RESUMO: O presente trabalho objetiva debater a respeito da responsabilidade administrativa do advogado público parecerista no procedimento licitatório em âmbito federal. Tal questionamento se deu em virtude da redação do parágrafo único do art. 38 da Lei nº. 8.666/1993, que prevê um exame e aprovação das minutas de editais, assim como de posicionamento do Tribunal de Contas da União em responsabilizar solidariamente tais causídicos com o administrador público, fato que deu ensejo à impetração de mandado de segurança que foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal e que deu origem a diversos fundamentos importantes para o estudo. Visando discutir o tema, discorreu-se a respeito da licitação na legislação pátria, a natureza jurídica do parecer e sua obrigatoriedade na dispensa e inexigibilidade. Em seguida, abordou-se o papel do advogado público na licitação, bem como sua relevância como função essencial à justiça do Estado Democrático de Direito, sua atuação e responsabilidade no exercício da função consultiva e também quanto à importância do parecer como controle de legalidade preventivo e sua integração como motivação da decisão do administrador. Além disso, foi explicitado sobre as responsabilidades às quais estão sujeitos os servidores públicos. Por fim, realizou-se uma análise da responsabilidade administrativa dos membros da Advocacia-Geral da União, a partir dos fundamentos suscitados nas decisões do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Contas da União.
Palavras-chaves: Responsabilidade. Advogado público. Parecer. Função consultiva.
SUMÁRIO:1 INTRODUÇÃO.2.O PROCEDIMENTO LICITATÓRIO NO BRASIL.2.1 As modalidades de licitação segundo a Lei nº 8.666/1993 .2.2 A exigibilidade de parecer jurídico na modalidade pregão com base na Lei nº 10.520/2002 e no Decreto nº 5.450/2005 .2.3. A importância do parecer no procedimento da dispensa e inexigibilidade de licitação. 2.4 A obrigatoriedade e natureza jurídica do parecer segundo o parágrafo único do art. 38 da Lei de Licitações e Contratos Administrativo ..3. O PAPEL DO ADVOGADO PÚBLICO NA LICITAÇÃO .3.1 A relevância da advocacia pública como função essencial à justiça no Estado Democrático de Direito. 3.2 A atuação e responsabilidade no exercício da função consultiva .3.3 A importância do parecer como controle de legalidade preventivo e motivação da decisão do administrador público .4 A RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA DO ADVOGADO PÚBLICO PARECERISTA NO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO EM ÂMBITO FEDERAL . 4.1A responsabilidade dos agentes públicos .4.1.1 A responsabilidade, civil, penal, administrativa e o processo administrativo disciplinar . 4.2 Os posicionamentos dos Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Contas da União. 4.3 Uma análise da responsabilidade administrativa dos membros da Advocacia-Geral da União e da incompetência do Tribunal de Contas da União para o julgamento destes advogados no exercício da sua atuação consultiva .5. CONSIDERAÇÕES FINAIS . REFERÊNCIAS .
1 INTRODUÇÃO
O parágrafo único do art. 38 da Lei nº 8.666/1993 afirma que “as minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração.” (BRASIL, 1988). Partindo da leitura deste dispositivo legal, surgem dúvidas quanto à natureza jurídica do parecer emitido pelos advogados públicos no procedimento licitatório e as consequências que podem acarretar em uma possível responsabilização.
O tema se tornou ainda mais interessante, devido ao posicionamento do Tribunal de Contas da União que pretendeu responsabilizar solidariamente os referidos causídicos com os administradores públicos, fato que deu ensejo à impetração de mandado de segurança em face da corte de contas e julgamento pelo Supremo Tribunal Federal.
De fato, o caso retratado no julgamento do Mandado de Segurança nº. 2.4073-3, de certa forma, iniciou a discussão a respeito do assunto, visto que foram apresentados argumentos bastante interessantes, tais como a possibilidade de responsabilização somente em casos de erro grosseiro/inescusável ou prática de atos com culpa e, ainda, a incompetência do Tribunal de Contas para julgamento e a inviolabilidade profissional do citado advogado no exercício da sua função consultiva, frente ao interesse público[1] (BRASIL, 2002).
Diante disso, ressalta-se que o art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988 elenca uma série de princípios que balizam a Administração Pública tais como a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Todos eles decorrem do regime jurídico-administrativo que é alicerçado em prerrogativas e limitações.
Sendo assim, é possível afirmar que, para o Direito Administrativo, os princípios constituem uma importante parcela a ser estudada e discutida visto que convergem para um fim em comum: o interesse público, sendo de extrema importância que a conduta dos agentes públicos se harmonize com este objetivo, sob pena de desvios de finalidade e possível responsabilização.
E para que tal interesse público seja alcançado, a Administração, frequentemente, precisa da participação de terceiros e uma das formas é realizando contratos administrativos. Contudo, a assinatura da referida avença pressupõe a realização de um procedimento que pode ser mais ou menos complexo e que, a princípio, deve servir para a escolha da proposta mais vantajosa e que melhor atenda ao interesse público, ou seja, a licitação.
A Lei nº 8.666/1993, referente a licitações e contratos administrativos, pontua passo a passo deste procedimento administrativo tão utilizado, inclusive a Constituição Federal de 1988 prevê o princípio da obrigatoriedade no art. 37, inciso XXI. Vale ressaltar que a licitação deve seguir não apenas os princípios basilares expressos na Constituição Federal, mas também os inerentes que são previstos no art. 3º do regramento próprio, tais como: isonomia, seleção da proposta mais vantajosa, promoção do desenvolvimento sustentável, legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade, probidade administrativa, vinculação ao instrumento convocatório e julgamento objetivo.
