IV – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELA MOROSIDADE NA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL
4.1 Denegação de justiça e motivos da demora
Para chegar até a responsabilidade civil do Estado pela morosidade na prestação jurisdicional, se fez necessário analisar as divergências quanto à questão da responsabilidade estatal por atos jurisdicionais e quais são estes atos que podem ser danosos, a ponto de acarretar uma ação do jurisdicionado contra o Poder Público.
A morosidade na prestação jurisdicional foi enquadrada dentro da denegação de justiça como atividade jurisdicional que traz prejuízos para os litigantes.
Assim, deve o particular que sofreu as angústias e os prejuízos patrimoniais, em razão da excessiva duração de um processo, ser ressarcido pelos danos que lhe foram causados, na medida em que, vítima de algo mais grave que o erro judiciário, a verdadeira omissão é denegação de justiça. [53]
Admitindo o Estado como responsável objetivamente pelos atos de seus agentes, no exercício de suas funções, insere-se nestes os juízes no exercício de suas funções jurisdicionais.
A demora em pôr fim ao processo não é um problema apenas do Judiciário brasileiro, mas, conforme já demonstrado, de quase todos os países. Cappelletti, em relação à justiça italiana chegou a dizer que esta é que nem um relógio quebrado que deve ser batido e sacudido. [54]
A prestação jurisdicional tardia é "explicada" por vários problemas que cercam o judiciário. Tentando enumerá-los dispõe Rui Stoco:
Inúmeras são as causas, em um extremo, na legislação ultrapassada, anacrônica e extremamente formal; passando pela penúria imposta a esse Poder, diante da quase inexistência de verba orçamentária para sua dinamização, modernização e crescimento; encontrando justificação no excessivo número de recursos previsto na legislação processual e nas inúmeras medidas protelatórias postas à disposição das partes e terminando no outro extremo, qual seja, a conhecida inexistência de magistrados, membros do Ministério Público, Procuradores da República e do Estado para atender à enorme quantidade de feitos em andamento. (55)
As explicações utilizadas para a prestação jurisdicional intempestiva já não são mais aceitas de forma tácita pelos jurisdicionados. Uma vez que o Estado puxou para si o dever de prestar a tutela jurisdicional, deve este se organizar para exercê-la de forma eficiente, efetiva e célere. Não pode o Estado escusar-se de seus deveres, a não ser que a demora na sua atividade tenha ocorrido por fatos supervenientes a sua função.
A jurisdição prestada de forma tardia acarreta problemas não só para os jurisdicionados, mas também para o desenvolvimento econômico do país.
É imprescindível dizer que a detença na prestação jurisdicional provoca danos econômicos, imobilizando capitais e inibindo o crescimento do País, favorecendo a especulação e a insolvência. Em pesquisa realizada pelo Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo, junto a 300 empresários de vários setores industriais e publicada pela revista Veja, ficou comprovado que a ineficiência do Poder Judiciário está atrapalhando pesadamente o desenvolvimento do País. Os defeitos da Justiça inibem investimentos que poderiam fazer o PIB crescer cerca de 13,7%. Em decorrência, haveria um volume maior de investimentos e a oferta de empregos poderia ter um aumento substancial. A mesma pesquisa demonstrou que o Poder Judiciário é um dos principais responsáveis pela explosão das taxas de juros, pois sua atuação deficitária produz insegurança na hora de reaver o dinheiro e faz com que os bancos emprestem com taxas elevadas. [56]
A morosidade na prestação jurisdicional pode provir da insuficiência de aparelhamento do Poder Judiciário, da falta de servidores públicos, sejam estes incumbidos na função judicial ou nesta e na jurisdicional, no excesso de burocracia forense; na complexidade da causa, na protelação por parte dos litigantes e seus procuradores ou por parte do magistrado em desrespeito às normas processuais.
Com a Constituição Federal de 1988, aumentou consideravelmente o número de processos, no entanto, não houve um aumento proporcional do número de funcionários da justiça. "Por um lado o excesso de ações é sinal positivo de que as pessoas estão conscientes de seus direitos, mas essa acumulação de processos provoca várias patologias". [57] Não faltam apenas técnicos e analistas judiciários, mas também magistrados. Como já mencionado no capítulo segundo, hoje, no Brasil, a proporção é de 14.000 habitantes para um juiz, enquanto a média internacional é de 7.000 habitantes para cada magistrado.
