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O art. 61 da Lei dos Juizados Especiais Criminais estaduais (Lei nº 9.099/95) com o advento da Lei dos Juizados Especiais Criminais na Justiça Federal

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Agenda 17/01/2005 às 00:00

ANEXOS

ANEXO I

LEI Nº 9.099, DE 26 DE SETEMBRO DE 1995.

Capítulo III

Dos Juizados Especiais Criminais

Disposições Gerais

Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por Juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo.

Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a um ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial.

Art. 62. O processo perante o Juizado Especial orientar-se-á pelos critérios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade.

Seção I

Da Competência e dos Atos Processuais

Art. 63. A competência do Juizado será determinada pelo lugar em que foi praticada a infração penal.

Art. 64. Os atos processuais serão públicos e poderão realizar-se em horário noturno e em qualquer dia da semana, conforme dispuserem as normas de organização judiciária.

Art. 65. Os atos processuais serão válidos sempre que preencherem as finalidades para as quais foram realizados, atendidos os critérios indicados no art. 62 desta Lei.

§ 1º Não se pronunciará qualquer nulidade sem que tenha havido prejuízo.

§ 2º A prática de atos processuais em outras comarcas poderá ser solicitada por qualquer meio hábil de comunicação.

§ 3º Serão objeto de registro escrito exclusivamente os atos havidos por essenciais. Os atos realizados em audiência de instrução e julgamento poderão ser gravados em fita magnética ou equivalente.

Art. 66. A citação será pessoal e far-se-á no próprio Juizado, sempre que possível, ou por mandado.

Parágrafo único. Não encontrado o acusado para ser citado, o Juiz encaminhará as peças existentes ao Juízo comum para adoção do procedimento previsto em lei.

Art. 67. A intimação far-se-á por correspondência, com aviso de recebimento pessoal ou, tratando-se de pessoa jurídica ou firma individual, mediante entrega ao encarregado da recepção, que será obrigatoriamente identificado, ou, sendo necessário, por oficial de justiça, independentemente de mandado ou carta precatória, ou ainda por qualquer meio idôneo de comunicação.

Parágrafo único. Dos atos praticados em audiência considerar-se-ão desde logo cientes as partes, os interessados e defensores.

Art. 68. Do ato de intimação do autor do fato e do mandado de citação do acusado, constará a necessidade de seu comparecimento acompanhado de advogado, com a advertência de que, na sua falta, ser-lhe-á designado defensor público.

Seção II

Da Fase Preliminar

Art. 69. A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários.

Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao Juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança.

Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima. (Redação dada pela Lei nº 10.455, de 13.5.2002))

Art. 70. Comparecendo o autor do fato e a vítima, e não sendo possível a realização imediata da audiência preliminar, será designada data próxima, da qual ambos sairão cientes.

Art. 71. Na falta do comparecimento de qualquer dos envolvidos, a Secretaria providenciará sua intimação e, se for o caso, a do responsável civil, na forma dos arts. 67 e 68 desta Lei.

Art. 72. Na audiência preliminar, presente o representante do Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados, o Juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade.

Art. 73. A conciliação será conduzida pelo Juiz ou por conciliador sob sua orientação.

Parágrafo único. Os conciliadores são auxiliares da Justiça, recrutados, na forma da lei local, preferentemente entre bacharéis em Direito, excluídos os que exerçam funções na administração da Justiça Criminal.

Art. 74. A composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo Juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo civil competente.

Parágrafo único. Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação.

Art. 75. Não obtida a composição dos danos civis, será dada imediatamente ao ofendido a oportunidade de exercer o direito de representação verbal, que será reduzida a termo.

Parágrafo único. O não oferecimento da representação na audiência preliminar não implica decadência do direito, que poderá ser exercido no prazo previsto em lei.

Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.

§ 1º Nas hipóteses de ser a pena de multa a única aplicável, o Juiz poderá reduzi-la até a metade.

§ 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:

I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;

II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;

III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.

§ 3º Aceita a proposta pelo autor da infração e seu defensor, será submetida à apreciação do Juiz.

§ 4º Acolhendo a proposta do Ministério Público aceita pelo autor da infração, o Juiz aplicará a pena restritiva de direitos ou multa, que não importará em reincidência, sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos.

§ 5º Da sentença prevista no parágrafo anterior caberá a apelação referida no art. 82 desta Lei.

§ 6º A imposição da sanção de que trata o § 4º deste artigo não constará de certidão de antecedentes criminais, salvo para os fins previstos no mesmo dispositivo, e não terá efeitos civis, cabendo aos interessados propor ação cabível no juízo cível.

Seção III

Do Procedimento Sumaríssimo

Art. 77. Na ação penal de iniciativa pública, quando não houver aplicação de pena, pela ausência do autor do fato, ou pela não ocorrência da hipótese prevista no art. 76 desta Lei, o Ministério Público oferecerá ao Juiz, de imediato, denúncia oral, se não houver necessidade de diligências imprescindíveis.

§ 1º Para o oferecimento da denúncia, que será elaborada com base no termo de ocorrência referido no art. 69 desta Lei, com dispensa do inquérito policial, prescindir-se-á do exame do corpo de delito quando a materialidade do crime estiver aferida por boletim médico ou prova equivalente.

§ 2º Se a complexidade ou circunstâncias do caso não permitirem a formulação da denúncia, o Ministério Público poderá requerer ao Juiz o encaminhamento das peças existentes, na forma do parágrafo único do art. 66 desta Lei.

§ 3º Na ação penal de iniciativa do ofendido poderá ser oferecida queixa oral, cabendo ao Juiz verificar se a complexidade e as circunstâncias do caso determinam a adoção das providências previstas no parágrafo único do art. 66 desta Lei.

Art. 78. Oferecida a denúncia ou queixa, será reduzida a termo, entregando-se cópia ao acusado, que com ela ficará citado e imediatamente cientificado da designação de dia e hora para a audiência de instrução e julgamento, da qual também tomarão ciência o Ministério Público, o ofendido, o responsável civil e seus advogados.

§ 1º Se o acusado não estiver presente, será citado na forma dos arts. 66 e 68 desta Lei e cientificado da data da audiência de instrução e julgamento, devendo a ela trazer suas testemunhas ou apresentar requerimento para intimação, no mínimo cinco dias antes de sua realização.

§ 2º Não estando presentes o ofendido e o responsável civil, serão intimados nos termos do art. 67 desta Lei para comparecerem à audiência de instrução e julgamento.

§ 3º As testemunhas arroladas serão intimadas na forma prevista no art. 67 desta Lei.

Art. 79. No dia e hora designados para a audiência de instrução e julgamento, se na fase preliminar não tiver havido possibilidade de tentativa de conciliação e de oferecimento de proposta pelo Ministério Público, proceder-se-á nos termos dos arts. 72, 73, 74 e 75 desta Lei.

Art. 80. Nenhum ato será adiado, determinando o Juiz, quando imprescindível, a condução coercitiva de quem deva comparecer.

Art. 81. Aberta a audiência, será dada a palavra ao defensor para responder à acusação, após o que o Juiz receberá, ou não, a denúncia ou queixa; havendo recebimento, serão ouvidas a vítima e as testemunhas de acusação e defesa, interrogando-se a seguir o acusado, se presente, passando-se imediatamente aos debates orais e à prolação da sentença.

§ 1º Todas as provas serão produzidas na audiência de instrução e julgamento, podendo o Juiz limitar ou excluir as que considerar excessivas, impertinentes ou protelatórias.

§ 2º De todo o ocorrido na audiência será lavrado termo, assinado pelo Juiz e pelas partes, contendo breve resumo dos fatos relevantes ocorridos em audiência e a sentença.

§ 3º A sentença, dispensado o relatório, mencionará os elementos de convicção do Juiz.

Art. 82. Da decisão de rejeição da denúncia ou queixa e da sentença caberá apelação, que poderá ser julgada por turma composta de três Juízes em exercício no primeiro grau de jurisdição, reunidos na sede do Juizado.

§ 1º A apelação será interposta no prazo de dez dias, contados da ciência da sentença pelo Ministério Público, pelo réu e seu defensor, por petição escrita, da qual constarão as razões e o pedido do recorrente.

§ 2º O recorrido será intimado para oferecer resposta escrita no prazo de dez dias.

§ 3º As partes poderão requerer a transcrição da gravação da fita magnética a que alude o § 3º do art. 65 desta Lei.

§ 4º As partes serão intimadas da data da sessão de julgamento pela imprensa.

§ 5º Se a sentença for confirmada pelos próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão.

Art. 83. Caberão embargos de declaração quando, em sentença ou acórdão, houver obscuridade, contradição, omissão ou dúvida.

§ 1º Os embargos de declaração serão opostos por escrito ou oralmente, no prazo de cinco dias, contados da ciência da decisão.

§ 2º Quando opostos contra sentença, os embargos de declaração suspenderão o prazo para o recurso.

§ 3º Os erros materiais podem ser corrigidos de ofício.

Seção IV

Da Execução

Art. 84. Aplicada exclusivamente pena de multa, seu cumprimento far-se-á mediante pagamento na Secretaria do Juizado.

Parágrafo único. Efetuado o pagamento, o Juiz declarará extinta a punibilidade, determinando que a condenação não fique constando dos registros criminais, exceto para fins de requisição judicial.

Art. 85. Não efetuado o pagamento de multa, será feita a conversão em pena privativa da liberdade, ou restritiva de direitos, nos termos previstos em lei.

Art. 86. A execução das penas privativas de liberdade e restritivas de direitos, ou de multa cumulada com estas, será processada perante o órgão competente, nos termos da lei.

Seção V

Das Despesas Processuais

Art. 87. Nos casos de homologação do acordo civil e aplicação de pena restritiva de direitos ou multa (arts. 74 e 76, § 4º), as despesas processuais serão reduzidas, conforme dispuser lei estadual.

Seção VI

Disposições Finais

Art. 88. Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas.

Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).

§ 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições:

I - reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;

II - proibição de freqüentar determinados lugares;

III - proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz;

IV - comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.

§ 2º O Juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado.

§ 3º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano.

§ 4º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta.

§ 5º Expirado o prazo sem revogação, o Juiz declarará extinta a punibilidade.

§ 6º Não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo.

§ 7º Se o acusado não aceitar a proposta prevista neste artigo, o processo prosseguirá em seus ulteriores termos.

Art. 90. As disposições desta Lei não se aplicam aos processos penais cuja instrução já estiver iniciada.

Art. 90-A. As disposições desta Lei não se aplicam no âmbito da Justiça Militar. (Artigo incluído pela Lei nº 9.839, de 27.9.1999)

Art. 91. Nos casos em que esta Lei passa a exigir representação para a propositura da ação penal pública, o ofendido ou seu representante legal será intimado para oferecê-la no prazo de trinta dias, sob pena de decadência.

Art. 92. Aplicam-se subsidiariamente as disposições dos Códigos Penal e de Processo Penal, no que não forem incompatíveis com esta Lei.

Capítulo IV

Disposições Finais Comuns

Art. 93. Lei Estadual disporá sobre o Sistema de Juizados Especiais Cíveis e Criminais, sua organização, composição e competência.

