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O poder-dever da administração pública na fiscalização de contratos de obras e serviços de engenharia

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Agenda 14/11/2017 às 13:48

Analisam-se prerrogativas e sujeições do poder público, especialmente dos fiscais e gestores, em contratos de obras e serviços de engenharia, abordando peculiaridades dessa espécie de contrato.

INTRODUÇÃO

O presente artigo apresenta como tema o poder-dever da Administração Pública na fiscalização e gestão de obras e serviços de engenharia.

Neste contexto, a Lei nº 8.666 de 1993, no caput do seu artigo 67, aduz que a execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado. Assim, é dever do servidor público designado cumprir com as atribuições designadas para tal tarefa, fins garantir o interesse público.


1 DOS PRINCÍPIOS NORTEADORES DA CONTRATAÇÃO DE OBRAS E SERVIÇOS DE ENGENHARIA PELO PODER PÚBLICO

A Engenharia contribui para o desenvolvimento da sociedade apresentando soluções no setor de transportes, moradia, saúde, energia, saneamento e infraestrutura. O progresso do país depende da realização de inúmeras obras, construção de rodovias, cidades, impactando no desenvolvimento da economia e outros setores.

Os contratos administrativos celebrados pela Administração Pública para a realização de obras e serviços de engenharia constituem um ponto bastante sensível. É frequente deparar com escândalos veiculados pela mídia a respeito dos processos de licitação e dos termos contratuais de obras públicas superfaturadas e inacabadas, além das constantes irregularidades apontadas pelos órgãos de controle.

A Administração Pública requer em suas contratações que os processos sejam realizados com transparência e isonomia, gerenciando o empreendimento de forma segura, com atendimento aos prazos e custos previstos. Dentro dessa ótica, as contratações de obras e serviços de engenharia realizados pelo poder público devem assegurar que tais condições sejam atendidas, com a finalidade de garantir a supremacia do interesse público.

Para tanto, o ordenamento jurídico confere à Administração Pública “supraprincípios”, considerando seu Regime Jurídico, prerrogativas indispensáveis à satisfação do interesse público. Essas prerrogativas são poderes e atributos que possui no intuito de garantir o interesse público sobre o privado.

Porém, juntamente com as prerrogativas, a Administração Pública possui limites, o que impõe ao Poder Público e a seus administradores deveres, de forma a coibir o abuso de poder e regendo as relações com a impessoalidade necessária e atuação proba garantindo, assim, a indisponibilidade do interesse público.

A Lei 8429/92 dispõe a relação das sanções e contém a descrição das condutas dos agentes públicos que enriquecem, que causam danos ao patrimônio público e que violam os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade para com o Estado.

São princípios explícitos na Constituição Federal: a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

O Poder Público, dessa forma, deve cumprir com fiel obediência a estes e outros princípios implícitos que não estão elencados no rol do art. 37 da Constituição, a saber: o princípio da boa administração, isonomia, do interesse público, da proporcionalidade, da finalidade, da motivação, entre tantos outros. Deve o agente agir com zelo e honestidade no trato com o erário e a coisa pública.

Conforme lei de licitações e contratos é necessário nomear uma fiscalização, que é uma atividade técnica exercida para verificar as conformidades das atividades com as exigências, normas e especificações aplicáveis. Um contrato mal gerido leva a prejuízos de imensuráveis dimensões não só para o ente público, como para toda a coletividade.

Neste sentido, o exercício da função de fiscalização e gestão de obras e serviços de engenharia se torna fundamental, exteriorizando uma das formas de exercício do poder de polícia, externando também um dever do administrador público: nortear e instruir o contratado de forma a cumprir fielmente as tarefas e prazos conforme estabelecido, resguardando o interesse público e garantindo a supremacia do interesse público.

1.1 O PODER DE POLÍCIA E OUTROS PODERES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Os poderes que possui a Administração Pública são necessários para atingir o fim público e garantir a supremacia do interesse público.

Dessa forma, para o adequado cumprimento das suas competências esses poderes são prerrogativas ligadas a obrigações, se instrumentalizando para garantir o interesse público em poderes-deveres.

Os poderes podem ser classificados em poder vinculado, discricionário, hierárquico, disciplinar, regulamentar e de polícia.

O poder vinculado e o poder discricionário incide sobre um objeto determinado, exercendo a atuação estatal com menor ou maior liberdade quanto ao mérito; poder hierárquico de acordo com a necessidade de organização da Administração de modo a permitir a atuação regular e isonômica das entidades públicas, delegando e avocando atividades; poder disciplinar aplicando sanções às pessoas que estão submetidas à supremacia especial, ou seja, disciplinando as relações jurídicas entre o Estado e agentes públicos, ou entre particulares que pactuam contratos administrativos, entre outros; poder regulamentar que edita atos gerais para complementar as leis e possibilitar a sua efetiva aplicação e o poder de polícia, quando necessário se faz a contenção de direitos individuais em prol da coletividade.

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Helly Lopes conceitua o poder de polícia como a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado. Explica o autor que poder de polícia é o mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Pública para conter os abusos do direito individual.

