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O art. 61 da Lei dos Juizados Especiais Criminais estaduais (Lei nº 9.099/95) com o advento da Lei dos Juizados Especiais Criminais na Justiça Federal

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CAPÍTULO IV

DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 2º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N. 10.259 DE 12 DE JULHO DE 2001

1. Separação das funções estatais – limitação do poder e garantia dos direitos fundamentais

Visando evitar o arbítrio e o desrespeito aos direitos fundamentais, primordialmente, a Carta Política providenciou a criação dos Poderes do Estado e da Instituição do Ministério Público, independentes e harmônicos entre si, repartindo as funções estatais entre eles e antevendo prerrogativas e imunidades para que pudessem desempenhá-las, além de criar mecanismos de controles recíprocos, buscando garantir perpetuamente o Estado democrático de Direito.

Tal critério denominou-se "separação dos Poderes", que consiste na distinção de três funções estatais: legislação, administração e jurisdição; com o intuito de serem atribuídas a três órgãos autônomos entre si, os quais as exercerão com exclusividade.

Montesquieu dividiu e distribuiu os poderes acima mencionados, tornando princípio fundamental a organização política liberal, como bem reporta o art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, sendo, também, prevista no art. 2º da nossa Constituição Federal.

Salientam Canotilho e Moreira:

Um sistema de governo composto por uma pluralidade de órgãos requer necessariamente que o relacionamento entre os vários centros do poder seja pautado por normas de lealdade constitucional (Verfassungstreue, na terminologia alemã). A lealdade institucional compreende duas vertentes, uma positiva, outra negativa. A primeira consiste em que os diversos órgãos do poder devem cooperar na medida necessária para realizar os objetivos constitucionais e para permitir o funcionamento do sistema com o mínimo de atritos possíveis. A segunda determina que os titulares dos órgãos do poder devem respeitar-se mutuamente e renunciar a prática de guerrilha institucional, de abuso de poder, de retaliação gratuita ou de desconsideração grosseira. Na verdade, nenhuma cooperação constitucional será possível, sem uma deontologia política, fundada no respeito das pessoas e das instituições e num apurado sentido da responsabilidade de Estado (statesmanship).

2. Funções estatais, imunidades e garantias em face do princípio da igualdade

A Carta Magna de 1988 adotou o princípio da igualdade de direitos, resguardando a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais; ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em conformidade com os critérios estabelecidos pelo ordenamento jurídico.

O caráter teleológico, finalístico, da norma constitucional deve ser levado em consideração, desde o princípio, para que se possa atingir o objetivo imediato que a Constituição tem conservado.

Tercio Sampaio Ferraz Jr. , constatando a aplicabilidade e a interpretação das normas constitucionais, exara:

Admitindo-se que as normas jurídicas instaurem uma relação de autoridade – portanto uma relação de hierarquia – entre o seu emissor e o seu destinatário (cometimento), e ao mesmo tempo expressem um relato, o chamado ‘conteúdo normativo’, o sucesso da norma estará na adequação entre a relação de autoridade e o conteúdo da norma. Assim, se o objetivo do emissor é obter uma obediência ou submissão (cometimento), mas o conteúdo normado não tem condições de ser cumprido, o sucesso da disposição normativa é frágil, ou não existe. A norma não tem ou tem baixa eficácia. Mas se o objetivo é, por exemplo, não a obediência, não a submissão, mas simplesmente, vamos dizer assim, uma satisfação ideológica, o apaziguamento da consciência política, embora o disposto seja impossível de ser cumprido, este conteúdo impossível de ser cumprido é adequado à relação de autoridade. Porque é exatamente em razão da não aplicação que vai dar-se o sucesso da norma. Portanto, nesses termos, a eficácia enquanto termo relativo ao normativo, tendo em vista a relação entre o emissor da norma e o seu destinatário, exige-se que se leve em conta o objetivo colimado na instauração da relação de autoridade.

Ao determinar diversificadas funções, imunidades e garantias aos detentores das funções soberanas do Estado: Poderes Legislativo, Executivo, Judiciário e Ministério Público, a Constituição Federal vislumbrou defender o regime democrático tanto dos direitos fundamentais como da própria Separação dos Poderes, legitimando, assim, o tratamento distinto fixado a seus membros, diante do princípio da igualdade.

O espírito de igualdade, segundo salienta Montesquieu, não consiste em fazer com que todo mundo mande, ou que ninguém seja mandado; mas, em mandar e obedecer a seus iguais. Não busca ter chefe; no entanto, busca como chefe seus iguais.

Montesquieu demonstra, portanto, o equilíbrio necessário dos Poderes, afirmando que para formar-se um governo moderado

precisa-se combinar os Poderes, regrá-los, temperá-los, fazê-los agir; dar a um Poder, por assim dizer, um lastro, para pô-lo em condições de resistir a um outro. É uma obra-prima de legislação, que raramente o acaso produz, e raramente se deixa à prudência produzir... Sendo o seu corpo legislativo composto de duas partes, uma acorrentada a outra pela mútua faculdade de impedir. Ambas serão amarradas pelo Poder Executivo, o qual o será, por seu turno, pelo Legislativo. Esses três Poderes deveriam originar um impasse, uma inação. Mas como, pelo movimento necessário das coisas, são compelidos a caminhar, eles haverão de caminhar em concerto.

