1.Conceito e aspectos do legado
Em primeiro plano, importante fazer distinção entre herança e legado. Enquanto a herança compreende a totalidade ou parte ideal dos bens do de cujus, o legado compreende um bem determinado ou um conjunto de bens determinados, que são especificados em testamento, deixado a alguém denominado de legatário.
O legado é instituto próprio da sucessão testamentária. A sucessão do legatário ocorre a título singular.
O legado guarda semelhança com a doação, diferindo no fato de este ser ato unilateral, e produzir efeitos com a morte do de cujus, ao passo que a doação é ato bilateral.
Há no legado a presença de três figura, quais sejam: I-) o testador, também denominado legante, que é aquele que outorga o legado; II-) o legatário, aquele que é o beneficiário do legado. Destaca Carlos Roberto Gonçalves (2016, p.369) que “qualquer pessoa, parente ou não, natural ou jurídica, simples ou empresária, pode ser contemplada com o legado”; III-) o onerado, que é aquele responsável por prestar o legado.
Vale destacar ainda que conforme preleciona Silvio de Salvo Venosa (2014, p.275) “sempre é oportuno recordar que o legatário, ao contrário do herdeiro, não possui a saisine, isto é, não ingressa na posse da coisa quando ocorre a morte do testador. No entanto, desde a abertura da sucessão, a coisa legada já pertence ao legatário.”
É o que dispõe o artigo 1.923 do Código Civil, vejamos:
Art. 1.923. Desde a abertura da sucessão, pertence ao legatário a coisa certa, existente no acervo, salvo se o legado estiver sob condição suspensiva.
§ 1o Não se defere de imediato a posse da coisa, nem nela pode o legatário entrar por autoridade própria.
2. Objeto do legado
O artigo 1.857 do Código Civil, dispõe que:
Art. 1.857. Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte.
Observa-se que o Código Civil confere ampla liberdade de testar, em decorrência do princípio da autonomia da vontade. Assim, pode o objeto do legado consistir em bens corpóreos ou bens incorpóreos, devendo ainda, ser lícito e possível.
3. Espécies de legado quanto a modalidade
Quanto a sua modalidade pode o legado ser: puro e simples, condicional, a termo, subcausa ou modal.
O legado puro e simples é aquele que produz efeitos normalmente, sem depender de qualquer fato, sendo importante compreender que a entrada na posse da coisa legada pelo legatário, como preceitua o já citado artigo 1.923, não configura condição para que o legado produza seus efeitos.
O legado condicional é aquele que tem seu efeito atrelado a evento futuro e incerto, desde que não seja captatório.
O legado a termo é aquele que sua eficácia é limitada pelo tempo, tornando-se perfeito ou extinguindo-se no prazo instituído.
O legado de subcausa é aquele que ao instituí-lo o legante declara o motivo que deu causa a tal liberalidade.
Por fim, o legado modal é aquele que pode conter uma obrigação ou encargo. Vale destacar aqui, que se o legatário aceita-lo, anui também com a o ônus que o acompanha. Caso o legatário não cumpra o encargo a liberalidade poderá ser revogada.
4. Espécies de legado quanto ao objeto
4.1. Legado de coisas
4.1.1. Legado de coisa alheia
Por força do disposto no artigo 1.912 do Código Civil, “é ineficaz o legado de coisa certa que não pertença ao testador no momento da abertura da sucessão.”
Entretanto, tal regra possui exceções.
A primeira delas ocorre se o bem legado não pertencia ao testador quando testou, porém lhe pertence quando da abertura da sucessão. Assim a aquisição posterior do bem, produz efeito, tornando válida a liberalidade desde a elaboração do testamento.
Outra hipótese ocorre quando o legante determina ao herdeiro que entregue ao legatário a coisa alheia. É a hipótese de sublegado. É um ônus que se impõe ao herdeiro para adquirir o bem e entregá-lo ao legatário.
Há também a hipótese do que consiste no testador ordenar ao herdeiro ou legatário que entregue coisa de sua propriedade ou de outrem. Tal hipótese encontra amparo no artigo 1.913, vejamos:
Art. 1.913. Se o testador ordenar que o herdeiro ou legatário entregue coisa de sua propriedade a outrem, não o cumprindo ele, entender-se-á que renunciou à herança ou ao legado.
