3.O CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA (C.F.F.)
3.1. Lei nº. 3.820, de 11 de novembro de 1960
Como introdução a este capítulo, veremos a Lei n.º 3.820, de 11 de novembro de 1960, a qual, cria o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Farmácia.
Assim, seu art. 1º diz, in verbis:
Art. 1º - "Ficam criados os Conselhos Federais e Regionais de Farmácia, dotados de personalidade jurídica de direito público, autonomia administrativa e financeira, destinados a zelar pela fiel observância dos princípios da ética e da disciplina da classe dos que exercem atividades profissionais farmacêuticas no País".
O Conselho Federal de Farmácia possui atribuições as mais variadas, destacando, em razão do nosso estudo, as que se encontram no art. 6º, alíneas h, i, j, m, p, in verbis:
Art. 6º - h) "propor às autoridades competentes as modificações que se tornarem necessárias à regulamentação do exercício profissional, assim como colaborar com elas nas disciplinas das matérias de ciência e técnica farmacêutica, ou que de qualquer forma digam respeito à atividade profissional.
i) organizar o Código de Deontologia Farmacêutica.
j) deliberar sobre questões oriundas do exercício de atividades afins às do farmacêutico.
m) expedir resoluções, definindo ou modificando atribuições ou competência dos profissionais de Farmácia, conforme as necessidades futuras.
p) zelar pela saúde publica, promovendo a assistência farmacêutica".
Assim, os Conselhos Federais e Regionais de Farmácia, exercem fundamental papel de zelo pela classe dos que exercem atividades profissionais farmacêuticas no Brasil, cuidando da saúde da população através de seus membros responsáveis, intervindo sempre que necessário, nas questões relacionadas, organizando, fiscalizando ou legislando sobre necessárias mudanças a essa classe de profissionais liberais.
3.2. Lei 5.991, de 17 de dezembro de 1973
Este capítulo, porém, tem como objetivo primordial, estudar conceitos relevantes, para o necessário entendimento dos próximos capítulos, além de diferenciações existentes entre os referidos conceitos. Para que este estudo seja claro e de fácil assimilação, tomaremos como amparo a Lei n.º 5.991, de 17 de dezembro de 1973, a qual, como bem diz seu preâmbulo, in verbis: "Dispõe sobre o controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, e dá outras providências".
A Lei 5.991/73 trata em seu art. 4º e seguintes sobre conceitos como: drogas, medicamentos e insumos farmacêuticos, estabelecimentos e empresas, entre outros, cujas distinções são extremamente relevantes na imputação da responsabilidade civil.
O art. 4º, inciso II dá o conceito de medicamento, in verbis: Art. 4º - II – "Medicamento – produto farmacêutico, tecnicamente obtido ou elaborado com a finalidade profilática curativa, paliativa ou para fins diagnóstico".
Como podemos ver, os medicamentos são produtos farmacêuticos por excelência, nos quais são inseridas como matéria-prima, substâncias com finalidades determinadas. Como exemplo, temos as chamadas drogas, as quais nesse contexto, possuem exatamente a função de matéria-prima com finalidades medicamentosas, não podendo ser confundidas com as drogas denominadas "entorpecentes". (Caso da maconha, cocaína, craque, etc).
Devemos ressaltar ainda, que produto farmacêutico e insumos farmacêuticos possuem diferenças. [210] Enquanto o primeiro relaciona-se ao próprio produto farmacêutico (medicamento), o segundo coloca-se como droga ou matéria-prima.
Porém, a expressão "produtos farmacêuticos é utilizada vulgarmente de forma errônea, pois, quando nos referimos a produtos farmacêuticos, incluímos todos os produtos existentes nesses locais de venda [farmácias e drogarias], desde medicamentos, até perfumes, desodorantes, fraldas plásticas e outros, os quais veremos abaixo, são produtos chamados, na verdade, de correlatos".
Adiante, o inciso X, também do art. 4º, estabelece, in verbis:
Art. 4º – X – "Farmácia – estabelecimento de manipulação de fórmulas magistrais e oficinais, do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos em suas embalagens originais".