Para que sejam independentes, os órgãos exercentes das funções estatais necessitam de garantias para frear uns aos outros, com verdadeiros controles recíprocos. Essas garantias são invioláveis e impostergáveis, caso contrário, ocorrerá desequilíbrio entre eles e desestabilização do governo.

3. Funções estatais: Poder Legislativo e Poder Judiciário

A Constituição Federal de 1988 atribuiu funções estatais de soberania aos Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público, os quais, dentre diversas outras funções, devem zelar pelo equilíbrio entre os mesmos (fiscalizando-se) e pelo respeito aos direitos fundamentais.

Para tanto, a Constituição conferiu-lhes autonomia e independência.

Cada um dos Poderes detém uma função predominante, que o caracteriza como possuidor de parcela da soberania estatal, são as denominadas funções típicas e atípicas, além de outras funções previstas no texto constitucional.

As funções típicas do Poder Legislativo são legislar e fiscalizar, enquanto as funções atípicas são administrar (como, por exemplo, quando o Legislativo dispõe sobre sua organização e operacionalização interna, provimento de cargos, e outros) e julgar (quando, por exemplo, julga o Presidente da República por crime de responsabilidade).

A função do Poder Judiciário é a de ser a guardiã da Constituição, preservando, basicamente, os princípios da legalidade e igualdade. A função típica do Poder Judiciário é a jurisdicional, ou seja, julgar, aplicando a lei a um caso concreto que lhe é posto, resultante de um conflito de interesses. São funções atípicas deste Poder administrar (concessão de férias, por exemplo) e legislar (edição de normas regimentais, exemplificativamente).

4. Lei Federal versus Lei Nacional

Entende Paulo Sérgio do Nascimento Rangel que:

Qualifica-se lei federal a lei criada por iniciativa da União. Ela disciplina interesses federais, diferentemente da lei nacional, que dispõe não só sobre interesses federais, mas também a respeito dos interesses estaduais e locais. Neste ponto, a Lei 9.099/95 é lei nacional e a Lei 10.259/01 é lei federal, de aplicação exclusiva no âmbito da Justiça Federal..

5. Lei em Sentido Formal e em Sentido Material

Lei, em sentido formal, será sempre ato proveniente de órgão ao qual seja constitucionalmente atribuída competência legiferante, no caso o Congresso Nacional; logo, o que se valida aqui é a fonte de onde emana.

Em sentido material, no entanto, lei quer dizer preceito munido de generalidade e abstração, não importando de onde provenha. Nesse sentido, importa verificar a aptidão da lei para incidir sobre eventos futuros e incertos, a serem englobados na hipótese prevista por ela, vinculando o comportamento de destinatários indeterminados ou indetermináveis a princípio.

Existe lei apenas material; são os casos de regulamentos dotados de generalidade e abstração, no entanto, não assumem forma de lei, por advirem do exercício de competência administrativa, e não legislativa.

Da mesma forma pode haver lei meramente formal, quando seja determinada a prática de ato concreto com destinatário determinado, sob a forma de votação Parlamentar, constituindo simples ato administrativo.

Há jurisprudência do Supremo Tribunal Federal atestando que somente as normas providas de generalidade e abstração serão objeto de controle de constitucionalidade.

6. Princípio da Supremacia da Constituição e Controle de Constitucionalidade

As normas vigentes não estão dispostas no ordenamento jurídico em condições de igualdade. Existe uma hierarquização normativa que coloca a Constituição no ápice desse ordenamento, passando as demais espécies normativas, primárias e secundárias, mediata ou imediatamente, a retirar seu fundamento de validade da Lei Maior.

Na Constituição se encontram as principais e mais importantes regras jurídicas, aquelas que criam o Estado, dispõem sobre as suas funções e órgãos, competência de seus agentes, forma de elaboração de outras normas, limites para o exercício do poder político, e outros. Assim, os órgãos do Estado não podem praticar atos que contrariem ou desconsiderem as regras e princípios exarados naquela.

A idéia de controle de constitucionalidade está conectada, então, à Supremacia da Constituição sobre todo o ordenamento jurídico e à rigidez constitucional e proteção dos direitos fundamentais.

Surge, assim, o controle de constitucionalidade como sistema de instrumentos de defesa da Suprema Corte contra a atuação abusiva e excessiva dos órgãos de exercício dos poderes constituídos (legislador e administração pública) quando praticarem atos que desrespeitem referida supremacia, significando o dever de obediência dos poderes constituídos frente ao poder constituinte.

A própria Constituição prevê as formas de controle de constitucionalidade, e indica os órgãos competentes para exercê-lo, estabelecendo a possibilidade de afastamento da eficácia dos atos que contrariarem, de qualquer forma, suas disposições.

7. Conceito e Tipos de Inconstitucionalidade

A inconstitucionalidade (situação ou estado decorrente de um ou de vários vícios) pode ser conceituada como a desconformidade do ato normativo (inconstitucionalidade material) ou do seu processo de elaboração (inconstitucionalidade formal) com algum preceito ou princípio constitucional, ensina Clèmerson Merlin Clève.