Dispõe ainda o artigo 1.935:
Art. 1.935. Se algum legado consistir em coisa pertencente a herdeiro ou legatário (art. 1.913), só a ele incumbirá cumpri-lo, com regresso contra os co-herdeiros, pela quota de cada um, salvo se o contrário expressamente dispôs o testador.
Por fim, outra exceção ao disposto no referido artigo 1.912 do Código Civil, consiste no legado de coisa genérica, determinada somente quanto ao seu gênero, qualidade e quantidade, mesmo que esta não mais integre o patrimônio do legante.
Art. 1.915. Se o legado for de coisa que se determine pelo gênero, será o mesmo cumprido, ainda que tal coisa não exista entre os bens deixados pelo testador.
4.1.2.Legado de coisa comum
É possível que a coisa legada seja comum, pertencendo ao legante apenas em parte. Neste caso, o legado valerá em parte, sendo que no restante, a coisa será alheia, regendo-se conforme o mencionado no item anterior.
Figura-se portanto o que aduz o artigo 1.914: “Art. 1.914. Se tão-somente em parte a coisa legada pertencer ao testador, ou, no caso do artigo antecedente, ao herdeiro ou ao legatário, só quanto a essa parte valerá o legado.”
Vale ressaltar quanto as disposições feitas pelo cônjuge casado no regime da comunhão universal de bens, que terá eficácia o legado de coisa certa, se não houver atribuição ao cônjuge sobrevivente na partilha, a seu pedido.
4.1.3. Legado de coisa singularizada
O legado de coisa singularizada consista na individualização da coisa, pelo testador que a especificará por suas características. Observa-se aqui, que tal legado terá eficácia se a coisa for encontrada ou pertencer ao de cujus, caso ainda exista, porém em quantidade inferior à que foi legada, sua eficácia será quanto ao existente.
Assim dispõe o artigo 1916:
Art. 1.916. Se o testador legar coisa sua, singularizando-a, só terá eficácia o legado se, ao tempo do seu falecimento, ela se achava entre os bens da herança; se a coisa legada existir entre os bens do testador, mas em quantidade inferior à do legado, este será eficaz apenas quanto à existente.
Importante lembrar que é entregue ao legatário o que existir, o remanescente, portanto não se vendem bens do espólio para repor a quantidade não mais existente.
4.1.4. Legado de coisa localizada
Neste legado a coisa legada deve encontrar-se no local designado pelo testador à época da abertura da sucessão, para que tenha eficácia.
Vejamos o que preceitua o artigo 1.917:
Art. 1.917. O legado de coisa que deva encontrar-se em determinado lugar só terá eficácia se nele for achada, salvo se removida a título transitório.
Caso a coisa legada tenha sido removida temporariamente e retorne oportunamente ao local designado, prevalecerá o legado. Entretanto, se a remoção for realizada pelo testador em caráter definitivo o legado perderá sua eficácia. Nesta hipótese, para que a disposição testamentária tenha eficácia, o testador deverá refazer seu testamento após a remoção do bem.
4.2. Legado de crédito ou de quitação de dívida
O legado pode ter por objeto um crédito. Neste legado, o legatário substitui o legante podendo promover a cobrança de tal crédito. Dessa forma, prevê o Código Civil:
Art. 1.918. O legado de crédito, ou de quitação de dívida, terá eficácia somente até a importância desta, ou daquele, ao tempo da morte do testador.
§ 1o Cumpre-se o legado, entregando o herdeiro ao legatário o título respectivo.
§ 2o Este legado não compreende as dívidas posteriores à data do testamento.
Não havendo disposição contrária, ao crédito se incorporam juros não pagos.
4.3. Legado de quitação de dívida
Ainda pelo disposto no artigo 1.918, pode o legado ter por objeto a quitação de uma dívida. Neste caso, a disposição testamentária confere quitação de uma dívida que o legatório possui com o testador. Aplica-se ainda a este legado o previsto no artigo 1.919: “Art. 1.919. Não o declarando expressamente o testador, não se reputará compensação da sua dívida o legado que ele faça ao credor. Parágrafo único. Subsistirá integralmente o legado, se a dívida lhe foi posterior, e o testador a solveu antes de morrer.”