O inciso citado acima estabelece importância direta com estudo da responsabilidade civil dos fornecedores de produtos farmacêuticos, na medida que, constitui um dos locais de trabalho desses profissionais.211
Neste inciso, parte final, é utilizada a palavra "correlatos". Mas o que vem a ser isto?
A própria lei, os define, o que torna nosso estudo mais simples e com grande aprimoramento, já que os ditos "correlatos" são produtos de grande importância no contexto dos produtos farmacêuticos. Assim:
Art. 4º - IV, in verbis – "Correlato – a substância, produto, aparelho ou acessório não enquadrado nos conceitos anteriores, cujo uso ou aplicação esteja ligado à defesa e proteção da saúde individual ou coletiva, à higiene pessoal ou de ambientes, ou a fins diagnósticos e analíticos, os cosméticos e perfumes, e ainda, os produtos dietéticos, óticos de acústica médica, odontológicos e veterinários".
Não é necessário aqui, ficarmos conceituando os referidos correlatos, já que são produtos mundialmente conhecidos, não discriminando classe social, cor ou raça, mas apenas, o gosto ou a escolha de cada um de seus representantes, de acordo com a variedade encontrada no mercado.
Vemos, portanto, que os produtos correlatos, são também produtos vendidos pelas farmácias, drogarias e farmácias homeopáticas, constituindo-se num importante aspecto relacionado aos popularmente ditos "produtos farmacêuticos", e consequentemente, à responsabilidade daquelas em caso de danos individuais e coletivos".
Assim como há farmácias, existem também as chamadas drogarias e ervanarias. As duas, assim como as farmácias, são estabelecimentos, porém, em ambas, não há manipulação de fórmulas (como ocorre nas farmácias), mas somente, dispensação, seja de drogas, medicamentos ou insumos farmacêuticos (drogaria), seja de plantas medicinais (ervanaria).
Entraremos agora, no que poderíamos denominar, segunda parte deste capítulo, pois veremos, de maneira exemplificada, vários dos tipos de fornecedores (estabelecidos, no capítulo anterior, em: fornecedor real, aparente ou presumido).
As espécies de fornecedores, já foram conceituadas no capítulo II, cabe a nós agora, definir, dentro da Lei 5.991/73, quais serão as espécies de fornecedores relacionadas aos seus preceitos.
Encontramos no art. 4º os incisos XIII, XIV, XVI, XVIII, XIX e XX, os quais tratam respectivamente sobre o posto de medicamentos e unidades volantes, o dispensário de medicamentos, o distribuidor, representante, importador e exportador, os supermercados, os armazéns e empórios, e por fim, as lojas de conveniência.
De acordo com o estudo feito a respeito dos fornecedores, concluímos que a lei refere-se nestes artigos, apenas a fornecedores presumidos, pois todos os locais acima citados adquirem produtos industrializados ou não, para vender no mercado de consumo. Nenhum dos mesmos possui a característica de criador do produto, e nem mesmo aparece como produtor ou consumidor [apesar de alguns se enquadrarem como consumidores], porém, a eles não cabe colocar seu nome no produto, assumindo assim, sua fabricação.
Como diz Sílvio Luís Ferreira da Rocha, o fornecedor presumido "(...) vende produtos sem identificação clara do seu fabricante, produtor, importador ou construtor (art. 13, CDC)".212
Art. 5º, in verbis: - "O comércio de drogas, medicamentos e de insumos farmacêuticos é privativo das empresas e dos estabelecimentos definidos nesta lei".
Sobre o art. 5º, já nos referimos linhas acima, porém seu § 1º acrescenta, in verbis:
Art. 5º- §1º - "O comércio de determinados correlatos, tais como, aparelhos e acessórios, produtos utilizados para fins diagnósticos e analíticos, odontológicos, veterinários, de higiene pessoal ou de ambiente, cosméticos e perfumes, exercido por estabelecimentos especializados, poderá ser extensivo às farmácias e drogarias, observado o disposto em lei federal e na supletiva dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios".