Alexandre de Moraes expõe que "controlar a constitucionalidade significa verificar a adequação (compatibilidade) de uma lei ou de um ato normativo com a Constituição, verificando seus requisitos formais e materiais".

A inconstitucionalidade formal, propriamente dita, alcança uma lei ou qualquer outra espécie de ato normativo que tenha sido elaborado de acordo com procedimento distinto do prescrito na Constituição Federal.

A inconstitucionalidade material, por outro lado, baseia-se no vício encontrado no confronto de conteúdo entre a lei e algum dispositivo da Constituição. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade poderão ser aplicados nesse exame, tal como qualquer outra norma integrante do corpo constitucional (princípio, regra, etc).

A inconstitucionalidade pode ser total ou parcial, conforme o vício macular o ato normativo integral ou apenas parcialmente.

No direito constitucional brasileiro foi adotado, em regra, o controle de constitucionalidade repressivo jurídico ou judiciário, no qual o Poder Judiciário realiza o controle da lei ou do ato normativo, já editados, frente à Constituição Federal, com a finalidade de subtraí-los do ordenamento jurídico, caso sejam contrários à Suprema Corte.

Existem dois sistemas de controle jurídico de constitucionalidade repressivo: concentrado ou reservado (via de ação), e, difuso ou aberto (via de exceção ou defesa). Mas, há, excepcionalmente, duas outras hipóteses em que o controle de constitucionalidade repressivo seja realizado pelo Poder Legislativo: arts. 49, inciso V, e, 62 da Constituição Federal.

Como se averigua, o controle de constitucionalidade, no Brasil, é misto, ou seja, poderá ser exercido tanto concentrado como difusamente.

Compete ao Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 102, inciso I, alínea "a", da Constituição Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe processar e julgar, originariamente, a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal.

Várias são as espécies de controle concentrado vislumbradas pela Constituição Federal:

1.ação direta de inconstitucionalidade genérica (art. 102, I, a);

2.ação direta de inconstitucionalidade interventiva (art. 36, III);

3.ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, §2º);

4.ação declaratória de constitucionalidade (art. 102, I, a, in fine; EC n˚ 03/93).

Ao Supremo Tribunal Federal compete processar e julgar, originariamente, ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual. Este modelo de controle foi preconizado por Hans Kelsen para o Tribunal Constitucional austríaco, e adotado, posteriormente, pelo Tribunal Constitucional alemão, espanhol, italiano e português.

Busca-se obter, através desse controle, a declaração de inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo em tese, não existindo caso concreto a ser solucionado, com o intuito de obter a invalidação da lei, visando garantir a segurança das relações jurídicas, as quais não podem ser baseadas em normas inconstitucionais.

A declaração de inconstitucionalidade é o objeto principal da ação.

A ação direta de inconstitucionalidade é cabível para declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal, estadual ou distrital, no exercício de competência equivalente à dos Estados-membros, que tenham sido editados após a promulgação da Constituição Federal, e que ainda vigorem.

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São legitimados para propor a ação direta de inconstitucionalidade: o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa da Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Governador do Estado ou do Distrito Federal, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

A ação direta de inconstitucionalidade tem por finalidade retirar do ordenamento jurídico lei ou ato normativo incompatível com a ordem constitucional.

Portanto, o Supremo Tribunal Federal atua como legislador negativo, jamais como legislador positivo, ou seja, não pode ultrapassar do fito de exclusão dos atos incompatíveis com o texto Constitucional do ordenamento jurídico.

8. Fundamentação para a inconstitucionalidade do art. 2º, parágrafo único, da Lei 10.259/01

Vislumbram-se os seguintes julgados e argumentações favoráveis à derrogação do art. 61 da Lei n. 9.099/95, e conseqüente ampliação do conceito de menor potencial ofensivo:

EMENTA: PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ART. 16 DA LEI 6.368/76. TRANSAÇÃO PENAL. POSSIBILIDADE. AMPLIAÇÃO DO ROL DOS DELITOS DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. ART. 61 DA LEI Nº 9.099/95 DERROGADO PELO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 2º DA LEI Nº 10.259/2001.

I - Com o advento da Lei nº 10.259/2001, que instituiu os Juizados Especiais Criminais na Justiça Federal, por meio de seu art. 2º, parágrafo único, ampliou-se o rol dos delitos de menor potencial ofensivo, por via da elevação da pena máxima abstratamente cominada ao delito, nada se falando a respeito das exceções previstas no art. 61 da Lei nº 9.009/95.

II – Desse modo, devem ser considerados delitos de menor potencial ofensivo, para efeito do art. 61 da Lei n. 9.099/95, aqueles a que a lei comine, no máximo, pena detentiva não superior a dois anos, ou multa, sem exceção.

III – Assim, ao contrário do que ocorre com a Lei nº 9.099/95, a Lei n º 10.259/2001 não excluiu da competência do Juizado Especial Criminal os crimes que possuam rito especial, alcançando, por conseqüência, o delito previsto no art. 16 da Lei 6.368/76.

Recurso provido. STJ. RHC 14198 / SP; RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS 2003/0038731-2. DJ DATA:25/08/2003 PG:00328. Min. FELIX FISCHER (1109). Data da decisão: 17/06/2003. Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA.