A definição do poder de polícia está estampada no art. 78 do Código Tributário Nacional:

“Considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos”.

Mazza acrescenta com a noção estrita de poder de polícia: “envolve atividades administrativas de fiscalização e condicionamento da esfera privada de interesse, em favor da coletividade”.

O autor sintetiza, ainda, o poder de polícia nas atividades de limitar, fiscalizar e sancionar:

“É possível sintetizar o poder de polícia reduzindo-o em três atividades fundamentais: limitar, fiscalizar e sancionar. Desse modo, sempre que a Administração Pública limita, fiscaliza ou sanciona particulares, em favor dos interesses da coletividade, estaremos diante de manifestação do poder de polícia”.


2 CONTRATO ADMINISTRATIVO

Regido pela Lei Federal n° 8.666/93, contrato administrativo é todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, um acordo entre as partes pelo qual se adquire, resguarda, transfere, modifica ou extingue direitos e obrigações. O art. 2º, parágrafo único, da Lei n° 8.666/93 define:

“Para os fins desta Lei, considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada.”

Formal, oneroso, comutativo e intuitu personae, são as características desse tipo de contrato. Formal: deve ser escrito e nos termos previstos em lei; Oneroso: há respectiva remuneração relativa à contraprestação do objeto do contrato; Comutativo: estabelece proporcionalidade entre os direitos e deveres dos contratantes; Intuitu personae: consiste na exigência da execução do objeto ser pelo próprio contratado.

O contrato é um instrumento que, ao mesmo tempo, formaliza o poder e o dever do fiscal e gestor público. Ao travar contratos administrativos a Administração, na gerência do interesse público, se utiliza de algumas prerrogativas que lhe são próprias, pertencentes ao direito administrativo, distinguindo-os dos contratos privados. São privilégios, vantagens contratuais exclusivas, não existindo nas relações privadas entre particulares. Deve-se ressaltar que a busca em satisfazer o interesse público não deve sacrificar os princípios superiores de justiça e equidade a que todo o Estado deve obedecer.

Tais prerrogativas são chamadas de cláusulas exorbitantes e decorrem da lei e de princípios, que regem a atividade administrativa. São cláusulas que exorbitam ao direito privado, ou seja, que vão além do que geralmente dispõem os contratos regidos pelo direito privado.

Sobre o assunto, Celso Antonio Bandeira de Mello aduz:

“Em decorrência dos poderes que lhe assistem, a Administração fica autorizada –respeitado o objeto do contrato– a determinar modificações nas prestações devidas pelo contratante em função das necessidades públicas, a acompanhar e fiscalizar continuamente a execução dele, a impor sanções estipuladas quando faltas do obrigado as ensejarem e a rescindir o contrato sponte propria se o interesse público demandar.”

Frisa Marçal Justen Filho que as prerrogativas extraordinárias “são um instrumento para propiciar a realização da função imposta ao Estado de realizar os direitos fundamentais dos cidadãos, sem superioridade intrínseca do Estado sobre o particular ou sobre a sociedade civil”. Discorre ainda sobre o abuso: “...interesses que são indisponíveis, não autorizam o Estado à faculdades prepotentes, autoritárias.”

Destacam-se algumas cláusulas exorbitantes: a possibilidade de alteração e rescisão unilateral do contrato, no equilíbrio econômico-financeiro, na revisão de preços e tarifas, na impossibilidade de exceção de contrato não cumprido, no controle do contrato e a aplicação de penalidades contratuais pela Administração.

2.1 CONTRATO DE OBRAS E SERVIÇOS DE ENGENHARIA

Como regra, obras e serviços de engenharia abarcam uma prestação de fazer. Para o bom desempenho contratual de uma obra/serviço de engenharia, a administração pública depende de várias etapas internas e externas da licitação, bem como contratuais e posteriores à contratação.

Vale ressaltar o conceito de Contrato de obra pública como o ajuste por meio do qual a Administração seleciona uma empresa privada com a finalidade de realizar a construção, reforma ou ampliação de imóvel destinado ao público ou ao serviço público, segundo Mazza.

Preliminar à licitação deve-se observar: o planejamento, estudo de viabilidade, projeto básico e executivo, orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição de todos os custos unitários, necessidade de licença ambiental, previsão de recursos orçamentários, elaboração de edital, entre outros. Conforme Marçal: “Não poderá ser desencadeado um empreendimento sem serem cumpridas todas as exigências prévias. Sequer poderá iniciar-se a licitação sem o cumprimento de tais requisitos, que se inserem na fase interna da atividade administrativa”.

Conforme Súmula nº 261/2010 do TCU, acrescenta sobre a importância do projeto básico:

“Em licitações de obras e serviços de engenharia, é necessária a elaboração de projeto básico adequado e atualizado, assim considerado aquele aprovado com todos os elementos descritos no art. 6º, inciso IX, da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, constituindo prática ilegal a revisão de projeto básico ou a elaboração de projeto executivo que transfigurem o objeto originalmente contratado em outro de natureza e propósito diversos”.