O problema da falta de magistrados liga-se diretamente a má qualidade do ensino universitário brasileiro que forma bacharéis desqualificados para a carreira jurídica, acarretando a existência de cargos vagos pelo despreparo dos candidatos. O Banco Nacional de Dados do Poder Judiciário – BNDPJ, no ano de 2000, declarou uma estatística sobre a vacância do cargo de magistrado: na justiça comum, federal e do trabalho de 1º grau eram previstos em lei 3.391 cargos, dos quais 2.836 eram providos e 555 vagos; no 2º grau eram previstos em lei 1.663 cargos dos quais 1.578 eram providos e 85 vagos. [58]
A Proposta de Emenda à Constituição nº 96/92 propõe a seguinte alteração no artigo 93 da Constituição brasileira, incluindo o inciso XIII com o seguinte texto: "o número de juízes na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda judicial e à respectiva população".
Se por um lado há escassez de pessoal, por outro há excesso de burocracia. Um processo passa a cada ano de tramitação em média nove meses no cartório devido à burocracia. [59]
As instalações físicas e os recursos materiais do Judiciário não foram atualizados, mesmo assim exigindo a grande demanda. As condições de trabalho são precárias, o uso da informática é escasso. Celso Antônio Bandeira de Mello, quando ministro do Supremo Tribunal Federal, declarou que "em alguns lugares do Brasil, a justiça está num estágio pré-histórico, pois falta até papel e caneta. Se falta isso, imagine o resto". [60]
Nesse sentido dispõe Mônica de Souza:
Por outro lado, também a modernização dos recursos materiais é elemento básico para adequar o Judiciário à rapidez com que as coisas se dão no mundo moderno. Indiscutível é a necessidade de que em todas as comarcas, principalmente as de primeira instância, ainda inatingidas pela informatização, substituam-se as velhas máquinas de escrever e os antiquados fichários por computadores devidamente programados para propiciar maior agilidade na atividade judiciária, que seja possível a utilização de meios eletrônicos para a consulta dos autos ou até mesmo para a interposição de recursos, como tem ocorrido com a possibilidade de utilização de fac-símile. (61)
Com propriedade aduz o então Desembargador do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, Lázaro Guimarães, sobre a necessidade da informatização do Poder Judiciário:
A Justiça tem que se ajustar tanto aos novos métodos de administração, desenvolvidos e aplicados à administração pública a partir das experiências empresariais privadas, quanto aos instrumentos que potencializam o trabalho intelectual. O usuário do computador não aliena sua mente à máquina, muito pelo contrário, dela extrai informação armazenada, com ela organiza suas idéias e produz rapidamente tudo quanto levaria muito mais tempo para realizar. (62)
Ressalta-se que a má estruturação do Poder Judiciário, como órgão estatal, com a falta de agentes públicos, número excessivo de processos e excesso de burocracia, são causas de demora do Judiciário como administrador que influenciam na atividade jurisdicional.
Reitera-se que, assim como os outros poderes, exerce o Judiciário não apenas a atividade jurisdicional, mas também funções atípicas. Na função de administrar do Judiciário, exercendo atos judiciais no sentido lato que geram a demora na prestação da tutela jurisdicional, não resta dúvida que se deve aplicar a responsabilidade objetiva do Estado conforme o §6º do artigo 37 da Constituição Brasileira.
A legislação processual é outro fator ensejador da demora na prestação jurisdicional. Com as lacunas da lei, abre-se um leque de possibilidades interpretativas para os operadores do direito. Por um lado, temos os advogados que utilizam qualquer brecha processual para recorrer da decisão que lhe foi contrária – conforme já exposto no capítulo segundo, num simples processo há a possibilidade de interpor até 120 recursos, na maioria das vezes meramente protelatórios.