4.4.Legado de alimentos
O Código Civil traz a previsão de que o testador pode deixar legado de alimentos.
Art. 1.920. O legado de alimentos abrange o sustento, a cura, o vestuário e a casa, enquanto o legatário viver, além da educação, se ele for menor.
Há que se observar, que tal legado abrange os alimentos indispensáveis a subsistência e vivência do beneficiado.
De acordo com Carlos Roberto Gonçalves (2016, p.378, 379), “se não houver disposição expressa quanto ao período que abrange o legado de alimentos, entende-se que são vitalícios. As prestações devidas em cumprimento ao do dever de educação e de instrução têm a duração necessária para que se eduque e instrua o beneficiado, tendo em vista a profissão escolhida.”
Os alimentos decorrentes do legado, não se confundem com os legais.
4.5. Legado de usufruto
De acordo com Silvio de Salvo Venosa (2014, p.277) pode o testador legar o usufruto, deixando a nua-propriedade com o herdeiro ou com outrem. Destaca-se ainda que o Código Civil dispõe o seguinte: “Art. 1.921. O legado de usufruto, sem fixação de tempo, entende-se deixado ao legatário por toda a sua vida.”
A responsabilidade pela conservação do bem recai sobre o legatário. Insta salientar também que não caberá a disposição de legado de usufruto sucessivo, porém poderá ser estabelecido o usufruto simultâneo.
4.6. Legado de imóvel
Nos termos do artigo 1.922 do Código Civil:
Art. 1.922. Se aquele que legar um imóvel lhe ajuntar depois novas aquisições, estas, ainda que contíguas, não se compreendem no legado, salvo expressa declaração em contrário do testador.
Parágrafo único. Não se aplica o disposto neste artigo às benfeitorias necessárias, úteis ou voluptuárias feitas no prédio legado.
Desta forma, a coisa legada abrange os acessórios, todavia não se compreende no imóvel legado se houver acréscimos ao mesmo. No entanto, em obediência ao princípio de que o acessório segue o principal, as benfeitorias, necessária, úteis ou voluptuárias, pertencem ao legatário.
5. Efeitos do legado
Nos termos do artigo 1.784 do Código Civil, o herdeiro, sendo legítimo ou testamentário, adquire a propriedade e a posse da herança desde a abertura da sucessão.
O mesmo não ocorre quanto ao legatário, devendo pedir o legado aos herdeiros. Com a morte do testador, surge para o herdeiro o direito de pedir o legado, já que, nos termos do artigo 1.923, § 1º do Código Civil, o legatário não tem a posse da coisa legada de imediato.
Dispõe ainda o artigo 1.924 do Código Civil:
Art. 1.924. O direito de pedir o legado não se exercerá, enquanto se litigue sobre a validade do testamento, e, nos legados condicionais, ou a prazo, enquanto esteja pendente a condição ou o prazo não se vença.
Assim por transmitir ao legatário o domínio na abertura da sucessão, pertencem a ele os frutos desde a morte do testado, observando-se portanto se depende de condição suspensiva, ou de termo inicia. A coisa será entregue ao legatário tal como se encontre, excluindo-se portanto os frutos colhidos antes do falecimento do autor da herança.
Quanto ao pagamento do legado, este encargo pertence ao herdeiro, salvo se o testador encarregar expressamente certos herdeiros.
Vale ressaltar que as despesas e os riscos da entrega do legado pertencem ao legatário, salvo disposição testamentária em contrário. É o que preceitua o artigo 1.936 do Código Civil: “Art. 1.936. As despesas e os riscos da entrega do legado correm à conta do legatário, se não dispuser diversamente o testador.”
Por fim, importante frisar que, nos termos do artigo 1.937 do Código Civil, a coisa legada será entregue com seus acessórios, no local e no estado em que se encontre quando da morte do testador, pertencendo ao legatário seus encargos.
Referências bibliográficas:
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das sucessões, v.7. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões, v. 7. 14 ed. São Paulo: Atlas, 2014,
Código Civil - LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm. Acesso em 23/11/2017.