competência discricionária, quanto presente a superveniência de um motivo justificador para a alteração, ocasião em que o contratado estará obrigado a suportar o encargo.
O direito da Administração compreendido no art. 65, I, “a”, da Lei n. 8.666/1993, não margeia o assentimento do particular, quando devidamente justificado, eis que a “modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos”, pertencente unicamente ao crivo da autoridade administrativa, restando-a apenas o cumprimento da manifestação estatal.
Nessa estreita, não obstante a possibilidade de se exigir o cumprimento da demanda pública, cumpre salientar que, de acordo com o art. 81 da Lei n. 8.666/1993, a recusa injustificada em assinar, aceitar ou retirar o contratual – aqui compreendido como o teleologismo de “termo de aditamento” - dentro do prazo e condições estabelecidas pela Administração, em tese, “caracteriza o descumprimento total da obrigação assumida” pela contratada, sujeitando-a às penalidades legais convencionadas no instrumento contratual, se for o caso, sem prejuízo das demais previstas na Lei de Licitações e Contratos.
2.2 – Da apuração dos percentuais de supressão e/ou acréscimos
Independente da natureza da despesa (compras, serviços e obras de engenharia), a rigor, nenhum acréscimo ou nenhuma supressão, quer seja qualitativo (com impacto no valor do contrato) ou quantitativo, poderá exceder os limites permissivos na norma legal. Neste caso, cabe a assertiva de que “Onde a lei não distingue, não pode o intérprete distinguir” (Ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus)[14].
Para fins de aferição do limite a ser observado na alteração unilateral em comento, a Lei n. 8.666/1993 determina que o limite de 25% será calculado sobre o valor inicial atualizado do contrato. O limite de 25% não envolve acréscimos e supressões conjuntamente, sendo 25% para acrescer e outros 25% para suprimir, como se um “muro” dividisse os dois parâmetros, impondo um tipo de bloqueio entre os dois limites, para fins de compensação entre os percentuais, o que é vedado segundo a jurisprudência do Tribunal de Contas da União - TCU, sob pena de desvirtuar o anseio lega e responsabilização administrativa [Acórdão TCU n. 1498/2015 – Plenário, relatoria do Ministro Benjamin Zymler].
Conforme delineado pelo TCU, para fins de verificação de atendimento desses limites, considera-se o valor inicial da contratação, desprezando-se eventuais acréscimos ou supressões realizadas anteriormente. As supressões e os acréscimos anteriores não alteram a base de cálculo para aplicação de novas alterações e aferição do limite legal. Porém, não se admite a compensação entre acréscimos e supressões.
Assim, ainda que ao realizar um acréscimo e uma supressão de idênticos percentuais o valor do contrato não sofra alteração (0%), houve alteração dos termos incialmente pactuados, o contrato foi alterado. Nessa hipótese, as modificações contratuais violaram os limites legais[15]. Isso significa que a soma de todos os acréscimos pode alcançar até 25% do valor inicial atualizado, conforme entendimento do TCU [Acórdão n. 2.819/2011, Plenário, Rel. Min. Walton Alencar Rodrigues, DOU de 09.11.2011].
Demais disso, o Tribunal de Contas da União [Acórdão n. 1.330/2008-Plenário ] possui entendimento de que o cálculo limite de 25%, previsto no § 1º do art. 65 da Lei n. 8.666/1993, deve ter como base o custo unitário do serviço a ser adicionado ou suprimido, não o valor total do contrato. A apuração do valor da alteração não enfrenta dificuldade quando o contrato versar sobre unidades específicas e divisíveis, cujo valor individual possa ser discriminado.
Em oposição a esse entendimento, tem-se a doutrina de Joel de Menezes Niebuhr[16], para quem a base de cálculo deve incidir conforme a regra de adjudicação da licitação, ou seja: a) se for menor preço global, a base de cálculo será o valor da contratação; e, b) se for menor preço por item ou lote, será o valor total do item ou lote. Confira os apontamentos do autor, ipsis litteris:
Na mesma linha, se o julgamento é pelo preço global, então os limites das alterações contratuais devem ser calculados sobre o preço global e não em razão dos preços unitários. [...] À Administração Pública é permitido realizar acréscimo que dobre a quantidade [...], desde que este montante não importe majoração no valor global do contrato superior aos limites enfeixados nos parágrafos 1º e 2º do art. 65 da Lei n. 8.666/93, isto é, em regra, 25% do valor inicial global atualizado do contrato.
