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O art. 61 da Lei dos Juizados Especiais Criminais estaduais (Lei nº 9.099/95) com o advento da Lei dos Juizados Especiais Criminais na Justiça Federal

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CAPÍTULO III

A LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS ESTADUAIS (LEI N.˚ 9.099/95) COM O ADVENTO DA LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS NA JUSTIÇA FEDERAL (LEI N.˚ 10.259/01)

1. Sistema Penal Brasileiro

O sistema penal brasileiro encontra-se dividido da seguinte forma:

a) sistema clássico: denominado de espaço de conflito, acolhe as infrações penais de grande potencial ofensivo e norteia-se na pena de prisão; abarca o devido processo legal (inquérito policial, denúncia, direito de contraditório e ampla defesa, provas, debates, sentença, recursos, etc.);

b) sistema consensual: também denominado de espaço de consenso, protege as infrações penais de menor ou médio potencial ofensivo e que tenham como base a não aplicação de pena de prisão; é o que ocorre no novo devido processo legal (consensual), consignado na Lei 9.099/95, o qual analisa quatro medidas despenalizadoras: composição civil (art. 74), transação penal (art. 76), representação nas lesões corporais (art. 88) e suspensão condicional do processo (art. 89), bem como na Lei 10.259/01.

Sob a égide do sistema consensual surgiram, com o advento da Lei 10.259/01, dois sistemas para o conceito de menor potencial ofensivo: o unitário e o bipartido ou dualista.

O sistema unitário considera infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos da lei dos juizados, os crimes a que a lei aplique pena máxima não superior a 2 (dois) anos, ou multa.

Os adeptos desta teoria destacam que essa seria a melhor posição, devido, sobretudo, ao princípio constitucional da igualdade (ou do tratamento isonômico, conforme o art. 5˚ da Constituição Federal), ao princípio da proporcionalidade ou razoabilidade, bem como por tratar-se de lei nova com conteúdo penal mais favorável (art. 2˚, parágrafo único, do Código Penal).

Tendo em vista que a fonte normativa dos Juizados é a mesma, legislação federal (Lei 9.099/95 e Lei 10.259/2001), não se poderia concordar com a argumentação de que quis o legislador instituir dois sistemas distintos sobre Juizados, ou seja, um federal divergente do estadual.

Segundo o sistema bipartido ou dualista, no entanto, há dois conceitos de infração de menor potencial ofensivo: um federal (Lei n.10.259/2001, art. 2˚, parágrafo único) e outro estadual (Lei n.9.099/95, art. 61).

Pondera tal tese que: a lei nova não seria mais benéfica, já que o "sistema consensuado não é mais favorável ao acusado"; os bens jurídicos defendidos no âmbito federal são distintos do estadual; a Carta Magna quis distinguir os dois Juizados, federal e estadual; a Lei dos Juizados Federais (Lei 10.259/2001) em seu art. 2˚, parágrafo único, dá ênfase aos termos "para os efeitos desta Lei" (grifou-se); o art. 20 da mencionada Lei proíbe a cominação da Lei dos Juizados Federais aos Estados; não existe lacuna legislativa; e, o Judiciário não pode substituir o legislador, nem alterar conceitos legais.

2. Interpretação

Interpretar é determinar o significado e alcance da lei, não podendo ser confundida com a integração. Por meio desta, são preenchidas as lacunas da lei, através da analogia e dos princípios gerais do direito.

Ensina Martin Heidegger que

A interpretação de algo como algo funda-se, essencialmente, numa posição prévia, visão prévia e concepção prévia. A interpretação nunca é a apreensão de um dado preliminar, isenta de pressuposições. Se a concreção da interpretação, no sentido da interpretação textual exata, se compraz em se basear nisso que ‘está’ no texto, aquilo que, de imediato, apresenta como estando no texto nada mais é do que a opinião prévia, indiscutida e supostamente evidente, do intérprete. Em todo princípio de interpretação, ela se apresenta como sendo aquilo que a interpretação necessariamente já ‘põe’, ou seja, que é preliminarmente dado na posição prévia, visão prévia e concepção prévia.

De acordo com Julio Fabrini Mirabete

ao menos para se alcançar o sentido léxico das palavras utilizadas pelo legislador, a interpretação da lei é indispensável. A interpretação é o processo lógico que procura estabelecer a vontade da lei, que não é, necessariamente, a vontade do legislador. A lei deve ser considerada como entidade objetiva e independente e a intenção do legislador só deve ser aproveitada como auxílio ao intérprete para desvendar o verdadeiro sentido da norma jurídica. Interpretar é descobrir o verdadeiro conteúdo da norma jurídica, precedendo sempre à aplicação, processo pelo qual se submete o caso concreto à norma geral.

Interpretar é descobrir o sentido e o alcance da norma, buscando o verdadeiro significado dos conceitos jurídicos. É, portanto, esclarecer, explicar, dar veracidade ao vocábulo, retirando da norma o seu conteúdo, e apresentando o seu apropriado e real sentido para a vida.

As leis, para que possam ser estendidas a todos os casos da mesma espécie, são formuladas em termos gerais e abstratos.

Ao aplicador do direito, seja juiz, tabelião, advogado, administrador ou contratante, cabe transferir o texto abstrato para o caso concreto, da norma jurídica ao fato real.

Para tanto, necessário se faz fixar o verdadeiro sentido da norma jurídica e, em seguida, determinar o seu alcance ou extensão.

Interpretar, de acordo com André Franco Montoro: "é fixar o verdadeiro sentido e alcance de uma norma jurídica". Para Coviello, é a "investigação e explicação do sentido da lei"; "é determinar o sentido e o alcance das expressões do direito", como explicita Carlos Maximiliano.

São três os elementos integrantes do conceito de interpretação: a fixação do sentido; e o alcance; da norma jurídica.

Fixação é a significação, o sentido ou finalidade. Interpretar não é simplesmente esclarecer os termos da norma jurídica de forma abstrata, mas revelar o sentido apropriado para a vida real, conduzindo-a a uma aplicação justa.

Cabe, também, ao intérprete determinar o alcance do preceito jurídico. Duas leis com o mesmo sentido podem ter extensão ou alcance diferentes, como ocorre, por exemplo, com as leis dos juizados especiais. Enquanto uma, Lei 9.099/95, é aplicável a quem comete crime no âmbito estadual, a outra, Lei 10.259/01, se estende a quem comete crime contra a União.