O exagero de recursos que o Poder Judiciário oferece permite que hoje um litigante na área cível, criminal ou demais, possa percorrer, em tese, quatro instâncias jurisdicionais antes de alcançar o julgamento definitivo da questão, podendo esperar até dez anos para ter concluso seu processo, fator que desestimula quem realmente precisa da Justiça. [63]
Segundo relatório fornecido pela Assessoria Especial da Presidência do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, este Tribunal composto por quinze desembargadores federais, tinha até o final de dezembro de 2003, 97.859 processos em tramitação. No mesmo ano, segundo dados da Subsecretaria de Execução Judicial e Estatística, o Superior Tribunal de Justiça teve 228.373 processos registrados e distribuídos.
O Supremo Tribunal Federal – a suprema corte brasileira – já passou dos 200.000 processos. Este número indecente de recursos no STF dá-se pelo atual sistema recursal brasileiro e pelo interesse que tem o Poder Público na demora da justiça, já que este responde por aproximadamente 80% dos processos que tramitam no Brasil. [64] O Estado é o maior cliente do Poder Judiciário brasileiro, o que agrava a situação da morosidade, haja vista a previsão processual que concede a este poder prazos especiais.
Cabe ao magistrado repudiar e punir a utilização das lacunas processuais com o fito de protelar a demanda. Os recursos são muitas vezes utilizados para postergar a solução do litígio, tendo em vista a extensão e abrangência que foi dada pelo próprio legislador a este instituto processual.
O expediente de interpor, no mesmo processo, inúmeros e desnecessários recursos, com o objetivo único e exclusivo de induzir a erro o magistrado, é largamente utilizado por advogados não conscientes de sua função. O objetivo fundamental, destes advogados, não de provar o direito de seu constituinte, mas atrasar de tal modo o andamento do processo que, ao final, o provimento jurisdicional torne-se inútil à outra parte.
Enorme, neste caso, é a responsabilidade do magistrado que, sabedor da reiteração de tais práticas desleais por parte de alguns advogados, atitude nenhuma toma, permitindo, assim, a continuidade de tal técnica processual. [65]
Por outro lado temos os magistrados que ficaram incumbidos de interpretar a lei nos casos não expressos, como no conceito de "prazo razoável". A lei processual fixa um prazo para cada ato do processo com o intuito de obter uma prestação sem dilações indevidas como garantia constitucional implícita (art. 5º, §2º da Constituição de 1988). "A lei, portanto, deve fixar, tanto quanto possível de modo preciso, os prazos em que os atos processuais devem ser realizados". [66] Contudo, ocorre da lei ser omissa cabendo ao magistrado fixar o prazo de acordo com a complexidade da causa.
O Código de Processo Civil, bem como o Código de Processo Penal e a Consolidação das Leis Trabalhistas, fixam prazos para os atos processuais a serem seguidos não só pelas partes, mas, primeiramente, por aquele que os fez, o Estado-Juiz. O juiz, pelo princípio do impulso oficial tem, o dever de dar andamento ao processo observando precisamente os prazos fixados em lei.
Importa analisar cada caso concreto para saber os motivos que acarretam a morosidade para o término do processo. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem adotou alguns critérios para verificar se os prazos foram razoáveis ou excessivos de acordo com a causa, são eles: a complexidade da causa; o comportamento do demandante; a conduta das autoridades competentes; a atividade do advogado do processo e; a importância do litígio para o demandante. [67]
Não se pode utilizar regras gerais para todos os casos em que haja demora, os critérios acima relacionados buscam verificar as causas que determinaram o prolongamento do processo, com o intuito de saber se houve ou não o mau funcionamento da atividade por parte do Estado.
Quanto aos atos jurisdicionais, que de algum modo protelem o término do litígio, denegando a justiça, há divergências doutrinárias quanto à responsabilidade ou não do Estado. Os que defendem a responsabilização, também divergem quanto à adoção da teoria subjetiva ou objetiva.