EMENTA: RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE PORTE DE ARMA. TRANSAÇÃO PENAL. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DO ART. 2º DA LEI N.º 10.259/01. DERROGADO O ART. 61 DA LEI N.º 9.099/95. AMPLIAÇÃO DO ROL DOS CRIMES DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. RECURSO PROVIDO.

Consoante precedentes firmados por este Tribunal, o artigo 2º, da Lei 10.259/01 (Juizados Especiais Federais) derrogou o artigo 61, da Lei n.º 9.099/95 (Juizados Especiais Estaduais), de modo a ampliar os crimes de menor potencial ofensivo. In casu, correspondendo infração cuja pena máxima não ultrapasse dois anos, é totalmente aplicável os benefícios da nova lei, inclusive quanto ao direito de ver conduzida proposta de transação penal. Recurso provido para anular a ação em curso perante os Juizados Especiais, permitindo ao Paciente o direito à proposta de transação penal. STJ. RHC 14084 / SP; RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS

2003/0024242-9. DJ DATA:01/09/2003 PG:00301. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA (1106). Data da decisão: 05/08/2003. Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA.

EMENTA: "HABEAS CORPUS. CRIMES DE CALUNIA E DIFAMACAO. TRANCAMENTO DA ACAO PENAL. - EM SE TRATANDO DE INFRACOES DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO SOB A EGIDE DA LEI 9.099/95. - AMPLIADO O SEU ROL PELA LEI 10.259, DE 13 DE JULHO DE 2001-, OS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS ESTADUAIS PASSAM A TER COMPETENCIA SOBRE TODOS OS FATOS A QUE A NORMA DE SANCAO IMPONHA NO MAXIMO, PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE NAO SUPERIOR A DOIS ANOS, ENTRE ELES, A CALUNIA E DIFAMACAO, PREVISTOS NOS ARTIGOS 138 E 139 DO CODIGO PENAL. - HABEAS CORPUS INDEFERIDO." DECISÃO.................: "ACORDAM OS COMPONENTES DA PRIMEIRA CAMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTICA DO ESTADO DE GOIAS, A UNANIMIDADE DE VOTOS, DESACOLHIDO O PARECER DA DOUTA PROCURADORIA DE JUSTICA, INDEFERIR O REQUERIMENTO, TUDO CONFORME VOTO DO RELATOR PROFERIDO NA ASSENTADA DO JULGAMENTO E QUE JUNTO VAI COMO PARTE INTEGRANTE DESTE. SEM CUSTAS." TJGO. ORIGEM...................: 1A CAMARA CRIMINAL

FONTE......................: DJ 14080 DE 05/08/2003

LIVRO......................: 213-B

ACÓRDÃO..............: 01/07/2003

RELATOR................: DES. BYRON SEABRA GUIMARAES

RECURSO................: HABEAS-CORPUS - 21278-6/217

PROCESSO..............: 200301042130

COMARCA..............: VALPARAISO DE GOIAS

PARTES....................: PACIENTE: SERGIO FERREIRA WANDERLEY E OUTRO

IMPETRANTE.........: SERGIO FERREIRA WANDERLEY

Damásio E. de Jesus preconiza pelo entendimento de que o parágrafo único do art. 2º da Lei 10.259/2001 tenha derrogado a parte final do art. 61 da Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei 9.099/95), ampliando para dois anos o conceito de menor potencial ofensivo, sem qualquer exceção.

Desta maneira os Juizados Especiais Criminais da Justiça Estadual passam a ter competência sobre todos os crimes a que a norma determine, no máximo, pena detentiva de até dois anos, mesmo aqueles com procedimento especial.

Geraldo Brindeiro afirma que não há dúvida de que o novo conceito de infração penal de menor potencial ofensivo aplica-se imediatamente aos crimes de competência da Justiça Estadual, sob pena de ofensa aos princípios constitucionais da isonomia e da proporcionalidade. Tal é a orientação da maior parte da doutrina especializada.

E mais:

Conclui-se, portanto, que não há crime sem lesão a um bem juridicamente tutelado. Do mesmo modo, duas ofensas a um mesmo bem somente podem merecer tratamento jurídico-penal diferenciado de acordo com a maior ou menor intensidade da ofensa, ou com a maior ou menor culpabilidade do agente. Caso contrário, é inadmissível que duas violações, de igual intensidade, a um mesmo bem jurídico, perpetradas por agentes distintos, porém em idênticas condições, possam ser tratadas de maneira distinta pelo legislador. E é justamente isto o que acontece quando o legislador pátrio altera o conceito de infração de menor potencial ofensivo no âmbito da Justiça Federal. Ao fazê-lo, estabelece uma distinção materialmente infundada entre situações iguais, isto é, entre delitos com penas idênticas e que tutelam o mesmo bem jurídico, tendo como única diferença o juízo no qual serão deduzidas as pretensões punitivas, devido a um particular interesse da União na causa. Por todo o exposto, forçoso é concluir que a única solução possível para este impasse, compatível com as garantias fundamentais previstas no texto constitucional, é considerar que o parágrafo único do art. 2º da Lei nº 10.259/01 derrogou o art. 61 da Lei nº 9.099/95 no que tange à definição das infrações de menor potencial ofensivo. Deste modo, passarão a tramitar no Juizado Especial Criminal todas as infrações a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, sejam de competência do juízo federal, sejam de competência do juízo estadual. Com efeito, como as Leis nº 10.259/01 e nº 9.099/95 são ambas federais, e portanto de igual hierarquia, e não pode ser considerada a primeira uma lei especial, sob pena de violação do princípio da isonomia, derrogado está o art. 61 da Lei nº 9.099/95 pelo parágrafo único do art. 2º da Lei nº 10.259/01, uma vez que, consoante disposição do art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil, a lei posterior derroga a anterior (lex posterior derrogat priori). Doravante aplica-se a Lei nº 9.099/95 aos "...crimes a que lei comine pena máxima não superior a dois anos ou multa", nos termos do parágrafo único do art. 2º da Lei nº 10.259/01. In Boletim do IBCCrim nº 107, outubro de 2001.