Embora razoável, o entendimento precitado não possui lastro na jurisprudência da Corte Federal de Contas, que aborda essa temática sob o ponto de vista do jogo de planilhas. [Acórdão n. 2530/2011 – Plenário].
De mais a mais, nas contratações mediante procedimento licitatório por itens, cada um constituí uma unidade autônomo, ainda que as licitantes possam oferecer propostas para vários deles. Nesse caso, o valor do contrato para fins de acréscimo tomaria em consideração apenas o valor do item a ser alterado, mesmo que eventualmente se tivesse formalizado junto à adjudicatária vários deles em único instrumento contratual.
Demais disso, cabe ressaltar que nos contratos por escopo o acréscimo só é possível enquanto o objeto do contrato ainda não for totalmente entregue e recebido definitivamente pela Comissão designada pela autoridade, se for o caso. Assim, a despeito da vigência estipulada, nos contratos por escopo o ajuste se extingue com o cumprimento integral da obrigação.
3 – DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO EM SEDE DE OBSERVÂNCIA DOS PRAZOS DE EXECUÇÃO DO OBJETO PACTUADO
Nos contratos por escopo, o desafio maior enfrentado pelos administradores públicos está atrelado ao prazo de execução em paralelo à vigência do contrato, quando àquele se mostra exíguo (insuficiente) ou necessárias novas intervenções no objeto pactuado (acréscimos ou supressões). Sob o aspecto estrito da legalidade administrativa, o inciso I do art. 65 da Lei n. 8.666/1993 concede à Administração as prerrogativas para poder alterar unilateralmente o contrato administrativo, desde que apresentadas as devidas justificativas.
Em relação à tempestividade, as alterações contratuais, independente da natureza, são possíveis enquanto o objeto contratado não for totalmente entregue e recebido definitivamente pela Comissão designada pela autoridade, se for o caso. Entretanto, há entendimentos de que essa temporalidade contratual não pode perdurar ad eternum, daí a pertinência para o prazo de vigência contratual acompanhar a execução contratual.
Por sua vez, em alguns casos, as alterações contratuais, sejam quantitativas ou qualitativas, podem influenciar no prazo de execução prescrito no ajuste, e, consequentemente no prazo de vigência do contrato. Nesses casos, o administrador deve avaliar a prudência de alteração desses dispositivos, dilatando o prazo de execução do objeto em paralelo à prorrogação (renovação) do prazo de vigência contratual.
Caso nenhuma das partes entenda sobre a existência de interferências no cronograma inicial do contrato, em razão das modificações supervenientes, é recomendável que conste expresso no aditamento essa deliberação bilateral, para fins de determinação de eventual mora contratual. Nessa hipótese, deve prevalecer a fundamentação com base no inciso II do art. 65 da Lei n. 8.666/1993.
Essa dinâmica jurídica se manifesta necessária por envolver excludente de culpabilidade, por Ato da Administração, caracterizado pela alteração unilateral superveniente, o que impediria, em tese, a correspondente penalização devida pelo inadimplemento perpetrado.
Demais disso, as alterações em contratos por escopo tendem a impactar nos demais dispositivos, quando atrelados a prazos de cumprimento. Assim, deve-se avaliar, por exemplo, se a modificação acarretará alteração nas regras de faturamento e pagamento, de acordo com o cronograma físico-financeiro inicial, aprovado pela fiscalização do contrato.
4 - DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO EM SENTIDO ESTRITO
4.1 - Organização administrativa: descentralização e descontração administrativa
Como consabido, a organização da Administração Pública em sentido lato é determinada em Direta e Indireta.
A Administração Direta é caracterizada pela desconcentração do poder estatal em unidades determinadas mediante subordinação hierárquica. Não possuem personalidade jurídica, atuando como braços do poder central administrativo, que, sim, detém caráter personalíssimo para responder juridicamente pelos atos das unidades desconcentradas administrativamente. Aqui, a ideia é entender a Administração como um órgão (em sentido estrito) que desfragmenta o poder em delegações de competências para as unidades subordinadas, sem que com isso haja a perda da personalidade jurídica ou transferência desta para outra, com perda de atribuições originárias. É o caso, por exemplo, dum Ministério de Estado quando cria repartições para a adequada execução de uma competência privada.