4.2. Doutrina e Jurisprudência
A doutrina brasileira tem se posicionado de forma favorável à responsabilidade estatal pela demora na prestação jurisdicional. Confira-se:
No âmbito dos propósitos genéricos assumidos pela Carta Magna, incluindo-os como princípios fundamentais, que, por serem fundamentais, não podem ser descumpridos, identifica-se o de ser garantido ao cidadão o fácil acesso à Justiça, consumando-se uma rápida entrega na prestação jurisdicional. (68)
Delgado citando Lúcia Valle Figueiredo defende a sua posição:
Lúcia Valle Figueiredo, na trilhada sua exposição, cita, como passível de se inserir no campo de responsabilidade do Estado, por exemplo, o caso de liminar em mandado de segurança, quando, não obstante presentes os pressupostos legais a sua concessão, ela for negada e, em razão desse ato judicial, provoque danos à parte impetrante. Em caso inverso, também, admite a caracterização da responsabilidade do Estado. Aceita também, que o Estado responde pelos danos provocados pela prestação jurisdicional retardada, entendendo que tal hipótese configura pura denegação de Justiça. (69)
Esta corrente é predominante entre a maioria dos doutrinadores brasileiros, entre eles os já citados, mas também Paulo Modesto, Carmem Lúcia Antunes e Augusto do Amaral Dergint dentre outros.
Jurisprudencialmente, os julgadores brasileiros têm se posicionado contra a responsabilização do Estado pela demora no exercício de sua atividade jurisdicional. Este posicionamento é diametralmente oposto àquele encontrado no estado francês que admite a responsabilização do Poder Público nos casos de demora, bem como o direito lusitano e o espanhol.
Os que se opõem a esta idéia de responsabilidade continuam a usar como argumentos àqueles já anteriormente expostos e debatidos em defesa da teoria da irresponsabilidade estatal quanto aos atos jurisdicionais.
Reconhecendo a corrente que adota a responsabilidade estatal, diverge a doutrina brasileira quanto à teoria a ser aplicada nos casos da morosidade da tutela jurisdicional. Rui Stoco, baseando-se em Celso Antônio Bandeira de Melo, defende a teoria subjetiva argumentando:
A omissão in genere, ou seja, o retardamento, o não julgamento no prazo e tempo devidos constitui a chamada faute de service dos franceses, a falha ou falta anônima da atividade estatal, que empenha responsabilidade subjetiva escorada no dolo ou culpa. [70]
Em sentido oposto, defendo a responsabilidade objetiva, coloca-se Cruz e Tucci, Paulo Modesto, Emir Netto de Araújo, Luís Antônio de Camargo e Francisco Fernandes de Araújo dentre outros:
Até mesmo a demora no andamento e tramitação de um processo, que poderá muitas vezes não depender de atos do juiz, mas decorrer de falhas do sistema judiciário, excesso de serviço, sobrecarga, será passível de indenização pelo Estado, por culpa objetiva deste. [71]
Na ausência de uma prestação jurisdicional tempestiva, o Estado deverá ser objetivamente responsabilizado, não só como contrapartida pela detenção do monopólio da jurisdição e recebimento de impostos e taxas dos usuários da Justiça, mas também, como fator de pressão, para obrigá-lo a encontrar os meios necessários para bem cumprir esse dever que lhe é imposto pelo regime democrático de direito, expressamente acolhido na Carta magna do País. [72]
A jurisprudência brasileira é discrepante à doutrina, Aliomar Baleeiro juntamente com Adalício Nogueira, quando Ministro do STF defenderam a responsabilidade objetiva do Estado pela morosidade:
Se o Estado responde, segundo antiga e iterativa jurisprudência, pelos motivos multitudinários, ou pelo "fato das coisas" do serviço público, independentemente de culpa de seus agentes (R.E. da Bahia, Salvador Araújo versus Prefeitura de Salvador, caso de rompimento dos esgotos pluviais por força de temporal violentíssimo), com mais razão deve responder por sua omissão ou negligência em prover eficazmente ao serviço da Justiça, segundo as necessidades e reclamos dos jurisdicionados, que lhes pagam impostos e até taxas judiciárias específicas, para serem atendidos. (73)
No recurso em análise houve empate quanto à questão ensejando a convocação de outro Ministro para desempate, este não acompanhou o voto do então Relator Aliomar Baleeiro. Contudo, mesmo vencido, este voto é hodiernamente utilizado, como aqui neste trabalho, para defender a responsabilidade objetiva do Estado para os casos de demora.
Como já explanado, a jurisprudência brasileira se posiciona, salvo casos isolados, pela responsabilização estatal apenas nos casos expressos em lei.