Esta é a posição majoritária, no sentido de se ampliar o conceito de infração de menor potencial ofensivo. Dentre os diversos doutrinadores estão Luiz Flávio Gomes, Tourinho Filho, Alberto Silva Franco, Fernando Capez, José Renato Nalini, além de outros.

Dissente e apropriada é a fundamentação jurisprudencial e doutrinária seguinte, apontando para a declaração de inconstitucionalidade da Lei n. 10.259/2001:

ENTENDIMENTO UNIFORME N.º 08/2002 DA 3ª PROCURADORIA DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO.

NÃO APLICAÇÃO DA LEI n.° 10.259/2001 NO ÂMBITO DA JUSTIÇA ESTADUAL – INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE – CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 20, PARTE FINAL, DA LEI n.° 10.259/2001. FUNDAMENTAÇÃO: A Constituição Federal estabeleceu dois sistemas distintos de Juizados Especiais Cíveis e Criminais, o federal e o estadual (art. 98, I). A Lei n.° 10.259/2001 foi editada a serviço de um objetivo lícito e singular: organizar os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal. Assim, não há concluir que a lei nova distinguiu de forma não razoável ou arbitrária, vale dizer, de maneira puramente discriminatória, um tratamento específico a pessoas diversas.

Ademais disso, nesse campo estaria o Poder Judiciário apenas autorizado a declarar a inconstitucionalidade da lei nova atuando como legislador negativo, proibida sua atuação como legislador positivo, sob pena de estender, por via jurisdicional, o conceito de crime de menor potencial ofensivo a hipóteses não contempladas pelo novo texto legal, o que representaria usurpação da competência constitucional do Poder Legislativo.

A Lei n. 10.259, de 12 de julho de 2001, dispõe única e exclusivamente sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal.

Não custa um registro adicional, que afaste a interpretação extensiva com feitos derrogadores da norma do par. ún., art. 2°, da Lei 10.259/01, de 12-7. Não se pode, em princípio, trasladar uma regra, cujo teor se restringe, expressamente, aos efeitos próprios de uma determinada lei, para repercutir sobre efeitos de outra lei. Impende, em cada caso, investigar se o legislador desejou estender um dado tratamento a hipóteses assimiláveis ou se, antes, ao especificar, de modo explícito, um significado normativo, almejou com isso afastar da restrita esfera especial hipóteses somente aproximáveis dela. Nesse quadro, bem se poderia invocar o aforismo qui dicit de uno, negat de altero.

Na espécie sob exame, se o legislador penal, às expressas, diz que o ilícito de menor potencial ofensivo, para os efeitos de uma dada lei (no caso, a Lei 10.259/01, de 12-7), é aquele para o qual se estatui pena máxima cominada não superior a dois anos (ou multa), não se pode, simpliciter, estender essa previsão para derrogar, com apoio em preceito específico, situações de outra lei que não se acham indicadas pela nova normativa.

Exceptio firmat regulam - consagrou um brocardo célebre - in casibus non exceptibus. Se o legislador da Lei 10.259/01 quisesse modificar integralmente o conceito de "infração de menor potencial ofensivo", teria omitido a singular nota exceptiva que se acha nos termos "para os efeitos desta Lei", palavras inseridas na regra do par. un. do art. 2° da referida Lei 10.259, robustecidas no art. 20 do mesmo Diploma normativo. Mas, ao exprimir-se dessa forma, indicou o legislador penal o caráter exceptivo da norma regulativa. E o que excepciona, como visto, não modifica o que consta do direito comum.

O que surpreende, ao fim, é o fato de que certa doutrina cogite de uma aplicação analógica da regra inscrita no par. un., art. 2°, da Lei 10.259/01, não para regular uma situação lacunosa mas para derrogar outra regra jurídica de direito. Ora, sem controverter - num tema que não é isento de dúvida - sobre a admissibilidade genérica da analogia in bonam partem no Direito Penal material, começa-se por observar que a circunstância de decidir-se, concretamente, sobre a pertinência de uma dada aplicação analógica - e não apenas sobre sua admissibilidade - exige um argumento de fundo, que não se satisfaz com a exclusiva motivação da favorabilidade de um preceito. Bastaria averbar, nesse campo, que o argumento de analogia - seja a pari, seja a fortiori - tem exatamente como contrapartida "formal" o argumento a contrario sensu.