É justamente na fase interna da licitação que o problema surge, pois na realização desse “exame” e “aprovação” o advogado estaria somente exercendo sua atividade em âmbito consultivo, inclusive, prevista constitucionalmente. Por isso, o objetivo geral do presente trabalho é analisar a responsabilidade administrativa do advogado público parecerista no procedimento licitatório a partir dos posicionamentos do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Contas da União.
Partindo deste pressuposto, foram traçados alguns objetivos específicos de modo a facilitar a compreensão, sendo estes: estudar a importância do parecer como possível motivação do ato decisório da autoridade administrativa, expor a relevância do advogado público na licitação e discutir os fundamentos que embasam a responsabilização ou não.
Com base nos objetivos, a pesquisa se classifica como exploratória, visto que se buscou um aprimoramento das ideias já existentes para que se chegasse a um resultado, já quanto aos procedimentos, se classifica como bibliográfica, pois foi baseada em livros, artigos científicos, teses e jurisprudência já elaborados (GIL, 2002, p.40-44).
O método utilizado, segundo Marconi e Lakatos (2003, p. 95-96), foi o hipotético- dedutivo, pois há um questionamento originado a partir de fundamentos utilizados na análise jurisprudencial e doutrinária, a partir do qual se buscou respostas provisórias fazendo críticas e dialogando ante o surgimento de novos problemas que surgiram no decorrer do trabalho. Sendo assim, a pesquisa tem importância social, científica e pessoal.
A discussão tem relevância para a sociedade, uma vez que a licitação é um procedimento muito utilizado pela Administração para o alcance do interesse público. Consequentemente, a importância científica se relaciona ao enriquecedor debate doutrinário e jurisprudencial. Destacam-se os posicionamentos do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Contas da União que possuem fundamentos interessantes para análise do tema da responsabilização do advogado público, atuando no exercício de sua função consultiva no procedimento licitatório em âmbito federal.
O motivo pessoal pelo qual a autora escolheu o tema foi a realização de estágio na Consultoria Jurídica da União no Estado do Maranhão pelo período de 2 (dois) anos. No órgão consultivo da Advocacia-Geral da União, sua função era analisar processos administrativos e elaborar pareceres jurídicos relacionados à minutas de editais de licitações, dispensas e inexigibilidades de licitação, termos aditivos e de apostilamento de contratos administrativos, abonos de permanência, autos de infração e outros temas. Por isso, seu interesse surgiu de questionamentos feitos a partir de casos concretos com a realização da prática jurídica extracurricular.
A importância científica se pauta na necessidade de uma discussão mais aprofundada diante de um tema que ainda não é discutido de forma efetiva. Por isso, buscou-se analisar os argumentos demonstrados pela doutrina e jurisprudência, que embasam a responsabilização e os argumentos utilizados pelos próprios advogados quando da impetração de mandado de segurança em sua defesa. Contudo, não houve nenhuma intenção de esgotar tema ainda tão vasto.
Portanto, no primeiro capítulo do presente trabalho, estuda-se a licitação na legislação pátria. Tal demonstração tem por escopo a visualização do parecer dentro do procedimento referido na Lei nº 8.666/1993, por isso, serão expostas as modalidades de licitação existentes, bem como a exigibilidade da peça opinativa no pregão e sua importância na dispensa e inexigibilidade de licitação. Também discute-se a natureza jurídica do parecer e a sua obrigatoriedade prevista no parágrafo único do art. 38 da Lei de Licitações e Contratos Administrativos.
No capítulo subsequente, realiza-se uma abordagem da importância do advogado público na licitação, ressaltando-se a relevância da sua atuação como função essencial à Justiça no Estado Democrático de Direito. Desta feita, destaca-se os dispositivos constitucionais pertinentes, bem como comenta-se a respeito da atuação em âmbito contencioso e consultivo. Além disso, também discute-se a importância da do parecer como controle preventivo de legalidade, visto que pode integrar a motivação do administrador.
No último capítulo, aborda-se a questão da responsabilidade do advogado público parecerista no procedimento licitatório, fazendo uma breve exposição dos tipos de responsabilidade existentes. Também faz-se uma análise jurisprudencial com base nos posicionamentos do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Contas da União a respeito do tema.
Por fim, discute-se a responsabilidade administrativa dos membros da Advocacia-Geral da União em seu âmbito consultivo e, consequentemente, da sua estrutura organizacional e da competência da sua Corregedoria-Geral, apontando a independência de sua atuação em relação à Corte de Contas para a apuração em processo administrativo disciplinar.
2 O PROCEDIMENTO LICITATÓRIO NO BRASIL
O presente capítulo se propõe a fazer uma introdução ao tema, expondo as modalidades de licitação, segundo a Lei nº. 8.666/1993 e em que momento do procedimento surge a figura do advogado público e, consequentemente, do parecer emitido na análise das minutas de editais. Além disso, explicita-se quanto à exigibilidade desta peça opinativa no pregão, com base na Lei nº 10.520/2002 e no Decreto nº 5.450/2005 e nos processos de dispensa e inexigibilidade.
Nesta mesma direção, um outro aspecto muito importante discutido foi quanto à natureza jurídica do parecer, visto que não há uma posição pacífica na doutrina e jurisprudência e esse fato dá margem a diversas interpretações que ocasionam repercussões na responsabilização do advogado emissor destas peças.
2.1 As modalidades de licitação segundo a Lei nº 8.666/1993
O regime jurídico-administrativo é alicerçado nos princípios da supremacia do interesse público sobre o privado e indisponibilidade do interesse público. Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello (1967, p. 8), seria “um ponto nuclear de convergência e articulação de todos os princípios do Direito Administrativo.” Como consequência desse regime baseado em prerrogativas e limitações à atuação do agente público, decorrem outros princípios que balizam a Administração Pública, sendo eles explícitos constitucionalmente ou reconhecidos pela doutrina e jurisprudência.
