4 A RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA DO ADVOGADO PÚBLICO PARECERISTA NO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO EM ÂMBITO FEDERAL
No presente capítulo, realiza-se uma análise dos fundamentos que embasam a responsabilidade do advogado público na emissão de pareceres jurídicos no procedimento licitatório. O estudo será baseado nos posicionamentos considerados relevantes da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Contas da União obtidos nas pesquisas que respaldaram a monografia.
Partindo deste pressuposto, foram encontrados alguns argumentos interessantes e que merecem destaque tais como a necessária demonstração da ocorrência de culpa, erro grosseiro e inescusável e também sobre a inviolabilidade profissional do advogado público no exercício da sua função consultiva e a (in) competência do Tribunal de Contas da União, visto que sua atuação é em âmbito de controle externo.
Para melhor compreensão do tema, pontua-se sobre o conceito de agente público como sendo gênero da espécie servidor público, uma vez que os advogados referidos no trabalho monográfico se enquadram nesta classificação, estando sujeitos também ao regime da Lei nº 8.112/1990. Por isso, também será exposto brevemente sobre as responsabilidades civil, penal e administrativa de modo geral, assim como o relação ao processo administrativo disciplinar.
Por fim, analisa-se a responsabilidade dos membros da Advocacia-Geral da União no que tange à sua atuação na atividade consultiva e a competência de sua Corregedoria em âmbito interno para a apuração em processos administrativos disciplinares, levando em consideração os casos encontrados na jurisprudência do Supremo nos quais o Tribunal de Contas pretendeu a responsabilização dos advogados públicos de forma solidária com o administrador.
4.1 A responsabilidade dos agentes públicos
O tema relacionado à responsabilidade dos agentes públicos é de suma importância para a compreensão do problema, visto que o advogado público é um servidor que pode sofrer um processo administrativo disciplinar caso cometa alguma falta. Por isso, antes de adentrar-se de forma específica ao assunto estudado, entende-se ser interessante uma breve explicação a respeito dos tipos de responsabilidade.
A partir desta afirmação, Carvalho Filho (2016, p. 619) conceitua os agentes públicos como “o conjunto de pessoas que, a qualquer título, exercem uma função pública como prepostos do Estado” ou seja, eles atuam como se fossem o próprio Estado agindo, devendo portanto, ter zelo com a coisa pública e seguir os princípios elencados constitucionalmente no art. 37, caput, assim como os outros que orientam a Administração Pública.
Também neste sentido, Justen Filho (2011, p. 816) conceitua como “toda pessoa física que atua como órgão estatal, produzindo ou manifestando a vontade do Estado.” Segue-se a doutrina de Carvalho Filho (2016) que admite que a expressão “agente público” possui um sentido amplo, sendo gênero do qual são espécies os agentes políticos, os agentes particulares colaboradores e os servidores públicos. A partir destes conceituações doutrinárias, é válido destacar que os causídicos referidos neste trabalho são servidores públicos, sendo de notável importância um breve estudo a respeito desta classificação.
Pois, bem, os servidores públicos são aqueles que “exercendo com caráter de permanência uma função pública em decorrência da relação de trabalho, integram o quadro funcional das pessoas federativas, das autarquias e das fundações públicas de natureza autárquica (CARVALHO FILHO, 2016, p. 624). Quanto à classificação destes, a doutrina ainda faz subdivisões, contudo, no que tange à Advocacia Pública, este trabalho adotou o posicionamento de Carvalho Filho (2016, p. 627) que os classifica como servidores públicos especiais, pois exercem funções que possuem uma relevância para a sociedade, ressaltando-se que possuem um regime jurídico funcional diferenciado e sempre estatutário, ou seja, tais servidores tem uma relação jurídica funcional com o Estado e podem ser responsabilizados pela Administração.
A Lei nº 8.112, em seu Capítulo IV, trata a respeito das responsabilidades inerentes aos servidores públicos e em seu art. 120 é clara em pontuar que “o servidor responde civil, penal e administrativamente pelo exercício irregular de suas atribuições.” (BRASIL, 1990). Portanto, ele está sujeito a essas instâncias de responsabilização podendo praticar atos ilícitos nestes três âmbitos e ainda por atos de improbidade administrativa (DI PIETRO, 2017). Passa-se a discorrer brevemente a respeito destas instâncias de responsabilização.
4.1.1 A responsabilidade, civil, penal, administrativa e o processo administrativo disciplinar
Conforme explicitado, o advogado público é um servidor sujeito à Lei nº 8.112/1990, contudo como o foco do presente trabalho são os membros da Advocacia-Geral da União, é válido destacar que a Lei Complementar nº 73/1993, Lei Orgânica da AGU explicita que os direitos e deveres destes causídicos estão previstos na Lei dos servidores públicos federais.
Partindo do exposto, a Lei nº 8.112/1990 afirma que “a responsabilidade civil decorre de ato omissivo ou comissivo, doloso ou culposo, que resulte em prejuízo ao erário ou a terceiros.” (BRASIL, 1990). Para que haja a referida responsabilidade é imprescindível que haja comprovação do dano, pois sem ele não há que se falar em responsabilização, tratando-se de responsabilidade subjetiva (CARVALHO FILHO, 2016, p. 816).
Di Pietro (2017, p. 779) ressalta que a responsabilidade civil é de ordem patrimonial sendo decorrente do art. 186 do Código Civil. A autora, inicialmente, faz uma análise do dispositivo previsto no CC para depois distinguir as hipóteses possíveis originadas quando um servidor público causa algum dano, levando em consideração que a regra geral é de que aquele que causa um dano a outrem tem que repará-lo. Por isso, ela afirma que para a configuração do ilícito civil, deve ocorrer ação ou omissão antijurídica, culpa ou dolo, relação de causalidade entre a ação ou omissão e o dano causado e a ocorrência de dano material ou moral.