Art. 94. Os serviços de cartório poderão ser prestados, e as audiências realizadas fora da sede da Comarca, em bairros ou cidades a ela pertencentes, ocupando instalações de prédios públicos, de acordo com audiências previamente anunciadas.

Art. 95. Os Estados, Distrito Federal e Territórios criarão e instalarão os Juizados Especiais no prazo de seis meses, a contar da vigência desta Lei.

Art. 96. Esta Lei entra em vigor no prazo de sessenta dias após a sua publicação.

Art. 97. Ficam revogadas a Lei nº 4.611, de 2 de abril de 1965 e a Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984.

Brasília, 26 de setembro de 1995; 174º da Independência e 107º da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

ANEXO II

LEI Nº 10.259, DE 12 DE JULHO DE 2001.
Publicada no D.O.U. de 13/07/2001


Dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal.

REGULAMENTO
 O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º São instituídos os Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Justiça Federal, aos quais se aplica, no que não conflitar com esta Lei, o disposto na Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.

Art. 2º Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo.

Parágrafo único. Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa.

Art. 3º Compete ao Juizado Especial Federal Cível processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos, bem como executar as suas sentenças.

§ 1º Não se incluem na competência do Juizado Especial Cível as causas:

I - referidas no art. 109, incisos II, III e XI, da Constituição Federal, as ações de mandado de segurança, de desapropriação, de divisão e demarcação, populares, execuções fiscais e por improbidade administrativa e as demandas sobre direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos;

II - sobre bens imóveis da União, autarquias e fundações públicas federais;

III - para a anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal;

IV - que tenham como objeto a impugnação da pena de demissão imposta a servidores públicos civis ou de sanções disciplinares aplicadas a militares.

§ 2º Quando a pretensão versar sobre obrigações vincendas, para fins de competência do Juizado Especial, a soma de doze parcelas não poderá exceder o valor referido no art. 3º, caput.

§ 3º No foro onde estiver instalada Vara do Juizado Especial, a sua competência é absoluta.

Art. 4º O Juiz poderá, de ofício ou a requerimento das partes, deferir medidas cautelares no curso do processo, para evitar dano de difícil reparação.

Art. 5º Exceto nos casos do art. 4º, somente será admitido recurso de sentença definitiva.

Art. 6º Podem ser partes no Juizado Especial Federal Cível:

I – como autores, as pessoas físicas e as microempresas e empresas de pequeno porte, assim definidas na Lei nº 9.317, de 5 de dezembro de 1996;

II – como rés, a União, autarquias, fundações e empresas públicas federais.

Art. 7º As citações e intimações da União serão feitas na forma prevista nos arts. 35 a 38 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993.

Parágrafo único. A citação das autarquias, fundações e empresas públicas será feita na pessoa do representante máximo da entidade, no local onde proposta a causa, quando ali instalado seu escritório ou representação; se não, na sede da entidade.

Art. 8º As partes serão intimadas da sentença, quando não proferida esta na audiência em que estiver presente seu representante, por ARMP (aviso de recebimento em mão própria).

§ 1º As demais intimações das partes serão feitas na pessoa dos advogados ou dos Procuradores que oficiem nos respectivos autos, pessoalmente ou por via postal.

§ 2º Os tribunais poderão organizar serviço de intimação das partes e de recepção de petições por meio eletrônico.

Art. 9º Não haverá prazo diferenciado para a prática de qualquer ato processual pelas pessoas jurídicas de direito público, inclusive a interposição de recursos, devendo a citação para audiência de conciliação ser efetuada com antecedência mínima de trinta dias.

Art. 10º As partes poderão designar, por escrito, representantes para a causa, advogado ou não.

Parágrafo único. Os representantes judiciais da União, autarquias, fundações e empresas públicas federais, bem como os indicados na forma do caput, ficam autorizados a conciliar, transigir ou desistir, nos processos da competência dos Juizados Especiais Federais.

Art. 11º A entidade pública ré deverá fornecer ao Juizado a documentação de que disponha para o esclarecimento da causa, apresentando-a até a instalação da audiência de conciliação.

Parágrafo único. Para a audiência de composição dos danos resultantes de ilícito criminal (arts. 71, 72 e 74 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995), o representante da entidade que comparecer terá poderes para acordar, desistir ou transigir, na forma do art. 10º.

Art. 12º. Para efetuar o exame técnico necessário à conciliação ou ao julgamento da causa, o Juiz nomeará pessoa habilitada, que apresentará o laudo até cinco dias antes da audiência, independentemente de intimação das partes.

§ 1º Os honorários do técnico serão antecipados à conta de verba orçamentária do respectivo Tribunal e, quando vencida na causa a entidade pública, seu valor será incluído na ordem de pagamento a ser feita em favor do Tribunal.

§ 2º Nas ações previdenciárias e relativas à assistência social, havendo designação de exame, serão as partes intimadas para, em dez dias, apresentar quesitos e indicar assistentes.

Art. 13º Nas causas de que trata esta Lei, não haverá reexame necessário.

Art. 14º Caberá pedido de uniformização de interpretação de lei federal quando houver divergência entre decisões sobre questões de direito material proferidas por Turmas Recursais na interpretação da lei.

§ 1º O pedido fundado em divergência entre Turmas da mesma Região será julgado em reunião conjunta das Turmas em conflito, sob a presidência do Juiz Coordenador.

§ 2º O pedido fundado em divergência entre decisões de turmas de diferentes regiões ou da proferida em contrariedade a súmula ou jurisprudência dominante do STJ será julgado por Turma de Uniformização, integrada por juízes de Turmas Recursais, sob a presidência do Coordenador da Justiça Federal.

§ 3º A reunião de juízes domiciliados em cidades diversas será feita pela via eletrônica.

§ 4º Quando a orientação acolhida pela Turma de Uniformização, em questões de direito material, contrariar súmula ou jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça -STJ, a parte interessada poderá provocar a manifestação deste, que dirimirá a divergência.

§ 5º No caso do § 4º, presente a plausibilidade do direito invocado e havendo fundado receio de dano de difícil reparação, poderá o relator conceder, de ofício ou a requerimento do interessado, medida liminar determinando a suspensão dos processos nos quais a controvérsia esteja estabelecida.

§ 6º Eventuais pedidos de uniformização idênticos, recebidos subseqüentemente em quaisquer Turmas Recursais, ficarão retidos nos autos, aguardando-se pronunciamento do Superior Tribunal de Justiça.

§ 7º Se necessário, o relator pedirá informações ao Presidente da Turma Recursal ou Coordenador da Turma de Uniformização e ouvirá o Ministério Público, no prazo de cinco dias. Eventuais interessados, ainda que não sejam partes no processo, poderão se manifestar, no prazo de trinta dias.

§ 8º Decorridos os prazos referidos no § 7º, o relator incluirá o pedido em pauta na Seção, com preferência sobre todos os demais feitos, ressalvados os processos com réus presos, os habeas corpus e os mandados de segurança.

§ 9º Publicado o acórdão respectivo, os pedidos retidos referidos no § 6º serão apreciados pelas Turmas Recursais, que poderão exercer juízo de retratação ou declará-los prejudicados, se veicularem tese não acolhida pelo Superior Tribunal de Justiça.

§ 10º Os Tribunais Regionais, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, no âmbito de suas competências, expedirão normas regulamentando a composição dos órgãos e os procedimentos a serem adotados para o processamento e o julgamento do pedido de uniformização e do recurso extraordinário.

Art. 15º O recurso extraordinário, para os efeitos desta Lei, será processado e julgado segundo o estabelecido nos §§ 4º a 9º do art. 14, além da observância das normas do Regimento.

Art. 16º O cumprimento do acordo ou da sentença, com trânsito em julgado, que imponham obrigação de fazer, não fazer ou entrega de coisa certa, será efetuado mediante ofício do Juiz à autoridade citada para a causa, com cópia da sentença ou do acordo.

Art. 17º Tratando-se de obrigação de pagar quantia certa, após o trânsito em julgado da decisão, o pagamento será efetuado no prazo de sessenta dias, contados da entrega da requisição, por ordem do Juiz, à autoridade citada para a causa, na agência mais próxima da Caixa Econômica Federal ou do Banco do Brasil, independentemente de precatório.

§ 1º Para os efeitos do § 3º do art. 100 da Constituição Federal, as obrigações ali definidas como de pequeno valor, a serem pagas independentemente de precatório, terão como limite o mesmo valor estabelecido nesta Lei para a competência do Juizado Especial Federal Cível (art. 3º, caput).

§ 2º Desatendida a requisição judicial, o Juiz determinará o seqüestro do numerário suficiente ao cumprimento da decisão.

§ 3º São vedados o fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução, de modo que o pagamento se faça, em parte, na forma estabelecida no § 1º deste artigo, e, em parte, mediante expedição do precatório, e a expedição de precatório complementar ou suplementar do valor pago.

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§ 4º Se o valor da execução ultrapassar o estabelecido no § 1º, o pagamento far-se-á, sempre, por meio do precatório, sendo facultado à parte exeqüente a renúncia ao crédito do valor excedente, para que possa optar pelo pagamento do saldo sem o precatório, da forma lá prevista.

Art. 18º Os Juizados Especiais serão instalados por decisão do Tribunal Regional Federal. O Juiz presidente do Juizado designará os conciliadores pelo período de dois anos, admitida a recondução. O exercício dessas funções será gratuito, assegurados os direitos e prerrogativas do jurado (art. 437 do Código de Processo Penal).

Parágrafo único. Serão instalados Juizados Especiais Adjuntos nas localidades cujo movimento forense não justifique a existência de Juizado Especial, cabendo ao Tribunal designar a Vara onde funcionará.

Art. 19º No prazo de seis meses, a contar da publicação desta Lei, deverão ser instalados os Juizados Especiais nas capitais dos Estados e no Distrito Federal.

Parágrafo único. Na capital dos Estados, no Distrito Federal e em outras cidades onde for necessário, neste último caso, por decisão do Tribunal Regional Federal, serão instalados Juizados com competência exclusiva para ações previdenciárias.

Art. 20º Onde não houver Vara Federal, a causa poderá ser proposta no Juizado Especial Federal mais próximo do foro definido no art. 4o da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, vedada a aplicação desta Lei no juízo estadual.

Art. 21º As Turmas Recursais serão instituídas por decisão do Tribunal Regional Federal, que definirá sua composição e área de competência, podendo abranger mais de uma seção.

§ 1º Não será permitida a recondução, salvo quando não houver outro juiz na sede da Turma Recursal ou na Região.

§ 2º A designação dos juízes das Turmas Recursais obedecerá aos critérios de antigüidade e merecimento.

Art. 22º Os Juizados Especiais serão coordenados por Juiz do respectivo Tribunal Regional, escolhido por seus pares, com mandato de dois anos.

Parágrafo único. O Juiz Federal, quando o exigirem as circunstâncias, poderá determinar o funcionamento do Juizado Especial em caráter itinerante, mediante autorização prévia do Tribunal Regional Federal, com antecedência de dez dias.

Art. 23º O Conselho da Justiça Federal poderá limitar, por até três anos, contados a partir da publicação desta Lei, a competência dos Juizados Especiais Cíveis, atendendo à necessidade da organização dos serviços judiciários ou administrativos.