Por fim, norma jurídica não significa apenas as leis, mas também os tratados, acordos ou convenções, decretos, medidas provisórias, portarias, despachos, sentenças, usos e costumes, contratos, testamentos, e outros.

A interpretação sempre é necessária, sejam claras ou obscuras as palavras da lei ou de qualquer outra norma; e será imprescindível determinar o seu alcance.

Como adverte Coviello, a clareza de um texto é algo relativo e subjetivo: o que parece ser claro a alguém não o é a outrem. Ou, ainda, uma palavra pode ser clara segundo a linguagem comum e ter, no entanto, um significado próprio e técnico, diferente do seu sentido vulgar.

A interpretação pode ser classificada conforme diversos critérios: a) quanto à sua origem ou fonte de que emana (judiciária ou usual, legal ou autêntica, administrativa, doutrinária ou científica); b) quanto ao método utilizado pelo intérprete (gramatical ou filológica, lógico-sistemática, histórica, sociológica); c) quanto a seus resultados ou efeitos (declarativa, extensiva, restritiva).

As funções da interpretação, conforme ensinamento de Machado Neto são: a) conferir a aplicabilidade da norma jurídica às relações sociais que lhe deram origem; b) estender o sentido da norma a relações novas, inédita ao tempo de sua criação; c) temperar o alcance do processo normativo, para fazê-lo corresponder às necessidades reais e atuais de caráter social.

A História do Direito mostra um ideal constante de adaptação entre a lei e as várias transformações circunstanciais ligadas ao espaço e ao tempo, uma experiência invadida ao mesmo tempo pelo justo e pela estabilidade reclamada com relação à certeza e à segurança.

Entende-se a norma como abstraída do processo em que ela se constitui e se insere. Uma norma não pode ser exterminada do processo de que faz parte; deve ser interpretada envolvendo seus aspectos histórico e social. Não deve ficar, assim, presa ou interligada às circunstâncias que originariamente a condicionaram, sobrepujando-as.

A exegese dos processos interpretativos não deixa outra conclusão senão no desacerto da tese que defende a ampliação do conceito de crime de menor potencial ofensivo: no que tange ao plano gramatical, pela letra do parágrafo único do art. 2º da Lei n. 10.259/01; no plano lógico, vez que há coerência do texto infraconstitucional com o constitucional, notadamente o parágrafo único do art. 98, e dos dois textos infraconstitucionais; no enfoque sistemático, vez que a novel lei é um microssistema normativo em compasso com a Carta Política; no contexto histórico, dado que todo o trabalho preparatório e de discussões só dizia respeito à criação dos juizados especiais federais e não à ampliação do conceito de crimes de menor potencial ofensivo; e no âmbito teleológico, considerando cristalino que a intenção do legislador não foi ampliar o conceito de menor potencial ofensivo, mas sim de instituir os juizados especiais federais.

O parágrafo único do art. 2º da Lei 10.259/2001 ao definir os crimes de menor potencial ofensivo o fez exclusivamente para os efeitos desta lei, e assim o diz expressamente. Em nenhum momento, a lei previu a aplicação desta definição fora do âmbito dos Juizados Especiais Criminais Federais.

Não se presumem, na lei, palavras inúteis, já dizia o brocardo Verba cum effectu sunt accipienda. Sutherland, citado por Carlos Maximiliano, já sustentava que "As expressões de Direito interpretam-se de modo que não resultem frases sem significação real, vocábulos supérfluos, ociosos, inúteis". Portanto, não podemos deixar de atribuir sentido à restrição prevista pelo dispositivo supra citado ao se referir que a definição de crimes de menor potencial ofensivo ali regulada é somente para os efeitos desta lei.

3. Princípios e Regras Constitucionais

Embora não seja correto sustentar a existência de diferenciação hierárquica entre normas constitucionais, não se pode negar a necessidade de subdivisão desse gênero, norma constitucional, em duas espécies diferenciadas: as regras e os princípios, devido às distintas funções que cada uma delas tem o dever de cumprir, além de também ser variável o seu grau de generalidade e abstração.

Com efeito, existem normas na Constituição cujos comandos, levando-se em consideração o seu grau de concreção, impõem-se a hipóteses mais definidas e menos numerosas. Cite-se, por exemplo, os dispositivos que fixam as fases do processo legislativo, as espécies de tributos a serem instituídas pelas unidades da Federação, etc. Estes são os casos de regras constitucionais, que desempenham o papel de dirigir, de maneira mais específica e direta, a ordenação dos órgãos estatais e da sociedade.

Os princípios constitucionais, por outro lado, "traçam diretrizes ou fixam valores a serem observados para a aplicação das outras normas constitucionais e também para a elaboração e aplicação do direito infraconstitucional", ao invés de disporem de forma direta sobre situações específicas.

Segundo Geraldo Ataliba, tais princípios, por propagarem as idéias, as concepções fundamentais, os valores sobre os quais o ordenamento jurídico é instituído, são as chaves de todo o sistema de direito positivo vigente em determinado Estado. A Constituição, estatuto fundamental da ordem jurídica, deve, portanto, conter princípios que a estruturam.

Princípio jurídico, para Celso Antônio Bandeira de Mello, é mandamento central, verdadeiro alicerce de um sistema, cuja disposição se espalha sobre diversas normas construindo-lhes o espírito e servindo de critério para sua perfeita compreensão e inteligência, "exatamente por definir a lógica e a racionalização do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e dá sentido harmônico".

E mais:

(...)Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. (Grifou-se).

Geraldo Ataliba assegura que existe "uma ordem que faz com que as regras tenham sua interpretação e eficácia condicionadas pelos princípios".

A Constituição Federal determina os princípios direcionadores, como base jurídica da coletividade, para os quais devem formar unidade política e exercer tarefas estatais.