Aduz Marçal sobre projeto básico e projeto executivo:

“O projeto básico devera conter informações fundamentais que demonstram a viabilidade do empreendimento examinado. O Projeto executivo determinará minuciosamente as condições de sua execução, inclusive no tocante aos custos, o que permite avaliar a compatibilidade da contratação com o interesse coletivo, com os recursos estatais disponíveis e com outras exigências relacionadas com o bem-comum”.

Na licitação a Administração deve atentar para a publicação do edital nos prazos corretos, designação de uma comissão de licitação competente, recebimento e julgamento das propostas válidas e todo o correto e adequado procedimento licitatório.

Na fase contratual, fins evitar dificuldades hermenêuticas, é necessário um instrumento contratual claro, coeso, uma fiscalização capacitada e competente para acompanhar obras e serviços até o seu recebimento. Deve a Administração cingir de cuidados e precauções para atingir sucesso no empreendimento.

Inicia-se com a assinatura do contrato, a expedição da Ordem de Serviço autorizando o início das atividades e finaliza com o recebimento provisório e definitivo da obra/serviço pela fiscalização. Além do acompanhamento pós contratuais, verificando a necessidade de utilização ou devolução da garantia e a adequada manutenção dos serviços.

Mazza diferencia obra de serviço:

“obras públicas podem ser remuneradas pela cobrança de contribuição de melhoria junto aos contribuintes, ao passo que a prestação de serviço público enseja a arrecadação de taxa. Na obra, existe um predomínio do resultado final sobre a atividade, enquanto no serviço prepondera a atividade sobre o resultado final. Assim, por exemplo, para a construção de uma ponte, é realizada a tarefa de construir, mas o resultado final, isto é, a ponte construída, predomina sobre o processo de construção”.

Marçal acrescenta uma peculiaridade sobre esse tipo de contrato:

“Nesses casos, é comum a execução do contrato se prolongar no tempo. A natureza do contrato conduz à especialidade do objeto, cuja execução se fará ao longo do prazo contratual. Isso produz o risco, inclusive, de os custos se multiplicarem no curso do tempo, ultrapassando as previsões iniciais”.

2.2 CLÁUSULAS EXORBITANTES

Considerando o contrato como um instrumento de poder-dever do fiscal e gestor público, esses poderes contratuais especiais, prerrogativas inerentes à atividade estatal, se materializam nas cláusulas exorbitantes.

Conceitua Mazza: “São prerrogativas decorrentes da supremacia do interesse público sobre o privado e, por isso, são aplicáveis ainda que não escritas no instrumento contratual”.

Segundo Maria Sylvia Zanella de Pietro:

“São cláusulas exorbitantes aquelas que não seriam comuns ou que seriam ilícitas em contrato celebrado entre particulares, por conferirem prerrogativas a uma das partes (a Administração) em relação à outra; elas colocam a Administração em posição de supremacia sobre o contratado”.

De acordo com Helly Lopes Meirelles:

“Cláusulas exorbitantes são, pois, as que excedem do Direito Comum para consignar uma vantagem ou uma restrição à Administração ou ao contratado. As cláusulas exorbitantes não seriam lícitas num contrato privado, porque desigualariam as partes na execução do avençado; mas são absolutamente válidas no contrato administrativo, uma vez que decorrem da lei ou dos princípios que regem a atividade administrativa e visam a estabelecer prerrogativas em favor de uma das partes, para o perfeito atendimento do interesse público, que se sobrepõe sempre aos interesses particulares. É, portanto a presença dessas cláusulas exorbitantes no contrato administrativo que lhe imprime o que os franceses denominam la marque du Droit Public pois, como observa Laubadère: “C’est en effet la présence de Telles clauses dans um contrat que est le critère par excellence son caractère administratif.”

A Lei 8666/93 especifica algumas dessas cláusulas, as principais estão dispostas no art. 58, e determinam a possibilidade de alteração e rescisão unilateral do contrato, o equilíbrio econômico financeiro, exigência de garantia a revisão dos preços e tarifas, a inoponibilidade da exceção do contrato não cumprido e aplicação das penalidades contratuais pela Administração

Para a efetiva concretização dessas cláusulas, a Administração pública designa fiscal ou comissão de fiscalização, bem como um gestor para cercar-se de que será atendida a supremacia do interesse público sobre o privado, sendo esta uma cláusula exorbitante relevante prevista na Lei n. 8.666/93.

Assim, à gestão e à fiscalização compete controlar toda a execução contratual, o perfeito andamento do contrato, ou seja, exercer o poder de polícia. Assim, ao Poder Público é permitido supervisionar, intervir e acompanhar a execução do contrato para garantir o seu fiel cumprimento por parte do contratado.

Ressalta-se que desse controle, possibilitando a gestão e fiscalização, cumpre à Administração verificar se o contratado está agindo para o alcance da conclusão do objeto contratado.

De modo geral, o poder-dever de efetuar o controle do contrato tem a função de garantir a exatidão das atividades, orientando de maneira conveniente e impondo as modificações que o interesse público exigir. A administração pública tem o dever de agir nos momentos oportunos e não se omitir, evitando negligências quanto às irregularidades do contratado.

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Trabalho de conclusão de curso de pós-graduação em Direito Administrativo.

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