Sem lacunaridade regulativa de tema para a qual se possa transportar, a analogia é formalmente inviável. Por definição, a analogia supõe a lacunosidade, e, no caso sub examine, longe de faltar, a Lei 9.099/95, de 26-9, prevê expressamente a figura do ilícito de pequeno potencial ofensivo (art. 61).

A Constituição Federal impôs, em seu art. 98, a criação dos Juizados Especiais Criminais tanto no âmbito federal quanto no estadual, determinando a distinção ou a dicotomia concernentemente a essas esferas do Poder Judiciário, os quais apresentam peculiaridades que os tornam inconfundíveis.

Enfatiza-se, pois, que os processos da competência da Justiça Federal têm características específicas que os distinguem dos demais, posto que a Constituição Federal destacou Justiça própria para julgar não apenas os crimes políticos e as causas criminais em que o comportamento criminoso tenha ocorrido em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excetuadas as hipóteses de competência específica.

O dualismo jurisdicional brasileiro originou-se na República, que também havia instituído o regime federalista; em razão deste regime que se constatou a conveniência de se distribuírem as funções jurisdicionais entre os Estados e a União, reservando-se para esta as causas de seu interesse, para que não ficasse o Estado Federal com seus interesses subordinados ao julgamento das unidades federadas.

A Lei n. 10.259/2001, perante seu escopo, organizou o Juizado Especial Criminal levando em consideração o universo de crimes processados pela Justiça Federal e as singulares dificuldades dessa esfera do Poder Judiciário no momento em que foi editada; e, nessa visão, fixou uma política criminal para definir os crimes de menor potencial ofensivo no seio federal.

Com efeito, segundo aponta o artigo 2.°, parágrafo único, da Lei n°. 10.259/01, são consideradas infrações de menor potencial ofensivo, expressamente "para os efeitos desta lei", os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa, ou seja, definiu-se crime de menor potencial ofensivo unicamente para seu âmbito.

O princípio da igualdade implica tratamento igual a situações iguais e tratamento desigual a situações desiguais, como exara José Afonso da Silva. Assim, os desiguais devem ser tratados desigualmente na medida em que se desigualam, premissas que a Lei 10.259/01 não feriu.

O princípio da isonomia, esclarece Manoel Gonçalves Ferreira Filho, "Como limitação ao legislador, proíbe-o de editar regras que estabeleçam distinções desarrazoadas entre seus destinatários, seja tratando desigualmente situações iguais, seja tratando igualmente situações desiguais." Assevera, ainda, que "Esse princípio não é, todavia, absoluto. As próprias constituições ao consagrá-lo nem por isso renegam outras disposições que estabeleçam desigualdade. Assim, não é dado invocá-lo ‘onde a Constituição, explícita ou implicitamente, permite a desigualdade’ (Pontes de Miranda, Comentários).".

Tem-se mencionado a hipótese do crime de desacato para demonstrar a ofensa ao princípio da igualdade. Apenado com detenção de 06 meses a 02 anos, dizem, se o crime for praticado contra funcionário público estadual não será de menor potencial ofensivo; ao revés se praticado contra funcionário federal, assim será considerado.

Com a devida vênia, estão colocando no mesmo patamar situações diferentes. Para que tal crime seja considerado da competência da Justiça Federal e, portanto, sujeito à Lei 10.259/01, é necessário que, além da tipificação contida no art. 331, do Código Penal, haja um plus, qual seja, que a ofensa seja dirigida a funcionário federal. Exige-se interesse da União para elevar o crime à categoria de delito de competência da Justiça Federal. Ora, já aí constata-se uma diferença entre este crime e o praticado contra o funcionário estadual. Há como que uma qualificadora em função da qualidade da vítima, o que o diferencia daqueloutro.

Dir-se-á que sendo o bem jurídico tutelado o mesmo, não se permite tratamento desigual. Todavia, comparados os crimes sujeitos à competência da Justiça Comum ou Ordinária com crimes da competência da Justiça Militar, também se terá ofensa ao mesmo bem jurídico. Embora classificada como especial a Justiça Militar, o que diferencia os crimes definidos no Código Penal Militar dos crimes capitulados no Código Penal, que tenham a mesma definição legal, é justamente a qualidade da vítima ou do agente ou o local da infração (art. 9º, inciso II, do Código Penal Militar)

Nem por isso entendeu o E. Supremo Tribunal Federal ser inconstitucional, por ofensa ao princípio da igualdade, a norma contida no art. 90-A da Lei 9.099/95, introduzida pela Lei n. 9.839/99, que veda, expressamente, a aplicação da referida Lei no âmbito da Justiça Militar. Conf. Habeas Corpus Nº 15.573- RS 5ª Turma, v.u., Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca).

Pode parecer incoerente que o conceito mais amplo de infração de menor potencial ofensivo fique restrito à Justiça Federal onde, em tese, a ofensa seria mais grave por atingir bens da União. Entretanto, os critérios estão aí e foram estabelecidos pelo legislador. Até é compreensível que assim seja, pois, ante a gravidade dos crimes cometidos à competência da Justiça Federal, aqueles sancionados com pena restritiva de liberdade até dois anos tornam-se, de fato, crimes de menor repercussão social. Ademais, como o objetivo dos juizados é desafogar a Justiça, a ampliação se fez necessária naquela esfera para alcançar maior número de processos.