Canotilho dispõe sobre os critérios utilizados para distinguir os princípios das regras constitucionais, levantando as funções que deverão cumprir aqueles: a) grau de abstração: nos princípios se apresenta em um grau mais elevado do que nas regras; b) grau de determinabilidade na aplicação ao caso concreto: os princípios carecem de mediação judicial ou legislativa, enquanto as regras, em geral, são imediatamente aplicáveis; c) caráter de fundamentalidade no sistema de fontes de direito: os princípios têm importância determinante para a compreensão do ordenamento jurídico, ao contrário das regras; d) proximidade da idéia de direito: os princípios são como pauta, como padrões informadores da concepção de justiça, os quais informam o ordenamento positivo; e) natureza normogenética: os princípios são o fundamento, a razão das regras.

Canotilho expressa que os princípios fundamentais são "historicamente objetivados e progressivamente introduzidos na consciência jurídica e encontram uma recepção expressa ou implícita no texto constitucional (...) e constituem um importante fundamento para a interpretação, integração, conhecimento e aplicação do direito positivo".

Quanto à classificação dos princípios constitucionais, Luís Roberto Barroso sistematiza-os em conformidade com o seu grau de destaque em torno do sistema e sua conseqüente abrangência, já que variam tanto na atuação quanto na amplitude de sua aplicação e influência:

a) princípios constitucionais fundamentais: são aqueles que contêm as decisões políticas estruturais do Estado, os fundamentos da organização política do Estado, determinam a posição ideológica da Constituição e formam o seu centro imodificável e irredutível, são: os princípios republicano, federativo, do Estado democrático de Direito, da separação dos poderes, presidencialista e o da livre iniciativa;

b) princípios constitucionais gerais: são especificações dos princípios fundamentais, os quais se emitem por toda a ordem jurídica, como desdobramentos deles, dentre eles: legalidade, liberdade, isonomia, acesso ao Judiciário, devido processo legal;

c) princípios constitucionais setoriais ou especiais: instituem um conjunto específico de normas sobre determinado tema, sendo aplicáveis, portanto, limitadamente; no entanto, são supremos com relação ao seu âmbito de atuação, podendo ser desdobramentos dos princípios gerais, como, por exemplo, no caso de legalidade em matéria tributária, ou serem providos de autonomia.

O Estatuto Supremo é o primeiro nível do ordenamento jurídico vigente, decorrendo daí sua imposição para todos os atos estatais, inclusive e principalmente os legislativos, devendo ser praticados em consonância com as exigências formais e materiais estatuídas por ele.

A Constituição Federal, de acordo com Kelsen, detém a idéia de "um princípio supremo que determina por inteiro a ordem estatal e a essência da comunidade constituída por essa ordem. Como quer que se a defina, a Constituição é sempre o fundamento do Estado, a base do ordenamento jurídico que se pretende conhecer".

Os princípios justificadores para a aplicação da Lei 10.259/01 aos Juizados Especiais Estaduais são: igualdade, proporcionalidade e razoabilidade. Veja-se:

A Carta Magna garante a todos, genericamente, a inviolabilidade do direito à igualdade, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em conformidade com os critérios acolhidos pelo ordenamento jurídico.

O primitivo conceito de igualdade, formal e negativa (a lei não deve estabelecer qualquer diferença entre os indivíduos), clamou-se pela passagem à igualdade substancial. E hoje, na conceituação positiva da isonomia (iguais oportunidades para todos, a serem propiciadas pelo Estado), realça-se o conceito realista, que pugna pela igualdade proporcional, a qual, significa, em síntese, tratamento igual aos substancialmente iguais.

São vedadas, dessa forma, as distinções arbitrárias, as discriminações absurdas, tendo em vista que o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência do conceito de Justiça, sobretudo com relação à proteção de certas finalidades, tendo-se por lesado "o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito".

A igualdade se configura como uma eficácia transcendente de modo que toda situação de desigualdade persistente à entrada em vigor da norma constitucional deve ser considerada não recepcionada, se não demonstrar compatibilidade com os valores que a constituição, como norma suprema, proclama.

Ensina Daniel Basterra que tal princípio, aplicável ao Direito Brasileiro, não é entendido apenas como igualdade de todos perante a lei, mas também igualdade com relação à sua aplicação a todos, ou seja, os poderes públicos encarregados de sua aplicação devem fazê-lo sem restrições ou tratamentos desiguais, excetuando-se, contudo, os casos em que a mesma os preveja justificadamente.

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Existem dois planos diferentes previstos pela Constituição para o princípio da igualdade. De um lado, perante o legislador ou o executivo, na edição de leis, atos normativos e medidas provisórias, respectivamente, impossibilita-se a criação de tratamentos abusivamente distintos a pessoas que se encontram em situações igualitárias. De outro, entretanto, é dever da autoridade pública aplicar a lei e atos normativos equivalentemente, sem estabelecer distinção por motivo de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, raça, classe social.

Ocorre desigualdade legal no momento em que a norma dá, de forma não razoável ou arbitrária, um tratamento específico a pessoas diversas. É indispensável, para as distinções normativas serem consideradas não discriminatórias, que haja uma justificativa objetiva e razoável, conforme critérios e juízos de valores aceitos de uma forma geral.

Lammêgo Bulos, por sua vez, informa que a boa hermenêutica reclama observância ao princípio da razoabilidade, meio pelo qual o intérprete busca a adequação, a racionalidade, a idoneidade, a logicidade, a prudência e a moderação no ato de se compreender os textos normativos. Trata-se, segundo ele, de um mecanismo de controle da discricionariedade administrativa e legislativa, permitindo ao Judiciário invalidar as ações abusivas ou destemperadas dos administradores e dos legisladores. A palavra de ordem que anima a existência de tal princípio é Justiça.

A razoabilidade envolve uma relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, conforme os direitos e garantias protegidos pela Constituição quanto à finalidade e efeitos da medida considerada.

Sendo, portanto, proporcionalmente razoável ao fim buscado, têm compatibilidade com a Constituição Federal os tratamentos normativos diferenciados.

O Colendo Supremo Tribunal Federal já decidiu oportunamente que "Não cabe invocar o princípio da isonomia onde a Constituição, implícita ou explicitamente, admitiu a desigualdade" (RDA 128/220) (grifou-se).

Frise-se que o princípio da igualdade se limita a uma tríplice finalidade: "limitação ao legislador, ao intérprete/autoridade pública e ao particular. O legislador, no exercício de sua função constitucional de edição normativa, não poderá afastar-se do princípio da igualdade, sob pena de flagrante inconstitucionalidade".

