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A intimidade e a vida privada frente às novas tecnologias da informação

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Agenda 12/01/2005 às 00:00

INTRODUÇÃO.

O homem sempre teve a necessidade e o instinto de superação do seu espaço geográfico. Detentor deste sentimento, descobriu novas terras, desbravou oceanos e finalmente partiu para a conquista do espaço.

Em cada uma destas jornadas, novos elementos de reflexão foram surgindo juntamente com novas situações a serem enfrentadas pelo homem.

Não seria diferente quando, em meados da década de setenta, surgem as primeiras redes de computadores pessoais, sem qualquer instância que dirigisse tal processo.

Os efeitos gerados pelo crescimento e consolidação deste tipo de interconexão são inúmeros, seja no campo social, cultural, político, econômico etc.

Este novo espaço de interação entre os homens possui algumas particularidades quando consideradas um novo meio de comunicação. Os teóricos de Frankfurt por exemplo (Max Horkheimer e Theodor Adorno) já reconheciam a falta de um meio de comunicação onde os usuários fossem emissores livres de informação. Esta falta já não se faz presente com o surgimento das redes de computadores.

O que este novo espaço representa na vida cotidiana das pessoas? A velocidade da comunicação, o caminho bidirecional de informações (o usuário é emissor e receptor de dados) e o crescimento exponencial de usuários interconectados acaba por influenciar até mesmo instâncias macro políticas de poder.

O professor de filosofia da USP, José Eduardo Faria, narra uma experiência que nos mostra a grandiosidade deste novo espaço:

A decisão de organizar um macroprotesto contra os planos do Estados Unidos de invadir o Iraque foi tomada no final de novembro de 2002, durante o encontro do Fórum Social Europeu, e posta em execução menos de 90 dias depois, graças às técnicas eletrônicas de comunicação e aos sistemas em rede (Networks). Baseadas numa estratégia de alcance transnacional, dezenas, centenas e milhares de organizações locais valeram-se de páginas web para oferecer informações, conselhos, estímulos e possibilidades de conexões temporárias, estabelecendo desse modo uma intrincada teia de iniciativas políticas, sob a forma de estruturas altamente flexíveis e muito pouco hierárquicas. E, com isso, independentemente de sua hegemonia econômica, tecnológica e militar, Os Estados Unidos ficaram emparedados pela opinião pública mundial (...) (FARIA, 2003, p.7)

A significativa redução nos custos da comunicação, o alcance cada vez maior das informações, as possibilidades de uso cada vez maiores (O filósofo francês Pierre Lévy define a internet como um verdadeiro Pharmakon), fazem das redes de computadores um espaço novo, com novas problemáticas e novas situações a serem enfrentadas pelo homem moderno.

O espaço formado por estas redes agora é desterritorializado, o paradigma cartesiano, o espaço-tempo (1) pode ser relativizado no mundo moderno.

Com a mercantilização e a valorização das informações, os dados pessoais e as informações de foro íntimo e privado servem agora, além de contribuir para pesquisas de cunho benéfico à sociedade, para direcionar estratégias de marketing, discriminar certos tipos de pessoas, tolher a liberdade de determinada categoria de indivíduos etc.

Dentre todas as novas questões oriundas deste "Admirável Mundo Novo", no presente trabalho buscaremos analisar os efeitos desta nova tecnologia no que tange ao direito à intimidade e à privacidade na era da informação. (2)


BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A EVOLUÇÃO DO DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA.

O conceito de intimidade e de privacidade que é utilizado hodiernamente é recente. De início, as duas noções se confundiam, o que se pode dizer é que existia a diferenciação entre a esfera pública e a privada.

Esta clara distinção era visível na sociedade greco-romana, onde a esfera pública era determinada pela participação política dos cidadãos. (3)

Os assuntos que não deveriam ser do conhecimento dos demais cidadãos e habitantes da pólis, como os relativos aos modos de sobrevivência e necessidades básicas de cada indivíduo, eram da esfera privada.

Ainda assim, temos que esta diferenciação entre a esfera pública e a privada também não esgota a possibilidade de dúvidas, e denota que tais conceitos ainda não encontram-se maduros e desenvolvidos.

Entretanto, observa-se que o Direito Civil Romano é responsável pela primeira construção do conceito de personalidade, de suma importância para os Direitos do Homem, ao qual integram a intimidade e a privacidade.