No que tange ao servidor público, a autora distingue as hipóteses do dano causado ao Estado e do dano causado a terceiros. Sendo assim a apuração deste fato pode ser feita pela própria Administração através da realização de um processo administrativo que, por óbvio, dará a oportunidade do contraditório e ampla defesa previstos constitucionalmente no art. 5º, inciso LV, sob pena de nulidade. Já quando o dano é causado a terceiros, é aplicada a regra do art. 37, §6º da Constituição que prevê a responsabilidade objetiva do Estado, resguardando-se o direito de regresso contra o servidor que deu causa a tal situação (DI PIETRO, 2017, p. 780-781).
Entende-se que não há possibilidade de imputação de responsabilidade objetiva para os servidores, especificamente para os advogados públicos exercendo suas funções consultivas, visto que deve ser comprovada a culpa ou o dolo. Este fato, inclusive, foi abordado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Mandado de Segurança nº 24.073-3, no qual ficou decidido que o advogado só seria civilmente responsabilizado pelos danos causados a seus clientes ou a terceiros caso estes fossem decorrentes de erro grave, inescusável ou ato de omissão praticado com culpa em sentido largo e também no julgamento do Mandado de Segurança 2.4631-6, visto que, para a caracterização da responsabilidade, seria necessária a comprovação da ocorrência de culpa ou erro grosseiro.
Sendo assim, é importante pontuar que a Administração Pública como um todo tem o dever de zelo pela coisa pública, bem como deve resguardar sempre o interesse público, por isso, seguindo a linha de raciocínio de Aleixo, Meirelles e Burle Filho (2012), ela não pode simplesmente isentar de tal responsabilidade civil os servidores que precisem ser responsabilizados diante do princípio da indisponibilidade do interesse público[9].
A responsabilidade penal é aquela que “decorre de conduta que a lei penal tipifica como infração penal” (CARVALHO FILHO, 2016, p.817). Di Pietro (2017, p. 783-784) destaca algumas particularidades deste âmbito de responsabilização em que pese ele ter os mesmos elementos motivadores dos outros tipos de atos ilícitos. Sendo assim, ela pontua que o elemento subjetivo deve ser sempre observado diante da impossibilidade de responsabilidade objetiva, sendo que a ação ou omissão deve ser antijurídica e típica, deve haver relação de causalidade e ocorrência de dano ou perigo.
Ela é citada na Lei dos Servidores no seu art. 123[10], pois resulta do cometimento de crimes funcionais sujeitando o servidor a um processo com futuras consequências no que tange aos efeitos da possível condenação (ALEIXO; BURLE FILHO; MEIRELLES, 2012, p. 559). Tais efeitos são bastante interessantes, pois repercutem na seara civil e administrativa, contudo não serão analisados de forma aprofundada por não serem objeto do presente trabalho[11].
Também é importante explicar, mesmo que de forma breve, a responsabilidade por atos de improbidade administrativa, visto que o art. 37, § 4º da Constituição Federal de 1988 prevê que “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”[12].
Basicamente, destaca-se alguns artigos da Lei 8.429/1992, conhecida como lei de improbidade administrativa. O art. 1º e seu parágrafo único elencam quais são os sujeitos que podem sofrer as punições dos dispositivos legais e o art. 2º conceitua “agente público”. Além disso, a partir do Capítulo II, a lei pontua sobre os atos de improbidade administrativa em si, ou seja, que causam prejuízo ao erário, que importam em enriquecimento ilícito e que atentam contra os princípios da Administração Pública e as penalidade cabíveis (BRASIL, 1992)[13].
Pois bem, a responsabilidade administrativa ocorre quando existe a prática de um ilícito administrativo pelo servidor, sendo que este pode ocorrer via ação ou omissão e os fatos configuradores são previstos no estatuto. Conforme explicitado anteriormente, essa responsabilidade é apurada por meio de um processo administrativo no qual será oportunizado o contraditório e a ampla defesa e caso seja realmente configurada a prática do ato ilícito, será aplicada uma sanção administrativa (CARVALHO FILHO, 2016, p. 818).
Em âmbito federal, a Lei nº 8.112/1990 prevê em seu art. 127 as seguintes penalidades disciplinares (BRASIL, 1990):
Art. 127. São penalidades disciplinares:
I - advertência;
II - suspensão;
III - demissão;
IV - cassação de aposentadoria ou disponibilidade;
V - destituição de cargo em comissão;
VI - destituição de função comissionada.
Diante disso, um ponto bem interessante a ser destacado é que, ao contrário da tipicidade presente na esfera penal, na seara administrativa notável parcela dos ilícitos não é definida com precisão, portanto a Administração terá uma margem de apreciação para que haja o enquadramento destas faltas na Lei nº 8112/1990[14]. Lógico que, diante desta discricionariedade, a aplicação de qualquer penalidade administrativa exige que haja uma efetiva motivação que demonstre adequação na escolha, assim como deve haver proporcionalidade quanto à adequação entre a conduta realizada e a sanção aplicada (DI PIETRO, 2017, p. 782).
Inclusive, é neste mesmo sentido o pensamento de Carvalho Filho (2016, p. 819), ao enfatizar que, devido à discricionariedade, a Administração não pode contrariar o que ele chamou de princípio da adequação punitiva ou proporcionalidade e o princípio da motivação, sendo que o autor ainda acrescenta o princípio do contraditório e da ampla defesa.
