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A constitucionalidade da multa pela não homologação de declaração de compensação de tributos federais

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Agenda 16/09/2020 às 13:40

3 A multa pela não homologação da declaração de compensação de tributos federais

A Lei nº 12.249, de 11 de junho de 2010 deu nova redação aos parágrafos 15 e 17 do artigo 74 da Lei nº 9.430/1996 para instituir multa isolada no montante de 50% (cinquenta por cento) do valor do crédito objeto de Declaração de Compensação não homologada.

Posteriormente, a Lei nº 13.097, de 19 de janeiro de 2015, fruto da conversão em lei da Medida Provisória nº 656, de 7 de outubro de 2014, alterou novamente os parágrafos 15 e 17 do artigo 74 da Lei nº 9.430/1996, desta feita para revogar o primeiro e alterar este último no sentido de expressar a incidência da multa isolada de 50% (cinquenta por cento) não sobre o valor do crédito objeto da Declaração de Compensação, mas sim sobre os débitos informados no dito documento, os quais pretendia o contribuinte extinguir por esta via.

A introdução da referida sanção no sistema jurídico brasileiro se deu por iniciativa da Administração Tributária, com o intuito de coibir a prática de atividades lesivas ao erário quando da utilização indevida do mecanismo de compensação implementado nos moldes explicados em tópico anterior.

Há atualmente uma tendência experimentada não apenas pela ordem jurídica pátria, mas também pelos sistemas adotados em outros países de atribuir algumas atividades da arrecadação tributária aos contribuintes, reservando à máquina administrativa do Estado, em geral, tarefas de fiscalização e controle a posteriori.

É o que se verifica no lançamento por homologação do art. 150 do Código Tributário Nacional, por exemplo, o qual prevê a existência de “tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa”, a quem cabe, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologar, evento que se opera tacitamente com o decurso do interregno de 5 (cinco) anos.

O mesmo ocorre em relação à compensação tributária, uma tendência mundial explicada, sobretudo, pela constatação de que se vive em uma complexa sociedade de massa, na qual o número de atividades potencialmente sujeitas à tributação cresce exponencialmente, exigindo das administrações a implantação de sistemas ágeis e automatizados que permitam a necessária fluidez das operações comerciais, trocas e regularização de situação fiscal por parte dos contribuintes.

São iniciativas cuja adoção constitui exigência da sociedade moderna, pois traduzem o conceito de “praticabilidade da tributação”, assim como o faz o instituto da substituição para frente16, com a proteção aos valores básicos de se evitar a evasão fiscal e a necessidade de assegurar recursos com alto grau de previsão e praticabilidade (certeza fiscal), conforme pontua Ribeiro (1997, p. 105/110).

Por outro lado, tal cenário, ao delegar ao contribuinte a realização de determinadas atividades em outros tempos imbuídas exclusivamente à autoridade fiscal, ao passo que dá agilidade ao sistema, também possibilita a ocorrência de fraudes ou utilização inadequada das ferramentas postas à disposição, trazendo a possibilidade de enormes danos à coletividade.

Visando a desestimular este tipo de conduta, foi criada a penalidade prevista na Lei nº 9.430/96 no seu art. 74, no montante de 50% (cinquenta por cento) dos débitos objeto de Declaração de Compensação não homologada.

A conduta de efetuar compensações indevidas representa grave risco ao equilíbrio fiscal, uma vez que, como dito anteriormente, declarada a compensação, esta “extingue o crédito tributário, sob condição resolutória de sua ulterior homologação”, nos termos do art. 74, § 2º, Lei nº 9.430/96.

O objetivo, portanto, é o de punir o contribuinte que, se valendo dos benefícios advindos da apresentação da Declaração de Compensação, o faça em ofensa aos ditames normativos que regulamentam o procedimento.