O art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988 elenca os princípios norteadores da Administração Pública[2]. Neste sentido, é notável a importância que o atendimento ao interesse público exerce no âmbito do Direito Administrativo, sendo que este deve ser o fim primordial da atuação do administrador.
No entanto, para que o interesse público seja alcançado, a Administração precisa utilizar bens e serviços que são fornecidos por terceiros, tais como equipamentos, bens e serviços e também execução de obras. Por isso, um instrumento para tal objetivo é a licitação, que tem a natureza jurídica de um procedimento administrativo com fim seletivo, objetivando a obtenção da proposta mais vantajosa e que melhor atenda ao interesse da coletividade (CARVALHO FILHO, 2016, p. 246). Inclusive, a própria Constituição, em seu art. 37, XXI, estabelece o princípio da obrigatoriedade da licitação[3].
A competência para licitar é estabelecida no art. 22, XXVII, da Constituição Federal, bem como no art. 1º da Lei º 8.666/1993, ou seja, há obrigatoriedade de todas aquelas entidades que recebem dinheiro público, tais como: os entes da Administração Direta, da Administração Indireta, os Fundos Especiais e as demais entidades controladas direta ou indiretamente pelo poder público (BRASIL, 1993).
A Lei nº 8.666/1993 elenca algumas modalidades de licitação, tais como a concorrência, tomada de preços, convite, concurso e leilão. Sendo assim, em primeiro lugar, é válido destacar que tais procedimentos licitatórios devem obedecer aos fundamentos da moralidade administrativa e igualdade de oportunidades e aos princípios básicos inerentes à licitação, sendo o da legalidade, moralidade e impessoalidade, publicidade, probidade administrativa, igualdade, vinculação ao instrumento convocatório e julgamento objetivo (CARVALHO FILHO, 2016).
No que tange a tais princípios, ressalta-se que não há conformidade na doutrina. Sendo que o da igualdade diz respeito a não apenas a possibilidade que a Administração tem de escolher a proposta que melhor atenda ao interesse público, mas que aqueles que estejam interessados em contratar sejam tratados com paridade, estando também relacionado ao princípio da isonomia que veda o tratamento diferenciado aos licitantes, contudo existem exceções, mas todas previstas em lei tal como a Lei Complementar nº 123/2006, que beneficia as micro e pequenas empresas (DI PIETRO, 2010).
O princípio da legalidade também é de suma importância, pois o procedimento licitatório está vinculado à lei e deve ser seguido à risca segundo seu rigor formal, inclusive, também há vinculação ao instrumento convocatório, sendo as normas e condições todas estabelecidas no edital sob pena de nulidade. Também há o princípio da impessoalidade que estabelece o tratamento igual em direitos e obrigações a todos os licitantes, ou seja, a Administração deve se pautar em critérios objetivos, sendo importante destacar também o princípio do julgamento objetivo, pois todas as normas são ditadas no edital (DI PIETRO, 2010).
E ainda, o princípio da publicidade, previsto no art. 3º da Lei nº 8.666/1993, afirma que deve haver a divulgação do procedimento e também dos atos da Administração praticados em todas as fases para fiscalização da legalidade do certame, inclusive tem procedimentos que exigem maior publicidade como, por exemplo, a concorrência, devido ao alto valor estimado para contratação previsto na lei acima de R$ 1.500.000, 00 (um milhão e quinhentos mil reais) para obras e serviços de engenharia e acima de R$ 650.000, 00 (seiscentos e cinquenta mil reais) para compras e serviços (DI PIETRO, 2010).
Destacam-se ainda os princípios da moralidade e probidade, pois no que diz respeito à licitação, a Administração deve seguir o que vincula a lei, mas também, de acordo com a moral e os bons costumes, regras de boa administração e equidade (DI PIETRO, 2010). Partindo deste pressuposto, é válido destacar as modalidades de procedimentos definidos pela Lei de Licitações e Contratos Administrativos.
A concorrência se caracteriza por ser mais ampla e utilizada para contratações de grande vulto, ou seja, valores mais altos. Além disso, podem participar “quaisquer interessados que, na fase inicial de habilitação preliminar, comprovem possuir os requisitos mínimos de qualificação exigidos no edital para execução do objeto” (BRASIL, 1993a). É interessante enfatizar que este procedimento é o que possui maior rigor formal, bem como o que exige ampla publicidade, devido aos recursos financeiros que serão utilizados para a realização do futuro contrato (CARVALHO FILHO, 2016).
A tomada de preços é destinada para contratações de vulto médio e, comparativamente à concorrência, exige menor formalidade. Segundo a lei, deve ser realizada “entre interessados devidamente cadastrados ou que atenderem a todas as condições exigidas para o cadastramento até o terceiro dia anterior à data do recebimento das propostas, observada a necessária qualificação” (BRASIL, 1993a).
Já o convite é uma modalidade menos formal, pois se destina a contratações de menor valor, inclusive, nesta modalidade, não há edital, mas sim “cartas-convite” que são enviadas a, no mínimo, três interessados do ramo pertencente ao objeto da avença, escolhidos discricionariamente pelo administrador (CARVALHO FILHO, 2016).
Também existe o concurso que é uma modalidade destinada a “quaisquer interessados para escolha de trabalho técnico, científico ou artístico, mediante a instituição de prêmios ou remuneração aos vencedores” (BRASIL, 1993a). Este procedimento não visa uma contratação, mas sim a seleção de um projeto de cunho intelectual, pois no caso em questão, o autor cederá à Administração os direitos patrimoniais, bem como a permissão para utilização conforme sua conveniência (CARVALHO FILHO, 2016).