Concluindo, por se tratar de situações diferentes, não há ofensa ao princípio da igualdade no tratamento diferenciado entre os Juizados Especiais Criminais Federal e Estadual.

Nesse contexto, a própria Constituição Federal instituiu a Justiça Federal, à parte, distintamente, para as causas de interesse da União, sem que nisso se possa vislumbrar ofensa ao princípio da igualdade.

O Estatuto Supremo faz referência a dois sistemas diversos de Juizados Especiais Criminais, o federal e o estadual. A realidade da Justiça Federal e as dificuldades que ora enfrenta diferem da realidade peculiar da Justiça Estadual, com seus aspectos regionais.

A Lei n.° 10.259/2001 foi editada com um objetivo lícito e singular: organizar os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal. Assim, não há concluir que a lei nova distinguiu de forma não razoável ou arbitrária, vale dizer, de maneira puramente discriminatória, um tratamento específico a pessoas diversas.

Há, pois, justificativa para o tratamento diferenciado da Justiça Federal no que tange à definição dos crimes de menor potencial ofensivo, inserida na organização do seu sistema próprio de Juizado Especial Criminal.

A lei nova mantém relação de especialidade com a Lei n.° 9.099/95 e trouxe disciplina exclusiva para os Juizados Especiais Cíveis e Criminais na esfera federal, sem interferência no âmbito da legislação antiga, a qual é díspar da matéria versada na Lei n.° 10.259/2001. Não gerou, pois, derrogação ou modificação da lei anterior - § 2.°, do artigo 2.°, da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei n.° 4.657/42).

A Egrégia Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, chamada a se manifestar nos termos do art. 28, do CPP, em processo referente a porte ilegal de arma (Pt. Protocolado nº 17.471/02 - Artigo 28 do CPP Processo nº 450-6/01 - 3ª Vara Criminal do Foro Regional de Santana), por decisão publicada no Diário Oficial do Estado de 12.03.2002, também entendeu que a Lei 10.259/01 não tem aplicação no Juizado Especial Criminal Estadual. Do despacho, destaco o seguinte trecho:

"A própria Constituição Federal distingue, claramente, para fins de instituição dos Juizados Especiais, as Justiças Estadual e Federal. Nossa Carta Política, originariamente, nem sequer admitia a transação penal ou o procedimento sumaríssimo na Justiça Federal (art. 98, caput), tanto que foi necessária a edição da Emenda Constitucional nº 22, de 18 de março de 1999, dispondo expressamente sobre a criação dos juizados no âmbito da Justiça Federal (cf. parágrafo único do art. 98). Em outras palavras, a Constituição Federal sempre considerou que os Juizados Especiais deveriam ser tratados nos âmbitos Estadual e Federal distintamente, com regras que atendessem as respectivas peculiaridades. Além disso, o próprio legislador, preocupado com os reflexos da Lei nº 10.259/01, deixou claro que o conceito das infrações de menor potencial ofensivo, previsto no parágrafo único do art. 2º, aplicar-se-ia, tão-somente, no âmbito da Justiça Federal, ao utilizar a expressão "para os efeitos desta Lei" e, mais a frente, ao vedar expressamente a aplicação da nova lei à Justiça Estadual (cf. art. 20, parte final) e, como se sabe, a lei não contém termos ou expressões inúteis.

O Poder Judiciário não cria normas jurídicas. Não legisla. Não cabe ao Julgador substituir o Legislador na casuística forense, mudando ou criando conceitos legais, mesmo intencionando corrigir injustiça legislativa.

De outra forma, se por hipótese uma lei ofende o princípio da isonomia e se revela inconstitucional, não pode o Juiz estender o benefício advindo da inconstitucionalidade a outros crimes e a outras penas não previstos pelo Legislador, pois nesse campo o juiz atua como legislador negativo, apenas lhe sendo lícito declarar a inconstitucionalidade da lei.

É defeso ao Julgador atuar como legislador positivo, com poder criador, ampliando os efeitos da decisão de forma a assenhorear-se de outras hipóteses não previstas na lei. Caso contrário, o Judiciário se tornaria um superpoder, quebrando a independência e a harmonia entre os poderes da República.

Assim, ao Poder Judiciário caberia alegar a inconstitucionalidade da Lei n.˚ 10.259, sendo, pois, vedada a ampliação do conceito de crime de menor potencial ofensivo na esfera estadual.

De acordo com Paulo Sérgio do Nascimento Rangel, dois pontos evidenciam a inconstitucionalidade da referida Lei, impedindo, assim, a sua aplicação no âmbito dos Juizados Especiais Estaduais.