Diante destas informações, é interessante discorrer a respeito do processo administrativo disciplinar no qual serão apuradas as supostas infrações realizadas por servidores e as possíveis aplicações de sanções. Por isso, no que tange à base normativa, Carvalho Filho (2016, p. 1041) pontua que:
O processo disciplinar se regula por bases normativas diversas. Incide para este tipo de processo o princípio da disciplina reguladora difusa, e isso porque suas regras, a tramitação, a competência, os prazos e as sanções se encontram nos estatutos funcionais das diversas pessoas federativas. Contrariamente sucede nos processos judiciais, sujeitos à disciplina reguladora concentrada, porque todo sistema básico se situa num só diploma legal e apenas em ritos especiais se alojam em leis especiais.
Partindo do exposto, é importante destacar que o objeto do processo administrativo disciplinar é “a averiguação da existência de alguma infração funcional por parte dos servidores públicos, qualquer que seja o nível de gravidade” (CARVALHO FILHO, 2016, p. 1041). Ele possui fases que têm particularidades inerentes aos Estatutos, que são: instauração, instrução, defesa, relatório e recursos/revisão que serão abordadas a seguir, tomando-se por base a lei federal inerente ao assunto (ARAGÃO, 2013, p. 874).
A autoridade administrativa exerce controle hierárquico e pode instaurar um PAD, assim como também é possível que isso seja decorrente de uma denúncia na qual deverá ocorrer a apuração por sindicância ou inquérito administrativo. Na instrução as provas devem ser produzidas para que os fatos sejam finalmente esclarecidos, neste sentido a defesa dura durante todas as fases do processo, mas após a ocorrência da instrução existe momento para que o acusado possa se manifestar (ARAGÃO, 2013, p. 673-674).
Continuando, na fase de relatório, ocorre a subsunção do ato ou omissão a uma infração prevista legalmente com a devida motivação realizado pela comissão processante. Há o julgamento deste relatório para que a autoridade competente possa responsabilizar ou não o servidor pela falta. Por fim, há a fase de recursos e revisão na qual o responsabilizado pode recorrer hierarquicamente para o chefe do julgado que aplicou a sanção ou até mesmo pedir que haja uma reconsideração caso esta já seja autoridade máxima, já a revisão só pode ocorrer mediante a ocorrência de fatos novos, conforme o art. 174 da Lei nº 8.112/1990 (ARAGÃO, 2013, p. 673-674).
Conforme visto, o PAD é um procedimento que vai acarretar na aplicação de uma sanção, logo deve ser seguido para que não haja ilegalidade. Diante disso, o Poder Judiciário pode fazer o exame deste processo administrativo, a fim de verificar se a sanção é legítima e se atendeu aos procedimentos legalmente previstos. Portanto, o presente tópico foi de suma importância para que se pudesse compreender mais a respeito da extensão desta responsabilização e de que forma ela ocorre, de modo a subsidiar análise jurisprudencial que será feita a seguir (ALEIXO; BURLE FILHO; MEIRELLES, 2012, p. 764).
4.2 Os posicionamentos dos Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Contas da União
Existem três interessantes decisões do Supremo Tribunal Federal que trazem à tona aspectos importantes inerentes à questão da responsabilização do advogado público em sua atuação consultiva na emissão de pareceres jurídicos. Estas foram consideradas relevantes por serem recorrentes na maioria dos textos pesquisados e por trazerem diversos argumentos muito interessantes para a discussão apesar de nem todas tratarem especificamente sobre licitação.
A primeira, e que por anos se configurou como leading case sobre o tema, foi a decisão obtida no julgamento do Mandado de Segurança nº 24.073- Distrito Federal, sendo que seu julgamento ocorreu no ano de 2002 cujo resultado foi o deferimento da segurança. No caso, foram pontuados alguns aspectos bem importantes e que, de certa forma, iniciou o debate a respeito do assunto (MENDONÇA, 2009).
O mandado de segurança foi impetrado pelos causídicos da Petróleo Brasileiro S/A- Petrobrás contra ato do Tribunal de Contas da União que determinou a inclusão destes como responsáveis de forma solidária por ocorrências apuradas em uma inspeção realizada pela Primeira Secretaria de Controle Externo, cujo objeto foi o exame de uma contratação direta realizada. Sustentaram a inconstitucionalidade do Tribunal de Contas da União em analisar a atuação dos advogados, uma vez que eles teriam agido apenas como advogados em âmbito consultivo, pois a decisão final é tomada pelo administrador. Além disso, outros aspectos suscitados foram a inviolabilidade profissional e isenção técnica (MENDONÇA, 2009). Na ementa:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE CONTAS. TOMADA DE CONTAS: ADVOGADO. PROCURADOR: PARECER. C.F., art. 70, parág. único, art. 71, II, art. 133. Lei nº 8.906, de 1994, art. 2º, § 3º, art. 7º, art. 32, art. 34, IX.
I. - Advogado de empresa estatal que, chamado a opinar, oferece parecer sugerindo contratação direta, sem licitação, mediante interpretação da lei das licitações. Pretensão do Tribunal de Contas da União em responsabilizar o advogado solidariamente com o administrador que decidiu pela contratação direta: impossibilidade, dado que o parecer não é ato administrativo, sendo, quando muito, ato de administração consultiva, que visa a informar, elucidar, sugerir providências administrativas a serem estabelecidas nos atos de administração ativa. Celso Antônio Bandeira de Mello, “Curso de Direito Administrativo”, Malheiros Ed., 13ª ed., p. 377 II. - O advogado somente será civilmente responsável pelos danos causados a seus clientes ou a terceiros, se decorrentes de erro grave, inescusável, ou de ato ou omissão praticado com culpa, em sentido largo: Cód. Civil, art. 159; Lei 8.906/94, art. 32 III. - Mandado de Segurança deferido (BRASIL, 2002).
Um primeiro ponto a ser destacado com base nessa decisão é a competência do Tribunal de Contas da União para a apuração de tal responsabilidade, sendo que este foi um dos argumentos utilizados pelos advogados com base na legislação que determina a competência da corte de contas, tais como: nos artigos 70, parágrafo único e 71, II, da Constituição Federal de 88[15] e o art. 5º da Lei nº 8.443, Lei Orgânica do TCU, que discorre sobre a abrangência da jurisdição do Tribunal (BRASIL, 2002).