Art. 24º O Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal e as Escolas de Magistratura dos Tribunais Regionais Federais criarão programas de informática necessários para subsidiar a instrução das causas submetidas aos Juizados e promoverão cursos de aperfeiçoamento destinados aos seus magistrados e servidores.

Art. 25º Não serão remetidas aos Juizados Especiais as demandas ajuizadas até a data de sua instalação.

Art. 26º Competirá aos Tribunais Regionais Federais prestar o suporte administrativo necessário ao funcionamento dos Juizados Especiais.

Art. 27º Esta Lei entra em vigor seis meses após a data de sua publicação.

Brasília, 12 de julho de 2001; 180º da Independência e 113º da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Paulo de Tarso Tamos Ribeiro
Roberto Brant
Gilmar Ferreira Mendes

ANEXO III

REPRESENTAÇÃO PELA INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI

LEI 10.259/01

O Procurador-Geral de Justiça, atendendo às manifestações dos membros do Ministério Público que atuam diretamente com a área criminal, não só os dos Juizados Especiais Criminais, mas também aqueles das Centrais de Inquérito e Juízos Criminais, representou ao Procurador-Geral da República oferecendo argumentos para a eventual argüição de inconstitucionalidade da Lei 10.259/01, que instituiu os Juizados Especiais Federais.

As ponderações do Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral de Justiça são trazidas ao conhecimento de todos os membros do Ministério Público para que delas tenham ciência, sem que tal represente qualquer interferência no posicionamento individual de cada Promotor de Justiça, que deverá atender ao seu próprio convencimento sobre a matéria, nos casos concretos trazidos à sua apreciação.

Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral da República

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, por seu Procurador-Geral de Justiça, no uso de suas atribuições legais, vem oferecer a Vossa Excelência, nos termos do artigo 103 e seu parágrafo 4º da Constituição Federal,

REPRESENTAÇÃO

em face da LEI FEDERAL N.º 10.259, de 12 de julho de 2001, pelas razões que se seguem:

A recente Lei 10.259/01, publicada em 12/07/01, visando implementar o comando normativo do parágrafo único do art. 98 da Carta Magna (derivado da EC 22/99), além de criar os Juizados Especiais Criminais Federais, trouxe também nova conceituação do que seja infração penal de menor potencial ofensivo, fazendo-o contudo para os fins daquela lei apenas.

Cumpre salientar que o novo conceito é significativamente diverso daquele encontrado na Lei 9.099/95. Com efeito, na Lei 9.099/95 são consideradas infrações penais de menor potencial ofensivo aquelas com pena máxima de até um ano, excluídas aquelas que seguem rito especial, enquanto que na novel Lei 10.259/01 são consideradas infrações penais de menor potencial ofensivo aquelas com pena máxima de até dois anos, sem exclusão das que seguem rito especial.

Este novo conceito do que seja infração penal de menor potencial ofensivo traz para dentro do Juizado Especial um vasto e importante rol de crimes que até então estavam fora do Juizado Especial.

Consoante este novo conceito passam --exemplificativamente-- para o Juizado Especial Criminal os crimes de abuso de autoridade, porte inautorizado de arma, exposição ou abandono de recém-nascido, falsa identidade, resistência, desobediência, desacato, atentado ao pudor mediante fraude, assédio sexual, desastre ferroviário culposo, usurpação de função pública, advocacia administrativa qualificada, condescendência criminosa, fraude processual, favorecimento real, favorecimento pessoal, evasão mediante violência contra a pessoa, todos os crimes contra a economia popular do art. 2° e art. 4° da Lei 1.521/51 etc - além de vários crimes do Código de Trânsito Brasileiro que foram adrede colocados fora do alcance do Juizado Especial por razões de política criminal (vide rol exemplificativo em anexo, doc. 01).

Embora passível de crítica, a questão no âmbito federal está bem clara, refletindo opção feita pelo legislador em seu espaço discricionário reservado pela Carta Magna.

O mesmo não ocorre, contudo, no âmbito estadual, onde sérias divergências vêm ocorrendo acerca da aplicação da Lei 10.259/01 -- em especial acerca da aplicação nos Juizados Especiais Criminais Estaduais do novo conceito de infração penal estabelecido pelo parágrafo único do art. 2° daquela lei para os Juizados Especiais Criminais Federais.

Realmente, inúmeras controvérsias têm sido suscitadas a partir da novel Lei 10.259/01, vigente desde julho e eficaz desde meado de janeiro corrente. Durante a vacatio, a doutrina a respeito, longe de chegar a um consenso, apresenta hoje um quadro díspare que bem reflete a insegurança a ser gerada pelas decisões igualmente díspares que começam a surgir com o início de eficácia da Lei 10.259/01.

De início, há quem sustente, como o ilustre professor Paulo Rangel (Manual de Processo Penal, 2ª edição, editora Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2001, p. ), que o parágrafo único do art. 2° da Lei 10.259/01 é inconstitucional por ter extrapolado os limites da EC 22/99, que só autorizara a criação de Juizados Especiais Federais, sem contudo autorizar qualquer regulação sobre as infrações de menor potencial ofensivo em si (ao contrário do que fizera o art. 98 caput, que autorizara a criação dos Juizados Especiais Estaduais e a regulação material e processual das infrações penais de menor potencial ofensivo).

Há também quem sustente a inconstitucionalidade do mesmo parágrafo único do art. 2° por quebra do princípio da isonomia, sem adotá-lo como norma mais benéfica revogadora do art. 61 da Lei 9.099/95 ao argumento de que sendo inconstitucional não pode ser revogadora da legislação anterior (Maria Cristina Faria Magalhães, artigo na Intranet do Ministério Público, em artigo publicado na intranet do Ministério Público conforme cópia em anexo).

Estas considerações dizem em primeiro lugar com os Juizados Especiais Criminais Federais, acoimando de inconstitucional todo o parágrafo único do art. 2° da Lei 10.259/01, com a conseqüência de fazer prevalecer nos Juizados Especiais Criminais Federais a norma do art. 61 da Lei 9.099/95, que restringe as infrações penais de menor potencial ofensivo àquelas com pena corporal máxima de um ano, excluídas as que seguem rito especial.

No que toca, porém, reflexamente, ao âmbito estadual, e sem, desde logo, acoimar de inconstitucional todo o parágrafo único do art. 2° da Lei 10.259/01, há forte doutrina sustentando que é inconstitucional apenas a restrição "para os efeitos desta lei" constante do mesmo dispositivo, combinada com aqueloutra "vedada a aplicação desta lei no juízo estadual", constante do art. 20.

Segundo este entendimento, o novo conceito de infração penal de menor potencial ofensivo é constitucional e revoga aquele anterior do art. 61 da Lei 9.099/95, passando a valer então como conceito único tanto no âmbito federal como no âmbito estadual.

Há, contudo, também quem entenda constitucional o art. 20 da Lei 10.259/01, uma vez que esta lei destinou-se a criar os Juizados Especiais Federais e, entre outras coisas, conceituar as infrações penais de menor potencial praticadas contra bens da União.

"A Lei nº 9.099/95, art. 61, atendendo o comando constitucional do art. 98, caput, considerou infrações penais de menor potencial ofensivo as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a um ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial.

Por outro lado, com a observância do art. 98, parágrafo único, da C.F., a Lei nº 10.259, de 12/07/2001, instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, e, nesse diploma, conceituou as infrações penais de menor potencial ofensivo, com diferentes critérios, isto é: os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa (art. 2º, parágrafo único).

Em face desse aparente paradoxo, não tardou para que surgissem os primeiros comentários acerca de eventual modificação do conceito de infração penal de menor potencial ofensivo, previsto no art. 61 da Lei nº 9.099/95 pelo disposto no art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 10.259/01. Sobre essa já é possível identificar pelo menos duas posições antagônicas e contraditórias, quais sejam:

a). a Lei nº 10.259/01 ampliou o conceito da infração penal de menor potencial ofensivo e essa nova definição deve se estender à Justiça Estadual, em respeito ao princípio da isonomia (Alberto Silva Franco, Cláudio Dell’Orto, Damásio E. de Jesus, Fernando Capez, Fernando Luiz Ximenez Rocha, Luiz Flávio Gomes, Márcio Thomaz Bastos, Vitor Eduardo Rios Gonçalves, dentre outros comentadores da nova lei cf. www.direitocriminal.com.br, 27/07/2001);

b). uma segunda orientação entende que a definição de infração penal de menor potencial ofensivo, prevista no art. 61 da Lei nº 9.099/95, continua em vigor no âmbito da Justiça Estadual.

Aquele primeiro entendimento pode, num primeiro momento, parecer sedutor e coerente, porque busca supostamente dar tratamento igualitário, nas Justiças Estadual e Federal, aos autores de infrações penais de menor potencial ofensivo. Contudo, sempre com o devido respeito, essa orientação não nos parece correta.

Como se disse, é importante ressaltar, desde logo, que a própria Constituição Federal distingue, claramente, para fins de instituição dos Juizados Especiais, as Justiças Estadual e Federal.

Nossa Carta Política, originariamente, nem sequer admitia a transação penal ou o procedimento sumaríssimo na Justiça Federal (art. 98, caput), tanto que foi necessária a edição da Emenda Constitucional nº 22, de 18 de março de 1999, dispondo expressamente sobre a criação dos juizados no âmbito da Justiça Federal (cf. parágrafo único do art. 98).

Em outras palavras, a Constituição Federal sempre considerou que os Juizados Especiais deveriam ser tratados nos âmbitos Estadual e Federal distintamente, com regras que atendessem as respectivas peculiaridades.

Além disso, o próprio legislador, preocupado com os reflexos da Lei nº 10.259/01, deixou claro que o conceito das infrações de menor potencial ofensivo, previsto no parágrafo único do art. 2º, aplicar-se-ia, tão-somente, no âmbito da Justiça Federal, ao utilizar a expressão "para os efeitos desta Lei" e, mais a frente, ao vedar expressamente a aplicação da nova lei à Justiça Estadual (cf. art. 20, parte final) e, como se sabe, a lei não contém termos ou expressões inúteis.

Muito embora seja possível vislumbrar, casuisticamente, alguma falta de coerência no tratamento dispensado aos acusados perante as Justiças Federal e Estadual, é certo que a missão normativa não foi confiada ao Poder Judiciário. É-lhe defeso, portanto, substituir-se ao legislador: cabe-lhe aplicar a lei como ela é e não como desejaria que fosse.

A ampliação do conceito de infração penal de menor potencial ofensivo é defensável apenas de lege ferenda e não em conflito com a regra editada pelo Poder Legislativo, à qual os demais Poderes da República devem obediência, em respeito ao princípio da harmonia e independência que informa o relacionamento entre eles"

MALULY, Jorge Assaf / DEMERCIAN, Pedro Henrique. A lei dos Juizados Especiais criminais no âmbito da Justiça Federal e o conceito de infração penal de menor potencial ofensivo:
www.direitocriminal.com.br

O tratamento diferenciado, aliás, não é novidade em nosso sistema. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o regime de cumprimento de pena mais benéfico estipulado para o crime de tortura pela Lei 9.455 só se aplicava a este crime e, portanto não deveria ser estendido aos demais crimes hediondos da Lei 8.072, pondo com isto fim a intensa campanha doutrinária em contrário.