Por fim, o leilão é para “quaisquer interessados, para a venda de bens móveis inservíveis para a administração ou de produtos legalmente apreendidos ou penhorados, ou para alienação de bens imóveis” (BRASIL, 1993a). Nesta modalidade de licitação, os interessados formulam lances, sendo que este deve ser igual ou superior à avaliação. Além disso, duas características devem ser lembradas: a ampla publicidade que deve ser dada a este procedimento, bem como a avaliação e consequente preservação patrimonial dos bens públicos, conforme o art. 53 da Lei nº 8.666/1993.
Destarte, as modalidades de licitação não devem ser confundidas com os tipos que são previstos no art. 45 da Lei nº 8.666/1993, que são: menor preço, melhor técnica, técnica e preço, maior lance ou oferta. Sendo que o pregão tem como tipo o “menor preço” conforme é previsto no art. 4º, X, da Lei nº 10.520/2002 (CARVALHO FILHO, 2016).
Após essa breve introdução sobre as modalidades e tipos de licitação existentes segundo a Lei de Licitações e Contratos Administrativos e a Lei do Pregão é interessante explicar como ocorre este procedimento administrativo, bem como analisar em que momento há o surgimento da figura do parecer e a sua importância.
O art. 38, caput, da referida Lei, é claro em afirmar que “o procedimento da licitação será iniciado com abertura de processo administrativo, devidamente autuado, protocolado e numerado, contendo a autorização respectiva, a indicação sucinta de seu objeto e do recurso próprio para a despesa” (BRASIL, 1993a). Além disso, o dispositivo ainda elenca uma série de documentos que deverão ser juntados oportunamente
I - edital ou convite e respectivos anexos, quando for o caso;
II - comprovante das publicações do edital resumido, na forma do art. 21 desta Lei, ou da entrega do convite;
III - ato de designação da comissão de licitação, do leiloeiro administrativo ou oficial, ou do responsável pelo convite;
IV - original das propostas e dos documentos que as instruírem;
V - atas, relatórios e deliberações da Comissão Julgadora;
VI - pareceres técnicos ou jurídicos emitidos sobre a licitação, dispensa ou inexigibilidade; (Grifo nosso)
VII - atos de adjudicação do objeto da licitação e da sua homologação;
VIII - recursos eventualmente apresentados pelos licitantes e respectivas manifestações e decisões;
IX - despacho de anulação ou de revogação da licitação, quando for o caso, fundamentado circunstanciadamente;
X - termo de contrato ou instrumento equivalente, conforme o caso;
XI - outros comprovantes de publicações;
XII - demais documentos relativos à licitação.
Desta feita, o procedimento é composto por duas fases, sendo uma interna e uma externa. A primeira é iniciada na própria repartição interessada, com a definição do objeto, motivação e recursos que serão utilizados para a despesa e a segunda se desenvolve através de atos sequenciais que são a audiência pública, o edital ou convite de convocação dos interessados, o recebimento da documentação e propostas, habilitação dos licitantes, julgamento das propostas, adjudicação e homologação (ALEIXO; BURLE FILHO; MEIRELLES, 2012).
A maioria da doutrina toma por base a concorrência para explicar os outros procedimentos licitatórios, tendo em vista esse ser o mais complexo e que exige um maior rigor formal em decorrência do valor contratado. Inclusive, é válido destacar uma divergência doutrinária quanto ao momento de início da licitação, pois para uma parte dos doutrinadores, ele começa com a abertura do procedimento e, para outros, apenas com a convocação dos interessados no edital. Contudo, acredita-se majoritariamente que realmente o início ocorre com a abertura do procedimento, o que se convencionou em chamar de fase interna (CARVALHO, 2017).
Durante a fase interna deve ser formulada a motivação da contratação, que é um ponto extremamente importante, pois justificará a real necessidade de realização de um certame que acarretará em uma contratação que deve não apenas ter importância para a realização da atividade do ente estatal, mas principalmente alcançar o interesse público. Além disso, também há o dever de apresentar a declaração de adequação orçamentária, contudo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça enfatiza que não há necessidade dessa real disponibilidade durante a licitação, mas sim quando da realização do contrato, ou seja, é preciso somente a previsão de recursos orçamentários, conforme jurisprudência destacada por Carvalho Filho (2016).
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. LICITAÇÃO. OBRA PÚBLICA. ART. 7º, § 2º, INCISO III, DA LEI Nº 8.666⁄93. EXIGÊNCIA DE PREVISÃO DE RECURSOS ORÇAMENTÁRIOS. 1. Trata-se de discussão acerca da interpretação do disposto no art. 7º, § 2º, inciso III, da Lei nº 8.666⁄93: se há a exigência efetiva da disponibilidade dos recursos nos cofres públicos ou apenas a necessidade da previsão dos recursos orçamentários. 2. Nas razões recursais o recorrente sustenta que o art. 7º, § 2º, inciso III, da Lei nº 8.666⁄93 exige para a legalidade da licitação apenas a previsão de recursos orçamentários, exigência esta que foi plenamente cumprida.3. O acórdão recorrido, ao se manifestar acerca do ponto ora discutido, decidiu que "inexistindo no erário os recursos para a contratação, violada se acha a regra prevista no art. 7º, § 2º, III, da Lei 8.666⁄93" .4. A Lei nº 8.666⁄93 exige para a realização da licitação a existência de "previsão de recursos orçamentários que assegurem o pagamento das obrigações decorrentes de obras ou serviços a serem executadas no exercício financeiro em curso, de acordo com o respectivo cronograma", ou seja, a lei não exige a disponibilidade financeira (fato da administração ter o recurso disponível ou liberado), mas, tão somente, que haja previsão destes recursos na lei orçamentária.5. Recurso especial provido (BRASIL, 2012).