Creio neste ponto, ser a lei bem explícita, afinal, os termos utilizados neste artigo já foram detalhadamente vistos.
A lei hora estudada, em continuação, reporta-se ao conceito de dispensação, o qual ela mesma denota (art. 4º, XV), indicando de forma taxativa, quais os locais específicos têm competência para dispensar "medicamentos" (art. 6º, caput). Complementa, ademais, no parágrafo único a possibilidade dos estabelecimentos hoteleiros e similares possuírem a referida capacidade de também disporem de medicamentos. Porém, o artigo faz a ressalva, na qual, esses medicamentos têm de ser anódinos213, ou, não devem depender de receita médica.
No capítulo III da mesma lei, 5.991/73, trata-se das farmácias homeopáticas.214 As mesmas se diferem das farmácias normais, estudadas acima, pois, nela só podem ser manipuladas fórmulas oficinais e magistrais, obedecidas à farmacotécnica homeopática (art. 10).
Essas fórmulas, devem ser devidamente manipuladas, e, nos casos em que os medicamentos homeopáticos não forem constantes das farmacopéias ou não se encontrem nos formulários homeopáticos, caberá ao órgão sanitário federal aprová-los (art. 10, parágrafo único).
Às farmácias homeopáticas é permitida a venda de produtos correlatos, porém, os mesmos deverão, de acordo com a lei, apresentarem-se em suas embalagens originais (art. 12).
Em relação ao receituário, relativos aos medicamentos homeopáticos, somente serão necessários quando a concentração de substância ativa corresponda às doses máximas farmacologicamente estabelecidas (art. 13).
O art. 13 mostra-nos uma típica situação em que a responsabilidade da farmácia poderá ser amplamente discutida, na medida que seus medicamentos podem livremente ser vendidos, independentemente de receita médica; é a chamada automedicação, a qual, o indivíduo, com seus próprios conhecimentos, compra e utiliza produtos, principalmente medicamentos, sem a devida orientação profissional.
Nesse caso, a quem cabe a responsabilidade por danos à saúde? Nos capítulos seguintes estaremos respondendo a esta indagação, que muitas das vezes não é feita pelos consumidores, que adquirem anomalias ou problemas os quais não são devidamente reparados, seja materialmente, seja moralmente.
E nos casos em que o município não possui farmácias homeopáticas? O art. 14 esclarece, in verbis:
Art. 14 – "Nas localidades desprovidas de farmácia homeopática poderá ser autorizado o funcionamento de posto de medicamentos homeopáticos ou a dispensação dos produtos em farmácia alopática".215
Como última nota a este capítulo, devemos frisar que, às farmácias e drogarias é obrigatória à assistência de técnico farmacêutico, entendendo-se aqui, tanto o profissional diplomado, quando o prático de farmácia ou oficial de farmácia, necessariamente inscrito no Conselho Regional de Farmácia.
Em conclusão, o presente capítulo restringiu-se a explicitar conceitos indispensáveis ao estudo da Responsabilidade Civil dos Fabricantes e Fornecedores de Produtos Farmacêuticos, tema que será especificamente estudado no capítulo V.
4. A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS FABRICANTES E FORNECEDORES DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Os produtos farmacêuticos podem ser grandes heróis ou até mesmo demônios, de acordo com seu modo de fabricação, comercialização e distribuição. Dificilmente, ou mesmo impossível, é encontrarmos pessoas que não utilizem destes produtos no seu dia a dia. Há casos, porém, que lamentáveis tragédias são noticiadas devido à falsificação ou à má elaboração dos mesmos.
Como exemplo, temos o medicamento anticolesterol chamado MER-29, o qual provocou graves defeitos visuais e até mesmo cegueira em milhares de pessoas, tendo de ser retirado do mercado, a Vacina Salk, contra poliomielite, que provocou doenças em centenas de crianças na Califórnia e o Talco Morhange, que levou algumas crianças à morte; este caso ficou conhecido por ter abalado a jurisprudência alemã na década de 60.