O termo persona que designava a máscara sob a qual o ator representava o seu papel, alargou-se para abranger a posição do cidadão romano na vida jurídica, como sujeito de direitos e obrigações. Esses direitos são os direitos da personalidade, (...) (DOTTI, 1980)

Com a consolidação das sociedades feudais, a idade média marca um crescimento da necessidade da vida privada, posto que o senhor feudal acabava muitas vezes tolhendo a liberdade e a privacidade dos servos.

Além disso, a esfera privada também cresce em importância na medida em que os indivíduos passam mais tempo no ambiente doméstico e com a família.

Na Idade Média, a esfera pública perdeu espaço. A vida limitava-se, basicamente, ao feudo. O senhor feudal reunia a autoridade pública, a quem os vassalos deviam respeitar e atender. Já a esfera privada cresce em importância, uma vez que a religiosidade e as crenças da época levam os indivíduos a viverem mais voltados para o ambiente doméstico e para a família. (ALVES, 2004)

Aqui, seria oportuno também discorrer sobre a importância do movimento humanista do século XV, XVII e XVIII, cuja contribuição dos grandes filósofos e pensadores políticos se deu por intermédio das chamadas teorias do Direito Natural.

Thomas Hobbes e John Locke partiriam deste tema, mas Rousseau foi quem mais inspirou e influenciou a declaração francesa de 1789, ambicionando a construção de uma sociedade onde os homens pudessem ser livres tal como no estado de natureza.

Sob forte influência do liberalismo é então votada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Agora, os chamados Direitos do Homem, são inalienáveis e reconhecidos como os direitos naturais. Esses direitos são : a liberdade, a prosperidade, a segurança e a resistência à opressão.

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Os direitos do cidadão já encontram-se ligados ao estado de sociedade, que são o direito ao voto, direito ao respeito da legalidade entre outros.

Lembramos ainda que a família também exerce aqui uma importante influencia no desenvolvimento do direito à intimidade e à privacidade. Neste período, estar com a família e desejar estar distante do mundo público passa a ser visto como um direito, e não mais como um privilégio como na sociedade feudal.

As quatro paredes da propriedade particular de uma pessoa oferecem o único refúgio seguro contra o mundo público comum – não só contra tudo que ele ocorre mas também contra sua própria publicidade, contra o fato de ser ouvido. Uma existência vivida inteiramente em público, na presença de outros, torna-se, como diríamos, superficial... O único modo eficaz de garantir a sombra do que deve ser escondido contra a luz da publicidade é a propriedade privada – um lugar só nosso, no qual possamos nos esconder. (ARENDT, Hanna apud ALVES, 2004)

No mundo contemporâneo, podemos dizer que em quase todas as declarações de direitos e constituições, figuram princípios liberais de 1789. Entretanto, é notável um certo recuo na ideologia dos direitos naturais, posto que, pouco a pouco o Direito Positivo traça limites razoáveis à liberdade.

Entretanto, a preocupação com os direitos do homem considerando a razoável limitação à sua liberdade, ganha novos contornos com os objetivos de universalização de tais direitos.

Assim, em 1948, a Assembléia Geral das Nações Unidas organiza um documento que leva o nome de Declaração Universal dos Direitos do Homem, visando proteger os direitos e liberdades além das fronteiras físicas dos Estados.

Este documento tem grande importância para a pesquisa em questão, haja vista que nele se encontram proteções inerentes à vida privada. O próprio art. 12 trata especificamente de garantir a vida privada:

Artigo XII. Ninguém será sujeito à interferência na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação. Todo homem tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.

A importância de tais direitos vai crescendo na medida em que a autonomia da vida privada é ameaçada pelas novas modalidades de invasão científica e tecnológica. A intimidade e a privacidade ganham status de grande importância em razão da valorização e comercialização de dados pessoais, ação implacável da cultura de massas, algumas ações de cunho totalitário por parte dos Estados, uso nocivo dos meios tecnológicos entre outros.


CONCEITUAÇÃO E DIFERENCIAÇÃO DO DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA.

Embora usualmente os conceitos de vida privada e da intimidade se confundam, eles são distintos.

Tal diferença reside no fato da intimidade pertencer a um círculo mais restrito do que o direito à vida privada. Como bem observa o professor René Ariel Dotti, esta distinção é tipicamente uma construção francesa, consolidada por intermédio de uma Lei de 17.7 1970.