É interessante ressaltar que, segundo Lenza (2016, p. 741), a expressão “jurisdição” seria incorreta apesar da redação do art. 73 da Constituição Federal afirmar “o Tribunal de Contas da União, integrado por nove Ministros, tem sede no Distrito Federal, quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o território nacional, exercendo, no que couber, as atribuições previstas no art. 96.” , pois ele seria um órgão técnico que faz a emissão de pareceres e exerce fiscalização e controle, mas que não exerce propriamente a jurisdição.
Tal termo também é utilizado no art. 5º da Lei nº 8.443/1992 que, em seus incisos de I a IX, discorre sobre a abrangência da jurisdição[16] do Tribunal de Contas. Verifica-se que, de fato, os procuradores federais não estão sujeitos, inclusive o inciso I afirma:
Art. 5° A jurisdição do Tribunal abrange:
I - qualquer pessoa física, órgão ou entidade a que se refere o inciso I do art. 1° desta Lei, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária (BRASIL, 1992, grifo nosso).
No que tange a leitura do dispositivo acima, destaca-se que um dos argumentos utilizados pelos advogados em sua defesa às acusações feitas pelo Tribunal de Contas da União foi de que não exerciam qualquer função de diretoria ou execução administrativa, não ordenavam despesa e não utilizavam, gerenciavam, arrecadavam, guardavam ou administravam bens, dinheiros ou valores públicos, logo não tinham potencial para causar tal dano ao erário (BRASIL, 2002).
Pontuaram que o TCU é um tribunal administrativo, sendo órgão auxiliar do poder legislativo no controle externo das contas públicas da União e das entidades da indireta e que não são administradores públicos, sendo que atuaram tão-somente como advogados no caso em questão e, por isso, seria inviável tal controle externo sobre essa atividade técnico-jurídica (BRASIL, 2002).
É importante expor que o relator do caso não foi a favor da responsabilização dos advogados públicos pareceristas alegando que:
Posta assim a questão, é forçoso concluir que o autor do parecer, que emitiu opinião não vinculante, opinião a qual não está o administrador vinculado, não pode ser responsabilizado solidariamente com o administrador, ressalvado, entretanto o parecer emitido com evidente má-fé, oferecido, por exemplo, perante administrador inapto (BRASIL, 2002).
Da leitura deste argumento, é cabível retomar a discussão quanto à natureza jurídica do parecer, visto que, em seu voto, o ministro não adota a posição de que ele teria caráter vinculante, ressaltando-se que a questão não é pacífica, uma vez que o Tribunal de Contas da União, no Acórdão 521/2013, já pontuou que pode haver discordância por parte do gestor mediante motivação escrita da discordância (BRASIL, 2013):
9.2.1. em razão do disposto no art. 38, parágrafo único, da Lei 8.666/1993, as minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, necessitam ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração, de modo que, havendo o órgão jurídico restituído o processo com exame preliminar, torna-se necessário o retorno desse, após o saneamento das pendências apontadas, para emissão de parecer jurídico conclusivo, sobre sua aprovação ou rejeição;
9.2.2. caso venha discordar dos termos do parecer jurídico, cuja emissão está prevista no inciso VI e no parágrafo único do art. 38 da Lei nº 8.666/1993, deverá apresentar por escrito a motivação dessa discordância antes de prosseguir com os procedimentos relativos à contratação, arcando, nesse caso, integralmente com as consequências de tal ato, na hipótese de se confirmarem, posteriormente, as irregularidades apontadas pelo órgão jurídico; (Grifo nosso)
No que tange à natureza jurídica do parecer, vale dizer que o Tribunal de Contas da União já vinha adotando o posicionamento de que não seria um ato meramente opinativo, ou seja, que havia a responsabilidade do advogado perante a emissão que serviria futuramente de motivação para o administrador. Destaca-se um trecho do Acórdão nº 1337/2011 (BRASIL, 2011):
A análise e aprovação, pela assessoria jurídica, de editais, minutas de contratos e instrumentos congêneres são atividades obrigatórias, previstas no parágrafo único do art. 38 da Lei 8.666, de 1993. Não pode o consultor jurídico querer se esquivar dessa responsabilidade. O papel da assessoria jurídica não é meramente opinativo. O entendimento do TCU acerca da matéria está contido no voto que fundamentou o Acórdão 147/2006 – Plenário, in verbis (BRASIL, 2006).
"(...) o legislador atribuiu relevante função à assessoria jurídica, qual seja, realizar um controle prévio da licitude dos procedimentos licitatórios e dos documentos mencionados no parágrafo único do art. 38 da Lei de Licitações e Contratos”.
E mais adiante:
“(...) a aprovação ou ratificação de termo de convênios e de aditivos, a teor do parágrafo único do art. 38 da Lei 8.666/1993, difere do que ocorre com a simples emissão de parecer opinativo".
Da leitura do parágrafo único do art. 38 da Lei 8.666/1993 (examinar e aprovar), combinada com a do art. 11 da Lei Complementar 73/1993 (examinar prévia e conclusivamente), depreende-se que, para prática dos atos nele especificados, o gestor depende de pronunciamento favorável da consultoria jurídica, revelando-se a aprovação verdadeiro ato administrativo. Sem ela, o ato ao qual adere é imperfeito.
Dessa forma, ao examinar e aprovar (art. 38, § único, da Lei nº 8.666/93), ou de outra forma, ao examinar prévia e conclusivamente (art. 11 da LC 73/93) os atos de licitação, a assessoria jurídica assume responsabilidade pessoal e solidária pelo que foi praticado, não se podendo falar em parecer apenas opinativo.