A Administração indireta segue o caminho inverso, respeitadas as devidas proporções, consistindo na descentralização do poder. Ou seja, é a retirada de uma competência originária do poder central para outra entidade dotada de personalidade jurídica própria, com a finalidade de gerir e executá-la de forma descentralizada. Isso significa que o poder de origem poderá desafogar do trâmite ordinário tais competências, de modo que possa se debruçar perante outras necessidades com melhor atenção e aproveitamento, em tese.
Cumpre destacar que, em regra, a descentralização mantém sob o foco do poder originário a competência fiscalizatória e de correção sobre as atividades da competência descentralizada. Um característico exemplo é o caso das Agências Reguladoras, criadas a partir da descentralização de poderes/competências de Ministérios de Estado especializados. Nessa concepção, os Ministérios continuam com a atribuição de supervisionar as atividades administrativas descentralizadas, enquanto que as novas entidades personalizadas passaram a se debruçar na execução dos trabalhos de regulação do meio para os quais foram constituídas.
No âmbito do contencioso administrativo, tanto o litigioso quanto o sancionatório, regra geral, são processados dentro de uma estrutura desconcentrada. Isso, muito em razão do poder hierárquico, de que decorrer os atos administrativos. Assim, sujeitam-se à revisão, convalidação, revogação ou anulação pelo poder hierarquicamente superior, segundo o processamento legal.
Quando houver expressa previsão legal, haverá hipóteses em que o poder hierárquico, numa espera de 3°, por exemplo, será exercido num âmbito descentralizado. Entretanto essa hipótese é exceção que somente encontra fundamento quando expresso em lei.
Assim, o ato administrativo, quando provocado por quem de direito, estará sujeito, regra geral, a um juízo de apreciação a quo (reconsideração ou de retratação), como também a um juízo de apreciação ad quem, ou recursal, a ser exercido pela autoridade competente do órgão e hierarquicamente superior a quem proferiu a decisão a quo.
Nessa hipótese a autoridade superior poderá confirmar a decisão anterior ou reforma-la total ou parcialmente. É o poder em sede recursal decorrente do efeito devolutivo, que “traz à mão” do poder central a competência, em segundo grau de apreciação, o dever de decidir novamente o direito pleiteado.
Em alguns casos, quando a lei permitir, a autoridade a quo poderá declarar o efeito suspensivo ao recurso, fazendo subi-lo ao conhecimento da autoridade competente, em seu efeito devolutivo, até que haja a decisão superior.
4.2 - Questionamento envolvendo o objeto do contrato ou cláusula contratual
Quanto ao tema, o parágrafo único do art. 78 da Lei de Contratos Administrativos disciplina que “os casos de rescisão contratual serão formalmente motivados nos autos do processo, assegurado o contraditório e a ampla defesa”.
A partir daí, tem-se ainda que, nos termos do art. 87 da citada Lei, “pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as [...] sanções” previstas taxativamente no normativo.
Por fim, num terceiro plano, o inciso II do art. 109 da Lei de Contratos Administrativos dispões que caberá recurso de representação, no prazo de 5 (cinco) dias úteis da intimação da decisão relacionada com o objeto da licitação ou do Contrato, de que não caiba recurso hierárquico.
A despeito da previsão recursal, cumpre advertir que em nenhum lugar a norma de regência trata do direito de petição do interessado em sede de contencioso administrativo, quando envolver interesse resistido no âmbito do objeto da licitação ou do contrato.
O que se percebe é que a Lei regrou situações gravíssimas de “inexecução total ou parcial do contrato” e “rescisão contratual” salvaguardado, em todos os casos, a faculdade do particular interessado (aqui entendido como o dever da Administração em oportunizar) de ter garantida oportunidade de manifestação antes da deliberação da autoridade competente, em sede de “defesa prévia”, como sustentáculo à proteção das garantias constitucionais do “contraditória e da ampla defesa”.
Do ponto de vista hermenêutico, se a lei despiu garantias processuais para situações gravíssimas, também não poderia ter escusado em situações em que há ainda mera ação resistida dos envolvidos na relação contratual. A essa ação ou interesse resistido, em sede de interpretação dos limites das obrigações convencionadas contratualmente dá-se o nome de contencioso administrativo.
Assim, sempre que o interessado ou a Administração estiverem diante de um interesse resistido ou de interpretação obrigacional controversa, haverá um contencioso a ser solucionado e, dada a necessidade da própria natureza, a preleção de atos processuais visando a decisão de uma autoridade devidamente competente, aqui entendida como aquela determinada pela lei, para deliberar sobre a causa objeto de controvérsia administrativa.