Como visto na parte histórica dos capítulos supra, a evolução tecnológica provocou grandes transformações, inclusive no que se refere à responsabilidade dos fabricantes e fornecedores. E é justamente aí que mora o perigo.
A evolução específica da responsabilidade destes agentes passou por vários países até chegar ao Brasil; como ponto importante, destacamos a Diretiva n. º 85/374 aprovada pela Comunidade Econômica Européia, em 25/07/1985, "regulamentando a responsabilidade do produtor por danos causados por produtos defeituosos" [216], havendo neste momento a uniformização da matéria.
Especificamente no Brasil, "a partir da edição do Código do Consumidor, a cada ato de natureza consumerística concretizado, surge para os respectivos fornecedores à obrigação de responder por eventuais vícios, defeitos, ou seja, acidentes de consumo ocasionados pelo produto ou serviço fornecido". [217]
A matéria é tratada pelo C.D.C. a partir do seu art. 8º e 9º, os quais, dizem respeito ao dever de diligência e informação do fornecedor sobre os produtos, atendendo à saúde e segurança do consumidor.
Este seria o ponto de partida pelo qual os fabricantes e fornecedores deveriam proceder em benefício de seus consumidores.
4.1. A Responsabilidade pelo Fato do Produto
A responsabilidade dos fabricantes e fornecedores de produtos farmacêuticos enquadra-se na responsabilidade pelo fato do produto218.
Esta noção de fato do produto encaixa-se perfeitamente aos casos exemplificativos do tópico anterior.
A responsabilidade retro citada é delineada nos arts. 12 e seguintes do Código do Consumidor, promovendo a segurança relacionada aos produtos defeituosos introduzidos no mercado, produtos os quais são os causadores da maioria dos acidentes de consumo.
Os fabricantes ou fornecedores assumem os riscos procedentes de sua atividade econômica, em que é aplicada a Teoria do Risco do Empreendimento219.
A responsabilidade ocorre, portanto, à medida que alguém se dispõe a fabricar, distribuir ou comercializar produtos. É considerada uma responsabilidade presumida e seu fato gerador não é a conduta culposa, nem a relação contratual, mas sim o defeito do produto.
Sob o prisma do consumidor, esse tem o dever de apenas provar o nexo de causalidade entre o defeito apresentado e o dano causado. Não obstante, a prova do liame causal, em regra, é difícil, principalmente no que concerne aos produtos farmacêuticos.
As diferenças entre produtores, fabricantes, importadores e comerciantes vistas em capítulos anteriores e suas respectivas responsabilidades, podem aqui ser mais bem entendidas.
Assim, o produtor é uma espécie de fabricante, porém, somente de produtos acabados, de uma parte componente ou de matérias-primas, onde coloca sua marca ou nome; ou ainda, aquele que importa produtos para venda ou distribuição.
Esclarecemos que toda pessoa que apresentar um produto como sendo seu, figurando nele o seu nome, marca ou sinais, serão responsabilizados.
O importador pode introduzir no país, tanto produtos naturais como industrializados, assim, sua responsabilidade é indireta, pois o mesmo não participou de nenhuma das fases de fabricação do produto (fornecedor presumido). Porém, equipara-se ao produtor ou ao fabricante no que diz respeito aos produtos defeituosos.
Roberto Brasilone Leite, explica a comercialização de produtos estrangeiros:
(...) a responsabilidade pelos produtos estrangeiros comercializados em território brasileiro recai integralmente sobre o importador, que deve investigar a procedência, qualidade, quantidade e adequação dos produtos220.
Nos dizeres de J. M. Othon Sidou:
(...) se o produto não indicar com precisão a identidade das pessoas responsáveis acima referidas (produtor ou importador), cada fornecedor será reputado como produtor, assim fechando o círculo que se inicia com a fabricação do produto e se encerra com sua transmissão ao consumidor, a modo de garantir-lhe sempre identificar o responsável221.
Já o fabricante, propriamente dito, inclui tanto os produtores de matéria-prima para fabricação de outros bens, como o de produtos acabados.