Outro ponto essencial discutido no julgamento do Mandado de Segurança 24.073-3 foi a inviolabilidade do advogado público em seu exercício profissional, fundamento que o Ministro Velloso considerou de maior relevância, visto que o parecer, a princípio, é uma peça de caráter meramente opinativo emitida devido à sua atuação em âmbito consultivo (BRASIL, 2002).
Partindo desse pressuposto, a Constituição Federal em seu art. 133 afirma que o “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.” (BRASIL, 1988). Também é neste sentido o art. 2º do Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB):
Art. 2º O advogado é indispensável à administração da justiça (Grifo nosso).
§ 1º No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social.
§ 2º No processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público.
§ 3º No exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos limites desta lei (Grifo nosso).
Contudo, em que pese tal argumento ser considerado de grande relevância, não pode-se sobrepor a inviolabilidade profissional do advogado público ao interesse público, visto que esse é o bem maior a ser alcançado e todas as ações dos agentes públicos devem ser objetivando esse fim. Conforme já explicitado, a licitação é um procedimento que vista a escolha mais vantajosa para a Administração e não pode ser utilizada como álibi para administradores inescrupulosos que querem fundamentar verdadeiras atrocidades ao interesse comum, fundamentando-se em pareceres jurídicos que podem ser feitos com dolo pelo procurador, por isso não se pode falar em uma irresponsabilidade absoluta.
Por fim, o Ministro Relator afirma que o Direito não é uma ciência exata e que é algo comum que hajam interpretações divergentes relacionadas a um dispositivo legal e que, por isso, para que seja considerada lícita a referida responsabilização do advogado público, é necessário que haja a demonstração que ele atuou com culpa em sentido largo ou que cometeu erro grave e inescusável (BRASIL, 2002).
Em que pese o deferimento do mandado de segurança com base nos fundamentos apresentados, ressalta-se a necessidade de um zelo mais efetivo com a coisa pública em casos de contratações diretas, principalmente em casos de inexigibilidade nos quais não há um rol taxativo, exigindo-se assim um maior grau de discricionariedade por parte do administrador.
Por isso, a total irresponsabilização sob o argumento que o parecer possui caráter meramente opinativo não parece ser a melhor saída, contudo a razoabilidade deve ser observada e os parâmetros utilizados não podem ser os mesmos para o julgamento do parecerista e do administrador não devem ser os mesmos, visto que são funções diferentes, mas que têm como ponto comum a necessidade de zelo pelo interesse público (MACEDO, 2012).
A segunda decisão relevante em relação ao tema foi a do Mandado de Segurança 24.584-1, sendo esta diferente do julgamento citado anteriormente no Mandando de Segurança 24.073. No caso em questão o writ foi impetrado pelos procuradores federais devido ao ato da Corte de Contas que pretendia responsabilizá-los por parecer emitido no exercício de suas funções por causa de uma auditoria realizada no Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, bem como na Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social- DATAPREV. O objetivo principal era a avaliação de custos de prestação de serviços da DATAPREV ao INSS e também o exame do termo de convênio celebrado entre o Instituto do Seguro Social e o Centro Educacional de Tecnologia em Administração - CETEAD (BRASIL, 2007a).
A intenção do TCU era chamar, sob pena de multa, todos os procuradores que atuaram na formalização do convênio para prestarem justificativas quantos aos seus atos. Logo, o referido mandado de segurança foi baseado na isenção técnica e liberdade profissional, ausência de atuação dos advogados como administradores, bem como quanto a impossibilidade de os procuradores conhecerem todos os detalhes técnicos inerente à avença. Nesse caso em questão, após os votos, o STF denegou a segurança, por maioria alegando que a manifestação da assessoria em relação ao art. 38 da Lei de Licitações e Contratos não está limitada a simples opinião visto que alcança ou não aprovação (MENDONÇA, 2009).
Vale ressaltar algumas das imputações analisadas: a responsabilidade objetiva do procurador diante de irregularidade na execução do convênio, responsabilidade do procurador em relação à decisão de realizar ou não a licitação ou efetivar o convênio; atribuição de prestação de contas ao procurador com o desconhecimento de que este não executa contratos; exigência de que o procurador tivesse domínio da exata extensão do convênio que era de apoio técnico à área de informática; atribuição de responsabilidade ao procurador como se fosse ordenador de despesas (BRASIL, 2007a).
Neste sentido, é interessante a discussão quanto à natureza jurídica do parecer e o real alcance da redação do dispositivo legal. Inclusive, no julgamento do Mandado de Segurança n. 24.584-1 , o ministro Joaquim Barbosa citou René Chapus para fundamentar a sua posição:
A primeira situação é aquela em que a consulta é facultativa, nesse caso a autoridade não se vincula ao parecer proferido, sendo que seu poder de decisão não se altera pela manifestação do órgão consultiva. A segunda hipótese diz respeito aqueles casos em que a consulta é obrigatória, e a autoridade administrativa fica obrigada a emitir o ato tal como submetido a consultoria, com parecer favorável ou contrário. Caso pretenda praticar o ato com conteúdo e forma diversos do que foi submetido a consultoria, deverá submete-lo a novo parecer. Isto porque, se submeter a consultoria a minuta ou esboço de um ato com determinado conteúdo, e ao tomar a decisão, publicar ato de conteúdo diverso, estará burlando a obrigatoriedade do parecer prévio, que nada mais é do que um mecanismo adicional de controle da administração. Por fim, quando a lei estabelecer a obrigação de “decidir a luz de parecer vinculante ou conforme“ (decider sur avis), o administrador não poderá decidir, senão nos termos da conclusão do parecer, ou então, não decidir (BRASIL, 2007a).