3.1 As contestações judiciais

A partir da implementação da sanção incidente sobre as compensações não homologadas os contribuintes passaram a levar ao judiciário questionamentos quanto a sua validade constitucional, tanto em controle difuso ou incidental, na apreciação dos casos concretos, quanto em controle concentrado ou abstrato, como a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) proposta pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), autora da ADI nº 4905, noticiada nos seguintes termos no sítio eletrônico do Supremo Tribunal Federal:

CNI contesta constitucionalidade de multa imposta pela Receita Federal em caso de pedido de crédito indevido17

Em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4905) ajuizada no Supremo Tribunal Federal (STF), a Confederação Nacional da Indústria (CNI) pede a suspensão, em caráter liminar, da eficácia de dispositivos da Lei nº 9.430/1996, sobre a legislação tributária federal, com a redação introduzida pela Lei nº 12.249/2010 e regulamentação pela Instrução Normativa 1.300/2012, da Receita Federal.

O artigo 74 da Lei 9.430 dispõe que “o sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele órgão”.

Entretanto, em seus parágrafos 15 e 17, introduzidos pela Lei 12.249/2010, o mesmo artigo prevê aplicação de multa isolada de 50% sobre o valor do crédito objeto do pedido de ressarcimento que for indeferido ou indevido, ou no caso de crédito cuja compensação não for homologada pela Receita, “salvo no caso de falsidade da declaração apresentada pelo sujeito passivo”. Isso porque, no caso de ressarcimento obtido com falsidade (parágrafo 16, não questionado nesta ADI), o valor da multa se eleva para 100%.

A CNI alega que esses dispositivos contêm normas punitivas contra o contribuinte que age de boa-fé. Trata-se de ”multa pela simples conduta lícita do contribuinte, dentro dos limites do regular exercício do seu direito, quando o seu pedido de ressarcimento ou de compensação vier a ser indeferido administrativamente”. A imposição da multa violaria, assim, o direito fundamental de petição aos poderes públicos (artigo 5º, inciso XXXIV, letra a, da Constituição Federal – CF); o direito ao contraditório e à ampla defesa (artigo 5º, inciso LV da CF); a vedação da utilização de tributos com efeito de confisco (artigo 150, inciso IV, da CF); e os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, “resultando em verdadeira sanção política que o STF há tempos proíbe por inconstitucional”.

Restituição/compensação

A CNI recorda que, de acordo com o artigo 165 do Código Tributário Nacional (CTN), podem ser restituídas pela Receita Federal ou compensadas pelo sujeito passivo (artigo 170 do CTN) as quantias recolhidas ao Tesouro Nacional a título de tributo ou de contribuição, em algumas hipóteses legais, especialmente: a) cobrança ou pagamento espontâneo, indevido ou maior que o devido; b) erro na identificação do contribuinte, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento.

A restituição ou compensação é prevista, também, pelo artigo 170 do CTN, para os casos de reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória e, ainda, de créditos do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), da Contribuição para o PIS/Pasep e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) resultantes do exercício da atividade econômica. O relator da ADI 4905 é o ministro Gilmar Mendes. (grifo nosso)

Observe que a Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta ataca dois dispositivos da Lei nº 9.430/96, com a redação conferida pela Lei nº 12.249/2010, quais sejam, os parágrafos 15 e 17 do seu art. 74:

§ 15. Será aplicada multa isolada de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor do crédito objeto de pedido de ressarcimento indeferido ou indevido. (Incluído pela Lei nº 12.249, de 2010).

(...)

§ 17. Aplica-se a multa prevista no § 15, também, sobre o valor do crédito objeto de declaração de compensação não homologada, salvo no caso de falsidade da declaração apresentada pelo sujeito passivo. (Incluído pela Lei nº 12.249, de 2010).

Ocorre que, como informado acima, a Lei nº 13.097, de 19 de janeiro de 2015 trouxe nova redação ao parágrafo 17 e revogou o parágrafo 15 do art. 74 da Lei nº 9.430/96:

§ 15.  Será aplicada multa isolada de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor do crédito objeto de pedido de ressarcimento indeferido ou indevido.       (Incluído pela Lei nº 12.249, de 2010)        (Revogado pela Medida Provisória nº 656, de 2014)   (Vide Lei nº 13.097, de 2015)         (Revogado pela Medida Provisória nº 668, de 2015)      (Revogado pela Lei nº 13.137, de 2015)  

(...)