Também tratando da matéria se posicionou a Desembargadora Federal do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Marisa Ferreira dos Santos, ainda quando atuava na Justiça Federal de São Paulo:
A morosidade da Justiça é a causa maior de seu descrédito pelo jurisdicionado: causa angústia, insatisfação. O Poder Judiciário, constitucionalmente investido na função da composição de conflitos, ao demorar para dar seu veredicto, acaba, ele mesmo, por ser causa de mais insatisfação e, conseqüentemente, de mais conflito. A Constituição Federal de 1988 assegura o acesso à Justiça. Ao lado da garantia constitucional do direito de ação está a triste realidade da tramitação morosa dos processos, que fulmina os direitos fundamentais do cidadão, acaba com as esperanças do jurisdicionado e aumenta o descrédito na Justiça. A mesma interpretação pode ser dada ao texto constitucional de 1967, vigente à época dos fatos. A Justiça brasileira está congestionada. Por quê? Porque lhe falta infra-estrutura mínima para funcionar e ser eficiente: instalações adequadas, funcionários qualificados, juízes em número suficiente leis processuais menos burocráticas. Mas, acima de tudo, é necessário que o próprio Estado seja o primeiro a cumprir a Lei, e não o maior causador de seu descumprimento. O jurisdicionado não pode pagar por essa situação lamentável em que nos encontramos. Cabe à União Federal, no caso, velar e zelar para que os serviços públicos, inclusive o serviço judiciário, sejam eficientes; cabe a esse ente político a criação de condições para que esse serviço seja bem prestado. De nada adianta o trabalho insano de Juízes e funcionários se a estrutura em que se assentam não é adequada ao serviço que devem prestar. Mas, repito, o jurisdicionado não deve pagar por isso. Continua ele a ter direito à prestação jurisdicional eficaz, ou seja, apta à solução dos conflitos. Se a União Federal, ente político incumbido da prestação do serviço, não o põe à disposição do jurisdicionado de modo eficiente, e se dessa deficiente atuação sobrevém, dano, incumbe-lhe indenizar. (74)
Estes são posicionamentos isolados na jurisprudência brasileira, apesar da doutrina dominante já se posicionar desta forma. Notório é que não pode deixar de haver responsabilidade por processos que duram mais de meio século na Justiça como o do Parque Lage. [75]
No direito europeu, com a Convenção Européia dos Direitos do Homem, fixou-se à necessidade de um prazo razoável para examinar uma causa. Preceito este seguido pela Constituição espanhola (artigo 24, nº 2) e a portuguesa (artigo 2º, nº 4). Estes países também dispuseram em dispositivo constitucional – artigo 121 da Constituição da Espanha e o artigo 22 da Constituição de Portugal - sobre o dever de indenizar quanto houver infração a uma solução tempestiva.
Comentando esta adoção pelo direito lusitano expõe Miguel Teixeira de Sousa:
...a concessão deste direito à celeridade processual possui, para além de qualquer âmbito programático, um sentido preceptivo bem determinado, pelo que a parte prejudicada com a falta de decisão da causa num prazo razoável por motivos relacionados com os serviços de administração da justiça tem direito a ser indemnizada pelo Estado por todos os prejuízos sofridos. Esta responsabilidade do Estado é objetiva, ou seja, é independente de qualquer negligência ou dolo do juiz da causa ou dos funcionários judiciais... (76)
Cruz e Tucci citando Plácido Fernandez-Viagas Bartolone aduz sobre a responsabilidade objetiva do Estado espanhol:
El reconocimiento como ‘indebida’ de una determinada dilación en un proceso, a implicar, en cualquier caso, un funcionamiento anormal de la Administración de Justicia... para hacer surgir la responsabilidad del Estado al hacerse constatado, en el caso concreto, el incumplimiento de su obligación de proporcionar una justicia a tiempo. (77)
Espanha e Portugal, adotando a Convenção Européia dos Direitos do Homem, já foram condenados por descumprirem o princípio de prestar a tutela jurisdicional dentro de um prazo razoável. A Espanha foi condenada através das sentenças de Estraburgo 2/1992/347/240, de 23 de junho de 1993 (caso da família RUIZ-MATEOS), e pela 16/1998/160/216, de 07 de julho de 1989 (caso da Alimentaria Sanders S.A).
