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A responsabilidade administrativa do advogado público parecerista no procedimento licitatório

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3  O PAPEL DO ADVOGADO PÚBLICO NA LICITAÇÃO

O presente capítulo discorrerá a respeito do papel que o advogado público exerce nos procedimentos licitatórios, principalmente no que tange à “aprovação” prevista no art. 38 da Lei nº 8.666/1993. Para o alcance desse objetivo, será feita uma breve exposição sobre as atividades típicas da advocacia pública como função essencial à justiça do Estado Democrático de Direito, tendo como foco a consultoria jurídica e seu âmbito de incidência (BRASIL, 1988).

Inicialmente será discutida a atuação e responsabilidade do advogado público no exercício da função consultiva, tendo em vista a importância desta tarefa conferida aos causídicos pela Constituição Federal de 1988.  Partindo deste pressuposto, também será analisada a importância do parecer como controle de legalidade preventivo que, possivelmente, motivará a decisão do administrador público.

3.1 A relevância da advocacia pública como função essencial à justiça no Estado Democrático de Direito

Em meados do século XIX, o liberalismo passou a não dar mais respostas satisfatórias às necessidades sociais, de fato, ocorriam abusos da liberdade individuais, principalmente nas relações socioeconômicas. Por isso, a partir do século XX, houve uma ampliação do campo de atuação do Estado que passou a tutelar não só os direitos individuais, mas também os bens jurídicos sociais tais como saúde, educação, moradia, trabalho. Em síntese, houve uma preocupação com o bem-estar social e o interesse público em detrimento do individualismo (SILVA FILHO, 1998).

Partindo do exposto, com o advento do Estado Democrático de Direito e segundo o raciocínio de Derly Barreto e Silva Filho (1998), passou a existir um maior controle administrativo aos aspectos relacionados ao desvio de poder, moralidade, adequação dos fatos à norma, legitimidade, qualificação jurídica dos fatos feitos pela Administração Pública, ou seja, passou-se a exigir não apenas a mera submissão ao texto legal, mas também que a ação estatal atendesse à moralidade e a vontade popular, sendo que nesta seara, o atendimento ao interesse público adquire grande importância.

Diante disso, o controle administrativo é extremamente relevante para o alcance das balizas constitucionais que se relacionam ao Estado Democrático de Direito, conforme se verifica no art. 1º da Constituição Federal de 88. Neste sentido, destacam-se as funções essenciais à justiça, sendo interessante uma análise partindo do paradigma estatal vigente, uma vez que a advocacia pública, “insere-se basicamente no contexto do controle jurídico da função administrativa, acautelando, promovendo e defendendo os interesses públicos sob à ótica da justiça” (SILVA FILHO, 1998, p. 146).

Em primeiro lugar, é interessante ressaltar que, tanto a advocacia pública quanto a privada são funções essenciais à justiça. Sendo assim, o advogado privado representa seu cliente a partir da delegação de poderes conferida de forma voluntária por meio de uma procuração, no que tange ao advogado público, não há essa voluntariedade, uma vez que ele não pode escolher se deseja ou não defender determinada entidade, visto que ele representa a própria pessoa jurídica em juízo, sendo tal função poder-dever decorrente de lei e deve pautar sua atuação no interesse público (MOREIRA NETO, 2007).

Fato é que a Administração Pública deve ser balizada pelo interesse público, sendo este seu fim último. Aliás, segundo Marçal Justen Filho (2011, p. 370):

A supremacia do interesse público significa sua superioridade sobre os demais interesses existentes em sociedade. Os interesses privados não podem prevalecer sobre o interesse público. A indisponibilidade indica a impossibilidade de sacrifício ou transigência quanto ao interesse público, e é uma decorrência de sua supremacia (Grifo nosso).

O doutrinador Justen Filho (2011) ainda explica de forma bastante enriquecedora a conceituação negativa de interesse público, apresentando interessantes hipóteses do que ele não é diante da sua dificuldade de determinação. Aduz que é um primeiro equívoco a ser observado é a confusão entre o interesse público com o interesse estatal. Ele pontua que definir tal conceito a partir da identidade de seu titular, ou seja, o Estado é algo que pode gerar uma inversão lógica e axiológica, este existe para que haja a satisfação das necessidades coletivas da sociedade, sendo o Estado Democrático de Direito um instrumento para a realização de tais interesses públicos. Portanto, segundo o autor, o interesse público existe antes mesmo do Estado (JUSTEN FILHO, 2011).

Uma outra conceituação “excludente” sobre o que é o interesse público é que ele não se confunde com o interesse do aparato administrativo, em que pese algumas conveniências existentes ao Estado devido à sua condição de sujeito de direito, tais como a ausência de pagamento por suas dívidas, sendo isto claramente um benefício aos cofres públicos, contudo isso não se confunde com interesse público. E ainda, a impossibilidade de confusão entre o interesse público e interesse do agente público, diante do fato de que o exercício da função pública não pode ser contaminado com os interesses privados, violando, inclusive os princípios que balizam a Administração Pública (JUSTEN FILHO, 2011).

Segundo Danilo Cruz Madeira (2011), a ideia de órgão com finalidade específica de presentar o Estado é algo relativamente novo no ordenamento jurídico brasileiro, visto que antes de 1988 era o Ministério Público que tinha a função de advocacia do Estado. Fazendo um breve histórico, na década de 80, por meio do Decreto n.º  92.237, foi instituída a Advocacia Consultiva da União, sendo esta composta pela Procuradoria da Fazenda Nacional, consultorias jurídicas, órgãos jurídicos dos gabinetes militar e civil da presidência, procuradorias gerais, departamentos jurídicos das autarquias e fundações federais, assim como órgãos jurídicos de sociedades de economia mista, empresas públicas e demais entidades controladas pela União direta ou indiretamente  (MADEIRA, 2011).