§ 17. Será aplicada multa isolada de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor do débito objeto de declaração de compensação não homologada, salvo no caso de falsidade da declaração apresentada pelo sujeito passivo.  (Redação dada pela Lei nº 13.097, de 2015)

De plano, já cumpre observar que quanto ao parágrafo 15, assunto que não é tema central desse estudo, deu-se a perda de objeto da matéria levada ao Supremo Tribunal Federal via ADI 4905 em virtude da revogação do texto legal cuja constitucionalidade foi atacada, sendo este o entendimento do Supremo Tribunal Federal, em relação ao qual trazemos as seguintes ementas de julgados concernentes ao tema:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. OBJETO DA AÇÃO. REVOGAÇÃO SUPERVENIENTE DA LEI ARGUIDA DE INCONSTITUCIONAL. PREJUDICIALIDADE DA AÇÃO. CONTROVÉRSIA. OBJETO DA AÇÃO DIRETA prevista no art. 102, I, a e 103 da Constituição Federal, e a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo em tese, logo o interesse de agir só existe se a lei estiver em vigor. REVOGAÇÃO DA LEI ARGUIDA DE INCONSTITUCIONAL. Prejudicialidade da ação por perda do objeto. A revogação ulterior da lei questionada realiza, em si, a função jurídica constitucional reservada à ação direta de expungir do sistema jurídico a norma inquinada de inconstitucionalidade. EFEITOS concretos da lei revogada, durante sua vigência. Matéria que, por não constituir objeto da ação direta, deve ser remetida as vias ordinárias. A declaração em tese de lei que não mais existe transformaria a ação direta em instrumento processual de proteção de situações jurídicas pessoais e concretas. Ação direta que, tendo por objeto a Lei 9.048/89 do Estado do Paraná, revogada no curso da ação, se julga prejudicada” (ADI 709-PR).

Ação direta de inconstitucionalidade. - Tendo sido abrogada a Lei 751, de 07.04.95, do Estado do Tocantins, na qual se encontravam os dispositivos tidos como inconstitucionais, pela Lei 769, de 05.07.95, do mesmo Estado, que também restabeleceu todas as normas por aquela desconstituídas, está prejudicada a presente ação direta, tendo em vista a orientação desta Corte que, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade n 708, decidiu que a revogação do ato normativo ocorrida posteriormente ao ajuizamento da ação direta, mas anteriormente ao seu julgamento, a torna prejudicada, independentemente da verificação dos efeitos concretos que o ato haja produzido, pois eles têm relevância no plano das relações jurídicas individuais, não, porém, no controle abstrato das normas. Ação direta não conhecida, por estar prejudicada pela perda de seu objeto. (ADI 1280/TO).

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Assim, em relação ao parágrafo 15 entendemos que deverá ser reconhecida a perda de objeto, já quanto ao parágrafo 17 do art. 74 da Lei nº 9.430/96, tem-se que a modificação realizada não excluiu a incidência da sanção, mas alterou a sua forma de cálculo, ao substituir o parâmetro do valor do crédito apresentado para o valor do débito que se pretendeu compensar.

O Supremo Tribunal Federal entende que a alteração operada na norma previamente atacada via controle abstrato de constitucionalidade deverá ser substancial para que seja declarada a perda de objeto da ação, conforme se extrai do excerto a seguir:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº55/2007 QUE MODIFICOU O ART. 20-A DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE RONDONIA. ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DO DISPOSITIVO PELA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 72/2010. PERDA DE OBJETO. 1. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a revogação do ato impugnado ou a sua alteração substancial leva à prejudicialidade da ação direta por perda superveniente de objeto. Precedentes. 2. Pedido prejudicado. (ADI 99036) (grifo nosso)

Nessas circunstâncias, tendo em vista que não houve alteração substancial da norma atacada, continuam hígidos os motivos que ensejaram o controle de constitucionalidade, posto que o busílis sob apreciação do STF não recai sobre o método de cálculo, mas sobre a implementação da sanção em si.