Há, portanto, os chamados fabricantes finais dos produtos (assembler) ou seja, aqueles que possuem o controle do processo produtivo, e os fabricantes de fase, os quais produzem a matéria-prima ou componentes integrantes desses produtos.
No caso de produtos compostos, a responsabilidade civil será do fabricante final ou assembler por ele controlar o processo produtivo integrado, não podendo eximir-se da obrigação de indenizar provando que o defeito era do produto incorporado ao produto final222.
Os fabricantes de fase encaixam-se como responsáveis solidários, de acordo com o art. 25, § 2º, do C.D.C.
Já os fabricantes aparentes, ou quase-fabricantes, devem ser equiparados aos fabricantes no que diz respeito à responsabilização por danos; equipara-se, portanto, ao fabricante real223.
Concluindo este raciocínio, sendo o defeito dimanado de um produto incorporado, poderá a vítima ter a opção de perseguir tanto o produtor final, como o produtor da parte componente, ou ambos concomitantemente.
Os comerciantes também podem ser responsabilizados pelos prejuízos causados aos consumidores pelo fato do produto, no entanto, sua responsabilização ocorre somente quando estiverem presentes as hipóteses encontradas no art. 13 do Código do Consumidor: a) o fabricante, produtor ou importador não puderem ser identificados; b) o produto estiver sem identificação clara; c) o produto perecível for mal conservado.
Estas assertivas encontram-se também relacionadas com grande ênfase no art. 31 do C.D.C., que trata da oferta.
Se a responsabilidade subsidiária do comerciante for configurada, responde ele solidariamente pela reparação dos prejuízos. Assim, na hipótese da letra c supra, poderá o consumidor optar entre acionar somente o fabricante, ou fabricante e comerciante conjuntamente.
Podemos ver, que a responsabilidade segue uma solidariedade passiva, onde o consumidor pode exigir de um ou de todos os agentes sua reparação. Além disso, esta reparação deverá ser ampla, atingindo tanto os danos patrimoniais como os danos morais, ou seja, tanto o lucro cessante quanto o dano emergente.
J. M. Othon Sidou finaliza: "O princípio da reparação total do dano por todos os co-responsáveis é elementarmente lógica, uma vez que a solidariedade é instituto ínsito do direito mercantil".224
4.1.1. Produtos Defeituosos
Os produtos farmacêuticos vão muito além das simples funções para as quais são fabricados, já que, na maioria das vezes, produzem efeitos outros, secundários àqueles normalmente esperados.
A responsabilidade pelo fato do produto está ligada a defeito, que consequentemente se liga ao dano.
Um medicamento, por exemplo, não poderá ser considerado defeituoso, se provocar como efeito secundário, alergia em um usuário, sendo esta alergia ocasionada por predisposição subjetiva, mas será defeituoso se ocasionar uma determinada doença ou a morte em todos os pacientes que o tomem.
Exemplos clássicos foram os produtos medicinais a base de talidomida e o Celobar.
A Talidomida ou "amida naftálica do ácido glutâmico" é uma poderosa droga concebida por um laboratório alemão em 1954, destinada a tratar a ansiedade, a tensão e náuseas. Três anos após sua criação acidental, ela já era consumida em 146 paises, inclusive no Brasil, que começou sua própria produção de Talidomida em 1958.
De 1954 a 1960 a Talidomida foi amplamente consumida, e uma geração inteira de crianças (mais de 12 mil crianças) nasceu com graves problemas de formação. Até que um dia, certo médico fez uma bizarra ligação: mães que haviam ingerido a Talidomida em um período critico de aproximadamente duas semanas, durante o inicio da gestação, davam a luz às crianças doentes.
A resposta global foi imediata, em 1961 a droga foi retirada de circulação em todos os países, exceto do Brasil, que continuou a produzir e consumir a droga até 1965, ano em que a droga foi retirada de circulação no país, mas na prática, porém, não deixou de ser consumida indiscriminadamente, em função da desinformação, descontrole na distribuição, omissão governamental, automedicação e poder econômico dos laboratórios. Com a sua utilização por gestantes portadoras de hanseníase, surge a segunda geração de vítimas da talidomida.