Não poderá o intérprete/autoridade pública criar ou expandir desigualdades arbitrárias quando da aplicação das leis e atos normativos aos casos concretos.

O Judiciário, principalmente, na tarefa de dizer o direito ao caso concreto, utilizará obrigatoriamente os mecanismos constitucionais no intuito de dar uma única e igualitária interpretação às normas jurídicas.

Ressalte-se que a própria Constituição pode justificar distinções entre indivíduos, com o fito de assegurar igualdade material e substancial, representando esse tratamento distinto técnica de realização de justiça, sendo que as exceções à regra de igualdade de tratamento devem provar sua constitucionalidade, por meio do teste de proporcionalidade, sujeitando-se ao efetivo controle judicial.

O recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal (uniformização na interpretação da Constituição Federal) e o recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça (uniformização na interpretação da legislação federal, respectivamente) foram instituídos pelo legislador com a intenção de sanar falhas advindas. E mais, é procedimento obrigatório da legislação processual estabelecer mecanismos de uniformização de jurisprudência aos Tribunais generalizadamente.

Relativamente ao princípio da igualdade, San Tiago Dantas expõe:

Quanto mais progridem e se organizam as coletividades, maior é o grau de diferenciação a que atinge seu sistema legislativo. A lei raramente colhe no mesmo comando todos os indivíduos, quase sempre atende a diferenças de sexo, de profissão, de atividade, de situação econômica, de posição jurídica, de direito anterior; raramente regula do mesmo modo a situação de todos os bens, quase sempre se distingue conforme a natureza, a utilidade, a raridade, a intensidade de valia que ofereceu a todos; raramente qualifica de um modo único as múltiplas ocorrências de um mesmo fato, quase sempre os distingue conforme as circunstâncias em que se produzem, ou conforme a repercussão que têm no interesse geral. Todas essas situações, inspiradas no agrupamento natural e reacional dos indivíduos e dos fatos, são essenciais ao processo legislativo, e não ferem o princípio da igualdade. Servem, porém, para indicar a necessidade de uma construção teórica, que permita distinguir as leis arbitrárias das leis conforme o direito, e leve até esta alta triagem a tarefa do órgão do Poder Judiciário.

Quanto ao princípio da proporcionalidade, na Carta brasileira o mesmo não vem expresso; contudo, devido à formação sistemática do ordenamento jurídico e à constitucionalização dos direitos fundamentais, funciona ao lado do princípio da igualdade, como garantia, sendo instrumento de defesa contrário à arbitrariedade ou abuso do Estado, no que ofender a liberdade individual ou restrições aos direitos fundamentais.

Para Luís Roberto Barroso:

ao lado do princípio da igualdade perante a lei, essa versão substantiva do devido processo legal tornou-se importante instrumento de defesa dos direitos individuais, ensejando o controle do arbítrio do Legislativo e da discricionariedade governamental. É por seu intermédio que se procede ao exame da razoabilidade (reasonbaleness) e da racionalidade (rationality) das normas jurídicas e dos atos do Poder Público em geral.

O princípio da proporcionalidade é afeto pela sua destinação, como técnica de guarida contra o arbítrio; mostra-se como instrumento de proibição de excesso, permitindo a revisão de todo e qualquer ato estatal que tenha por objetivo interferir no patrimônio jurídico individual.

Além disso, a proporcionalidade só pode ser constatada na avaliação do caso concreto, no momento em que a medida administrativa ou legislativa é acareada com os "elementos da tríplice caracterização desse princípio":

a) princípio da adequação ou da idoneidade: todas as medidas restritivas devem ser idôneas à obtenção do fim almejado, caso contrário, será considerada inconstitucional;

b) princípio da necessidade ou da exigibilidade: a medida restritiva deve ser indispensável à preservação deste ou outro direito fundamental e que não possa ser substituída por outra equivalentemente eficaz, no entanto, menos gravosa;

c) princípio da proporcionalidade em sentido estrito: indica se o meio usado encontra-se em razoável proporção com a finalidade acossada. O equilíbrio entre os valores e bens é aviltado.

Analisando conjuntamente os princípios mencionados extrai-se que, a medida adotada deve ser a mais adequada para a satisfação do interesse público visada pela norma, sob pena de invalidade, inconstitucionalidade, como a própria Constituição determina.

Diante da conceituação e distinção de cada princípio constitucional conflitante entre os doutrinadores, destaca-se a necessidade de avaliação do preceituado no parágrafo único do art. 2˚ da Lei 10.259/01, tendo em vista a grande controvérsia em torno do conceito de menor potencial ofensivo.

É clarividente a preocupação da Constituição Federal com relação à mantença dos princípios e, para tanto, necessário se faz declarar a inconstitucionalidade do retromencionado artigo, esclarecendo e sanando, assim, qualquer dúvida e discussão sobre o conceito de menor potencial ofensivo.

Os processos interpretativos não bastam para a descaracterização dos princípios. Ainda que verificada incongruência infraconstitucional, sob todos os aspectos que se pregue, deve-se obediência à Constituição Federal. E todas as interpretações partem dela e somente nela encontram guarida.

4. Derrogação

Como todo fenômeno cultural, as leis nascem, são modificadas, depois morrem. Tais leis nascem através de promulgação; porém, somente passam a vigorar após sua publicação oficial.

A matéria, no Brasil, é disciplinada pela Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei n˚ 4.657/42), cujo conteúdo se funda em "normas sobre normas, assinalando-lhes a maneira de aplicação e entendimento, predeterminando as fontes de direito positivo, indicando-lhes as dimensões espácio-temporais".

São funções da LICC: "regular a vigência e eficácia da norma jurídica, apresentando soluções ao conflito de normas no tempo e no espaço; fornecer critérios de hermenêutica; estabelecer mecanismos de integração de normas; garantir a eficácia global, a certeza, segurança e estabilidade da ordem jurídica".

A LICC, portanto, prescreve princípios gerais ao ordenamento jurídico, indicando como as normas devem ser interpretadas e aplicadas; é uma coordenada essencial às demais normas, nos termos que se seguem:

"Salvo disposições contrárias, a lei começa a vigorar, em todo o país, quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada"(art. 1º.);

"Nos Estados estrangeiros a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se inicia três meses depois de oficialmente publicada (§1º. do art. 1º.);

"Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto destinada a correção, o prazo deste artigo e dos parágrafos anteriores começará a correr da nova publicação"(§3º do art. 1º.);

"As correções a texto de lei já em vigor consideram-se ‘lei nova’(§4º do art. 1º.), sujeita, naturalmente, aos prazos normais das demais leis".