Tendo sido a Lei nº 13.097/2015 fruto da conversão da Medida Provisória nº 656, de 7 de outubro de 2014, trazemos, para fins de aprofundamento, trecho da exposição de motivos que acompanhou o seu envio ao congresso referente a mencionada alteração no texto que originalmente instituiu a sanção:

Com a revogação proposta para os §§ 15 e 16, e visando manter a aplicação da multa isolada de 50% apenas nos casos de não homologação de compensação, faz-se necessária nova redação para o § 17 do art. 74 da Lei 9.430, de 1996, trazendo para o referido parágrafo o percentual da multa antes previsto no § 15, e para substituir o termo 'crédito' por 'débito", que é efetivamente o valor indevidamente compensado e que deverá ser a base de cálculo da multa isolada.

A nova redação proposta para o § 17 deixa claro que o instituto da Declaração de Compensação não deve ser utilizado para extinção de débitos sem a existência de créditos correspondentes, em estrita observância do que dispõe o art. 170 do CTN.

Assim, é aplicável a multa isolada no caso em que o débito é extinto sob condição resolutória, mas cujo crédito indicado para compensação é insuficiente, no todo ou em parte, para extinguir o tributo devido.

E a ressalva contida no §17 de que essa multa não se aplica no caso de falsidade da declaração apresentada pelo sujeito passivo é porque para esta hipótese existe previsão específica de aplicação de multa isolada nos termos do art. 18 da Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2013. (grifo nosso)

Trazemos abaixo, em síntese, as alegações contrárias à validade da sanção em debate, submetidas pelos contribuintes à apreciação judicial:

Nos próximos tópicos passaremos a analisar cada um dos argumentos listados acima, com o intuito de verificar sua subsistência frente ao ordenamento jurídico tributário.

3.2 Da sanção política

As sanções políticas, já apresentadas anteriormente, caracterizam-se, nas palavras de Schoueri (2012, p. 1091), por “restrições não razoáveis ou desproporcionais ao exercício de atividade econômica ou profissional lícita, utilizadas como forma de coação ou indução ao pagamento de tributos”.

As sanções indiretas ou políticas, diferentemente das que são utilizadas como meio de punir a desobediência às normas de prática cogente representam maneiras reflexas de cobrança de tributos.

São imposições do Estado sobre aqueles que estão em situação de mora para com os compromissos tributários, de maneira que impossibilite a atividade profissional ou empresarial dos contribuintes, neste sentido trazemos excertos de julgados oriundos do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4a região, para fins de ilustração:

TRIBUTÁRIO. IPI. DECRETO Nº 4.544, DE 2002, ART. 234. SELOS DE CONTROLE DE IPI. EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE REGULARIDADE FISCAL. OFENSA À LEGALIDADE. SANÇÃO POLÍTICA. A exigência de comprovação da regularidade fiscal para fornecimento de selos de controle de IPI, nos termos do Decreto nº 4.544, de 2002, art. 234, constitui ofensa ao princípio da legalidade (CF, artigos 5º, inciso II; e 150, inciso I), e implica sanção política, ao obstar o livre exercício de atividade econômica lícita (CF, artigo 170, parágrafo único). (TRF-4 - APELREEX: 2329 RS 2008.71.07.002329-6, Relator: MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, Data de Julgamento: 23/09/2009, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: D.E. 06/10/2009)

TRIBUTÁRIO. ADUANEIRO. MANDADO DE SEGURANÇA. LIBERAÇÃO DE MERCADORIAS CONDICIONADA AO PAGAMENTO DE TRIBUTOS E MULTA. IMPOSSIBILIDADE. LEGITIMIDADE DO TRANSPORTADOR. INTERESSE PROCESSUAL. TEORIA DA CAUSA MADURA. 1. A empresa transportadora é parte legítima para impetrar mandado de segurança objetivando a liberação de carga apreendida em procedimento aduaneiro e cuja liberação foi condicionada ao pagamento de tributos e multa, uma vez que o transportador é responsável pela carga até a entrega ao destinatário. 2. A concessão da medida liminar consiste em ato judicial provisório, o qual, ainda quando satisfativo, exige a devida ratificação judicial, não havendo falar em ausência de interesse processual decorrente da perda do objeto. 3. Teoria da Causa Madura. Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito, o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento (art. 515, § 3/, do CPC). 4. Não subsiste a negativa de liberação das mercadorias apreendidas pelo simples fatos de o transportador ter contra si lançado crédito tributário, uma vez que a União tem meios próprios (execução fiscal) para obter a satisfação da dívida, não lhe sendo permitido impedir o contribuinte de exercer a sua atividade econômica sob pena de sanção política, já rechaçada pelo STF em diversas ocasiões. Súmulas 323 e 547 do STF. (TRF-4 - AC: 8185 PR 2006.70.02.008185-0, Relator: MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, Data de Julgamento: 02/06/2010, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: D.E. 08/06/2010)