Hoje, a Talidomida ainda é pesquisada como solução, tanto para hanseníase como para aids, lupus, doenças crônico degenerativas - Câncer e Transplante de Medula.
Já a tragédia do Celobar, começou a ser esboçada em fevereiro de 2002. O laboratório carioca Enila, ao não pagar uma encomenda de sulfato de bário feita ao laboratório Sachtleben Cheme, um dos quatro do mundo que possui autorização para fabricação deste produto, começou a fabricá-lo por si próprio, o que causou várias mortes. Este evento pode ser visto através dos meios de comuniçação de todo o país, um dos exemplos é a revista Época (nº. 265, de 16 de junho de 2003).
Os defeitos de informação apresentam-se como vícios extrínsecos ao produto, e as outras categorias de defeitos caracterizam-se em vícios intrínsecos à qualidade ou relativamente à própria estrutura do produto (produtos de periculosidade adquirida).
Possuímos, de modo geral, três espécies de periculosidade: a) os produtos altamente perigosos; b) os produtos relativamente perigosos e; c) os produtos inofensivos.
Apesar da descrição do art. 10 do C.D.C., se houver omissão do Estado em proibir a fabricação de produtos altamente perigosos à saúde e segurança da população, não eximirá o fornecedor da responsabilidade eventualmente causada. Trata-se aqui de uma garantia de idoneidade, de segurança do produto. No mesmo sentido atesta o art. 24.
Apesar dos casos citados acima, os fornecedores ou fabricantes possuem total responsabilidade nos casos de uso errôneo ou incorreto de seus produtos.
Desta forma, uma máscara de beleza, ao ser aplicada, pode desprender partículas as quais venham atingir os olhos, portanto, devem ser fabricadas sem substâncias prejudiciais a esses órgãos do sentido.
Outro grande exemplo da ampliação do dever de informação por parte dos fabricantes e fornecedores, devido ao uso incorreto de um produto foi noticiado pelo jornal Folha de São Paulo, edição de 20.11.1991, p. 2-5. Sobre a condenação de uma indústria farmacêutica americana, a pagar US$ 2,5 milhões aos pais de um menino que bebeu óleo de limpeza sofrendo danos cerebrais irreversíveis.225
Não podemos deixar de voltar ao aspecto da inversão do ônus da prova, explicada capítulos antes e essencial no que diz respeito à prova do dano nos casos de responsabilidade civil dos fabricantes e fornecedores de produtos farmacêuticos. Assim, incumbe-se aos produtores (fabricantes ou fornecedores) provar a não ocorrência do dano nos acidentes de consumo.
O que podemos ver, na verdade, como uma grande característica encontrada nos defeitos de fabricação é a sua inevitabilidade, pois, mesmo com a utilização da mais avançada técnica, não podem ser eliminados completamente, daí decorre o dever de informação do fornecedor para com o consumidor.226
Esta inevitabilidade é usada principalmente, por aqueles que querem afastar estes profissionais do dever de responder. Mas o que se exige, na verdade, é a produção sem riscos, de acordo com que informa o art. 8º da Lei 8.078/90.227
Aos fabricantes e fornecedores cabe demonstrar da maneira mais clara e explícita possível às instruções ou advertências no uso de seus produtos. Todas estas informações devem estar redigidas no idioma do país a que se destinam, de forma simples e de fácil compreensão, tanto para o público leigo como para os diplomados, alertando sobre possíveis transtornos.
As bulas, encontradas na grande maioria dos produtos farmacêuticos, principalmente nos medicamentos (produtos farmacêuticos por excelência), são os melhores exemplos de como a informação ainda é de difícil compreensão à população em sua totalidade. Pesquisas realizadas demonstram que a maior parte da sociedade sequer entende o que vem escrito nas bulas.228
A partir da Seção III, do Capítulo III do C.D.C., a responsabilidade passa a ser tratada no que diz respeito aos vícios do produto e do serviço.
A diferenciação entre vícios e defeitos já foi estudada no capítulo II, sendo desnecessária nova menção.