O artigo 2º da referida lei preceitua: "Não se destinando a vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue".

Vale destacar aqui que a Lei n.º 9.099/95 não se enquadra na classificação de lei temporária, pelo contrário, cuida-se de lei de vigência permanente, uma vez que o seu texto não traz nenhum dispositivo estabelecendo o término da sua vigência.

O caso mais comum é o da revogação da lei.

Revogar significa tornar uma lei ou qualquer outra norma jurídica sem efeito. Leis, regulamentos, portarias, cláusulas contratuais, testamentárias, etc., são revogadas.

A revogação pode ser total, denominada, então, de ab-rogação, pois torna toda a lei sem efeito. Pode ser, ainda, parcial, denominando-se derrogação, consistindo em tornar sem efeito uma parte da lei ou norma. A derrogação, de outro lado, quando se limitar a tornar sem efeito uma parte da lei denomina-se revogação pura e simples, e quando pretende substituí-la por outro texto, chama-se modificação ou reforma da lei.

O direito brasileiro admite três casos de revogação, conforme expresso no §1º do art. 2º da LICC: "A lei posterior revoga a anterior: quando expressamente o declare; quando seja com ela incompatível; ou, quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior".

Quando se referir à lei ou leis revogadas a revogação é expressa; os demais casos se referem à revogação tácita ou implícita.

Consoante a explanação de Maria Helena Diniz, ocorrerá revogação tácita:

Quando houver incompatibilidade entre a lei nova e a antiga, pelo fato de que a nova passa a regular parcial (derrogação) ou inteiramente (ab-rogação) a matéria tratada pela anterior, mesmo que nela não conste a expressão ‘revogam-se as disposições em contrário’, por ser supérflua.

Com efeito, conforme lecionou Caio Mário da Silva Pereira, "o princípio cardeal em torno da revogação tácita é o da ‘incompatibilidade’ ", ou seja, "quando na nova lei há indícios ou sinais que fazem presumir que o legislador com ela pretendeu substituir a lei antiga"; não ocorrendo tal fato, coexistirão pacificamente os textos legais objetos da pesquisa interpretativa.

Existindo incompatibilidade entre dois textos de lei, prevalecerá o mais recente, considerando-se revogado o anterior implicitamente.

Caso uma lei geral regule inteiramente matéria tratada por leis anteriores, há entendimento de que, tacitamente, tais leis tenham sido revogadas no que dispuserem, mesmo que a referência não tenha sido expressa.

Acrescente-se, ainda, por oportuno, a relação intrínseca estabelecida entre o princípio da revogação tácita por incompatibilidade e o consubstanciado no § 2º art. 2º da LICC, que estatui: "a lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior" (§2º do art.2º da Lei de Introdução ao Código Civil), excetuando-se os casos mencionados no §1º, ou seja, revogação expressa, incompatibilidade, ou nova regulamentação completa da matéria.

Caio Mário entende que:

Aqui é que o esforço exegético é exigido ao máximo, na pesquisa do objetivo a que o legislador visou, da intenção que o animou, da finalidade que teve em mira, para apurar se efetivamente as normas são incompatíveis, se o legislador contrariou os ditames da anterior, e, em conseqüência, se a lei não pode coexistir com a velha, pois, na falta de uma incompatibilidade entre ambas, viverão lado a lado, cada uma regulando o que especialmente lhe pertence.

Esta coexistência não é afetada, quando o legislador vote disposições gerais a par de especiais, ou disposições especiais a par de gerais já existentes, porque umas e outras não se mostram, via de regra, incompatíveis. Não significa isto, entretanto, que uma lei geral nunca revogue uma lei especial, ou vice versa, porque nela poderá haver dispositivo incompatível com a regra especial, da mesma forma que uma lei especial pode mostrar-se incompatível com dispositivo inserto em lei geral. O que o legislador quis dizer (...) foi que a generalidade dos princípios numa lei desta natureza não cria incompatibilidade com regra de caráter especial. A disposição especial irá disciplinar o caso especial, sem colidir com a normação genérica da lei geral, e, assim, em harmonia poderão simultaneamente vigorar. (Grifou-se)

No mesmo sentido se posiciona o doutrinador João Frazen de Lima quando preceitua:

Essa disposição não é senão um aspecto do princípio geral, segundo o qual, não havendo incompatibilidade entre a lei posterior e a anterior, permanecerá esta em vigor. Desde que as disposições gerais ou especiais não colidam com outras já existentes sobre o mesmo assunto, não haverá revogação nem modificação das anteriores; ao contrário, harmonizam-se e completam-se. As disposições gerais ou especiais anteriores vigorarão ao lado, a par, das novas disposições, cada qual regendo o aspecto particular de que se ocupa.

As normas jurídicas são revogadas de acordo com o princípio geral de que "as normas se revogam por outras da mesma hierarquia ou de hierarquia superior".

Logo, uma Constituição somente pode ser revogada por outra, assim como todas as leis, portarias, regulamentos, e outros, se contrariar princípio referido.

Uma lei ordinária poderá revogar leis, bem como as normas de menor hierarquia, tais como portarias, regulamentos, que contrariarem suas disposições.

Verifica-se, a partir daí, que não há autorização para que os Juizados Especiais na Justiça Federal redefinam, para a Justiça Comum, o conceito de infração penal de menor potencial ofensivo.

Primeiro, é inegável que toda norma jurídica comporta mais de uma interpretação, conforme se verificou anteriormente. É incontestável, absolutamente, que a interpretação das leis, como das normas jurídicas em geral, deva ser feita sempre em conformidade com a Constituição.

Preceitua Bruno Bizerra:

A Constituição ocupa lugar sobranceiro no ordenamento jurídico. Com efeito, é através do Direito Constitucional positivo que se cria o Estado e, por conseguinte, surge o fundamento da produção jurídica dessa organização política. A Constituição diz que órgãos do Estado produzem e fazem atuar o Direito, além de dizer também como o direito positivo, ou seja, todas as demais normas jurídicas ali existentes, deve ser produzido.