A multa em tela não impõe esta circunstância ao contribuinte, posto que não há vedação, direta ou indireta, ao exercício de sua atividade econômica ou profissional.

A multa apenas visa a punir infração administrativa prevista em lei, e contra a qual são admitidos ao contribuinte todos os recursos referentes ao devido processo administrativo e judicial.

A inobservância de requisitos previstos em lei para a utilização do mecanismo de compensação para extinção de créditos constituídos origina uma obrigação tributária, qual seja, a multa pecuniária, da qual o sujeito passivo passa a ser devedor, não implicando tal condição circunstância em que ficará impedido de realizar suas atividades.

3.3 Do efeito confiscatório

Um outro argumento a ser analisado é o de que a multa produziria o efeito confiscatório vedado constitucionalmente. Paulsen (2008, p. 228) assim se manifesta quanto ao princípio em comento:

Confisco é a tomada compulsória da propriedade privada pelo Estado, sem indenização. O inciso comentado refere-se à forma velada, indireta, de confisco, que pode ocorrer por tributação excessiva. Não importa a finalidade, mas o efeito da tributação no plano dos fatos. Não é admissível que a alíquota de um imposto seja tão elevada a ponto de se tornar insuportável, ensejando atentado ao próprio direito de propriedade. Realmente, se tornar inviável a manutenção da propriedade, o tributo será confiscatório.

Não existe um critério objetivo que determine em que nível de exigência do crédito tributário este se afigurará confiscatório, embora tenhamos exemplos no julgamento dos casos concretos, como o decidido na apreciação da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.075, no bojo da qual concluiu-se confiscatório o efeito de multa incidente à alíquota de 300% (trezentos por cento).

Merece destaque o fato de que haverá cobrança de multa ao montante de 75% (setenta e cinco por cento) sobre tributos federais constituídos a partir de lançamentos de ofício, incidindo sobre a “totalidade ou diferença de imposto ou contribuição nos casos de falta de pagamento ou recolhimento, de falta de declaração e nos de declaração inexata”.

Em manifestação recente, no julgamento do Agravo Regimental em Agravo de Instrumento 727.872/RS18, o Supremo Tribunal Federal, reafirmou entendimento de que as multas punitivas não poderão ser superiores ao montante de 100% (cem por cento) do valor da obrigação principal a qual se referir. Trazemos excerto a seguir:

Considerando as peculiaridades do sistema constitucional brasileiro e o delicado embate que se processa entre o poder de tributar e as garantias constitucionais, entendo que o caráter pedagógico da multa é fundamental para incutir no contribuinte o sentimento de que não vale a pena articular uma burla contra a Administração fazendária. E nesse particular, parece-me adequado que um bom parâmetro seja o valor devido a título de obrigação principal. Com base em tais razões, entendo pertinente adotar como limites os montantes de 20% para multa moratória e 100% para multas punitivas.

Como já destacado, a multa incidente sobre a compensação não homologada tem clara função de inibir um comportamento indevido, revestindo-se de natureza punitiva, com nítida diferenciação em relação às multas moratórias, que visam a penalização exclusivamente do atraso no recolhimento.

Não se pode falar, portanto, em caráter confiscatório da multa em tela, tendo em vista situar-se em patamar bem abaixo do que entendem os tribunais pátrios.