Assim, o que mais nos interessa nos arts. 18 e seguintes, são os vícios decorrentes de disparidades com as indicações do produto, de sua embalagem, rotulagem e da própria alteração de sua substância.
O art. 19 tratará da responsabilidade dos fornecedores pelos vícios de quantidade dos produtos, em que os mesmos responderão solidariamente pelos devidos vícios, ficando a critério do consumidor a exigência em relação à sua reparação.
O art. 23 da Lei 8.078/90, também traz dispositivo de grande importância ao nosso estudo, in verbis: Art. 23 – "A ignorância do fornecedor sobre os vícios de qualidade por inadequação dos produtos e serviços não o exime de responsabilidade".
Seguindo-se a ele está o art. 25, que trata da solidariedade na reparação do dano.
Concluindo, de acordo com o Código e a exata definição da palavra vício, a responsabilidade nestes casos, fica adstrita ao produto, não atingindo a pessoa humana, ou melhor, sua saúde e integridade físico-psíquica. Esta última visa o interesse entre a equivalência da prestação e contraprestação. Já a garantia por defeitos, tem o objetivo proteger a integridade pessoal do consumidor e de seus bens.
Controvérsias, no entanto, tem se formado tanto na doutrina brasileira quanto estrangeira, a respeito dos vícios do produto. Para Maria Helena Diniz229, Antônio Herman de Vasconcellos Benjamin, Adalberto Pasqualotto e Odete Novais Carneiro de Queiroz, a responsabilidade é subjetiva; ao contrário, José Aguiar Dias e Nelson Nery Júnior, João Calvão da Silva, Rui Stoco e Cláudia Lima Marques, asseguram tratar-se de responsabilidade objetiva (posição majoritária).
No contexto da tese da responsabilização subjetiva podemos citar um instituto, o qual, Odete Novais Carneiro de Queiroz se embasa para sua explicação sobre o assunto. Assim, solidariedade, juntamente com a cumulação da reparação de danos materiais e morais, permite-nos ver a aplicação da tutela da interpretação sempre mais favorável ao consumidor.
Odete Novais Carneiro de Queiroz, então explica, corroborando com a idéia de Maria Helena Diniz: "A tutela total e irrestrita do consumidor pode ser obtida através da responsabilidade subjetiva, com presunção juris et de jure de culpa, que trará o mesmo resultado (...)".230
Em contraposição, José Aguiar Dias assevera:
(...) o expediente da presunção de culpa é, embora não o confessem os subjetivistas, mero reconhecimento da necessidade de admitir o critério objetivo (...). Em teoria, a distinção subsiste, ilustrada por um exemplo prático: no sistema da culpa, sem ela real ou artificialmente criada, não há responsabilidade; no sistema objetivo, responde-se sem culpa, ou melhor, esta indagação não tem lugar231.
Considerando, parece-nos mais assimilável a teoria da objetividade da responsabilidade, de acordo com a posição majoritária de renomados juristas.
O art. 12 do CDC utiliza-se da expressão "independentemente de culpa", relativa aos vícios por insegurança, a qual se estenderia ao art. 18, sobre os vícios do produto por inadequação.
Contudo, o que encontramos de fato, é um sistema misto, o qual devido à sua natureza extremamente recente, ainda é alvo de grandes discussões, as quais, somente as jurisprudências futuras poderão pacificar.
4.2. Causas de Exclusão da Responsabilidade
A responsabilidade no C.D.C. é objetiva e, ademais, mitigada, pois, permite a isenção de responsabilidade, num dos aspectos de grande relevância, que diz respeito às cláusulas de exclusão da responsabilidade dos fabricantes e fornecedores de produtos.
Mesmo sendo a responsabilidade civil pelo fato do produto objetiva, em que é priorizado o nexo causal entre o produto e o dano, é obrigatória a existência de um defeito (acidente de consumo) entre eles; o fornecedor, portanto, não é um simples assegurador do produto.
O art. 12, § 3º, trata dos casos em que a responsabilidade civil do fornecedor é excluída.