Ainda assim, um conceito definitivo para ambos os termos também é algo difícil de ser encontrado. O mesmo professor, citando o jurista Jean Carbonnier, caracteriza a intimidade como "a esfera secreta do indivíduo na qual ele tem o poder legal de evitar os demais".

Outra definição da intimidade foi bem observada pelo professor Tércio Sampaio Ferraz,

A intimidade é o âmbito do exclusivo que alguém reserva para si, sem nenhuma repercussão social, nem mesmo ao alcance da sua vida privada que, por mais isolada que seja, é sempre um viver entre os outros (na família, no trabalho, no lazer comum). Não há um conceito absoluto de intimidade, embora se possa dizer que o seu atributo básico é o estar só, não exclui o segredo e a autonomia. Neste termos, é possível identificá-la: o diário íntimo, o segredo sob juramento, as próprias convicções, as situações indevassáveis de pudor pessoal, o segredo íntimo cuja mínima publicidade constrange. (FERRAZ, 1993)

Já a vida privada do indivíduo diz respeito a situações de opção pessoal, mas que podem ser limitados e solicitados por terceiros. Também abrange situações que envolvam aspectos onde, de alguma forma, não gostaríamos de qualquer publicidade ao seu redor, seja na suas relações de trabalho, familiares ou setores da comunidade.

A vida privada, definida pelo professor René Ariel Dotti (1980), "abrange todos os aspectos que por qualquer razão não gostaríamos de ver cair no domínio público; é tudo aquilo que não deve ser objeto do direito à informação nem da curiosidade moderna que, para tanto, conta com aparelho altamente sofisticados".

Novamente é oportuno a definição dada pelo professor Tércio Sampaio Ferraz a respeito da vida privada.

A vida privada pode envolver, pois, situações de opção pessoal (como a escolha do regime de bens no casamento), mas que, em certos momentos, podem requerer a comunicação a terceiros (na aquisição, por exemplo, de um imóvel). Por aí ela difere da intimidade, que não experimenta esta forma de repercussão. (FERRRAZ, 1993)


A INTIMIDADE E A VIDA PRIVADA FRENTE ÀS NOVAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO.

Conforme dito alhures, na era da sociedade da informação, a coleta de dados vem sendo uma prática cada vez mais rotineira, seja para fins de estratégia de marketing, publicidade direcionada, passando pela vigilância "telepresente" (4).

A sociedade contemporânea passa por um momento em que se passa do átomo aos bits (5), ou seja, do mundo físico ao mundo digital. A informação percorre este caminho quando armazenada em um computador.

Um dos fundadores do Laboratório de Mídia do MIT, Nicholas Negroponte professor de tecnologia na mesma instituição, narra um episódio curioso a respeito da afirmação acima.

Recentemente, visitei o quartel-general de uma das cinco maiores empresas americanas fabricantes de circuitos integrados. Pediram-me que assina-se um registro de entrada e me perguntaram se eu trazia comigo um laptop. É claro que sim. A recepcionista perguntou-me o modelo, o número de série e o valor do aparelho. "Alguma coisa entre 1 e 2 milhões de dólares", respondi. "Mas isso não pode ser, senhor", replicou ela. Mostrei a ela meu velho Powerbook, cujo valor ela estimou em 2 mil dólares. Registrou então a soma, e eu pude entrar na empresa. A questão é que, embora os átomos não valessem tudo aquilo, os bits tinham um valor inestimável. (NEGROPONTE, 1995)

A importância da informação para a indústria pode ser visualizada pela narrativa acima. Pelos altos preços dela é que o comércio e a indústria gastam milhões de dólares na busca por dados, sejam eles pessoais, segredos industriais, etc.

Na busca pela informação é que cometem-se os principais abusos em relação à intimidade e à privacidade. Na Internet por exemplo, é comum a venda de banco de dados de endereços eletrônicos pessoais (e-mails), para empresas realizarem os chamados spams (6).

O próprio spam já é uma violação à vida privada e um abuso do usuário da internet. Primeiro porque ele arca com os custos da conexão para receber uma propaganda que ele não solicitou (seria o mesmo que receber uma ligação telefônica a cobrar, cujo conteúdo é uma propaganda que você não solicitou), em segundo lugar, a divulgação do seu endereço não foi autorizada.

Atualmente, com as tecnologias da informação cada vez mais aperfeiçoadas, é possível estabelecer conexões entre os gostos pessoais do indivíduo e traçar um perfil minucioso a seu respeito, sendo possível direcionar a propaganda.