A par disso, não se pode ignorar (...) que a Constituição ocupa o ápice do ordenamento jurídico, servindo de fundamento de validade (Kelsen) de todo o direito positivo que sob ela venha ser produzido pelo Estado.

A Carta Política vigente não o diz expressamente, e nem era preciso, mas todos percebemos que ela é conjunto de normas jurídicas que ocupa o posto mais alto do ordenamento jurídico vigente, disso decorrendo imposição segundo a qual os atos estatais, inclusive e muito principalmente os legislativos, devem obrigatoriamente ser praticados em ordem a respeitar as exigências formais e materiais presentes na Constituição. (Grifou-se)

Não fosse a existência e efetividade desse princípio implícito (princípio da supremacia da Constituição), faltar-nos-ia embasamento dogmático e teórico para fundamentar a concepção de inconstitucionalidade. (Acrescentou-se)

Sendo, pois, determinado de acordo com o Estatuto Supremo, constata-se que não há que se falar em derrogação ou, como queiram, revogação tácita, do parágrafo único do art. 2º da Lei 10.259/01, tendo em vista sua disposição expressa quanto à instituição dos Juizados Especiais Estaduais e Federais com prerrogativas, e, conseqüentemente, competências distintas.

A matéria disciplinada em conflito tanto pelos Juizados Especiais Estaduais quanto pelos Federais é a mesma, ou seja, tratam do conceito de menor potencialidade ofensiva, entretanto, as esferas de atuação de ambos são divergentes, sendo especificada em cada norma sua abrangência. Daí afirmar-se que ambas não são incompatíveis.

Confirma-se, assim, que ambas as Leis são federais, contudo, uma se refere aos crimes cometidos contra a esfera estadual e a outra contra a federal. Constata-se tal veracidade pelo conceito contido no parágrafo único, do artigo 2º, da Lei 10.259/01 que é exclusivo para os efeitos daquela lei. Por outro lado, como expressamente referido, o conceito contido no art. 61, da Lei 9.099/95, é para os "...efeitos desta Lei".

Expõe Márcia Arend e Rudson Marcos que:

forçoso concluir que a menção contida na Lei n.º 10.259/01, art. 2º, par. único, no sentido de que o conceito de menor potencial ofensivo ali arquitetado, só é aplicável para os efeitos desta lei, constitui-se em um nada jurídico, sem nenhuma aplicabilidade, pois, o princípio da isonomia substancial afasta a distinção feita pelo legislador ordinário. (Grifou-se)

Absurdo seria aceitar que tais expressões devam ser meramente descartadas, como muitos admitem. A norma não possui expressões desnecessárias, caso contrário, sequer existiria. O legislador nada escreve em vão, sem que tenha um significado.

Enfim, extrai-se da Carta Política que as leis não se misturam. Tratam do conceito de menor potencial ofensivo específica e separadamente. A lei mais nova (10.259/01) não revogou explicitamente a Lei 9.099/95, não são incompatíveis, e nem mesmo disciplinou completamente sobre a matéria contida nesta; apenas houve determinação para que se aplicasse a lei dos juizados estaduais nos federais no que não conflitasse com esta.

Existe decisão de nossos tribunais no sentido de que a Lei n. 10.259/01:

Trata-se de lei nova, especial, que estabelece condições paralelas a Lei 9.099/95, que por isso não a revogou quanto aos Juizados Especiais Estaduais (art. 2º, parágrafo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil).

Entretanto, verificando a incompatibilidade entre as leis questionadas, existe o meio específico determinado pela Constituição Federal para o caso de conflito de normas, qual seja, a alegação de inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 2˚ Lei 10.259/01, no que se refere ao conceito de menor potencial ofensivo.

4.1 O princípio da retroatividade da lei mais benigna

O conflito temporal de leis é resolvido por dois critérios: o primeiro se refere à irretroatividade da lei penal, consectário do princípio da reserva legal, expressamente previsto no artigo 5º, XL, primeira parte, da Constituição Federal, e no artigo 2º, caput, do Código Penal, segundo o qual, "ninguém pode ser sancionado penalmente em relação a um fato que na época de sua realização era irrelevante (ou prejudicial ao réu) para o Direito Penal"; entretanto, este princípio não é absoluto, sofrendo significativa relatividade, que se constitui no segundo critério tendente a solucionar a sucessão de leis penais no tempo.

Aplica-se o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica insculpido no mesmo dispositivo constitucional supramencionado, em sua segunda parte, e no parágrafo único do artigo 2 º do Código Penal, que assim estatui: "Art. 2º (...) Parágrafo único. A lei posterior que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado".

Como já visto anteriormente, com a criação dos Juizados Especiais Criminais foi instaurado um novo modelo de Justiça Penal, pautado na consensualidade visando a despenalização.

Os institutos despenalizadores, tais como, composição dos danos civis, transação penal e suspensão condicional do processo penal influenciaram diretamente no jus puniendi do Estado, pois mitigaram a indisponibilidade da ação penal pública, bem como, criaram um ambiente em que a jurisdição penal passou a adotar a consensualidade, no ressarcimento dos prejuízos à vítima, na renúncia ao direito de queixa, o que acabou relativizando o seu poder de punir.

É cediço que:

o Poder Político (Legislativo e Executivo), dando uma reviravolta na sua clássica política criminal fundada na "crença" dissuasória da pena severa (deterrance), corajosa e auspiciosamente, está disposto a testar uma nova via reativa ao delito de pequena e média gravidade, pondo em prática um dos mais avançados programas de despenalização do mundo.

Essa incidência dos institutos despenalizadores, contida na Lei dos Juizados Especiais, não resta prejudicada a quem cometer crimes no âmbito estadual, já que é um dos objetivos da mesma.

Para Márcia Arend e Rudson Marcos:

A ampliação do conceito de menor potencialidade lesiva, operada pela Lei n.º 10.259/01, alcançando crimes cuja pena máxima de privação de liberdade cominada não ultrapasse 2 (dois) anos, é absolutamente benéfica ao réu, culminando, destarte, com a derrogação da Lei n.º 9.099/95, neste particular, haja vista que esta lei define a menor potencialidade lesiva como característica dos crimes cuja pena máxima privativa de liberdade não exceda a 1 ano.