Ocorre que a Lei n. 8.666/1993 definiu alguns atos esparsos, e pior, com identidades e objetos diversificados em matéria procedimental do contencioso administrativo, porém, não incompatíveis, resultando, assim, apenas na ausência de um “corpo processual” comum a todos as situações disciplinadas (penalidades, rescisão, contencioso, etc.). Sendo assim, para a elucidação desse desafio hermenêutico, far-se-á necessário uma interpretação sistemática da Lei.
Isso, muito em razão de se tratar de procedimento regrado em sede de lei especial, não sendo passível a aplicação subsidiária da Lei Geral dos Procedimentos Administrativos, (n. 9.784, de 1999), ao passo que a Lei n. 8666/1993 previu a matéria, ainda que insipidamente. É a regra, inclusive, expressa no caput do at. 69 da Lei 9.784/1999: “Os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei” (interpretação estrita).
Parte-se da premissa que as relações contratuais são constituídas da voluntariamente para a consecução de um objetivo específico, restando para cada qual a respectiva obrigação convencionada. Nesse cenário, uma das partes requer a prestação de algo possível, determinado e lícito, enquanto que a outra, em contrapartida, espera a contraprestação pela regular execução do objeto convencionado.
Como se vê, há uma bilateralidade na promoção de ações contratuais, das quais podem surgir dúvidas ou interpretações resistidas, a depender do interesse que cada qual quer resguardar. Nesse liame, podem surgir manifestações formais, naturais da relação negocial. Não que dizer necessariamente um direito de petição, como aquele sagrado pela Constituição Federal de 1988, mas um tratamento ordinário da execução contratual
Ocorre que essa ação ou pedido resistido deve ser apreciado por quem detém o poder de decisão. É nesse momento que surge, no mundo jurídico, o aspecto formal do contencioso administrativo.
Para o preenchimento da lacuna legislativa, uma vez que a Lei dos Contratos Administrativos não expressa literalmente as regras para o processamento de contestação de termos contratuais, deve-se observar a primazia da analogia que preconiza o art. 4º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (Decreto-Lei n. 4.657/1942, com a redação que lhe foi conferida pela Lei n. 12.376/2010).
Assim, parte-se do pressuposto que o contencioso está disciplinado na citada legislação especial nos mesmos moldes aplicáveis aos procedimentos sancionatórios, eis que, de certo modo, equivalentes, haja vista que ao particular poderá incidir decisão declaratória negativa de direito.
De acordo com essa teleologia, regra geral, pode-se definir o procedimento do contencioso administrativo como tripartido (ou tetragonal), compreendendo, ao menos, as fases de instrução e deliberação a quo, uma vez que a etapa de confirmação ou não ad quem se subsumisse ao princípio da voluntariedade recursal, cuja reserva encontra guarida no princípio da pluralidade de instâncias administrativas, inerente à desconcentração da organização administrativa.
Assim, independente da natureza da decisão, tanto para penalizar quanto declarar ou negar direito, o processamento dessas fases far-se-á conforme a remissão dos citados artigos 78, 87 e art. 109, inciso II c/c § 4°, todos da Lei n. 8.666/1993. Com base nessas disposições, é possível determinar, com segurança, o processamento do devido processo legal em sede de contencioso administrativo envolvendo relações contratuais públicas.
4.5 - Processamento tetragonal
4.5.1 - Da instrução e produção de provas
Tanto a disciplina da rescisão contratual, prevista no parágrafo único do art. 78 da Lei de Contratos Administrativos, quanto à disciplina sancionatória, nos temos do art. 87 da citada Lei, estabelecem as bases da instrução processual. Conjuntamente, os perspectivos dispõem que o contencioso administrativo deverá ser com arrimo nas garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, garantida, oportunamente (antes da apreciação da autoridade), a prévia defesa.
A partir desse diagrama, deve-se determinar a competência da Administração para identificar a conduta e tipificação, conforme as disposições previstas no edital e no contrato, a depender do caso. Muito embora a lei preveja as penalidades incidentes nas contratações públicas (art. 86 e 87 da Lei), a ausência de expressa previsão contratual ou no instrumento convocatório é empecilho à ação do administrador, que está adstrito a legalidade.
