CONCLUSÃO
A Lei n.˚ 10.259, publicada em 12 de julho de 2001, vislumbrando a implementação do parágrafo único do art. 98 da Constituição Federal, nos termos da Emenda Constitucional n.˚ 22/99, instituiu os Juizados Especiais Federais e trouxe nova conceituação para infração de menor potencial ofensivo.
Tal conceito, como se pôde depreender, esposou grande controvérsia diante do conceito de infração de menor potencial ofensivo implementado pelo art. 61 da Lei n.˚ 9.099/95.
Ocorre que os conceitos são diversos. Com efeito, a Lei n.˚ 9.099/95 considera infrações de menor potencial ofensivo aquelas com pena máxima de até um ano, excluídas as que seguem rito especial, enquanto que na Lei n.˚ 10.259/01 são consideradas infrações de menor potencial ofensivo aquelas com pena máxima de até dois anos, sem exclusão das que seguem rito especial, ressaltando-se que sua aplicação se restringe ao âmbito federal.
A partir daí formaram-se duas correntes: a) conceito unitário – de acordo com ele a ampliação do conceito de infração de menor potencial ofensivo estende-se aos Juizados Estaduais, ou seja, existiria um conceito único para ambos os juizados; e, b) conceito bipartido – no qual existem dois conceitos de infração de menor potencial ofensivo: um federal, fundamentado no parágrafo único do art. 2º da Lei n.˚ 10.259/01; e outro estadual, expresso no art. 61 da Lei n.˚ 9.099/95, como explicita a Constituição Federal.
A primeira corrente defende que: o conceito de menor potencial ofensivo é único diante dos princípios da igualdade, razoabilidade e proporcionalidade; o legislador, se pretendesse dois sistemas distintos, não teria mandado aplicar totalmente a Lei n.˚ 9.099/95 aos Juizados Federais, mas teria criado um sistema jurídico novo; não se pode extrair da Constituição Federal a pretensão de criar dois conceitos divergentes de menor potencial ofensivo, tendo em vista que ambos são regidos pela Lei n.˚ 9.099/95; o legislador não se restringiu a vislumbrar os delitos de competência exclusiva (ratione materiae) da Justiça Federal, adotou, entretanto, todos os crimes de sua competência; o texto legal ordinário não pode discriminar situações sem um motivo justificado, ou seja, as mesmas situações devem receber igual tratamento jurídico; o art. 20 da Lei n.˚ 10.259/01 se encontra fora do contexto normativo dos juizados criminais, diz respeito, portanto, exclusivamente, aos juizados cíveis; nos termos do art. 2º, §1º, da LICC "a lei posterior revoga a anterior quando (...) seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior".
Enquanto a segunda corrente se alicerça no seguinte: a lei não é mais benéfica, ou seja, o sistema consensuado não é mais favorável ao acusado; os bens jurídicos resguardados no âmbito federal são diferenciados do estadual; a Constituição Federal instituiu dois juizados separadamente: um federal e outro estadual; logo no artigo 1º impõe a Lei que aos Juizados Cíveis e Criminais da Justiça Federal aplica-se, no que não conflitar com a presente Lei, o disposto na Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995. Imperioso dizer, o Juizado Federal obedece às disposições desta última Lei, salvo naquilo que não estiver em conflito com a própria Lei 10.259/01 a qual, observando as peculiaridades da Justiça Federal, fez pequenas modificações nas regras da Lei 9.099/95; a Lei n.˚ 10.259/01 no art. 2º, parágrafo único, ressaltou "para os efeitos desta Lei", enquanto o art. 20 expressa que é defesa a aplicação da referida lei aos Estados, e vice-versa; não existe lacuna legislativa; o Poder Judiciário não pode substituir o Legislativo, não deve, pois, modificar conceitos legais, mas, sim, atuar como legislador negativo.
Como se quer provar, a Lei n.° 10.259/2001 foi editada com um objetivo lícito e singular: organizar os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal.
Há, pois, justificativa para o tratamento diferenciado da Justiça Federal no que tange à definição dos crimes de menor potencial ofensivo, inserida na organização do seu sistema próprio de Juizado Especial Criminal (como se apreende do art. 109 da Carta Magna).
E mais, a função do Poder Judiciário é a de ser a guardiã da Constituição, preservando, basicamente, os princípios da legalidade e igualdade; é, pois, tipicamente cabível ao Poder Judiciário a função jurisdicional, ou seja, julgar, aplicar a lei a um caso concreto que lhe é posto, resultante de um conflito de interesses, e não de legislar, fiscalizar, funções estas expendidas ao Legislativo. Enfim, o Judiciário não deve substituir o Legislativo como quer.
Caso o Judiciário assim proceda, estará vestindo a roupagem de legislador positivo e ferindo frontalmente o princípio da separação de poderes, art. 3˚ da Carta Magna.
A Lei n˚. 10.259/01 é um microssistema normativo, advindo do legislador competente para fazê-lo, não cabendo invocar sua aplicabilidade a outros tipos penais que não os ali previstos; entretanto, se reconhece o tratamento dicotômico dado em função de situações concretas.
Ao Poder Judiciário é válido alegar a inconstitucionalidade do art. 2°, parágrafo único da Lei n.˚ 10.259/01, sendo, pois, vedada a ampliação do conceito de crime de menor potencial ofensivo nos Juizados Estaduais.
Este, pois, seria o meio para se alcançar a Justiça.
A Lei n.° 10.259/01 mantém relação de especialidade com a Lei n.° 9.099/95 e trouxe disciplina exclusiva para os Juizados Especiais Cíveis e Criminais na esfera federal, sem interferência no âmbito da legislação antiga, a qual é díspar da matéria versada.
Não gerou, pois, derrogação ou modificação da lei anterior, inserindo-se a hipótese ao § 2.°, do artigo 2.°, da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei n.° 4.657/42), como foi levantado.
Como restou comprovado, a inconstitucionalidade do art. 2°, parágrafo único, da Lei n.° 10.259/01 deve ser alegada, caso entendam ferir princípios constitucionais, a fim de se extinguir os conflitos existentes quanto a ampliação ou não do conceito de menor potencial ofensivo.
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