Diante disso, é nesta fase que é elaborada a minuta do instrumento convocatório e que será posteriormente encaminhada, juntamente com os seus anexos, para o órgão de consultoria jurídica para aprovação, nos moldes do parágrafo único do art. 38 da Lei 8.666/1993.
Conforme já explicitado, o edital dita todas as regras que devem ser seguidas durante a contratação, de acordo com o já citado princípio da vinculação ao instrumento convocatório que, segundo a doutrina de José dos Santos Carvalho Filho (2016), funciona como uma espécie de garantia não apenas ao administrador, mas também para os administrados que participarão ou não da licitação, pois o desrespeito às regras torna o procedimento inválido e passível de correção pelas vias administrativa ou judicial.
A fase externa é iniciada com a publicação do edital que é feita em diário oficial ou jornal de grande circulação, sendo definida uma data para abertura dos envelopes contendo documentação e propostas dos licitantes, respeitando-se o prazo de intervalo mínimo que cada modalidade de licitação possui. Com esse evento, também é iniciado o prazo para impugnação do edital. Vale ressaltar que, em decorrência da autotutela, a própria Administração pode alterar o edital de ofício e até mesmo anulá-lo (CARVALHO, 2017).
Em seguida, passa-se à fase de habilitação ou qualificação, na qual são analisados os documentos pertinentes, bem como as propostas dos licitantes, destacando-se as exigências do art. 27 da Lei de Licitações. Então, ocorre a fase de julgamento e classificação das propostas, neste momento, é de suma importância o princípio da vinculação ao instrumento convocatório, uma vez que todos os critérios de julgamento devem estar previsto do edital (CARVALHO, 2017). Destaca-se ainda que:
Art. 48. Serão desclassificadas:
I - as propostas que não atendam às exigências do ato convocatório da licitação;
II - propostas com valor global superior ao limite estabelecido ou com preços manifestamente inexeqüiveis, assim considerados aqueles que não venham a ter demonstrada sua viabilidade através de documentação que comprove que os custos dos insumos são coerentes com os de mercado e que os coeficientes de produtividade são compatíveis com a execução do objeto do contrato, condições estas necessariamente especificadas no ato convocatório da licitação. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)
Após a classificação, a comissão licitante deve encaminhar o procedimento para a autoridade administrativa do órgão para a homologação, sendo que, nesta fase, há “mera expectativa” da empresa em ser declarada vencedora, pois pode ocorrer ainda a anulação ou revogação do procedimento por discricionariedade do administrador. Por último, ocorre a adjudicação que é “o ato pelo qual se atribui ao vencedor o objeto da licitação, dando fim ao procedimento licitatório” (CARVALHO, 2017, p. 482).
Há bastante semelhança entre o procedimento da concorrência e da tomada de preços, sendo básica a diferença destacada no art. 21, §2º, III da lei 8.666/1993 que se relaciona ao prazo de antecedência para a publicação do edital e na fase de habilitação, pois é realizada antes do procedimento com a inscrição dos interessados no registro cadastral e durante com a apresentação da documentação necessária para o cadastramento, conforme o art. 22, §2º da referida Lei (BRASIL, 1993a). Portanto, podem participar os licitantes cadastrados, bem como aqueles que apresentarem a documentação exigida até o terceiro dia útil anterior ao recebimento das propostas (DI PIETRO, 2010).
O convite é um procedimento bastante simples, sendo que nem mesmo há instrumento convocatório, mas sim “cartas-convite” e, por meio destas, há convocação com no mínimo cinco dias úteis de antecedência com o envio das cartas a pelo menos três interessados que são escolhidos pela própria unidade administrativa, sendo facultada ainda a publicação em Diário Oficial (DI PIETRO, 2010).
Também é válido relembrar que há modalidades que não possuem procedimentos específicos, tais como o concurso e leilão. O art. 52 da Lei de Licitações e Contratos afirma que o concurso a que se refere o § 4o do art. 22 desta Lei deve ser precedido de regulamento próprio, a ser obtido pelos interessados no local indicado no edital e que o edital deve ser publicado com 45 dias de antecedência, bem como que o regulamento deve indicar a qualificação exigida dos participantes, as diretrizes e forma de apresentação do trabalho, as condições de realização do concurso e os prêmios a serem concedidos, conforme os arts. 21, §2º, I, ”a” e 52, §1º, da citada lei (DI PIETRO, 2010).
No que tange ao leilão, o art. 53 afirma que “pode ser cometido a leiloeiro oficial ou a servidor designado pela Administração, procedendo-se na forma da legislação pertinente” (BRASIL, 1993,a), ou seja, a própria lei não define um procedimento específico, mas apenas remete a legislação pertinente. Contudo, deve ser amplamente divulgado na localidade em que será realizado, tendo em vista é usado para alienação de bens móveis inservíveis (DI PIETRO, 2010).
Diante do exposto, verifica-se que a licitação tem notável relevância no ordenamento jurídico, devido ao seu caráter instrumental para o alcance do interesse público. Por isso, dependendo da modalidade, pode ser mais ou menos complexa, mas sempre deve seguir o rigor formal imposto pela lei, pois tal procedimento “nas mãos” de pessoas inescrupulosas pode ser utilizado com a finalidade de fraudar, bem como desviar verbas públicas (CARVALHO FILHO, 2016).