Hoje, a tortura, quiçá o mais hediondo dos crimes, tem hoje pena igual a de um furto praticado à noite, pena esta menor que a de um roubo sem violência, sendo merecedor ainda de regime de cumprimento de pena mais benevolente que o regime dos demais crimes previstos na chamada Lei dos Crimes Hediondos, configurando então tratamento totalmente desproporcional e sem a mais mínima razoabilidade em relação aos demais crimes hediondos.

Ainda tratamento diferenciado por mera opção legal têm as condutas de autolesão, que em geral são atípicas salvo se praticadas por meio de ingestão de drogas proibidas, caso em que passa a ser típica (embora sob a bandeira da saúde pública).

Varia também o crime de quadrilha segundo o número mínimo de pessoas a compô-la e a lei que a define, havendo pelo menos três definições de quadrilha que coexistem: a do Código Penal (art. 288), a da Lei 6.368 (art. 14) e a da Lei 2.889/56 (art. 2°).

Menor variação de tratamento não têm os crimes contra a honra, estes com previsão no Decreto-Lei 2.848/40 (Código Penal), na Lei 5.250 (Lei de Imprensa), na Lei 7.170 (Lei de Segurança Nacional) e na Lei 4.117/62 (Código de Telecomunicações). Nem se diga que se a ofensa é maior pelo só de ser veiculada por meio de jornal impresso ou ainda maior pelo só fato de ser veiculada por meio de jornal televisivo. Uma ofensa a determinado professor do Rio de Janeiro que seja veiculada em pequeno jornal do Amapá provocará muito menos dano que uma ofensa irrogada em palestra no próprio Rio de Janeiro diante de uma centena de pessoas.

É certo que a Lei 10.259/01 faz com que crimes iguais tenham tratamentos diferenciados quando submetidos a julgamento nos Juizados Especiais Criminais federais ou nos Juizados Especiais Criminais estaduais. Não se trata, porém, de mera questão de competência. Existe aí uma significativa variação na titularidade do bem jurídico protegido, o que muita vez faz o crime variar não só de tratamento como até mesmo de lei que o institui.

Assim, por exemplo, crime contra a honra, contra a vida ou contra a integridade física do Presidente da República poderá ser capitulado pela Lei de Segurança Nacional, enquanto um crime da mesma natureza contra um Governador de estado sê-lo-á pelo Código Penal.

De igual sorte, pode-se dar que muitos crimes previstos no Código Penal como regra geral, quando praticados contra bens das Forças Armadas, passem a ser regulados pelo Código Penal Militar, tendo em vista a especial titularidade do bem jurídico atingido.

Nesta linha andou a Lei 10.259/01, dando tratamento diferenciado para determinados crimes quando cometidos contra bens da União, sendo atribuição e responsabilidade do legislador federal a valoração comparativa do tratamento à proteção dos bens federais e do tratamento aos bens estaduais, municipais ou particulares.

Se in casu decidiu o legislador dar tratamento mais ameno a determinados crimes quando cometidos em detrimento da União, trata-se de opção legislativa cujo juízo de conveniência e oportunidade reflete atendeu ao momento político e não pode ser alterada por juízos divergentes que cada um faça a respeito.

As divergências apontadas acerca da constitucionalidade do art. 20 e do parágrafo único do art. 2° não são puramente teóricas, mas sobretudo práticas, concretas e atuais, valendo ressaltar que, no legítimo exercício de sua independência funcional, alguns Promotores de Justiça de Investigação Penal estão remetendo aos Juizados Especiais Criminais estaduais inquéritos onde a capitulação é de crime com pena máxima entre um e dois anos, enquanto outros Promotores de Investigação Penal estão mantendo o inquérito consigo para eventual denúncia na Vara Criminal.

De sua parte, alguns Juízes de Varas Criminais começarão, em breve, a aceitar denúncias por crimes com pena máxima até dois anos ou declinar de sua competência para os Juizados Especiais, enquanto estes poderão concordar com isto ou suscitar conflito negativo. Se o Promotor do Juizado Especial tiver requerido designação de audiência especial, em caso de crime com pena máxima de dois anos, o Juiz é que poderá designar audiência ou declinar de sua competência para a Vara Criminal.

A divergência se acentua no tratamento discordante que o Tribunal de Justiça e Ministério Público Rio de Janeiro, nos últimos dias, já oficializaram a respeito do assunto.

Enquanto a Comissão Estadual dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Tribunal de Justiça fluminense definiu, em Enunciados resultantes de reunião dos Juízes de Direito, de 14 de dezembro último, que o parágrafo único do art. 2° da Lei 10.259/01 revoga o art. 61 da Lei 9.099/95, determinando que "a partir de agora as Delegacias policiais passem a efetuar a remessa dos termos circunstanciados relativos a todos os processos de delitos de pequeno potencial ofensivo (penas não superiores a dois anos) diretamente aos Juizados competentes" (doc. 02), o Ministério Público fluminense vem de firmar Resolução Conjunta, nº 8/2002, com a Secretaria de Segurança Pública e a Chefia da Polícia Civil Estado, no sentido de que estes mesmos procedimentos devem ser encaminhados diretamente às Promotorias de Investigação Penal, órgãos ministeriais diretamente ligados ao controle externo da atividade policial, que oficiam em inquéritos policiais e em peças de informação, cujas denúncias e requerimentos de arquivamentos são dirigidos às Varas Criminais singulares e não aos Juizados Especiais Criminais (doc. 03).

Verifica-se dos consideranda de tal Resolução Conjunta, por cópia ora anexa, a fundamentação para que não se entenda cabível, de pronto, ter por plenamente aplicáveis aos Juizados Especiais Criminais estaduais as referidas normas da nova Lei 10.259/01, ante as expressas ressalvas do parágrafo único de seu artigo 2º e, na mesma linha, da parte final de seu artigo 20, cuja declaração de constitucionalidade, em nosso entendimento, merece ser discutida.

Como se vê -- além da discussão sobre a constitucionalidade do próprio parágrafo único do art. 2° da Lei 10.259/01, como um todo, a afetar diretamente o funcionamento do Juizado Especial Criminal Federal -- no que toca aos Estados, a celeuma pode-se resumir na discussão da constitucionalidade ou não do art. 20 da Lei 10.259/01, pois se inconstitucional a parte final de tal dispositivo, aceitar-se-á que o conceito do parágrafo único do art. 2° deve ser estendido também aos Juizados Estaduais, enquanto que, se constitucional essa parte final do art. 20, prevalecerão ambos os conceitos - o do parágrafo único do art. 2° da Lei 10.259/01 e o do art. 61 da Lei 9.099/95, este para o âmbito estadual, aquele para o âmbito federal.

Constitucionais ou inconstitucionais, importante que fossem assim declarados, em um ou outro sentido, o mais rápido possível, de forma a evitar decisões contraditórias e insegurança jurídica que já se está a verificar no âmbito estadual, em face dos mencionados Enunciados e da Resolução Conjunta, e, de outro lado, das posturas individuais diferenciadas que cada Promotor de Justiça e cada Magistrado, com independência funcional, certamente adotarão a cada dia.

Como já há ato normativo concreto derivado do Poder Judiciário - os aludidos Enunciados (doc. 02) - que importa em incontornável conflito com a atitude ministerial expressa no ato conjunto desta Procuradoria-Geral com a Secretaria de Segurança Pública e a Chefia de Polícia Civil (doc. 03), e como o desdobramento ulterior será com certeza uma pletora de recursos e habeas-corpus primeiramente no Tribunal de Justiça e, logo em seguida, no Superior Tribunal de Justiça, com desdobramentos perante o Supremo Tribunal Federal, é de todo oportuno afastar, tão logo quanto possível, a incerteza que paira sobre os mencionados aspectos da Lei 10.259/01.

Com as considerações acima, há fundada pertinência em se sustentar que tanto o parágrafo único do art. 2° da Lei 10.259/01 como seu art. 20 são constitucionais, sendo então de bom alvitre ação declaratória de constitucionalidade para defendê-los de eventuais decisões incidentais em contrário.

Entretanto, a atribuição para uma tal iniciativa é de Vossa Excelência, que pode sustentar entendimento diverso. Neste caso então, seria de bom alvitre admitir-se a propositura de ação declaratória de inconstitucionalidade, para retirar a eficácia daqueles dispositivos o quanto antes, tudo de forma a contribuir para a segurança jurídica, a estabilidade das relações e o bom funcionamento da Justiça como um todo, evitando-se um tortuoso iter processual para milhares e milhares de casos individuais que concreta e pioneiramente enfrentem a questão, com entendimentos tão diversos entre si quanto possível.

Na oportunidade, seguem renovados protestos de estima e consideração.

JOSÉ MUIÑOS PIÑEIRO FILHO

Procurador-Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

ANEXO IV

PARECER GERALDO BRINDEIRO

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Processo PGR nº 1.00.000.000801/2002-90

INTERESSADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

ASSUNTO: REPRESENTAÇÃO NO SENTIDO DE SER DECLARADA A CONSTITUCIONALIDADE OU NÃO DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 2º E DO ART. 20 DA LEI FEDERAL Nº 10.259/01.

DESPACHO:

O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, pelo seu Procurador-Geral de Justiça, oferece a presente representação de inconstitucionalidade em face da Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001 que "dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal."

Argumenta o representante, em síntese, que o mencionado diploma legal trouxe nova conceituação do que seja infração penal de menor potencial ofensivo, fazendo-o contudo para os fins daquela lei apenas. O novo conceito de infração penal de menor potencial ofensivo é significativamente diverso daquele estatuído na Lei nº 9.099/95, na medida em que considera de menor potencial os delitos a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, e não mais somente a 1(um).

Aduz que, consoante este novo conceito, passam a ser de competência dos Juizados Especiais Criminais diversos crimes antes não previstos, como abuso de autoridade, porte não autorizado de arma de fogo, desobediência, falsa identidade dentre vários outros.

Sustenta que divergências doutrinárias vêm ocorrendo acerca da aplicação da Lei nº 10.259 – em especial do novo conceito de infração penal estabelecido no art. 2º - perante os Juizados Especiais Criminais Estaduais.

Pede, ao final, seja proposta ação direta perante o Supremo Tribunal Federal para que se declare a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade do parágrafo único, do art. 2º, e do art. 20 da Lei nº 10.259/01.

É o breve relatório.

Em que pese os sólidos argumentos trazidos pelo ilustre Procurador-Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, não vislumbro, data venia, a possibilidade de se argüir em sede de controle concentrado, a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade do parágrafo único, do art. 2º, e do art. 20 da Lei nº 10.259/01.

É que, apoiado em expressiva parte da doutrina, entendo que a questão se resume confronto intertemporal de leis, e não propriamente de confronto da lei nova (Lei nº 10.259/01) em face da Constituição, a ensejar controle de constitucionalidade.

Com efeito, me parece que a lei que institui os Juizados Especiais Federais, ao definir o que se entende por infração de menor potencial ofensivo em seu art. 2º, ampliou esse conceito, de modo a torná-lo aplicável igualmente aos Juizados Especiais Criminais Estaduais.