Assim, em prestígio ao princípio da legalidade, em especial, traduzido nas concepções da anterioridade legal e da vinculação ao instrumento convocatório, deve-se obedecer ao prévio assentimento do contratante por ocasião do conhecimento do edital (não impugnado) e da participação na licitação como pressuposto à regular submissão da penalidade tipificada.
Como pressuposto essencial, a Administração deve providenciar a notificação do interessado, para querendo, apresentar defesa prévia no prazo de cinco dias úteis, contados da data da ciência do comunicado. Nesse momento, o interessado poderá requerer acesso às informações que estejam vinculadas, direta ou indiretamente, ao objeto da controvérsia contratual. Não é aconselhável, nesses casos, que fogem à execução ordinária do contrato, que o gestor especialmente designado para acompanhar a exceção do objeto decida unilateralmente sobre tais pedidos da contratada, sendo recomendável a submissão da matéria à autoridade competente.
De mais a mais, faz-se oportuno lembra que os processos administrativos, em regra, são impulsionados de ofício, sem prejuízo da atuação dos interessados. Assim, nem sempre caberá ao interessado a quebra da inércia processual, devendo o administrador público se atentar para essa particularidade (princípio da oficialidade ou oficiosidade).
4.6.2 - Do juízo de apreciação a quo
Uma vez notificado, ainda que o particular não demonstre interesse de agir, transcorrendo o prazo para apresentação da defesa prévia in albis, os autos deverão ser encaminhados à autoridade para decisão, sempre que possível, acompanhado do parecer técnico competente. Ademais, esclareça-se que a inércia do interessado não representa renúncia ao direto de apresentar razões recursais. Deve-se, assim, assegurar o cumprimento dessa etapa processual.
4.6.3 - Da voluntariedade recursal
Trata-se do exercício da voluntariedade recursal, cuja reserva encontra guarida no princípio da pluralidade de instâncias administrativas, inerente à desconcentração da organização administrativa.
Segundo dispõe o inciso II do art. 109 da Lei de Contratos Administrativos, caberá recurso de representação, no prazo de 5 (cinco) dias úteis da intimação da decisão relacionada com o objeto da licitação ou do Contrato, de que não caiba recurso hierárquico.
Assim, da decisão que negar direito ou impor dever à contratada, de que não caiba recurso hierárquico (que requer expressa previsão legal, tais como: as penalidades de multa, suspensão, impedimento, declaração de inidoneidade), caberá recurso de representação à autoridade superior àquela que proferiu a decisão a quo, na forma do § 4o do art. 109 da Lei n. 8.666/1993.
O recurso será direcionado a quem praticou o ato recorrido e, caso este não reconsidere no prazo de 5 (cinco) dias úteis (primeiro grau de apreciação), deverá fazê-lo subir, devidamente informado, devendo, neste caso, a decisão ser proferida dentro do prazo de 5 (cinco) dias úteis, contado do recebimento do recurso, sob pena de responsabilidade.
Além disso, o recurso não terá efeito suspensivo imediato, podendo a autoridade competente, motivadamente e presentes razões de interesse público, atribuir ao recurso interposto tal qualidade. Ademais, nenhum prazo de recurso, representação ou pedido de reconsideração se inicia ou corre sem que os autos do processo estejam com vista franqueada ao interessado (art. 109, § 5°, da LCC).
Se for única e exclusiva instância, haverá a possibilidade de oferecer pedido de retratação. O juízo de reconsideração é ato exclusivo do primeiro grau de apreciação.
O juízo de admissibilidade a quo sucederá a partir dos seguintes requisitos: cabimento: previsão legal para essa hipótese recursal; tempestividade: exercer o direito dentro do prazo legal; unirrecorribilidade (só existe único recurso adequado); adequação: possibilidade de aproveitamento, quando interposto com fundamento diverso (princípio da fungibilidade); preparo (eventuais custas, quando houver); legitimidade recursal: estar devidamente representado (legalmente instituído como representante – outorga de poderes, se for o caso); e, sucumbência: é o pressuposto que concebe o direito de recorrer apenas a quem possa a decisão atingir.
4.6.4 - Fase devolutiva ou de juízo de apreciação ou confirmação ad quem
Ocorre somente nos casos em que o interessado agir no exercício da voluntariedade recursal. O agente público não detém legitimidade recursal para fazê-lo ex officio. Objeto primário: conhecer ou não do recurso. Conhecido o recurso, secundariamente a autoridade ad quem apreciará o provimento: negando ou provendo total ou parcialmente o pedido.