3.4 Do ferimento ao princípio da proporcionalidade

Para analisar a alegação de que a penalidade afronta o princípio da proporcionalidade, trazemos a apresentação que Di Pietro (2008, p. 75/76) faz quanto ao princípio invocado:

Trata-se de princípio aplicado ao Direito Administrativo como mais uma das tentativas de impor-se limitações à discricionariedade administrativa, ampliando-se o âmbito de apreciação do ato administrativo pelo Poder Judiciário. Tal pode ocorrer quando o ato editado pelo poder público não dê os fundamentos de fato ou de direito nos quais se sustenta, não leve em conta os fatos constantes do expediente (ou públicos ou notórios), ou não guarde proporção adequada entre os meios que emprega e o fim que a lei deseja alcançar, ou seja, se trate de medida desproporcionada, excessiva em relação ao que se deseja alcançar.

Para Mendes (1994, p. 469) o juízo definitivo sobre a proporcionalidade ou razoabilidade da medida deverá resultar de rigorosa ponderação entre o significado da intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador, com luz sobre os pressupostos de adequação, necessidade e proporcionalidade ou razoabilidade em sentido estrito.

Para abordar o ato sob o aspecto da proporcionalidade, portanto, devemos enxergá-lo com vistas a estes três critérios: adequação, exigibilidade e proporcionalidade em sentido estrito.

Como visto, a implementação da multa em comento surgiu como uma medida contra a utilização abusiva da compensação tributária através da transmissão de Declaração de Compensação sem a existência de fundamentação legal ou mesmo sem que houvesse crédito a aproveitar.

Diante desta circunstância, havia necessidade da adoção de mecanismos que inibissem a prática de ilícitos administrativos, sem, contudo, penalizar os contribuintes que atuassem corretamente.

A implantação de mecanismos mais rigorosos para transmissão e admissão da Declaração de Compensação, a priori, acabaria afetando a todos indiscriminadamente, como já ocorre tradicionalmente com os controles da burocracia clássica.

Por outro lado, entendendo-se necessária a implementação de uma medida que evite ou iniba a ocorrência de práticas lesivas, há de adotar aquela que se mostre adequada, dentro do sistema a qual pertence.

Assim, a adoção de uma multa pecuniária, em detrimento da imposição de sanções políticas ou obstáculos ao exercício do direito de declarar a compensação pretendida, afigura-se como meio adequado de punição aos que atuarem em confronto às normas relativas ao instituto.

Esta análise nos conduz, portanto, a admitir que a medida atendeu aos requisitos de necessidade e adequação.

Por fim, a proporcionalidade em sentido estrito exige uma leitura quanto às vantagens da medida em confronto com as desvantagens.

A previsão de multa de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor do débito apresentado em Declaração de Compensação não homologada é proporcional ao fim colimado, qual seja, evitar condutas que, conforme alegado, afetam a Fazenda Pública, a administração fiscal e, ao fim e ao cabo, toda a coletividade.

Um valor menor não alcançaria o objetivo de coibir práticas ilícitas, já que o contribuinte se disporia a correr o risco de pagar a multa pretendida para ter o seu crédito suspenso por prazo razoável de tempo, gozando das benesses de uma certidão positiva de débitos com efeito de negativa, ou até sendo beneficiado pela homologação tácita e a impossibilidade de análise pelo fisco de uma compensação que não era hígida.

3.5 Do abuso ao direito de petição

Um outro argumento apresentado contra a imposição da multa ora estudada aduz que esta significa verdadeira ofensa ao direito constitucional de petição, cujo nascimento histórico se deu com a Magna Carta de 121519, e previsto no art. 5o, XXXIV da CRFB, segundo o qual é assegurado a todos, independentemente do pagamento de taxas, o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder.

É de se observar que, ao pleitear o ressarcimento ou declarar a compensação, o contribuinte não está peticionando contra ato ilegal ou abusivo da Administração, mas unicamente informando a esta a existência de crédito a seu favor em virtude de recolhimento de tributo indevido ou a maior do que o devido e, por conseguinte, solicitando o seu ressarcimento ou a sua compensação com débitos seus, declaração, no caso da compensação, que já basta para a produção dos efeitos pretendidos, quais sejam, a extinção do crédito tributário que se pretende pagar, ainda que em condição resolutória.

Não deve prosperar, assim, o argumento de afronta ao direito de petição, posto que não há vedação ao gozo de tal garantia.

A imposição da multa não viola o direito de o contribuinte declarar a compensação pretendida, mas sim prevê a punição da utilização indevida do mecanismo.