Não se pode admitir que o autor de delito de competência da Justiça Federal tenha tratamento privilegiado – vg seja admissível a transação penal – em detrimento de autor que pratica crime da competência da Justiça Estadual. Um bom exemplo é aquele trazido por LUIZ FLÁVIO GOMES:

"Não se pode admitir o disparate de um desacato contra policial federal ser infração de menor potencial ofensivo (com todas as medidas despenalizadoras respectivas) e a mesma conduta praticada contra um policial militar (ou civil) não o ser. Não existe diferença valorativa dos bens jurídicos envolvidos. O valor do bem e a intensidaade do ataque é a mesma. Fatos iguais, tratamento isonômico." (fls. 48)

Nos parece não haver dúvida de que o novo conceito de infração penal de menor potencial ofensivo tem aplicação imediata aos crimes de competência da Justiça Estadual, sob pena de ofensa aos princípios constitucionais da isonomia e da proporcionalidade. Esta parece ser a orientação da maior parte da doutrina especializada. DAMÁSIO E. DE JESUS entende que "o parágrafo único do art. 2º da Lei nº 10.259/2001 derrogou o art. 61 da Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei nº 9099/95). Em conseqüência, sejam da competência da Justiça Comum ou Federal, devem ser considerados delitos de menor potencial ofensivo aqueles a que a lei comine, no máximo, pena detentiva não superior a dois anos, ou multa".

Vale, ainda, destacar trabalhos doutrinários acerca do tema em debate:

"Juizados Especiais Criminais

MARIANA DE SOUZA LIMA LAUAND e ROBERTO PODVAL

A recente Lei nº 10.259, de 16 de julho de 2001, que dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, introduz drástica inovação ao conceito de infração de menor potencial ofensivo, estabelecido no art. 61 da Lei nº 9.099/95. Com efeito, nos Juizados Especiais Criminais Federais, são considerados de menor potencial ofensivo os delitos a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, e não mais somente a um. Ora, restringir a aplicação do novo artigo às infrações penais de competência da Justiça Federal Comum é inconcebível. Admitir tal situação levaria a absurdos jurídicos como, por exemplo, aplicar os benefícios da Lei nº 9.099/95 a indivíduo que desacatasse policial federal, e vedá-los quando o desacato fosse cometido contra policial militar. Isto porque, no primeiro caso, a competência para julgamento de eventual ação penal seria da Justiça Federal, por força do art. 109, IV, da Constituição Federal, e, no segundo, da Justiça Estadual. Como a infração penal prevista no art. 331 do Código Penal tem como pena máxima cominada a de 2 (dois) anos de detenção, somente seria a infração considerada de menor potencial ofensivo perante o juízo federal, o que é, obviamente, um contra-senso. A mesma situação verificar-se-ia com relação aos delitos de usurpação de função pública e resistência, capitulados nos artigos 328 e 329 do Código Penal, respectivamente. Ora, permitir que o autor de um delito de competência da Justiça Federal tenha tratamento privilegiado, em detrimento daquele que pratica crime que deverá ser apreciado pelo juízo estadual, é grave afronta ao princípio da isonomia, insculpido no caput do art. 5º da Constituição Federal. O mesmo entendimento, aliás, é desposado pelo jurista Jefferson Ninno, em comentários tecidos sobre o artigo em exame: "É evidente que esta maior abrangência terá forçosamente de repercutir em relação ao art. 61 da Lei nº 9.099/95. Não haveria razão lógica alguma que considerasse cabível essa quantidade máxima, no que tange à Justiça Federal e que a reduzisse pela metade, no que se refere a Justiça estadual. Tal posicionamento lesaria, sem dúvida, o princípio constitucional da igualdade (...) A igualdade constitucionalmente garantida é a que proíbe ‘as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável, segundo os critérios do valor objetivo constitucionalmente relevantes. Proíbe a discriminação, ou seja, as diferenciações fundadas em categorias meramente subjetivas’ (J.J. Gomes Canotilho, ‘Direito Constitucional’, p. 577, 1991)" (NINNO, Jefferson, "Comentários ao Código Brasileiro de Trânsito"). Com efeito, a garantia de tratamento igual para os iguais e desigual para os desiguais é um dos pilares do moderno Estado Democrático de Direito. Sempre que, para situações fáticas idênticas, sejam adotadas soluções claramente discriminatórias, violado está o princípio da isonomia, bem como a própria ordem constitucional vigente. Neste sentido, a igualdade assegurada pela Constituição Federal "identifica-se com uma ''proibição de arbítrio'', quer dizer, com uma ''proibição de medidas manifestamente desproporcionais ou inadequadas, por um lado, à ordem constitucional dos valores e, por outro, à situação fática que se pretende regulamentar ou ao problema que se deseja decidir''" (CARVALHO, Américo A. Taipa de. "Sucessão de Leis Penais". Coimbra: Coimbra Editora, 1990, p. 198).A não ser que haja um critério objetivo de discrímen, ou seja, uma razão muito valiosa e em consonância com o texto constitucional para desequiparar duas classes de indivíduos, e que este fator diferencial guarde pertinência lógica com a inclusão ou exclusão no benefício concedido, fato é que restará lesionado o princípio fundamental da igualdade. É o que nos ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, ao comentar os critérios para a identificação do desrespeito à isonomia: "É inadmissível, perante a isonomia, discriminar pessoas, ou situações ou coisas (o que resulta, em última instância, na discriminação de pessoas) mediante traço diferencial que não seja nelas mesmas residentes. Por isso, são incabíveis regimes diferentes determinados em vista de fator alheio a elas; quer-se dizer: que não seja extraído delas mesmas. Em outras palavras: um fator neutro em relação às situações, coisas ou pessoas diferenciadas é inidôneo para distingui-las. Então, não pode ser deferido aos magistrados ou aos advogados ou aos médicos que habitem em determinada região do País - só por isto - um tratamento mais favorável ou mais desfavorável juridicamente. Em suma, discriminação alguma pode ser feita entre eles, simplesmente em razão da área espacial em que estejam sediados" (in "O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade". São Paulo: Malheiros, 1994, pp. 29/30). Ora, evidente que o critério adotado pelo legislador da Lei nº 10.259/01 para diminuição da pena máxima das infrações de menor potencial ofensivo de competência da Justiça Federal nada tem de razoável. Nenhuma diferença de cunho objetivo existe entre a conduta de um indivíduo que desacata um policial civil e a de alguém que pratica o ato contra um policial federal, sendo certo que a simples existência de regra de competência não é apta a justificar um tratamento jurídico mais favorável àquele último.As atribuições da Justiça Federal estão traçadas no art. 109 da Carta Magna, sendo que, em linhas gerais, serão de sua competência todas as causas em que a União, suas entidades autárquicas ou empresas públicas possuam algum interesse. Nem sequer faz a mesma parte da chamada "justiça especial", seguindo em seus procedimentos os ditames dos Códigos Penal e de Processo Penal, nos exatos moldes da Justiça Estadual. Deste modo, temos que os delitos apreciados por ambas as justiças tutelam o mesmo bem jurídico, divergindo a competência para o julgamento tão somente em virtude de um aspecto específico da causa petendi. E em se tratando de normas penais que protegem exatamente o mesmo bem jurídico, dúvidas não há de que merecem tratamento jurídico idêntico. Senão, vejamos. É sabido que não se concebe a existência de uma conduta típica que não afete um determinado bem juridicamente tutelado, elemento que desempenha papel fundamental na teoria do tipo penal. Não se pode jamais prescindir de sua análise, sob pena de se construir um direito penal arbitrário e baseado no capricho do legislador.Sobre o tema, bem assevera Eugenio Raul Zaffaroni, ao discutir as funções do estudo do bem jurídico penalmente tutelado no Estado Democrático de Direito: "El bien jurídico cumple dos funciones, que son dos razones fundamentales por las que no podemos prescindir del mismo: a) una función garantizadora, que surge del art. 19, CN y que impide que haya tipos sin bienes jurídicos afectados; b) una función teleológico-sistemática, que da sentido a la prohibición manifestada en el tipo y la limita. Ambas funciones son necesarias para que el derecho penal se mantenga dentro de los límites de la racionalidad de los actos de gobierno, impuestos por el principio republicano (art. 1.º Constitución Nacional)" ("Manual de Derecho Penal - Parte General". Buenos Aires: Ediar, 1991, p. 393).Conclui-se, portanto, que não há crime sem lesão a um bem juridicamente tutelado. Do mesmo modo, duas ofensas a um mesmo bem somente podem merecer tratamento jurídico-penal diferenciado de acordo com a maior ou menor intensidade da ofensa, ou com a maior ou menor culpabilidade do agente. Caso contrário, é inadmissível que duas violações, de igual intensidade, a um mesmo bem jurídico, perpetradas por agentes distintos, porém em idênticas condições, possam ser tratadas de maneira distinta pelo legislador. E é justamente isto o que acontece quando o legislador pátrio altera o conceito de infração de menor potencial ofensivo no âmbito da Justiça Federal. Ao fazê-lo, estabelece uma distinção materialmente infundada entre situações iguais, isto é, entre delitos com pena idêntica e que tutelam o mesmo bem jurídico, tendo como única diferença o juízo no qual serão deduzidas as pretensões punitivas, devido a um particular interesse da União na causa.Por todo o exposto, forçoso é concluir que a única solução possível para este impasse, compatível com as garantias fundamentais previstas no texto constitucional, é considerar que o parágrafo único do art. 2º da Lei nº 10.259/01 derrogou o art. 61 da Lei nº 9.099/95 no que tange à definição das infrações de menor potencial ofensivo. Deste modo, passarão a tramitar no Juizado Especial Criminal todas as infrações a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, sejam de competência do juízo federal, sejam de competência do juízo estadual.Com efeito, como as Leis nº 10.259/01 e nº 9.099/95 são ambas federais, e portanto de igual hierarquia, e não pode ser considerada a primeira uma lei especial, sob pena de violação do princípio da isonomia, derrogado está o art. 61 da Lei nº 9.099/95 pelo parágrafo único do art. 2º da Lei nº 10.259/01, uma vez que, consoante disposição do art. 2º, § 1º, do Código Civil, a lei posterior derroga a anterior (lex posterior derrogat priori). Doravante aplica-se a Lei nº 9.099/95 aos "...crimes a que lei comine pena máxima não superior a dois anos ou multa", nos termos do parágrafo único do art. 2º da Lei nº 10.259/01. In Boletim do IBCCrim nº 107, outubro de 2001.

"Nova Competência dos Juizados Criminais e Seus Reflexos Práticos" Luiz Flávio Gomes

No dia 13 de janeiro de 2002, entra em vigor a Lei nº 10.259/01, que instituiu os Juizados Especiais no âmbito da Justiça Federal. O novo conceito de infração de menor potencial ofensivo ("crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa" - art. 2º, parágrafo único do citado diploma legal), em razão do princípio constitucional da igualdade (ou do tratamento isonômico), vale também para os Juizados Especiais Estaduais (cf. no site ibccrim.com.br - opiniões sobre temas polêmicos - inúmeros artigos nesse sentido).

Sobre essa interpretação ampliativa (da competência dos Juizados Criminais Estaduais) está havendo (praticamente) consenso nacional. O novo método do Direito (inclusive o penal), que é o da ponderação (decorrente da aplicação do princípio da proporcionalidade), está sepultando o falecido método formalista e legalista obtuso.