2.2 A exigibilidade de parecer jurídico na modalidade pregão com base na Lei nº 10.520/2002 e no Decreto nº 5.450/2005
A modalidade pregão é utilizada para a aquisição de bens e serviços comuns pela Administração, sendo instituída pela Lei nº 10.520/2002, sendo que esta lei determinou também seu uso por Estado, Distrito Federal e Municípios, pois antes era restrito ao âmbito Federal. Também é válido destacar que o Decreto nº 5.450/2005 regulamenta o pregão na sua forma eletrônica (ALEIXO; BURLE FILHO; MEIRELLES, 2012).
Como qualquer modalidade, o pregão também tem uma fase preparatória que, segundo o art. 3º, I, da Lei nº 10.520/2002, inicia-se com a autoridade competente justificando a necessidade de realização do certame, definição do objeto, exigências de habilitação, critérios de aceitação das propostas, sanções pelo inadimplemento, bem como as cláusulas do contrato com fixação de prazos para fornecimento (ALEIXO; BURLE FILHO; MEIRELLES, 2012).
Nesta seara, a motivação é fundamental, sob pena de nulidade de todo procedimento, além de definição precisa do objeto licitado e tais elementos indispensáveis deverão constar no termo de referência. Além disso, a autoridade competente também designa o pregoeiro e equipe de apoio que serão responsáveis, respectivamente, pela condução do pregão e auxílio no recebimento e análise das propostas (ALEIXO; BURLE FILHO; MEIRELLES, 2012).
No que tange à exigência de submissão do edital do pregão e seus anexos, a aprovação pela assessoria jurídica da Administração, não há exigência expressa pela Lei nº 10.520/2002, contudo tal análise é de suma importância, caracterizando-se como um controle preventivo de legalidade. Vale ressaltar ainda que o Decreto 3.555/2000, bem como o Decreto nº 5.450/2005 em seus artigos 21, VII e 30, IX, apontam para a necessidade do parecer jurídico no procedimento referente ao pregão (CARVALHAL, 2013).
A própria redação da Lei nº 10.520/2002 afirma que são considerados bens e serviços comuns “aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado” (BRASIL, 2002), contudo, a partir da visão de Meirelles, Aleixo e Burle FIlho (2012), tal conceito legal é insuficiente e o que de fato os caracterizaria é a padronização, ou seja, os que podem ser substituídos sem alteração da eficiência e da qualidade, pois no pregão, é levado em consideração o fator preço e não o fator técnico.
Por fim, a fase externa se inicia com a convocação dos interessados através do Diário Oficial da União ou meios eletrônicos. É realizado em uma única sessão pelo pregoeiro e equipe de apoio e, por ser uma modalidade do tipo “menor preço”, assim que há o recebimento das propostas se procede a abertura e verificação da conformidade com o instrumento convocatório. Após a classificação, passa-se à habilitação com a abertura do envelope que contém a documentação da empresa que fez a proposta classificada em primeiro lugar, sendo essa inversão da ordem procedimental uma particularidade desta modalidade, pois caso o vencedor não seja habilitado, analisada a documentação do classificado em segundo lugar (ALEIXO; BURLE FILHO; MEIRELLES, 2012).
Partindo do pressuposto, pode-se afirmar que o parágrafo único do art. 38 da Lei de Licitações e Contratos Administrativos também se aplica ao pregão, inclusive decidiu o TRF-1ª Região que a referida lei se aplica subsidiariamente ao pregão. Nesta direção, Meirelles, Aleixo e Burle Filho (2012, p. 365) destacaram a seguinte jurisprudência:
ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. PREGÃO. QUALIFICAÇÃO ECONÔMICO-FINANCEIRA. EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE PATRIMÔNIO LÍQUIDO MÍNIMO. LEI 8.666/93, ART. 31, § 2º. LEGALIDADE. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA AO PREGÃO. ART. 12 DA LEI 10.520/2002. EXIGÊNCIA EM CONJUNTO COM A APRESENTAÇÃO DAS GARANTIAS PREVISTAS NO § 1º DO ART. 56 DA LEI 8.666/93. POSSIBILIDADE. FINALIDADE DE COMPROVAR QUE A EMPRESA CONTRATADA POSSUI CONDIÇÕES FINANCEIRAS DE CUMPRIR EFETIVAMENTE O CONTRATO. RESGUARDO DO INTERESSE PÚBLICO. 1. A Lei 10.520/2002, ao instituir no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e Municípios a modalidade de licitação denominada pregão, não estabeleceu expressamente exigências acerca da qualificação econômico-financeira dos licitantes, limitando-se a dispor que o edital do certame disporá sobre os requisitos necessários à habilitação (art. 4º, III c/c art. 3º, I). 2. O Decreto 3.555/2000, ao aprovar o regulamento dessa modalidade de licitação, estabeleceu que a comprovação da qualificação econômico-financeira dar-se-á por meio da inscrição no Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores - SICAF. 3. Embora o Decreto 3.555/2000 tenha assim disposto sobre a qualificação econômico-financeira dos licitantes, inexiste óbice à estipulação de exigência editalícia requerendo a comprovação de patrimônio integralizado líquido, no valor mínimo de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais), em conformidade com o § 2º do artigo 31 da Lei 8.666/93, uma vez que esse diploma legal se aplica subsidiariamente ao pregão, nos moldes do artigo 12 da Lei 8.666/93. 4. Ainda que a Lei 8.666/93, em seu artigo 31, § 2º, tenha estabelecido que a Administração poderá exigir a demonstração de patrimônio líquido mínimo ou as garantias previstas no § 1º do artigo 56 daquele diploma legal, não resta defeso a exigência conjunta dessas medidas no instrumento convocatório. 5. Tais medidas têm por finalidade assegurar que a empresa contratada tenha efetivamente condições financeiras de honrar o contrato em todos os seus termos, evitando-se assim prejuízo à Administração Pública. Em última análise, são medidas que resguardam o interesse público. 6. Existência de indícios de que o objeto licitado, contratação de empresa especializada na prestação de serviços de apoio administrativo e atividades auxiliares, configure burla ao princípio constitucional do concurso público, inscrito no inciso II do artigo 37 da Constituição Federal. Determinada a remessa de cópias dos autos à Controladoria-Geral da União e ao Ministério Público Federal. 5. Agravo de instrumento da impetrante improvido (BRASIL, 2005).