Diante da referida jurisprudência, destaca-se a classificação de René Chapus citada por Joaquim Barbosa diferencia os pareceres jurídicos em três espécies. Os facultativos que não vinculam o administrador; os obrigatórios, nos quais caso haja discordância o administrador pode submeter a nova análise; e os vinculantes, pois há obrigatoriedade do administrador em seguir ou não agir de forma alguma, sendo este não existente da realidade brasileira (BRASIL, 2007a).
Partindo do pressuposto, o parágrafo único do art. 38 da Lei de licitações e contratos administrativos afirma que “as minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração. “Sendo tal redação dada pela Lei nº 8.883/1994, que alterou alguns dispositivos da Lei nº 8.666/1993.
Da própria leitura do dispositivo também é claramente perceptível que o parecer é obrigatório, podendo acarretar na nulidade do procedimento. Inclusive, seguindo o posicionamento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2015), a redação do referido dispositivo legal não foi feliz na atribuição de competência ao órgão de consultoria jurídica de aprovação da minuta do edital no procedimento da licitação, pois isso acarretaria na ideia de que há natureza jurídica de ato administrativo que produz efeitos vinculantes para a tomada de decisão da autoridade competente.
Destarte, Carvalho Filho (2016, p. 144) se posiciona no sentido de que seria um equívoco alegar que o parecer não é um ato administrativo, somente devido à sua natureza opinativa. Além disso, o autor também faz uma crítica ao posicionamento do Supremo Tribunal Federal, neste caso, alegando que este “endossou ordem do Tribunal de Contas da União ao determinar a audiência dos procuradores federais”. Sendo assim, os argumentos utilizados neste julgamento foram de suma importância para este trabalho, uma vez que abordou quando ao real alcance da interpretação do parágrafo único do art. 38 da Lei nº 8.666/1993.
A terceira decisão obtida no julgamento do Mandado de Segurança nº 24.631-6 não diz respeito a licitação, porém contém alguns aspectos de interessante discussão. No caso em questão, o mandado de segurança foi impetrado por um procurador autárquico contra ato do Tribunal de Contas alegando que deveria ser excluído do rol de responsáveis no processo administrativo do TCU, visto que estariam violando a Lei Orgânica diante da extrapolação de atribuições, bem como também a inviolabilidade profissional do advogado público, conforme ementa:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONTROLE EXTERNO. AUDITORIA PELO TCU. RESPONSABILIDADE DE PROCURADOR DE AUTARQUIA POR EMISSÃO DE PARECER TÉCNICO-JURÍDICO DE NATUREZA OPINATIVA. SEGURANÇA DEFERIDA. I. Repercussões da natureza jurídico-administrativa do parecer jurídico: (i) quando a consulta é facultativa, a autoridade não se vincula ao parecer proferido, sendo que seu poder de decisão não se altera pela manifestação do órgão consultivo; (ii) quando a consulta é obrigatória, a autoridade administrativa se vincula a emitir o ato tal como submetido à consultoria, com parecer favorável ou contrário, e se pretender praticar ato de forma diversa da apresentada à consultoria, deverá submetê-lo a novo parecer; (iii) quando a lei estabelece a obrigação de decidir à luz de parecer vinculante, essa manifestação de teor jurídica deixa de ser meramente opinativa e o administrador não poderá decidir senão nos termos da conclusão do parecer ou, então, não decidir. II. No caso de que cuidam os autos, o parecer emitido pelo impetrante não tinha caráter vinculante. Sua aprovação pelo superior hierárquico não desvirtua sua natureza opinativa, nem o torna parte de ato administrativo posterior do qual possa eventualmente decorrer dano ao erário, mas apenas incorpora sua fundamentação ao ato. III. Controle externo: É lícito concluir que é abusiva a responsabilização do parecerista à luz de uma alargada relação de causalidade entre seu parecer e o ato administrativo do qual tenha resultado dano ao erário. Salvo demonstração de culpa ou erro grosseiro, submetida às instâncias administrativo-disciplinares ou jurisdicionais próprias, não cabe a responsabilização do advogado público pelo conteúdo de seu parecer de natureza meramente opinativa. Mandado de segurança deferido (BRASIL, 2007b).
O presente julgado novamente citou a questão pertinente à natureza jurídica do parecer em relação as repercussões que podem ser ocasionadas, distinguindo a consulta facultativa da obrigatória. Vale ressaltar que as consequências originadas pela natureza jurídica atribuída ao parecer são diversas e que esse tema não é pacífico na doutrina e jurisprudência, inclusive, é um tema sempre retomado nos julgamentos devido à sua notável relevância.
O então Ministro Joaquim Barbosa (relator) fixou algumas premissas alegando que elas atenderiam à preocupação do Tribunal de Contas da União, quanto ao que ele chama de “círculo vicioso de reponsabilidade e impunidade”. Inclusive, logo ao iniciar seu voto, afirmou que estava examinando o problema sob o enfoque de que a questão não se resumia a uma mera afirmação de responsabilidade absoluta dos advogados públicos no exercício da função de consultoria e que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não poderia ser interpretada como “salvo-conduto” para a ocorrência de abusos em processos administrativos (BRASIL, 2007b).
A primeira premissa seria de que, nos casos em que houvesse omissão legislativa, o exercício da função consultiva tão-somente opinativa não acarretaria na responsabilização, inclusive afirma que baseado nisso o administrador não poderia se isentar de tais consequências pois há lei lhe faculta discordância de forma motivada, então ele também deve ser responsabilizados pelas eventuais irregularidades que seu ato fundamentado no parecer possa ocasionar. Contudo ele também cita as ressalvas do erro grosseiro ou ato de omissão praticado com culpa em sentido largo, conforme ocorreu no julgamento do MS 2.4073-3 (BRASIL, 2007b).