Preocupados com os reflexos práticos de tudo isso, o Tribunal de Justiça, Escola da Magistratura e Conselho dos Juizados do Rio de Janeiro, numa feliz, prudente e sábia iniciativa, reuniu mais de uma centena de juízes no último dia 30.11.01, exatamente para discutir tanto os aspectos jurídicos controvertidos da Lei nº 10.259/01 como sua operacionalidade. Ao lado do desembargador Álvaro Mayrink da Costa tive a honra de participar dos trabalhos e oferecer algumas idéias para o debate.

Em nossa opinião (e desde logo admitindo-se a derrogação do art. 61 da Lei nº 9.099/95) são infrações de menor potencial ofensivo doravante: (a) todas as contravenções penais; (b) todos os delitos punidos com pena de prisão até dois anos; (c) todas as infrações punidas somente com multa.
Caiu a restrição que se fazia em relação aos procedimentos especiais no art. 61 citado. Logo, já não importa se o crime (punido até dois anos) tem ou não tem procedimento especial: todos, até esse limite, são de menor potencial ofensivo.

E qual seria a mais razoável interpretação da locução "crime punido até dois anos, ou multa"? Não pode haver a exegese mais literal no sentido de que a cominação da pena faça referência concomitantemente à "prisão até dois, ou multa". Conseqüentemente, salvo melhor juízo, o mais razoável é interpretá-la da seguinte forma: (a) todos os delitos punidos com prisão até dois anos são de menor potencial ofensivo; (b) do mesmo modo, todas as infrações penais punidas tão-somente com multa também o são. Houve impropriedade técnica da Lei nº 10.259/01 ao mencionar "crimes punidos somente com multa". Isso não existe (ou, no nosso ordenamento jurídico, não pode existir). Por força do art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal, infração punida tão-somente com multa é contravenção penal (não delito).

Indaga-se: os incontáveis crimes punidos com pena de prisão "superior a dois anos, ou multa" (cf. v.g., arts. 6º e 7º da Lei nº 8.137/90) seriam também de menor potencial ofensivo? Sempre respeitando posicionamentos contrários, penso que não. É que para os efeitos de se saber o que se entende por infração de menor potencial ofensivo o critério legislativo sempre foi o da pena máxima cominada (antes um ano; agora dois anos), não o da pena mínima (que vale, como sabemos, para a suspensão condicional do processo).

Recorde-se que para se descobrir a pena máxima de um delito devemos, quando o caso, levar em conta as causas de aumento de pena (trabalhando com o limite máximo) assim como as causas de diminuição (dando aplicação ao redutor mínimo: por exemplo, um terço na tentativa).
A Lei nº 10.259/01, ampliando o conceito de infração penal de menor potencial ofensivo e, nesse ponto, sendo mais benéfica, é retroativa. Aplica-se a todas as infrações ocorridas antes da sua vigência. Incide também em favor daqueles que obtiveram suspensão condicional do processo, se concretamente for mais benéfica.

Os crimes mais comuns que passam para a competência dos Juizados Criminais são: porte de droga para uso próprio (art. 16 da Lei de Tóxicos), porte ilegal de arma de fogo (de uso permitido) (art. 10 da Lei nº 9.437/97), lesão corporal no trânsito (art. 303 do CTB), desacato etc.
Doravante, em todas essas infrações, não há que se falar em inquérito policial, senão em termo circunstanciado. De outro lado, ainda que o autor do fato seja capturado em flagrante cometendo a infração, não se lavra o auto de prisão respectivo, continuando o capturado, após a lavratura do termo, em liberdade (independentemente de fiança ou qualquer outra restrição), salvo se ele se recusa a comparecer em Juízo. O juiz do plano marca a audiência de conciliação. É possível tanto a composição civil (art. 74 da Lei nº 9.099/95) como a transação penal. No caso de lesão corporal incide a exigência de representação da vítima (art. 89). Particularmente, no que concerne à posse de droga para uso próprio (art. 16 da Lei de Tóxicos), é muito correta a não incidência da pena de prisão. Serão aplicadas, doravante, exclusivamente, penas alternativas (desde que o autor do fato preencha todos os requisitos legais).

Duas tendências possíveis nesse setor: (a) Justiça terapêutica (de cunho norte-americano), que propugna pela tolerância zero e abstinência total, aplicando-se (quase que compulsoriamente) a sanção de tratamento ambulatorial; (b) política de redução de dados (posição européia), que distingue claramente o usuário ocasional, o usuário dependente, o traficante, sendo que o primeiro não necessita de nenhum tratamento enquanto o segundo somente fará tratamento se houver consenso. Temos nos posicionado em favor da segunda corrente que, para além de respeitar a dignidade humana e o direito de ser diferente, é muito mais sensata e razoável. Por razões de espaço, temas palpitantes como aplicação do novo conceito de infrações de menor potencial ofensivo no âmbito da Justiça Militar, conseqüências do descumprimento da transação penal, recusa da proposta da transação penal, proposta de transação penal privada, exceção da verdade nos crimes contra a honra, "confisco" da arma de fogo no momento da transação penal, pena de demissão nos crimes de abuso de autoridade etc. não podem ser aqui tratados. Remeto, por conseguinte, o estimado leitor para nossos cursos pela Internet (www.estudoscriminais.com.br) onde procuramos desenvolver com detalhes todas as matérias polêmicas envolvendo a Justiça Criminal consensuada em nosso País, particularmente a questão da nova e ampliada competência." In Informativo IBCCrim - nº 110, Janeiro/2002

Portanto, o novo conceito de infração penal de menor potencial ofensivo é constitucional e revoga aquele anterior do art. 61 da Lei nº 9.099/95, passando a valer como conceito único tanto no âmbito federal como no âmbito estadual. Assim, a Lei nº 10.259/2001 é a lex mitior que passa a considerar infração penal de menor potencial ofensivo, em todo o sistema vigente, os crimes punidos com pena máxima igual ou inferior a dois anos. É uma opção do legislador federal, que editou ambos os atos normativos, constituindo medida de política despenalizadora.

Também não se poderia sustentar a inaplicabilidade da Lei n˚ 10.259/01 – neste ponto – no âmbito dos juizados especiais estaduais, sob o argumento de que cada lei deve reger, de forma exclusiva, o juizado para qual foi destinada. Como se sabe, institutos trazidos pela Lei 9.099/95 – como a suspensão condicional do processo por exemplo – já são aplicados há muito tempo no âmbito da justiça federal, eleitoral e até mesmo o âmbito das ações penais originárias no STJ e no STF. Como se vê é possível a coexistência de ambos os diplomas legais, devendo ter aplicação em qualquer juizado especial, quer federal, quer estadual, princípios e institutos que de algum modo favoreçam ao réu em harmonia com o disposto o art. 5º, XL, da Constituição Federal.

Por outro lado, nos parece que a parte final do art. 20 tem aplicação restrita à interpretação do próprio artigo legal, na medida em que externa a vontade do legislador em que sejam propostas ações no Juizado Especial Federal mais próximo, sempre que não existirem Varas Federais no município do requerente.

Por último, cabe evidenciar que não é cabível o ajuizamento de ação declaratória de constitucionalidade, pois, a representação não está instruída com peças que comprovem a existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação dos dispositivos ora impugnados, requisito esse essencial ao conhecimento da ação (Lei nº 9.868/99, art. 14, III).

Ante o exposto, determino o arquivamento da presente representação.

Oficie-se o eminente Procurador-Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro para conhecimento desta decisão.

Brasília, 18 de fevereiro de 2002.

GERALDO BRINDEIRO

PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

ANEXO V

Recurso em Sentido Estrito interposto pelo Ministério Público

Recorrente: Ministério Público

Recorrido: RONALDO LUIZ PINTO

Comarca de São Paulo/Pinheiros – 2ª V.Cr. - Proc. nº 01/021932

Egrégio Tribunal de Alçada Criminal

Colenda Câmara

1. Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público contra a r. decisão de fls. 37/39 que rejeitou a denúncia oferecida contra o recorrido, por incurso no art. 10, da Lei 9.437/99.

2. Recurso tempestivo. Razões as fls. 43/52. Sem contra-razões. Despacho de sustentação a fls. 54/56.

O Apelado foi denunciado pela prática do crime de porte ilegal de arma porque, nas circunstâncias descritas na exordial acusatória, trazia consigo, sem autorização legal, o revólver ali identificado. Entendendo tratar-se de infração penal de menor potencial ofensivo, a teor do disposto no par. único do art. 2º da Lei 10.259/01, e, portanto, prematura a denúncia porque não precedida da fase preliminar de que cuida a Lei 9.099/95, o MM. Juiz a quo rejeitou-a com fundamento no art. 43, inciso III, do Código de Processo Penal.

Dessa decisão é que recorre o Dr. Promotor de Justiça pleiteando a sua reforma para ser recebida a inicial, ao argumento de que a infração em tela não se inclui entre as de menor potencial ofensivo em vista de ser apenada com detenção e multa, extrapolando, assim, o parâmetro estabelecido no par. único do art. 2º da Lei 10.259/01. O denunciado não foi intimado para apresentar contra-razões, entendendo o MM. Juiz a quo que nessa fase do processo não cabe sua manifestação.

3. O apelo merece acolhida.

Discute-se a aplicação da Lei 10.259, de 12 de julho de 2001 no âmbito dos Juizados Especiais Criminais Estaduais, especialmente o disposto no § 2º do art. 2º que ampliou o conceito de infração penal de menor potencial ofensivo fixado no art. 61, da Lei 9.099/95.

Em breve digressão, a Constituição Federal de 1988 dispôs em seu art. 98, que a União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão juizados especiais, no que interessa aqui, para o julgamento e a execução de infrações penais de menor potencial ofensivo mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau. O legislador constituinte não conceituou "infrações penais de menor potencial ofensivo", o que foi feito pelo artigo 61, da Lei Federal nº 9.099/95, que criou os Juizados Especiais em cumprimento à determinação constitucional.

Posteriormente, pela Emenda Constitucional n. 22, de 18 de março de 1999, foi acrescentado parágrafo único ao artigo 98 da CF, estabelecendo que lei federal disporá sobre a criação de juizados especiais no âmbito da Justiça Federal. Para cumprir o mandamento constitucional foi editada a Lei 10.259, de 12 de julho de 2001, que entrou em vigência seis meses após a sua publicação.

Com a nova Lei instalou-se dúvida sobre o seu alcance, mormente quanto ao conceito de infração de menor potencial ofensivo, matéria prima dos Juizados Especiais Criminais, isso quando já se pacificavam entendimentos a respeito da Lei 9.099/95.

Penso que a Lei 10.259/01 tem aplicação exclusiva ao Juizado Especial Federal, não alcançando os Estaduais e, por isso, não modificou o conceito de crime de menor potencial ofensivo no âmbito destes últimos, permanecendo íntegro o artigo 61 da Lei 9.099/95. E assim o faço por vários motivos, a seguir esmiuçados.

Inconstitucionalidade da Lei 10.259/01 – Conforme demonstra o eminente Professor e Promotor de Justiça do Rio de Janeiro Paulo Sérgio do Nascimento Rangel no seu livro "Direito Processual Penal", RJ, ed. Lumens Juri, 2001, em atualização a ser editada, dois pontos evidenciam a inconstitucionalidade da referida Lei, impedindo, assim, a sua aplicação no âmbito dos Juizados Especiais Estaduais.