Conforme João Ramos Sousa, Portugal foi condenado por violar o artigo 6º da Convenção Européia dos Direitos do Homem em pelos menos seis casos:
Caso Guincho, 1984.07.10 – Vila Franca de Xira: 3 anos para julgar um acidente de viação. Caso Baraona, 1987.07.08 – Tribunais Administrativos: 6 anos sem decidir uma acção contra o Estado. Caso Martins Moreira, 1988.10.26 – Évora: 10 anos para julgar um acidente de viação. Caso Neves e Silva, 1989.04.27 - Tribunais Administrativos: 12 anos para chegar ao despacho saneador. Caso Oliveira Neves, 1989.05.25 – Tribunal do Trabalho do Porto: 5 anos para julgar um despedimento. Caso Moreira de Azevedo, 1990.10.23-V. N. Famalicão: 9 anos para julgar um crime de ofensas corporais. (78)
A Corte Européia dos Direitos do Homem também já condenou o Estado italiano a responder pelos danos morais causados por um processo com dilações indevidas devido a angústia pelo êxito da demanda:
O Estado italiano é responsável pelas delongas dos trabalhos periciais, como conseqüência da falta de exercício dos poderes de que o juiz dispõe, inclusive no tocante à inobservância dos prazos por ele deferidos. O Estado italiano é obrigado a pagar à requerente, em face da excessiva duração do processo no qual é ela autora, a soma de 8.000.000 de liras, determinada eqüitativamente ao ressarcimento, seja do dano material advindo das despesas efetuadas e das perdas sofridas, seja do dano moral derivante do estado de prolongada ansiedade pelo êxito da demanda... (79)
Diante do exposto, verifica-se que a doutrina e a jurisprudência pátria não estão em consonância, tornando-se imperioso que esta acompanhe o avanço conquistado naquela e no direito alienígena.
4.3 Propostas para a responsabilização
Consoante o já explanado, o §6º do artigo 37 da Constituição Brasileira responsabiliza o Estado pelos danos causados pelas suas atividades, sejam estas decorrentes do Poder Executivo, Legislativo ou Judiciário. Contudo, é grande e ainda presente a divergência doutrinária jurisprudencial acerca da matéria.
A jurisprudência tende a acompanhar a evolução da doutrina. Quando a questão conta com a opinião de tão ilustres juristas, alicerçados em farto embasamento doutrinário e, mais que isso, no mandamento constitucional expresso, que não excepciona a regra geral da responsabilidade estatal, é inquestionável que o princípio da responsabilidade objetiva passará a prevalecer também na jurisprudência em relação aos atos jurisdicionais, atualmente cobertos pelo manto da irresponsabilidade decorrente da relutância dos julgadores em abraçar esta teoria. [80]
Em análise ao direito alienígena, pode-se observar que há disposição legal, doutrinária e jurisprudencial sobre a questão, colocando em prática a responsabilidade do Estado pela morosidade na prestação jurisdicional conforme decisões supracitadas.
Por ter se tornado uma questão tão controvertida e majoritariamente inadmissível pelos tribunais pátrios, a Reforma do Judiciário brasileiro, através da Proposta de Emenda à Constituição nº 96/92 (sob o nº 29/00 no Senado), visa inserir o inciso LXXVIII no artigo 5º da Constituição Federal com o intuito de tornar claro o direito fundamental a um processo sem dilações indevidas, garantindo a celeridade.
Esta alteração apenas torna expresso o que, implicitamente, já dispõe o artigo 5º, XXXV da Carta Magna. Ressalte-se que não se considera descabida tal alteração, mas sim ineficiente do ponto de vista prático, uma vez que o direito a uma prestação jurisdicional célere já é considerado como direito subjetivo fundamental.
A referida PEC 96/92 também visa inserir os §§ 2º e 3º ao artigo 95 da Constituição Federal, in verbis:
Art. 95. Os juízes gozam da seguinte garantia:
(...)
§2º O juiz perderá também o cargo por decisão do Conselho Nacional de Justiça, tomada pelo voto de três quintos de seus membros, nos casos de:
(...)
II – negligência e desídia reiteradas no cumprimento dos deveres do cargo, arbitrariedade ou abuso de poder;
(...)