Portanto, o parecer jurídico também é essencial no procedimento do pregão, tendo em vista que ele é bastante utilizado na rotina dos órgãos públicos para diversas situações, tais como a compra de materiais de expediente, contratação de empresas de limpeza e conservação e outras compras e serviços.
2.3 A importância do parecer no procedimento da dispensa e inexigibilidade de licitação
Conforme já verificado, a licitação é um procedimento instaurado por meio da abertura de um processo administrativo que tem como finalidade a realização de um contrato para o alcance do interesse público. Neste sentido, a legislação pátria, ao definir tais modalidades, também afirma em seu art. 22, §8º, que é vedada a criação de outras modalidades, bem como a combinação das já existentes.
Neste sentido, em que pese o princípio da obrigatoriedade da licitação previsto constitucionalmente no art. 37, XXI, a própria Lei também prevê hipóteses nas quais a licitação será dispensada ou inexigível, uma vez que algumas situações não têm compatibilidade com a demora do rito licitatório, bem como quanto à viabilidade de competição.
No que tange a obrigatoriedade de licitação, ressalta-se um duplo sentido, pois além de significar a exigência da realização de tal procedimento, também indica a compulsoriedade da modalidade prevista em lei. Em resumo, veda-se a utilização de modalidade menos complexa quando a lei exige uma com maior rigor formal, por exemplo, conforme se verifica nos parágrafos §3º e 4º do art. 23, da Lei nº 8.666/1993, indicando também as possibilidades de dispensa e inexigibilidade nos artigos 24 e 25 (ALEIXO; BURLE FILHO; MEIRELLES, 2012).
Segundo os conceitos de dispensa e inexigibilidade apresentados por José dos Santos Carvalho Filho (2016), tais procedimentos se diferenciam pelo fato de que, na dispensa, a competição é viável, contudo a particularidade do caso concreto fez com que o legislador não a tornasse obrigatória e na inexigibilidade não é possível sequer a realização do certame devido à inviabilidade de competição, sendo tais procedimentos exceções ao princípio da obrigatoriedade de licitação. Também na doutrina de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2010, p. 310):
A diferença básica entre as duas hipóteses está no fato de que, na dispensa, há possibilidade de competição que justifique a licitação; de modo que a lei faculta a dispensa, que fica inserida na competência discricionária da Administração. Nos casos de inexigibilidade, não há possibilidade de competição, porque só existe um objeto ou uma pessoa que atenda às necessidades da Administração; a licitação é, portanto, inviável (Grifo nosso).
No que diz respeito à dispensa, a doutrina faz uma distinção. A licitação dispensável seria aquela que a Administração pode dispensar por conveniência, ou seja, o rol taxativo elencado pelo art. 24, da Lei nº 8.666/1993 e a dispensada a que a própria lei designou como tal, por exemplo o art. 17, incisos I e II da referida Lei (ALEIXO; BURLE FILHO; MEIRELLES, 2012).
Também o artigo 25[4] da referida Lei enumera um rol de hipóteses de inexigibilidade de licitação, contudo ele é meramente exemplificativo ao contrário dos casos de dispensa. Partindo deste pressuposto, em tais hipóteses previstas pela lei, a licitação não precisa ser realizada, contudo da mesma forma, há a necessidade da exposição dos fundamentos que embasam a futura contratação, uma vez que, nestes casos, não haverá competição.
Há interessante jurisprudência do Supremo Tribunal Federal envolvendo parecer favorável à contratação direta no julgamento do Mandado de Segurança 24.073-3. A decisão trouxe à tona algumas discussões importantes sobre a questão, tais como a isenção técnica do advogado no exercício da sua profissão, pois o parecer teria mero caráter opinativo. No entanto, o Tribunal de Contas da União sustentou que ele constitui a motivação jurídica e, dessa forma, integram as decisões dos ordenadores de despesas. Daí decorre uma importância ainda mais elevada do parecer jurídico nas hipóteses de dispensa e inexigibilidade, pois nesses casos, não haverá competição e a contratação deve ser bastante motivada (MENDONÇA, 2009).
O Tribunal de Contas da União já se manifestou em relação à importância do parecer jurídico nas contratações diretas no Acórdão 1.454/2003:
Outro aspecto a salientar, este não anotado no Relatório de Auditoria, é a ausência, nos autos, de pareceres jurídicos endossando essas contratações. Constam apenas pareceres técnicos. Apesar de não se tratar de uma exigência legal - o art. 38, inciso VI, da Lei nº 8.666/93, exige pareceres técnicos ou jurídicos emitidos sobre a licitação, dispensa ou inexigibilidade, sabe-se que, em nome da prudência administrativa, os gestores públicos buscam apoio, quase como regra, em manifestações da respectiva área jurídica, previamente a contratações por dispensa de licitação, máxime quando envolvidos valores de grande monta, como é o caso. Trata-se de um zelo administrativo, em princípio, não verificado nas contratações em comento, o que reforça a necessidade de audiência dos responsáveis (BRASIL, 2003).
A partir do acordão acima, verifica-se o surgimento da expressão “prudência administrativa” que indica que, apesar parágrafo único do art. 26[5] da Lei nº 8.666/1993 não indicar a obrigatoriedade do parecer nos procedimentos para contratação direta, ele é necessário para a que o gestor público possa se orientar de forma mais adequada, uma vez que tais hipóteses são exceções à regra do dever geral de licitar previsto constitucionalmente. Sendo assim, o parecer é facultativo, contudo fundamental para a eficácia do ato (CHAVES, 2014).