Primeiro, o legislador ordinário foi além do permitido pela Emenda Constitucional. Ao estabelecer que lei federal disporá sobre a criação do juizado no âmbito da Justiça Federal, o parágrafo único do artigo 98 limitou a atuação do legislador ordinário à simples criação do juizado. Assim, qualquer acréscimo a essa autorização esbarra na limitação do dispositivo constitucional. Como o parágrafo não pode ser interpretado isoladamente, dissociado da cabeça, o mencionado dispositivo deve ser lido assim: "observado o disposto no caput, lei federal disporá sobre a criação do juizado especial". Isto porque as regras do juizado, inclusive o conceito de infração de menor potencial ofensivo, já estavam estabelecidos na Lei editada em cumprimento ao comando do art. 98, caput (Lei 9.099/95).

Sintomática a exposição de motivos do projeto de emenda constitucional que culminou com a EC nº 22/99 "A criação dos juizados especiais há de ter peculiar significado também no âmbito criminal, permitindo que a Justiça Federal institua os juizados especiais criminais para os crimes de menor potencial ofensivo, já que muitos dos crimes de competência da Justiça Federal têm pena máxima não superior a um ano (limite utilizado pelo legislador ordinário para conferir a competência dos juizados especiais criminais), como se pode comprovar em rápido levantamento." - grifei

Segundo, embora não se negue ao legislador o poder de modificar as leis, deve ele obedecer às regras estabelecidas na Lei Complementar Federal nº 95/98, alterada pela Lei Complementar nº 107/01, que traça os lineamentos para a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis e, prevê, no seu art. 9º, que a cláusula de revogação deverá enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revogadas. Ora, a Lei em comento não contém cláusula de revogação; logo, por ofender norma complementar à Constituição, como ensina o citado Professor no trabalho ainda não publicado, calcado na doutrina de renomados constitucionalistas, ofende a própria Constituição.

Diz-se que o apontado vício não tem a força que se pretende. Se assim é, ao menos permite interpretação de que, se o legislador tivesse a intenção de modificar o art. 61 da Lei 9.099/95, deveria tê-lo feito expressamente, como determina a Lei Comp. nº 95/98 em seu art. 12. Não o tendo feito, de se entender que, efetivamente, não teve a vontade direcionada para a alteração do conceito de infração de menor potencial ofensivo para os Juizados Estaduais, senão, apenas de firmá-lo com maior amplitude para os Juizados Federais.

Da especialidade da Lei 10.259/01 – Se for entendido, de modo diverso, que a nova Lei não ofende a Constituição, ou, ainda que o faça, não tem essa ofensa o alcance referido, e já adentrando no confronto entre os dois conceitos de infração de menor potencial ofensivo, é de se concluir que a Lei 10.259/01 foi editada com o fim específico de criar o Juizado Especial no âmbito da Justiça Federal, tendo aplicação apenas naquela esfera, sem interferir na Lei 9.099/95. Tanto isso é certo que já no artigo 1º determina a Lei que aos Juizados Cíveis e Criminais da Justiça Federal aplica-se, no que não conflitar com a presente Lei, o disposto na Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995. Vale dizer, o Juizado Federal obedece às disposições desta última Lei, salvo naquilo que não estiver em conflito com a própria Lei 10.259/01 que, observando as peculiaridades da Justiça Federal, fez pequenas modificações no regramento da Lei 9.099/95.

E o parágrafo segundo da Lei 10.259/01 fixando a competência do Juizado Especial Criminal Federal, em lugar de manter o conceito de infração penal de menor potencial ofensivo estabelecido no art. 61, da Lei 9.099/905, deu nova conceituação para alcançar os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa. Fê-lo, entretanto, com a ressalva de que esse conceito se considera "para os efeitos desta Lei". Vale dizer, da Lei nº 10.259/01.

Esta a conclusão a que chegaram os dignos Promotores de Justiça de São Paulo Jorge Assaf Maluly e Pedro Henrique Demercian, em artigo divulgado no site do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça Criminais do Ministério Público de São Paulo, com o acréscimo de que "a própria Constituição Federal distingue, claramente, para fins de instituição dos Juizados Especiais, as Justiças Estadual e Federal".

No mesmo sentido a lição de Maria Cristina Faria Magalhães, Promotora de Justiça do Rio de Janeiro, em artigo extraído do mesmo site:

"O parágrafo único do art. 2º da Lei 10.259/2001 ao definir os crimes de menor potencial ofensivo o fez exclusivamente para os efeitos desta lei, e assim o diz expressamente. Em nenhum momento, a lei previu a aplicação desta definição fora do âmbito dos Juizados Especiais Criminais Federais."

"Não se presumem, na lei, palavras inúteis, já dizia o brocardo Verba cum effectu sunt accipienda. Sutherland, citado por Carlos Maximiliano, já sustentava que "As expressões de Direito interpretam-se de modo que não resultem frases sem significação real, vocábulos supérfluos, ociosos, inúteis". Portanto, não podemos deixar de atribuir sentido à restrição prevista pelo dispositivo supra citado ao se referir que a definição de crimes de menor potencial ofensivo ali regulada é somente para os efeitos desta lei."

A Egrégia Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, chamada a se manifestar nos termos do art. 28, do CPP, em processo referente a porte ilegal de arma (Pt. Protocolado nº 17.471/02 - Artigo 28 do CPP Processo nº 450-6/01 - 3ª Vara Criminal do Foro Regional de Santana), por decisão publicada no Diário Oficial do Estado de 12.03.2002, também entendeu que a Lei 10.259/01 não tem aplicação no Juizado Especial Criminal Estadual. Do despacho, destaco o seguinte trecho:

"A própria Constituição Federal distingue, claramente, para fins de instituição dos Juizados Especiais, as Justiças Estadual e Federal. Nossa Carta Política, originariamente, nem sequer admitia a transação penal ou o procedimento sumaríssimo na Justiça Federal (art. 98, caput), tanto que foi necessária a edição da Emenda Constitucional nº 22, de 18 de março de 1999, dispondo expressamente sobre a criação dos juizados no âmbito da Justiça Federal (cf. parágrafo único do art. 98). Em outras palavras, a Constituição Federal sempre considerou que os Juizados Especiais deveriam ser tratados nos âmbitos Estadual e Federal distintamente, com regras que atendessem as respectivas peculiaridades. Além disso, o próprio legislador, preocupado com os reflexos da Lei nº 10.259/01, deixou claro que o conceito das infrações de menor potencial ofensivo, previsto no parágrafo único do art. 2º, aplicar-se-ia, tão-somente, no âmbito da Justiça Federal, ao utilizar a expressão "para os efeitos desta Lei" e, mais a frente, ao vedar expressamente a aplicação da nova lei à Justiça Estadual (cf. art. 20, parte final) e, como se sabe, a lei não contém termos ou expressões inúteis.

A ampliação do conceito de infração penal de menor potencial ofensivo é defensável apenas de lege ferenda e não em conflito com a regra editada pelo Poder Legislativo. Essa escolha é política, e não jurídica, dependendo muito mais da vontade do governo do que de um pronunciamento do Poder Judiciário, que não pode atuar como legislador positivo, encontrando-se, assim, impossibilidade de estender benefícios a quem acredita ter sido inconstitucionalmente excluído, sob pena de grave ofensa ao postulado constitucional da separação dos Poderes. Com efeito, a orientação que admite a extensão para a esfera da Justiça Estadual do conceito de infração penal de menor potencial ofensivo, fixado no art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 10.259/01, - originalmente estabelecido, tão-somente, para o âmbito da Justiça Federal, modifica o sistema da lei pela alteração do seu sentido e faz com que o intérprete se substitua ao legislador - papel que este se recusa a assumir o Supremo Tribunal Federal, por fidelidade à imagem de mero "legislador negativo", criada por KELSEN (cf. La garanzia giurisdizionale della costituzione: La giustizia costituzionale, in "La giustizia costituzionale", Milano, Giuffrè, 1981, pp. 173 e seguintes, e Il controlo di costituzionalità delle leggi. Studio comparato delle costituzioni austríaca e americana", in idem, p. 300). De fato, o Supremo Tribunal Federal, em casos semelhantes, tem considerado inadmissível que, "mediante subtração artificiosa" de um dispositivo (ou de sua parte), se produza "inversão clara do sentido da lei" (cf. voto do Ministro SEPÚLVEDA PERTENTE na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.822-4, rel. Ministro MOREIRA ALVES, DJU de 10/12/99). No mesmo sentido: STF, Representação de Inconstitucionalidade nº 1.417-7/DF, j. 09/12/1987, RT CDCCP 02:315-332; Mandado de Segurança nº 23.809-DF, DJU 11/12/00; Habeas Corpus nº 76.543, Primeira Turma, DJU de 17/04/98.

Outra não é a lição da jurisprudência, nas primeiras decisões sobre a questão.

O eminente Juiz Ricardo Dip dessa Colenda Corte, em voto proferido no HC nº 398.760-7, acolhido por unanimidade pela Turma Julgadora da 11ª Câmara, em 25.02.2002, afirmou:

"Não custa um registro adicional, que afaste a interpretação extensiva com feitos derrogadores da norma do par. ún., art. 2°, da Lei 10.259/01, de 12-7. Não se pode, em princípio, trasladar uma regra, cujo teor se restringe, expressamente, aos efeitos próprios de uma determinada lei, para repercutir sobre efeitos de outra lei. Impende, em cada caso, investigar se o legislador desejou estender um dado tratamento a hipóteses assimiláveis ou se, antes, ao especificar, de modo explicito, um significado normativo, almejou com isso afastar da restrita esfera especial hipóteses somente aproximáveis dela. Nesse quadro, bem se poderia invocar o aforismo qui dicit de uno, negat de altero.

Na espécie sob exame, se o legislador penal, às expressas, diz que o ilícito de menor potencial ofensivo, para os efeitos de uma dada lei (no caso, a Lei 10.259/01, de 12-7), é aquele para o qual se estatui pena máxima cominada não-superior a dois anos (ou multa), não se pode, simpliciter, estender essa previsão para derrogar, com apoio em preceito específico, situações de outra lei que não se acham indicadas pela nova normativa.

Exceptio firmat regulam - consagrou um brocardo célebre - in casibus non exceptibus. Se o legislador da Lei 10.259/01 quisesse modificar integralmente o conceito de "infração de menor potencial ofensivo", teria omitido a singular nota exceptiva que se acha nos termos "para os efeitos desta Lei", palavras inseridas na regra do par. un. do art. 2° da referida Lei 10.259, robustecidas no art. 20 do mesmo Diploma normativo. Mas, ao exprimir-se dessa forma, indicou o legislador penal o caráter exceptivo da nova regulativa. E o que excepciona, como visto, não modifica o que consta do direito comum.

O que surpreende, ao fim, é o fato de que certa doutrina cogite de uma aplicação analógica da regra inscrita no par. un., art. 2°, da Lei 10.259/01, não para regular uma situação lacunosa mas para derrogar outra regra jurídica de direito. Ora, sem controverter - num tema que não é isento de dúvida - sobre a admissibilidade genérica da analogia in bonam partem no Direito Penal material, começa-se por observar que a circunstância de decidir-se, concretamente, sobre a pertinência de uma dada aplicação analógica - e não apenas sobre sua admissibilidade - exige um argumento de fundo, que não se satisfaz com a exclusiva motivação da favorabilidade de um preceito. Bastaria averbar, nesse campo, que o argumento de analogia - seja a pari, seja a fortiori - tem exatamente como contrapartida "formal" o argumento a contrario sensu.