De certa forma, atualmente já vivemos isso no ciberespaço. Quando respondemos às perguntas necessárias para abrir uma conta de e-mail por exemplo, estamos definindo um perfil pessoal para a empresa que terá nossos dados.

Assim, se observamos atentamente cada vez que abrimos nosso e-mail, será fácil constatar que os banners, pop-ups (7), etc, estão direcionados de acordo com o nosso perfil.

Em princípio, tal mecanismo parece não prejudicar em nada os usuários, os serviços de e-mail gratuito vivem de publicidade, nada mais justo que ela seja otimizada. O problema surge quando esta personalização ou direcionamento pressupõe a quebra do sigilo da mensagem.

Vejamos esta notícia publicada na Folha On Line:

O Google, site de busca mais popular da internet, decidiu entrar de cabeça na competição contra os gigantes da internet Yahoo! e MSN --portal da Microsoft. Nesta quarta-feira, o mecanismo de pesquisas anunciou que vai oferecer um serviço de e-mail gratuito, assim como a concorrência.

Segundo a companhia, a principal vantagem de seu e-mail gratuito é o espaço da caixa de entrada, que deverá ser entre 250 e 500 vezes maior do que as contas de correio eletrônico do Yahoo! e da Microsoft.

Para poder lucrar com as caixas de entrada, o Gmail vai "ler" as mensagens enviadas pelo internauta e enviar anúncios de acordo com os assuntos discutidos nos e-mails. Por exemplo, quem enviar uma mensagem para um amigo sobre um show, pode receber do Google um link para uma empresa que vende entradas pela internet. (8)

Trocar mensagens confidenciais pela Internet será no mínimo constrangedor se pensarmos que alguém não autorizado estará lendo.

A proteção à intimidade, o sigilo destes dados está constitucionalmente previsto: são invioláveis "a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação" (Art.5, X)

Ironicamente, o "jeitinho" brasileiro foi exportado para os EUA. Neste país, a lei proíbe que o governo mantenha informações pessoais, mas não proíbe que este governo contrate uma empresa privada para que o faça para ele.

Assim é que vão se criando diversas formas de vigiar o cidadão diuturnamente. O diretor presidente do Le Monde Diplomatique, Ignacio Ramonet, observa:

Novos tipos de controle, autorizados pelo Patriot Act, questionam a vida privada, o sigilo da correspondência e a liberdade de expressão. Já não é necessário obter uma autorização para instalar um grampo telefônico. Os investigadores policiais podem ter acesso a informações pessoais dos cidadãos sem mandato de busca. O FBI, por exemplo, solicitou às bibliotecas que lhe fosse fornecida a lista de livros e de sites da Internet consultados por seus assinantes para traçar um "perfil intelectual" de cada leitor ...(RAMONET, 2003)

Seguindo a orientação de que os Direitos Humanos adquirem mais ou menos importância conforme o tempo, podemos dizer que, na sociedade da informação, a intimidade e a privacidade jamais tiveram o status e a importância que possuem hoje.

A tecnologia torna nossa vida íntima cada vez mais vulnerável. Mesmo levando em conta que muitas pessoas até gostam disso, caso dos Blogs (9) por exemplo, é necessário que as pessoas tenham pelo menos a consciência e a liberdade de escolher sobre o destino dos seus dados pessoais.

Na maioria dos casos, as pessoas sequer sabem que estão sendo monitoradas. Ainda, as conclusões tiradas a partir deste monitoramento podem ser duvidosas. Por exemplo, alguém que digita em um site de busca "pedofilia" é necessariamente um pedófilo? Obviamente que não, nos meios acadêmicos as pesquisas sobre crimes via internet estão se tornando comuns, e, por conseqüência, palavras como esta são constantemente pesquisadas.

Entretanto, outros usos nocivos podem ser feitos à partir de informações dos usuários.

Com os atentados terroristas, diversos abusos são cometidos sob o manto da proteção dos cidadãos. Exemplos claros são a proliferação das câmeras, que, como as teletelas, alimentam cada vez mais o sentimento de vigilância absoluta e de perda da privacidade.

Em alguns casos, a privacidade é até vendida em troca da publicidade, conforme bem observa o filósofo francês Paul Virilio,

Alguns usuários da Internet chegam a viver em transmissão direta. Por meio de circuitos fechados da WEB eles exibem sua intimidade a todos.