O que se pune é o excesso danoso, o abuso, e não o exercício regular do direito. Fazendo um paralelo, por exemplo, com as infrações de trânsito, poder-se-ia argumentar que a imposição de limites de velocidade e a lavratura de multas a quem o desrespeitasse ofenderia o direito de ir e vir, numa verdadeira deturpação do instituto, uma vez que, repise-se, o que se pune não é o exercício regular do direito, mas sim a sua extrapolação.

Uma vez que os regulamentos atinentes à apresentação da Declaração de Compensação informam detalhadamente as vedações e os critérios informadores das análises, cabe ao sujeito passivo exercer o seu direito em conformidade com as prescrições normativas.

Aprofundando o argumento, os contribuintes alegam que o malferimento ao direito de petição residiria também no fato de que a legislação tributária, complexa e extensa, eivada de minúcias, induziria os mesmos a erro, no qual incorreria sem que este fosse o intuito.

Em relação a isso, conforme já tratado em capítulo anterior, o Código Tributário Nacional no seu art. 136 define como regra a natureza objetiva da responsabilidade pela infração tributária.

É dizer que para a apuração e cominação de penalidades não importam, à luz do fato gerador enquadrado, que seja comprovada a existência de culpa ou dolo por parte do agente em questão. Verificada a infração à norma tributária, não caberá à autoridade tributária outra alternativa, senão a imposição da infração prevista.

Está ao alcance dos contribuintes em dúvida o procedimento de consulta sobre dispositivos da legislação tributária aplicáveis a fato determinado ou à classificação de mercadorias, por exemplo, previsto nos arts. 48 a 50 da Lei nº 9.430/1996 e 46 a 53 do Decreto nº 70.235/1972. O processo de consulta, conforme definição de Neder (2010, p. 374):

Diante do emaranhado de leis, medidas provisórias, decretos, instruções normativas, etc., os obrigados à observância da legislação tributária, muitas vezes, encontram-se na situação de não saber como proceder, sendo comum a busca de soluções da Administração Pública mediante o instituto da consulta. A consulta, formulada por escrito, é, portanto, o instrumento que o interessado possui para dirimir dúvidas quanto à aplicação de determinado dispositivo da legislação tributária em uma situação concreta relacionada com sua atividade.

A admissão do processo de consulta produz, entre outros efeitos, o de impedir que o fisco autue o contribuinte com fundamento nos fatos e normas submetidos à análise através deste procedimento.

É dizer que o contribuinte não terá seu direito de petição obstaculizado, visto que, diante de dúvida, poderá apresentar pedido de restituição do crédito que entende lhe ser devido, a fim de proteger o seu direito à pretensão dos efeitos do decurso do tempo20, enquanto aguarda esclarecimentos atinentes ao instituto da compensação, se for o caso da apresentação de consulta para tal.

Solucionadas as dúvidas, reconhecida a possibilidade de compensação, poderá efetuá-la utilizando o crédito já apresentado previamente em pedido de restituição.

É dizer que não há ferimento ao direito de petição, posto que ao apresentar Declaração de Compensação o contribuinte não requer à administração providências para usufruto dos seus efeitos, que se operam mesmo na inércia estatal.

Não há que se confundir o direito de petição, que depende de uma manifestação do ente público para o seu desfecho, com a possibilidade de a Fazenda Pública realizar verificações a posteriori do ato praticado pelo contribuinte, durante o prazo de cinco anos, entre a formalização da apresentação da Declaração de Compensação e a sua homologação tácita.

Como dito, os efeitos da Declaração de Compensação já ocorrem com a sua simples transmissão, não se submetendo de imediato a qualquer chancela da Fazenda Pública, a não ser as atinentes aos requisitos de admissibilidade do documento.

Sobre o autor
Igor Rosado do Amaral

Graduado em Comunicação Social pela ESPM/SP e em Direito pela UNIFOR/CE. Especialista em Direito Público pela Universidade de Caxias do Sul/RS. Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMARAL, Igor Rosado. A constitucionalidade da multa pela não homologação de declaração de compensação de tributos federais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6286, 16 set. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/62496. Acesso em: 24 nov. 2024.

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