§3º A União e os Estados respondem pelos danos que os respectivos juízes causarem no exercício de suas funções jurisdicionais, assegurado o direito de regresso nos casos de dolo.
Torna-se precípua a análise desta alteração constitucional para propor uma solução para a responsabilização do Estado por seus atos jurisdicionais.
O §3º acima transcrito tem o escopo de acabar com as dúvidas acerca da polêmica se deve ou não ser o Estado responsável quando o juiz exercendo a sua atividade jurisdicional causar danos ao jurisdicionado. Desta norma pode-se aferir a conclusão de que é o juiz agente público representante do Estado na função jurisdicional e, desse modo, deve este órgão ser responsabilizado pelos atos do seu agente – magistrado.
Implicitamente, entende-se que a morosidade, como denegação de justiça e decorrente da atuação do magistrado no exercício de suas funções, está inserida neste dispositivo. Ficando a morosidade pela falta de estruturação do Judiciário a ser responsabilizada dentro dos liames do §6º do artigo 37 da Constituição Federal.
Para responsabilizar o Estado pela morosidade na prestação jurisdicional melhor seria um dispositivo de lei específico que abrangesse a responsabilidade do Estado pelos atos jurisdicionais danosos decorrentes da atividade de seus agentes (incluindo-se neste conceito os magistrados) e da má estruturação do Poder Judiciário.
Nesse intuito melhor seria que a Reforma do Judiciário trouxesse uma complementação para o § 6º do artigo 37 da Constituição no seguinte sentido: "Inclui-se neste parágrafo a atividade jurisdicional prestada pelos serventuários da justiça, bem como pelos magistrados, no exercício de suas funções".
No entanto, mesmo com esta inclusão no § 6º do artigo 37 da Carta Magna, prevê-se a divergência doutrinária e jurisprudencial acerca da inserção ou não da morosidade na prestação jurisdicional neste dispositivo e também, ao que poderia ser considerado como demora.
Neste diapasão pertinente seria o desmembramento do §6º em incisos visando a especificação destas questões: "Inclui-se neste parágrafo a atividade jurisdicional prestada pelos serventuários da justiça, bem como pelos magistrados, no exercício de suas funções, sendo também responsáveis: I – pela morosidade na prestação jurisdicional; II – lei específica determinará o tempo razoável para duração dos processos".
A justiça norte-americana estipulou prazos para pôr fim aos processos nos tribunais ordinários. [81] Medida propícia com o fito de tornar mais céleres os litígios e responsabilizar o Estado quando o tempo médio não for cumprido sem justificação.
Ora, se a lei estipulasse um prazo razoável para o fim dos processos, caberia aos serventuários e magistrados cumprirem o dispositivo de lei, uma vez não observado, caberia ao magistrado justificar a demora que poderia ocorrer pela complexidade da causa, pelas ações protelatórias das partes, ou por fatos supervenientes. Não justificando, a ação de responsabilização contra o Estado seria completamente cabível, com o direito de regresso do Poder Público ao agente causador do dano.
Infelizmente, a referida Proposta de Emenda à Constituição não atentou para estas peculiaridades. No entanto, acredita-se que com ela pode-se obter uma adoção da jurisprudência brasileira à teoria da responsabilidade do Estado pela morosidade na prestação jurisdicional.
Vale ressaltar que esta alteração só se faz mister pelas posições opostas tomadas pela doutrina e jurisprudência brasileira quanto a aplicabilidade ou não do artigo 37, §6º da Carta Magna aos atos jurisdicionais e seus agentes. Reitera-se que a posição aqui adotada é da aplicação deste dispositivo a estes casos. A interpretação restritiva feita por alguns doutrinadores é incoerente em face dos princípios constitucionais e da legislação processual em vigor.
Defende-se também, independentemente de alteração na legislação brasileira, uma posição da jurisprudência pátria consoante o estado democrático de direito, Brasil, para adotar a responsabilização do Estado por todos os seus atos no exercício de suas funções.
Neste diapasão, ficaria o Estado responsável direto e imediato pela demora, sendo esta causada por atos judiciais em sentido amplo, cabendo ao órgão estatal o direito de regresso contra o causador do dano, seja este serventuária da justiça ou magistrado.