A segunda premissa foi de que há casos em que a lei vincula a decisão tomada no ato administrativo à manifestação obtida no parecer, alegando que, nestes casos, haveria um compartilhamento do poder administrativo de decisão e o parecerista poderia ser responsabilizado junto com o administrador. O ministro finalizou afirmando que mantinha o seu posicionamento do MS 2.4073-3, contudo que acreditava ser inadequada a invocação somente das normas do EAOAB, visto que os referidos advogados são servidores públicos e possuem regime diferenciado e deferiu a segurança (BRASIL, 2007b).
O inteiro teor do acórdão ainda traz importante posicionamento do Ministro Carlos Britto que alega que o fato do advogado público atuar no processo administrativo não o transforma em administrador. Argumentos com os quais concorda-se, visto que a total irreponsabilização não pode ser admitida, ainda mais em relação a tão importante procedimento como a licitação e ainda pela própria redação do dispositivo legal pertinente à análise das minutas de editais prevista na lei federal (BRASIL, 2007b).
Uma outra decisão tratando do tema foi a obtida em julgamento do Agravo Regimental no Mandado de Segurança 2.7867 ocorrida em 2012. O impetrante pretendia que fosse anulado em relação a ele o Acórdão de nº 2.202/2008-TCU/Plenário que o condenou em sede de Tomada de Contas Especial de forma solidária com outros responsáveis pelo ressarcimento ao erário. Na inicial, ele alegou que o procedimento foi originado para apuração de um eventual dano ao erário ocasionado por acordos extrajudiciais em reclamações trabalhistas de patrulheiros rodoviários em face do DNER (BRASIL, 2012).
Ele alegou que sua condenação decorreu do simples fato dele ter se manifestado como chefe da Procuradoria Distrital do DNER no processo administrativo que tratava sobre o acordo extrajudicial, alegando que houve ofensa ao contraditório e ampla defesa e ainda que sua absolvição, em processo administrativo disciplinar, acarretaria na impossibilidade de condenação solidária, visto que o parecer tinha caráter não-opinativo (BRASIL, 2012).
Um ponto que destaca-se nesta jurisprudência foi de que o impetrante quis alegar que a absolvição em processo administrativo disciplinar vincularia o TCU em sede de Tomada de Contas Especial que o condenou a ressarcir o erário. Ainda no inteiro teor, verifica-se que o agravante sustentou em suas razões sustentou sobre a vinculação da sua exclusão no PAD no âmbito da Advocacia-Geral da União alegando
(...) trata-se de circunstância absolutamente relevante: o Agravante foi submetido a rigoroso PAD no âmbito da AGU exatamente sobre os mesmos fatos ora discutidos. E a mesma AGU que investigou e puniu com demissão inúmeros servidores, inclusive Procuradores Federais, concluiu pela cabal absolvição do recorrente.
Neste sentido, o Ministro Dias Toffoli afirmou que não haveria essa vinculação, ou seja, a atuação é independente, visto que são searas diversas. Entende-se também pela independência de atuação da Corregedoria em detrimento do Tribunal de Contas da União diante da impossibilidade de dupla responsabilização, o que será discutido no próximo tópico (BRASIL, 2012).
4.3 Uma análise da responsabilidade administrativa dos membros da Advocacia-Geral da União e da incompetência do Tribunal de Contas da União para o julgamento destes advogados no exercício da sua atuação consultiva
A Constituição Federal em seu art. 131 que:
A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo (BRASIL, 1988).
Como já explicado no segundo capítulo, existem as funções de contencioso e consultivo. Partindo desta informação, ressalta-se que Lei Complementar nº 73/1993, que é a Lei Orgânica da Advocacia- Geral da União, elenca os órgãos que fazem parte da instituição, entre eles destaca-se as Consultorias Jurídicas da União nos Estados (BRASIL, 1993b):
Art. 11 - Às Consultorias Jurídicas, órgãos administrativamente subordinados aos Ministros de Estado, ao Secretário-Geral e aos demais titulares de Secretarias da Presidência da República e ao Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, compete, especialmente:
I - assessorar as autoridades indicadas no caput deste artigo;
II - exercer a coordenação dos órgãos jurídicos dos respectivos órgãos autônomos e entidades vinculadas;
III - fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e dos demais atos normativos a ser uniformemente seguida em suas áreas de atuação e coordenação quando não houver orientação normativa do Advogado-Geral da União;
IV - elaborar estudos e preparar informações, por solicitação de autoridade indicada no caput deste artigo;
V - assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados ou já efetivados, e daqueles oriundos de órgão ou entidade sob sua coordenação jurídica;
VI - examinar, prévia e conclusivamente, no âmbito do Ministério, Secretaria e Estado-Maior das Forças Armadas:
a) os textos de edital de licitação, como os dos respectivos contratos ou instrumentos congêneres, a serem publicados e celebrados;
b) os atos pelos quais se vá reconhecer a inexigibilidade, ou decidir a dispensa, de licitação (Grifo nosso).
Os Advogados da União que atuam na seara consultiva têm seus direitos e deveres também regidos pela Lei nº 8.112/1990 e pela Lei Complementar nº 73/1993. Dessa forma, deve haver a observância do parágrafo único da Lei nº 8.666/1993 na fase interna das licitações nas quais eles realizam a análise das minutas de editais ou mesmo nos processos de dispensa e inexigibilidade de licitação. Por isso, a importância de debater a respeito da competência da Corregedoria-Geral da Advocacia da União em detrimento do Tribunal de Contas da União para a apuração de fatos relativos a esses servidores.
No que tange as atribuições do Tribunal de Contas da União, Speck (2000) destaca que a Constituição Federal de 1988 trouxe modificações importantes. Ele explica que foi retirado o poder que o Presidente tinha de cancelar os vetos do Tribunal ou rejeitar suas representações junto ao Congresso Nacional. Enfim, aduz que a Corte de Contas ganhou atribuições preventivas diante da possibilidade de sequestro de bens, afastamentos de administradores e até mesmo sobre as responsabilizações.