Assim, em homenagem ao princípio da retroatividade da Lei Penal mais benéfica e, considerando que a Lei em epígrafe é superveniente à Lei n.º 9.099/95 e trata da mesma matéria, forçoso concluir-se que a Lei 10.259/01 derrogou aquela, sendo absolutamente irrelevante esta considerar que os requisitos aptos a conceituar as infrações penais de menor potencial ofensivo são aplicáveis somente para os efeitos da Lei n.º 10.259/01. Desta forma, os processos em curso ou ainda não ajuizados perante a Justiça Estadual que noticiem a ocorrência de crimes, cuja pena máxima cominada no tipo legal não seja superior a 2 anos, embora supere o limite de 1 ano, devem receber a incidência dos institutos despenalizadores, contidos na Lei dos Juizados Especiais, em respeito ao princípio da retroatividade da lei penal mitior.

As Leis 10.259/01 e 9.099/95 tratam do conceito de menor potencial ofensivo (mesma matéria), entretanto, notoriamente, referem-se a âmbitos de incidência distintos (um federal e o outro estadual), como ambas fazem constar em seu corpo quando estabelecem "para os efeitos desta Lei"; impossível, pois, falar-se em benefício de uma em detrimento da outra.

Portanto, a alegação de que a Lei 10.259/01 seja mais benéfica que a Lei 9.099/95 não é válida para que haja derrogação de seu artigo, como alguns querem provar; pelo contrário, forçoso se faz concluir, mais uma vez, que existindo conflito com relação ao conceito de menor potencialidade ofensiva, necessário se faz utilizar-se do meio especificado na Constituição Federal para tal fim, qual seja, a ação direta de inconstitucionalidade da lei.

5. Exegese equivocada da nova lei e juízes-legisladores

A Lei n.˚ 10.259/01 foi criada com o intuito de desafogar a Justiça Federal, que, até então, se encontrava acobertada de uma morosidade excessiva, em decorrência do elevado número de processos, sendo inversamente proporcional o quadro de servidores. Tanto é que tal lei disciplina tanto matéria de natureza penal como cível.

Os Juizados Especiais julgam as causas de competência da Justiça Federal, sendo que, em matéria cível, o valor não pode ultrapassar 60 (sessenta) salários mínimos e, no âmbito criminal, são aceitas somente ações relativas a crimes de menor potencial ofensivo, para os quais a lei preveja a pena máxima não superior a 2 (dois) anos, ou multa.

Consigna-se expressamente, em seu art. 1º, a aplicação subsidiária da Lei 9.099/95, no que esta não conflitar com aquela.

O art. 20 da Lei 10.259/01 também assevera que "onde não houver Vara Federal, a causa poderá ser proposta no Juizado Especial Federal mais próximo do foro definido no art. 4º da Lei n˚ 9.099/95, de 26 de setembro de 1995, vedada a aplicação desta Lei no juízo estadual"(grifou-se).

Este instituto revela que o Juizado Especial Federal é distinto do Estadual, pois, caso contrário, haveria permissão, onde não houvesse varas da Justiça Federal, para que os Juizados Estaduais julgassem referidas causas, como ocorre, por exemplo, com as questões previdenciárias (art. 109, §3º, da Constituição Federal), de tóxicos (art. 27 da Lei 6.368/76) e ambientais. Houve, sim, uma proibição para a ocorrência desse evento.

O constituinte quis, definitivamente, assegurar a distinção entre os juizados.

Certo é que legislador penal é somente o federal, nos termos do art. 22, inciso I, da Constituição Federal, e este se resvalou em aplicar ao caso concreto tratamento diferenciado aos crimes cometidos em detrimento da União, contrariamente àqueles perpetrados contra as unidades da federação.

Julgar é tarefa difícil.

É certo que o juiz não pode se restringir à aplicabilidade fria da lei, quando a mesma for injusta. Entretanto, existe excesso quanto à função jurisdicional que constitui ofensa tão importante quanto ao princípio da igualdade: o da separação dos poderes, em conformidade com o art. 3º da Constituição Federal.

Os juízes, em alguns casos de excesso, estão tentando substituir o legislador, ampliando ou negando validade às leis, o que não é concebível.

A ampliação do conceito de infração penal de menor potencial ofensivo é defensável apenas de lege ferenda e não em conflito com a regra editada pelo Poder Legislativo. Essa escolha é política, e não jurídica, dependendo muito mais da vontade do governo do que de um pronunciamento do Poder Judiciário, que não pode atuar como legislador positivo, encontrando-se, assim, impossibilidade de estender benefícios a quem acredita ter sido inconstitucionalmente excluído, sob pena de grave ofensa ao postulado constitucional da separação dos Poderes. Com efeito, a orientação que admite a extensão para a esfera da Justiça Estadual do conceito de infração penal de menor potencial ofensivo, fixado no art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 10.259/01, - originalmente estabelecido, tão-somente, para o âmbito da Justiça Federal, modifica o sistema da lei pela alteração do seu sentido e faz com que o intérprete se substitua ao legislador - papel que este se recusa a assumir o Supremo Tribunal Federal, por fidelidade à imagem de mero "legislador negativo", criada por KELSEN (cf. La garanzia giurisdizionale della costituzione: La giustizia costituzionale, in "La giustizia costituzionale", Milano, Giuffrè, 1981, pp. 173 e seguintes, e Il controlo di costituzionalità delle leggi. Studio comparato delle costituzioni austríaca e americana", in idem, p. 300). De fato, o Supremo Tribunal Federal, em casos semelhantes, tem considerado inadmissível que, "mediante subtração artificiosa" de um dispositivo (ou de sua parte), se produza "inversão clara do sentido da lei" (cf. voto do Ministro SEPÚLVEDA PERTENTE na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.822-4, rel. Ministro MOREIRA ALVES, DJU de 10/12/99). No mesmo sentido: STF, Representação de Inconstitucionalidade nº 1.417-7/DF, j. 09/12/1987, RT CDCCP 02:315-332; Mandado de Segurança nº 23.809-DF, DJU 11/12/00; Habeas Corpus nº 76.543, Primeira Turma, DJU de 17/04/98.

A Lei 10.259/01 não alarga os crimes dispostos na Lei 9.099/95.