Símbolo de um VOYEURISMO MUNDIAL, essa introspecção coletivista é chamada a se expandir à velocidade do mercado único da publicidade universal que se anuncia. (VIRILIO, 1998)

Mas em outros, o uso nocivo de dados pessoais pode levar à discriminação. O sentimento de insegurança gerado pelo 11 de setembro culminou com uma série de medidas que, de certa forma, são uma tentativa de prever quem são os criminosos e barrar sua ação antes mesmo dela acontecer.

O maior exemplo disso é a política adotada pelo governo norte-americano de controle dos turistas que chegam ao seu país. Este mecanismo preventivo de combate ao terrorismo funciona da seguinte maneira: Os turistas que escolheram viajar para os EUA são obrigados a responder uma série de perguntas na companhia aérea que escolheram viajar. Perguntas que variam da cor da pele ao prato preferido.

Aparentemente, tais questões respondidas pelos passageiros podem não ter significado algum, entretanto, a interpretação dessas respostas pode resultar na denuncia de um futuro terrorista.

Os europeus que estejam planejando passar as férias de verão nos Estados Unidos devem ficar sabendo que, devido a um acordo entre a Comissão Européia e as autoridades federais, algumas informações de caráter pessoal serão entregues, sem seu consentimento, à polícia de imigração dos Estados Unidos, pela companhia aérea que tenham escolhido para viajar. Antes mesmo de entrarem no avião, as autoridades dos Estados Unidos já terão em seu poder o nome, o sobrenome, a idade, o endereço, os números do passaporte e do cartão de crédito, o estado de saúde, as preferências alimentares (que podem indicar sua religião), as viagens precedentes, o nome e idade das pessoas que os acompanham, o nome das organizações que financiaram algumas de suas viagens etc.(RAMONET, 2003)

Um banco de dados de grande porte irá armazenar as respostas e fazer os cruzamentos de informações, ou seja, um computador fará o papel de vidente, atribuindo a cada passageiro uma cor que identificará o seu grau de periculosidade:

Todas essas informações serão depositadas num dispositivo de filtragem batizado CAPPS (Computer Assisted Passenger Pre-Screening, Sistema Assistido por Computador para Controle Preventivo) para detectar eventuais suspeitos. Ao controlar a identidade de cada passageiro, e cruzando seus dados com as informações dos serviços de inteligência policiais, do Departamento de Estado, do Departamento de Justiça e da rede bancária, o CAPPS fará uma avaliação do grau de periculosidade da pessoa e lhe atribuirá um código colorido: verde para os inofensivos, amarelo para casos duvidosos e vermelho para os que serão impedidos de ter acesso ao avião e, detidos.

Sob o manto da segurança americana, são tolhidos quaisquer sinais de intimidade ou privacidade, conforme o artigo acima, de Ignacio Ramonet, informações pessoais como número de telefone, placa de carro, conta bancária...tudo isso pode constar nos bancos de dados.

Além disso, é evidente que tais medidas possuem cunho discriminatório, posto que, ao menor sinal de dúvida, já é atribuído a cor amarela a qualquer suspeito. A situação é mais drástica no caso de muçulmanos ou pessoas originárias do Oriente Médio, para elas, o sinal amarelo é OBRIGATORIAMENTE atribuído. (RAMONET, 2003)

Esta tentativa de reconhecer, prever e barrar o criminoso antes mesmo dele cometer qualquer ato não é novidade. Em suma, é o retorno das idéias de Cesare Lombroso, famoso psiquiatra italiano que, juntamente com a Escola Positiva de Direito Penal, inaugurou um novo paradigma na Criminologia quando concluiu através de pesquisas empíricas que o criminoso nato possui algumas características físicas comuns, como por exemplo, tendência à tatuagem, braços excessivamente longos, mão grandes etc.

Entretanto, tal tentativa de antecipar e prever a ação criminosa por intermédio de dados físicos acaba causando sérias discriminações. Baseados ainda em dados pessoais, mesmo invadindo a esfera íntima do homem, além da invasão da intimidade, as chances de erro nesta previsão também são grandes.

Sobre o autor
Eduardo Akira Azuma

mestrando em Teoria de Direito e do Estado pela Fundação Eurípedes de Marília - Univem, membro pesquisador do Núcleo de Estudos, de Pesquisas, de Integração e de Práticas Interativas (NEPI), filiado ao CNPq

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AZUMA, Eduardo Akira. A intimidade e a vida privada frente às novas tecnologias da informação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 554, 12 jan. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6168. Acesso em: 18 nov. 2024.

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