Vale ratificar que a competência do Tribunal de Contas da União é delineada constitucionalmente:
Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
(...)
II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público;
A leitura do final da redação do inciso II do art. 71 até poderia levar a uma interpretação inadequada e que fundamentasse a responsabilização do advogado público pelo TCU, com base na premissa do interesse público, contudo a advogada da União Tatiana Bandeira de Camargo Macedo trouxe um interessante posicionamento, relacionado à impossibilidade de dupla responsabilização em relação ao advogado, sob pena de contrariar aos princípios da legalidade, proporcionalidade, razoabilidade e eficiência, pois se estaria admitindo que houvesse responsabilização, tanto em âmbito interno, quanto no externo (MACEDO, 2012).
Vale destacar ainda o posicionamento do Advogado da União Ronny Charles Lopes de Torres (2008) quanto à competência dos tribunais de contas em face da natureza jurídica do parecer, pois ele entende que o elemento que prova de forma mais clara esta incompetência é a própria limitação constitucional. Além disso, o Decreto Lei nº 200/67 já deixa claro que quem apresenta estas contas é o ordenador de despesas para que haja avaliação do TCU. Diante destes fatos explicitados, ele não admite a figura do referido causídico como “ordenador de despesas”, visto que, na sua atividade não pratica atos de gestão, mas somente uma aferição técnico-jurídica baseada apenas em aspectos relacionados à legalidade que não envolvem conteúdo de escolhas gerenciais específicas nem critérios de conveniência e oportunidade que motivaram a decisão do administrador.
Torres (2008) também faz um importante questionamento sobre a relação responsabilização pela TCU x interesse público que, inclusive, era uma das hipóteses previstas pela autora quando da elaboração do projeto de monografia:
Mas seria justificável compreender que, em função de uma alegada proteção do que é público, poder-se-ia entender que pode o Tribunal de Contas atuar em campo não autorizado pelo Constituinte, aferindo a legalidade e aplicando sanções em relação a outros atos da Administração que não aqueles relacionados aos gestores e suas contas?
Apesar de ser aceitável pensar dessa forma, visto que o interesse público deve ser o bem maior a ser zelado pela Administração Pública. Esta forma de raciocinar, conforme Torres (2008), coloca sob âmbito de responsabilidade da Corte de Contas qualquer pessoa que der causa a perda, extravio ou qualquer irregularidade que tenha como resultado danos ao erário por meio de ação ou omissão.
Ou seja, alguns resultados teratológicos poderiam ser obtidos, por exemplo, uma improcedência em ação civil pública proposta por Procurador da República que ocasionasse o pagamento pela União de altíssimas custas sucumbenciais poderia ser responsabilizado pelo órgão de controle, assim como se os próprios membros do TCU aprovassem contas de gestores que posteriormente fossem tidas como irregulares, também poderiam ser responsabilizados por essa não detecção em tempo hábil das ilegalidades e aprovação das contas causando prejuízos ao erário (TORRES, 2008).
Conforme já explicitado no tópico anterior, o raciocínio da extensão de responsabilidades, ignorando qualquer previsão constitucional, não deve ser feito em nenhuma situação, neste sentido, também não deve ser responsabilizado o advogado público pela emissão de sua opinião diante deste argumento de proteção ao interesse público sem a análise de aspectos concretos que merecem atenção.
Diante disso, com a devida vênia, em que pese discordar da total irresponsabilidade do parecerista na licitação, a autora concorda com a incompetência do Tribunal de Contas da União para a imposição de responsabilização solidária aos pareceristas, pois ele estaria exacerbando as suas funções previstas constitucionalmente, pelos motivos já expostos nos referidos argumentos citados.
Uma questão essencial a ser discutida é a responsabilidade ou não do advogado no exercício da sua função consultiva e ainda qual órgão teria a competência para puni-lo, sendo de suma importância verificar a competência da Corregedoria-Geral da União em detrimento do Tribunal de Contas da União que é em âmbito externo e possui suas atribuições elencadas pela Constituição Federal.
A jurisprudência analisada trouxe situações distintas, mas com argumentos interessantes para a discussão do assunto, visto que o Tribunal de Contas da União já pretendeu responsabilizar solidariamente os advogados com os administradores públicos, sendo que são funções que não devem se confundir, diante dos relevantes fundamentos da inviolabilidade profissional e da incompetência do Tribunal de Contas da União para o julgamento em tais casos.
No entanto, ratifica-se que a autora não concorda com uma irresponsabilidade absoluta do causídico, devendo este ser responsabilizado caso atue com dolo, má-fé ou cometa algum erro grosseiro ou inescusável. Concorda-se com o posicionamento de Carvalho Filho (2016, p. 144) que pontua que:
O agente que emite o parecer não pode ser considerado solidariamente responsável com o agente que produziu o ato administrativo final, decidindo pela aprovação do parecer. A responsabilidade do parecerista pelo fato de ter sugerido mal somente lhe pode ser atribuída se houver comprovação indiscutível de que agiu dolosamente, vale dizer, com intuito predeterminado de cometer improbidade administrativa
Tal opinião se baseia no fato de que é preciso que haja o mínimo de senso ao objetivar ocupar um cargo público tão nobre. A pessoa que almeja exercer tal função essencial à justiça deve ter em mente que o interesse público é o bem maior a ser alcançado, contudo infelizmente ainda são muito frequentes casos de desonestidade, principalmente quando se trata de dinheiro público.
Portando, concorda-se com a responsabilização do advogado público no procedimento licitatório com as ressalvas previstas pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Mandado de Segurança nº. 2.4073-3, diante da obrigatoriedade prevista no parágrafo único do art. 38 da Lei nº 8.666/1993.