Vale ressaltar ainda que, em alguns casos, a própria lei exige que tais processos sejam encaminhados à Consultoria Jurídica, conforme se verifica na Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União, ou seja, a LC nº 73/1993 em seu art. 11, VI, alínea “b”[6]. Desta feita, mesmo nestes casos em que a oitiva da assessoria jurídica é obrigatória, não tem caráter vinculante o parecer e a autoridade administrativa não tem a obrigação de decidir em sua conformidade (CHAVES, 2014).
Portanto, a importância da discussão no que tange as contratações diretas diz respeito ao fato de que, nestas hipóteses, o advogado público analisará as disposições legais e também as situações concretas submetidas a sua consultoria, pois, como dito anteriormente, os casos de dispensa estão previstos na lei em um rol taxativo, já os casos de inexigibilidade têm rol apenas exemplificativo, o que requer do profissional um cuidado na análise dos casos concretos, justamente para justificar o caráter de exceção destas hipóteses previstas nos arts. 24 e 25 da Lei nº 8.666/1993 (CARVALHAL,2013).
2.4 A obrigatoriedade e natureza jurídica do parecer segundo o parágrafo único do art. 38 da Lei de Licitações e Contratos Administrativo
Para melhor compreensão do tema proposto, é de suma importância entender qual é o posicionamento da doutrina, bem como da jurisprudência quanto à natureza jurídica do parecer, tendo em vista que esse aspecto interfere diretamente na questão da responsabilização do advogado público na emissão de sua opinião nos procedimentos licitatórios.
Portanto, inicialmente é importante entender que o ato administrativo é conceituado como “uma manifestação de vontade funcional apta a gerar efeitos jurídicos, produzida no exercício da função administrativa ” (JUSTEN FILHO, 2011, p. 272), sendo classificado como um ato enunciativo, pois através dele o “órgão consultivo do Poder Público emite sua opinião sobre assuntos de natureza técnica ou jurídica, concluindo pela conclusão de determinada forma pelo órgão consulente” (CARVALHO, 2017, p.284).
A maior parte da doutrina afirma que o parecer é meramente opinativo, inclusive pela inviolabilidade profissional do advogado prevista constitucionalmente no art. 133 da Constituição Federal de 88. Neste sentido, na emissão de parecer em licitações, ele apenas emite uma opinião, pois não julga a conveniência e oportunidade da contratação, assim como não ordena a despesa e nem mesmo fiscaliza o contrato (CARVALHAL, 2013).
Há jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, inclusive, afirmando que o parecer sequer é ato administrativo[7]. A discussão é complexa, pois quem toma a decisão final é a autoridade competente e não o advogado parecerista, contudo o parecer, frequentemente, serve de motivação para tal posicionamento. Inclusive, o art. 49 da Lei nº 8.666/1993 é claro em afirmar que:
Art. 49. A autoridade competente para a aprovação do procedimento somente poderá revogar a licitação por razões de interesse público decorrente de fato superveniente devidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar tal conduta, devendo anulá-la por ilegalidade, de ofício ou por provocação de terceiros, mediante parecer escrito e devidamente fundamentado (Grifo nosso).
A leitura do referido artigo nos remete à homologação e adjudicação, pois a comissão de licitação, após os trâmites inicias do procedimento licitatório, encaminha o processo administrativo para a autoridade administrativa que tomará a decisão final, sendo que geralmente tem função de ordenador de despesas. Deste modo, ela pode determinar que os autos retornem para correção de irregularidades, invalidar todo ou parcialmente o procedimento em casos de vícios insanáveis, revogar a licitação ou homologar o resultado final da comissão (CARVALHO FILHO, 2016). Ainda segundo Carvalho Filho (2016, p. 307), “a homologação se situa no âmbito do poder de controle hierárquico da autoridade superior e tem natureza jurídica de ato administrativo de confirmação”.
Tal exposição no presente capítulo se fez importante, uma vez que é necessário entender a relevância da licitação, bem onde exatamente o parecer se encaixa na construção do problema. Vale ressaltar também que, na visão de José Carlos Pereira da Costa Júnior (2016):
Licitar corretamente pode ser entendido como atender às normas de licitação e contratar produtos de qualidade e em tempo hábil, cumprindo assim com os objetivos do Estado. A partir destas considerações é possível entender que a eficiência estatal passa antes pela sua efetividade, ou seja, atingir os objetivos do Estado aplicando-se corretamente os meios e procedimentos conforme dispostos/ disciplinados pelas normas de licitação (Grifo nosso).
Por isso, considerando que a Administração Pública é obrigada a licitar na maioria dos casos, sendo a dispensa e inexigibilidade exceções legais, diante da real necessidade de alcance do interesse público que inevitavelmente acarretará na realização de contratos administrativos para os mais diversos fins, a intenção da disposição legal é nobre, pois a ideia é que haja um controle preventivo de legalidade no processo prévio à contratação. Desta forma, o parecer serve justamente para corrigir eventuais irregularidades ainda na fase interna, tendo em vista que uma anulação gera desperdício de tempo e recursos públicos (FERREIRA, 2015).
Vale ressaltar ainda que, partindo de uma interpretação literal do referido dispositivo de lei, entende-se que o parecer resultado do “exame” e “aprovação” do advogado público é obrigatório, mas não é vinculante. Logo, sua ausência pode gerar nulidade do procedimento apesar da possibilidade de ser integrado à motivação do administrador (BRASIL, 1993a).