Às formas de exclusão da responsabilidade civis citadas no primeiro capítulo (caso fortuito e força maior232, fato de terceiro, culpa exclusiva da vítima), poderiam, em relação ao tópico especificamente estudado, ser colocadas, como nos ensina Sílvio Luís Ferreira da Rocha, em outros termos:
a)"A não colocação em circulação do produto"233:
Neste caso, porém, os produtos distribuídos gratuitamente, como medicamentos nos postos de saúde e hospitais, produtos de beleza colocados como prova para promoções publicitárias, ou até mesmo bens destinados às vítimas de calamidades, não podem ser incluídos nesta categoria, já que, de certa forma foram consumidos.
Se os produtos forem ainda, introduzidos por preposto ou representante autônomo, responderá o fornecedor solidariamente (art. 34).
A exceção está aqui, nos casos de roubo ou furto, em que o produto é colocado no mercado contra a vontade do consumidor. Nesse caso, pode o fornecedor, utilizar-se da referida excludente.
b)A culpa exclusiva do consumidor
O caso da enfermeira que aplica intencionalmente medicamento errado em seu paciente. Não há aqui nenhuma responsabilidade do fornecedor.
Contudo, havendo casos de emergência, que obrigue o consumidor a utilizar o produto, estando ciente do defeito, a responsabilidade do fornecedor não será excluída.234
Não podemos confundir a culpa exclusiva e a culpa concorrente, pois, nesta última, a responsabilidade é somente atenuada.
Outras possíveis causas de exclusão de responsabilidade pelo fato do produto, ainda não citadas por nós seriam o controle administrativo imperativo, o qual é definido como: a imposição de técnicas de controle da produção, prevenindo possíveis danos. Essas normas são vistas, como propulsoras de exclusão da responsabilidade somente quando, taxativamente, não deixarem margem para qualquer alternativa do fornecedor.
E, os riscos de desenvolvimento (considerados defeitos de concepção), ou seja, riscos que não podem ser reconhecidos no primeiro instante, no momento de seu lançamento, vindo a ser descoberto após um certo tempo de uso, como foram as vacinas contra a Aids, as pílulas para melhorar o desempenho sexual e cremes rejuvenescedores.
Os medicamentos novos são os grandes vilões desta espécie de risco. (A matéria relativa aos novos medicamentos não se encontra pacificada no mundo).
A questão da nocividade de certos medicamentos nos demonstram o grande perigo da adoção da teria do risco de desenvolvimento. Quando o que estão em causa são vidas humanas, as eximentes devem ser recebidas com muita reserva pelo aplicador das normas.
c) A inexistência do defeito:
Cabe aqui ao fornecedor provar que o produto não possui o defeito descrito pelo consumidor, que se encontra, nesse caso, em situação de hipossuficiência.
4.3. Prescrição e Decadência
Abordaremos a prescrição e a decadência da pretensão à reparação dos danos causados por produtos, assinalados pelo CDC art. 26 e seguintes, de forma sucinta.
A reparação dos danos causados, encontrados na Seção II do Capítulo IV do CDC, prescreve-se em cinco anos, iniciando-se sua contagem a partir do momento em que a vítima toma conhecimento do dano causado pelo defeito do produto e de sua autoria.
Já o prazo decadencial encontra-se elencado no art. 26 e seus parágrafos, sendo de 30 dias nos casos de produtos não duráveis; e de 90 dias para os produtos duráveis. Inicia-se sua contagem, a partir da entrega efetiva do produto (Art. 26, § 1º).
4.4. Aspectos Processuais
O art. 81 do CDC estipula duas formas de defesa dos direitos dos consumidores: individual e coletiva.
A tutela de defesa individual é feita nos moldes do Código de Processo Civil.
Já na tutela coletiva, devemos entrar no âmbito dos direitos difusos e coletivos.
Esta é, porém, matéria de âmbito constitucional e processualista, fugindo da proposta de nosso trabalho, podendo ser encontrada em doutrinas constitucionais ou específicas em defesa dos consumidores.