Primeiro, o legislador ordinário foi além do permitido pela Emenda Constitucional. Ao estabelecer que lei federal disporá sobre a criação do juizado no âmbito da Justiça Federal, o parágrafo único do artigo 98 limitou a atuação do legislador ordinário à simples criação do juizado. Assim, qualquer acréscimo a essa autorização esbarra na limitação do dispositivo constitucional. Como o parágrafo não pode ser interpretado isoladamente, dissociado da cabeça, o mencionado dispositivo deve ser lido assim: "observado o disposto no caput, lei federal disporá sobre a criação do juizado especial". Isto porque as regras do juizado, inclusive o conceito de infração de menor potencial ofensivo, já estavam estabelecidas na Lei editada em cumprimento ao comando do art. 98, caput (Lei 9.099/95).

Sintomática a exposição de motivos do projeto de emenda constitucional que culminou com a EC nº 22/99 "A criação dos juizados especiais há de ter peculiar significado também no âmbito criminal, permitindo que a Justiça Federal institua os juizados especiais criminais para os crimes de menor potencial ofensivo, já que muitos dos crimes de competência da Justiça Federal têm pena máxima não superior a um ano (limite utilizado pelo legislador ordinário para conferir a competência dos juizados especiais criminais), como se pode comprovar em rápido levantamento." - grifei

Segundo, embora não se negue ao legislador o poder de modificar as leis, deve ele obedecer às regras estabelecidas na Lei Complementar Federal nº 95/98, alterada pela Lei Complementar nº 107/01, que traça os lineamentos para a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis e, prevê, no seu art. 9º, que a cláusula de revogação deverá enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revogadas. Ora, a Lei em comento não contém cláusula de revogação; logo, por ofender norma complementar à Constituição, como ensina o citado Professor no trabalho ainda não publicado, calcado na doutrina de renomados constitucionalistas, ofende a própria Constituição.

Diz-se que o apontado vício não tem a força que se pretende. Se assim é, ao menos permite interpretação de que, se o legislador tivesse a intenção de modificar o art. 61 da Lei 9.099/95, deveria tê-lo feito expressamente, como determina a Lei Comp. nº 95/98 em seu art. 12. Não o tendo feito, de se entender que, efetivamente, não teve a vontade direcionada para a alteração do conceito de infração de menor potencial ofensivo para os Juizados Estaduais, senão, apenas de firmá-lo com maior amplitude para os Juizados Federais.

O Egrégio Supremo Tribunal Federal enfrentou situação semelhante, no âmbito penal, quando da edição da Lei nº 9.455/97, que admitiu a progressão de regime prisional ao crime de tortura, equiparado à condição de hediondo. Alguns doutrinadores, irremediavelmente, sustentaram que para os demais crimes hediondos, pelo princípio da isonomia, também deveria se admitir igual benefício. A Primeira Turma da Suprema Corte, julgando o Habeas Corpus nº 76.543, DJU de 17/04/98, em acórdão relatado pelo Ministro Sydney Sanches decidiu contrariamente a essa pretensão, sob a seguinte argumentação:

A Lei n° 9.455, de 07.04.1997, que define os crimes de tortura e dá outras providências, no § 7° do art. 1°, exara: "o condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2°, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado".

Logo, não se exige que no crime de tortura a pena seja cumprida integralmente em regime fechado, mas somente no início.

Nesse sentido, foi, então, mais benigna a lei com o crime de tortura, já que não estendeu o mesmo regime aos demais crimes hediondos, nem ao tráfico de entorpecentes, nem ao terrorismo.

Se a Lei mais benigna tivesse ofendido o princípio da isonomia, seria inconstitucional; não pode o Juiz estender o benefício conseqüente da inconstitucionalidade a outros crimes e a outras penas, pois, se há inconstitucionalidade, o juiz atua como legislador negativo, declarando a invalidade da lei; assim, não pode o legislador atuar positivamente, ampliando os efeitos a outras hipóteses não previstas.

Bem ou mal, o legislador quis ser mais condescendente com o crime de tortura do que com os crimes hediondos, o tráfico de entorpecentes e o terrorismo.

Referida condescendência não poderá ser estendida aos demais crimes, pelo Juiz, como intérprete da Lei, sob pena de assumir a competência do legislador e de debilitar, asseguradamente, o combate à criminalidade mais grave.

As apreciações feitas pelo Ministro Sydney Sanches demonstram que, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, a eventual incoerência do legislador, sendo mais condescendente com os possíveis autores de crimes federais, não dá permissão ao Poder Judiciário, sob o pretexto de restauração da isonomia, de substituir-se aos poderes políticos para a construção de uma regra que não foi editada: a ampliação dos rígidos limites figurados no art. 61 da Lei nº 9.099/95.

Sob os aspectos apreciados, é dever do Poder Judiciário alegar a inconstitucionalidade do art. 2°, parágrafo único, da Lei 10.259/01, caso entenda ser desigual, desproporcional, ferindo, pois, o princípio da isonomia; e não ampliar simplesmente o conceito de menor potencial ofensivo para a esfera estadual, já que, como foi demonstrado, o julgador aplica a lei, não lhe cabendo legislar.

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Sobre a autora
Glayciele Rodrigues Gonçalves Ferreira

Funcionária Pública Estadual

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Glayciele Rodrigues Gonçalves. O art. 61 da Lei dos Juizados Especiais Criminais estaduais (Lei nº 9.099/95) com o advento da Lei dos Juizados Especiais Criminais na Justiça Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 559, 17 jan. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6191. Acesso em: 22 nov. 2024.

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