Sem lacunaridade regulativa de tema para a qual se possa transportar, a analogia é formalmente inviável. Por definição, a analogia supõe a lacunosidade, e, no caso sub examine, longe de faltar, a Lei 9.099/95, de 26-9, prevê expressamente a figura do ilícito de pequeno potencial ofensivo (art. 61).

Da mesma forma esse foi o posicionamento manifestado pela primeira decisão do Conselho Recursal dos Juizados Cíveis e Criminais do Rio de Janeiro, cujo voto, do eminente Juiz relator Antonio Carlos Nascimento Amado, coincidentemente proferido na mesma data (25.02.2002), foi acolhido por unanimidade. Referindo-se à Lei 10.259/01, afirmou o ilustre relator: "Trata-se de lei nova, especial, que estabelece condições paralelas a Lei 9.099/95, que por isso não a revogou quanto aos Juizados Especiais Estaduais (art. 2º, parágrafo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil)"

Não se aplica, pois, a regra estabelecida no § 1º do art. 2º da Lei de Introdução, segundo o qual lei posterior revoga a anterior quando com ela seja incompatível. Tratando-se de lei especial tem incidência a regra firmada no parágrafo segundo, acima transcrito.

De outro lado, conforme lembrado pelo Prof. Paulo Rangel, no trabalho supra referido, a doutrina estabelece distinção entre Lei Federal e Lei Nacional, esclarecendo que "Qualifica-se lei federal a lei criada por iniciativa da União. Ela disciplina interesses federais, diferentemente da lei nacional, que dispõe não só sobre interesses federais, mas também a respeito dos interesses estaduais e locais." ("Consituição Federal Anotada" Uadi Lammêgo Bulos, Saraiva, 2ª ed.,2001, p. 858). Neste ponto, a Lei 9.099/95 é lei nacional e a Lei 10.259/01 é lei federal, de aplicação exclusiva no âmbito da Justiça Federal.

Em suma, a Lei 10.259/01 é norma especial, de aplicação restrita, não tendo o condão de alterar a norma geral contida no artigo 61 da Lei 9.099/95.

O artigo 20, da Lei 10.259/01 – Dispõe referido artigo, que "Onde não houver Vara Federal, a causa poderá ser proposta no Juizado Especial Federal mais próximo do foro definido no art. 4º da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, vedada a aplicação desta Lei no juízo estadual."

Embora os defensores da inaplicabilidade do novo conceito de infração penal de menor potencial ofensivo venham citando referido dispositivo como proibidor da sua extensão aos Juizados Estaduais, até pela clareza da sua parte final, com todo o respeito, não o vejo como aplicável à esfera criminal.

A Lei 10.259, de 14 de julho de 2001 que instituiu os Juizados Federais, cuida basicamente do Juizado Cível, reservando apenas três artigos ao Juizado Criminal. Nesse passo, o art. 20 trata de situação específica, destinada ao Juízo Cível, tanto que menciona o art. 4º da Lei 9.099/95 que cuida dessa matéria.

A ressalva era necessária para deixar explícito que não se aplica a Lei do Juizado Especial Federal no juízo estadual em face do disposto no § 3º do art. 109 da CF que permite, em determinados casos, especialmente nas ações previdenciárias, a propositura de ação de interesse da União na Justiça Estadual onde não houver Vara Federal. Assim, o mencionado artigo dirige-se apenas ao Juizado Cível, não se estendendo ao Juizado Criminal.

É verdade, porém, que ele desvela a intenção do legislador de não aplicar a Lei 10.259/01 no Juizado Especial Estadual, o que reforça a conclusão acima exposta.

Ofensa ao princípio da igualdade – Afirmam os propugnadores da aplicação do novo conceito aos Juizados Estaduais que, a se entender de outra forma, estará comprometido o princípio da igualdade, ou da isonomia, segundo o qual todos são iguais perante a lei. Tal princípio, entretanto, com o devido respeito, tem emprego quando as pessoas em confronto estão exatamente na mesma situação de igualdade. Do contrário, não é possível aplicar-se a garantia constitucional. Quer dizer: tratar-se igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.

Tem-se mencionado a hipótese do crime de desacato para demonstrar a ofensa ao princípio da igualdade. Apenado com detenção de 06 meses a 02 anos, dizem, se o crime for praticado contra funcionário público estadual não será de menor potencial ofensivo; ao revés se praticado contra funcionário federal, assim será considerado.

Com a devida vênia, estão colocando no mesmo patamar situações diferentes. Para que tal crime seja considerado da competência da Justiça Federal e, portanto, sujeito à Lei 10.259/01, é necessário que, além da tipificação contida no art. 331, do Código Penal, haja um plus, qual seja, que a ofensa seja dirigida a funcionário federal. Exige-se interesse da União para elevar o crime à categoria de delito de competência da Justiça Federal. Ora, já aí constata-se uma diferença entre este crime e o praticado contra o funcionário estadual. Há como que uma qualificadora em função da qualidade da vítima, o que o diferencia daqueloutro.

Dir-se-á que sendo o bem jurídico tutelado o mesmo, não se permite tratamento desigual. Todavia, comparados os crimes sujeitos à competência da Justiça Comum ou Ordinária com crimes da competência da Justiça Militar, também se terá ofensa ao mesmo bem jurídico. Embora classificada como especial a Justiça Militar, o que diferencia os crimes definidos no Código Penal Militar dos crimes capitulados no Código Penal, que tenham a mesma definição legal, é justamente a qualidade da vítima ou do agente ou o local da infração (art. 9º, inciso II, do Código Penal Militar)

Nem por isso entendeu o E. Supremo Tribunal Federal ser inconstitucional, por ofensa ao princípio da igualdade, a norma contida no art. 90-A da Lei 9.099/95, introduzida pela Lei n. 9.839/99, que veda, expressamente, a aplicação da referida Lei no âmbito da Justiça Militar. Conf. Habeas Corpus Nº 15.573- RS 5ª Turma, v.u., Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca)

Pode parecer incoerente que o conceito mais amplo de infração de menor potencial ofensivo fique restrito à Justiça Federal onde, em tese, a ofensa seria mais grave por atingir bens da União. Entretanto, os critérios estão aí e foram estabelecidos pelo legislador. Até é compreensível que assim seja, pois, ante a gravidade dos crimes cometidos à competência da Justiça Federal, aqueles sancionados com pena restritiva de liberdade até dois anos tornam-se, de fato, crimes de menor repercussão social. Ademais, como o objetivo dos juizados é desafogar a Justiça, a ampliação se fez necessária naquela esfera para alcançar maior número de processos.

Concluindo, por se tratar de situações diferentes, não há ofensa ao princípio da igualdade no tratamento diferenciado entre os Juizados Especiais Criminais Federal e Estadual.

Porte ilegal de arma – Desse delito cuida o presente recurso. Sustenta o douto Promotor de Justiça, Dr. Arnaldo Hossepian Júnior, que embora tenha sido derrogado o art. 61, da Lei n. 9.099/95, pela Lei 10.259/01, o conceito de infração de menor potencial ofensivo, agora dado pela última Lei, deve ser interpretado restritivamente, isto é, afastando da sua incidência os crimes aos quais o preceito secundário comine pena restritiva de liberdade até dois anos cumulada com sanção pecuniária.

Os doutrinadores não chegaram até agora a uma conclusão sobre a vontade do legislador ao colocar a expressão ou multa no final do parágrafo único do art. 2º da Lei 10.259/01. Alguns afirmam ter sido cochilo, que deve ser desprezado; outros, que se refere a contravenção penal, porém incabível porque esta modalidade de infração não se insere na competência da Justiça Federal; outros, que se refere aos crimes aos quais é cominada pena de multa alternativa, o que alcançaria crime com pena restritiva de liberdade superior a dois anos, etc.

Agapito Machado, Juiz Federal do Ceará e integrante da Comissão instituída pela Associação Nacional dos Juizes Federais – AJUFE – para reforma da legislação penal e processual penal, mostra bem o descaso com que são feitas as leis neste País, ao relatar o seguinte episódio, a respeito justamente da expressão em questão: "Quando ainda em tramitação, lembrei, via e-mail, a todos os juízes federais do País, o equívoco do anteprojeto do Superior Tribunal de Justiça, notadamente aos colegas que comigo integraram a Comissão da AJUFE para propor alterações na legislação penal e processual penal, e fui lembrado de que era melhor não tocarmos nesse assunto porque, do contrário, haveria maior demora na aprovação da referida lei." ("Juizados Especiais Criminais na Justiça Eleitoral", Saraiva, 2001, p. 50).

Como é regra de hermenêutica que as leis não contêm palavras inúteis; como não é possível simplesmente ignorar a expressão ou multa contida no parágrafo único do art. 2º da Lei 10.259/01 e como a interpretação dada por alguns de que a Lei alcança infrações com pena cominada alternativamente com multa, ainda que a restritiva de liberdade seja superior a dois anos, significando a inclusão no rol as infrações penais de menor potencial ofensivo de crimes gravemente apenados, o que foge ao espírito da lei, penso que a interpretação dada pelo Dr. Promotor de Justiça é a que mais se ajusta à redação do par. único do art. 2º da Lei 10.259/01.

Assim, a leitura a ser feita do mencionado dispositivo – e aqui já não se cuida de aplicação ou não do novo conceito aos Juizados Estaduais – é no sentido de que são infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos da Lei 10.259/01, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, excluídos, portando, aqueles cujo preceito secundário preveja pena cumulativa de multa ou restritiva de direitos, salvo se a detentiva for inferior a dois anos. Vale dizer: desde que a pena máxima restritiva de liberdade, de dois anos, venha acompanhada de qualquer outra sanção, a infração deixa de ser de menor potencial ofensivo. Se inferior, ainda que com pena cumulativa, encaixa-se no conceito.

É bom deixar registrado que antes da Lei 10.259/01 a questão não tinha qualquer importância, porquanto a Lei 9.099/95 estabelece como limite para o efeito de conceituar infração penal de menor potencial ofensivo apenas a sanção restritiva de liberdade. A multa ou outra pena não entra no conceito.

Por fim, a questão levantada ao término das razões, de legitimidade para proposta da transação penal, porque não ventilada na r. decisão recorrida, não pode ser enfrentada neste recurso. Eventual divergência quanto a ela deverá ser objeto de futuro recurso.

4. Diante do exposto, o parecer é pelo provimento do apelo para ser recebida a denúncia, porque o crime de porte ilegal de arma, capitulado no art. 10, da Lei n. 9.437/97, por um ou outro motivo acima expostos, não se inclui dentre as infrações penais de menor potencial ofensivo.

São Paulo, 13 de março de 2002

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Glayciele Rodrigues Gonçalves. O art. 61 da Lei dos Juizados Especiais Criminais estaduais (Lei nº 9.099/95) com o advento da Lei dos Juizados Especiais Criminais na Justiça Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 559, 17 jan. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6191. Acesso em: 23 dez. 2024.

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