Expressa o Entendimento Uniforme n.˚ 08/02, da 3º Procuradoria de Justiça do Estado de São Paulo, que, ao resguardar a tese de ampliação do conceito de menor potencial ofensivo, está subtraindo-se o juiz de empregar a lei, fazendo-se passar por legislador, o que é inadmissível absolutamente:

Em outras palavras, se por hipótese uma lei ofende o princípio da isonomia e se revela inconstitucional, não pode o Juiz estender o benefício decorrente da inconstitucionalidade a outros crimes e a outras penas, não previstos pelo Legislador. É que nesse campo o juiz atua como legislador negativo, apenas lhe sendo lícito declarar a inconstitucionalidade da lei. É defeso ao Julgador atuar como legislador positivo, com poder criador, ampliando os efeitos da decisão de forma a açambarcar outras hipóteses não previstas na lei. De outro modo o Judiciário se tornaria um superpoder, quebrando a independência e a harmonia entre os poderes da República.

ENTENDIMENTO UNIFORME Nº 08

"NÃO APLICAÇÃO DA LEI n.° 10.259/2001 NO ÂMBITO DA JUSTIÇA ESTADUAL – INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE – CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 20, PARTE FINAL, DA LEI n.° 10.259/2001. FUNDAMENTAÇÃO: A Constituição Federal estabeleceu dois sistemas distintos de Juizados Especiais Cíveis e Criminais, o federal e o estadual (art. 98, I). A Lei n.° 10.259/2001 foi editada a serviço de um objetivo lícito e singular: organizar os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal. Assim, não há concluir que a lei nova distinguiu de forma não razoável ou arbitrária, vale dizer, de maneira puramente discriminatória, um tratamento específico a pessoas diversas. Demais disso, nesse campo estaria o Poder Judiciário apenas autorizado a declarar a inconstitucionalidade da lei nova atuando como legislador negativo, proibida sua atuação como legislador positivo, sob pena de estender, por via jurisdicional, o conceito de crime de menor potencial ofensivo a hipóteses não contempladas pelo novo texto legal, o que representaria usurpação da competência constitucional do Poder Legislativo." (Aprovado, por votação unânime, em Reunião da 3ª Procuradoria de Justiça de 23.01.2002) (Pt. nº 10.541/2002)(Publicado com Aviso nº 62/2002 - PGJ no DOE de 05/02/2002)

- Republicado pelo Aviso nº 126/04-PGJ - DOE 16/03/2004

O juiz não pode estender benefícios, ampliar efeitos a hipóteses não previstas se existe inconstitucionalidade por ferir o princípio da isonomia, atuando como legislador positivo, deve, pelo contrário, como legislador negativo, declarar a invalidade da lei.

A ausência de congruência do legislador em ser mais condescendente com autores de crimes federais, em detrimento dos autores de crimes estaduais, não autoriza o Poder Judiciário, sob a alegação de restabelecer a isonomia, substituir os poderes políticos para a construção de uma regra que não foi editada, ou seja, ampliar do conceito de menor potencial ofensivo figurado no art. 61 da Lei. n˚ 9.099/95.

A Carta Maior é subvertida tanto com relação ao que ofende o princípio da isonomia como ao que afronta o da separação de poderes.

Nesse mesmo sentido é o posicionamento do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo:

EMENTA: 131581 - JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL - CRIME DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO - APLICAÇÃO DA LEI Nº 10.259/01 EXCLUSIVAMENTE NO ÂMBITO FEDERAL: - A LEI Nº 10.259/01 TEM APLICAÇÃO EXCLUSIVA NOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS, NÃO ALCANÇANDO OS ESTADUAIS E, POR ISSO, NÃO MODIFICOU O CONCEITO DE CRIME DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO NO ÂMBITO DESTES ÚLTIMOS, PERMANECENDO ÍNTEGRO O ART. 61 DA LEI Nº 9.099/95. Recurso : APELAÇÃO. Processo : 1334665 / 9. Relator: VIDAL DE CASTRO. Órgão Julg.: 15ª CÂMARA. Data : 13/02/2003.

EMENTA: 132483- JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS - APLICAÇÃO DA LEI Nº 10.259/01 NO ÂMBITO ESTADUAL - INADMISSIBILIDADE: - INADMISSÍVEL A APLICAÇÃO DA LEI Nº 10.259/01 NO ÂMBITO DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS ESTADUAIS, UMA VEZ QUE TAL DIPLOMA SÓ SE APLICA NA SEARA DA JUSTIÇA FEDERAL, MORMENTE SE AO CRIME IMPUTADO É COMINADA PENA MÁXIMA SUPERIOR AO LIMITE PREVISTO NO ART. 2º, PARÁGRAFO ÚNICO, DAQUELA LEI. Recurso: APELAÇÃO. Processo : 1325891 / 6. Relator : CIRO CAMPOS. Órgão Julg.: 3ª CÂMARA. Data : 18/02/2003.

Converge entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul quanto a não ampliação do conceito de menor potencial ofensivo:

EMENTA: CONFLITO DE COMPETENCIA. DELITO DO ART. 303 DO CTB. A LEI N 9503/97 NAO ALTEROU O CONCEITO DE INFRACAO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO, NEM AMPLIOU A COMPETENCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS. COMPETENCIA DA JUSTICA COMUM. CONFLITO JULGADO PROCEDENTE. (4 FLS.) (CONFLITO DE JURISDIÇÃO Nº 698275153, QUINTA CÂMARA CRIMINAL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: PAULO MOACIR AGUIAR VIEIRA, JULGADO EM 20/06/2001). RECURSO: CONFLITO DE JURISDIÇÃO. NÚMERO: 698275153. RELATOR: PAULO MOACIR AGUIAR VIEIRA. DATA DE JULGAMENTO: 20/06/2001. COMARCA DE ORIGEM: SANTA CRUZ DO SUL. ÓRGÃO JULGADOR: QUINTA CÂMARA CRIMINAL. FONTE: 2001, V-3.

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Sobre a autora
Glayciele Rodrigues Gonçalves Ferreira

Funcionária Pública Estadual

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Glayciele Rodrigues Gonçalves. O art. 61 da Lei dos Juizados Especiais Criminais estaduais (Lei nº 9.099/95) com o advento da Lei dos Juizados Especiais Criminais na Justiça Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 559, 17 jan. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6191. Acesso em: 5 mai. 2024.

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