Partindo disso, verifica-se que em que pese tais funções estarem hoje bem delineadas, a origem é comum, visto que uma parcela de suas atribuições antes era exercida pelo Parquet. No que tange as funções essenciais à justiça, basicamente, a Defensoria Pública defende os menos favorecidos financeiramente, o Ministério Público defende a sociedade no que se relaciona a direitos coletivos, individuais homogêneos e individuais indisponíveis (MADEIRA, 2011). O mesmo autor ainda afirma que:

Todavia, vale repetir, a Advocacia Pública, uma das funções essenciais à justiça, não integra o Poder Executivo. Tanto isso é verdade que a mesma não presenta somente o Executivo. Quando o ato impugnado for praticado pelo Judiciário ou pelo Legislativo, quem atua em nome do Estado também é, igualmente, um Advogado Público. É ele, e só ele, quem possui capacidade de postular em juízo em nome da entidade pública (Grifo nosso).

A partir destas afirmações, entende-se que o advogado público tem um papel de caráter instrumental para efetivação do interesse público no Estado Democrático de Direito. Inclusive, não seria interessante para sua independência funcional que integrasse o Poder Executivo, visto que sua atuação ficaria vinculada à discricionariedade do chefe deste poder e seu desempenho deve ser pautado no interesse público (SILVA FILHO, 1998).

Portando, a atuação da advocacia pública, como função essencial à justiça, sob a ótica do Estado Democrático de Direito diz respeito ao controle jurídico da função administrativa de forma a defender e promover o interesse público sob a ótica da justiça. A atuação consultiva no processo licitatório é um exemplo disso, pois ainda na fase interna, ele pode apontar ilegalidades que comprometeriam todo o procedimento de forma a resguardar o fim último que é o atendimento ao interesse da sociedade (SILVA FILHO, 1998).

3.2  A atuação e responsabilidade no exercício da função consultiva

A Constituição Federal de 1988, em seus artigos 131 e 132, atribuiu aos advogados públicos as atividades de contencioso judicial e consultoria jurídica

Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.

§ 1º A Advocacia-Geral da União tem por chefe o Advogado-Geral da União, de livre nomeação pelo Presidente da República dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada.

§ 2º O ingresso nas classes iniciais das carreiras da instituição de que trata este artigo far-se-á mediante concurso público de provas e títulos.

§ 3º Na execução da dívida ativa de natureza tributária, a representação da União cabe à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, observado o disposto em lei (BRASIL, 1988).

Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas

Parágrafo único. Aos procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias (BRASIL, 1988). 

Com a leitura dos dispositivos acima citados, verifica-se que o texto constitucional elenca as atribuições da Advocacia-Geral da União, bem como das Procuradorias dos Estados. Diante disso, interessante lembrar que advocacia pública compreende duas importantes atividades, ou seja, a consultoria jurídica e a representação, sendo estas preventivas e postulatórias (SILVA FILHO, 1998).

 A função de prevenção tem o papel de orientação da Administração Pública para evitar que sejam cometidas ilegalidades, sendo a análise das minutas dos editais de licitação um exemplo disso, uma vez que há a oportunidade de apontar questões relevantes que possam comprometer o procedimento ainda na fase interna. Já a função relacionada ao contencioso judicial, ou seja, a postulatória, demanda a defesa dos interesses do Estado junto ao Poder Judiciário (SILVA FILHO, 1998).

Desta feita, no gerenciamento da coisa pública é completamente normal que o Administrador tenha dúvidas jurídicas em relação à forma e, principalmente, em relação ao conteúdo dos atos que irá praticar futuramente, ou ainda, no caso do art. 38 da Lei de Licitações em que essa consultoria é obrigatória. Justamente neste contexto que se insere a função consultiva do advogado público, visto que ele orientará a autoridade administrativa a agir conforme à lei, bem como aos princípios e regras que orientam a Administração Pública, por exemplo, o art. 37 da Constituição Federal de 1988 (MOREIRA NETO, 2007).

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Também é interessante destacar que a doutrina diferencia consultoria de assessoramento, uma vez que na consultoria a responsabilidade seria ainda maior, conforme se verifica do parágrafo único do art. 38 da Lei de Licitações.

A atividade de assessoramento diferencia-se muito da consultoria jurídica, sobretudo no que se refere à natureza jurídica das suas emissões de opinião, que na assessoria não precisam nem mesmo de contrafundamentação da autoridade para afastar sua aplicação que é obrigatória na consultoria. Como o viés dessa atividade é muito mais técnico-jurídico-política, com natureza de informação, a responsabilização do advogado público nessa atividade corresponde à irresponsabilidade, salvo na hipótese de dolo que induza o administrador a erro (FERNANDES, 2010).

Vale ressaltar que a advocacia pública não é integrante do Poder Executivo e diante do paradigma do Estado Democrático de Direito, não é mera legitimadora dos atos praticados pelos governantes exercendo, na verdade, uma forma de controle não apenas da legalidade, mas também da legitimidade dos atos praticados na seara da Administração Pública (MOREIRA NETO, 2011). Partindo do pressuposto, é interessante destacar a afirmação de Derly Barreto e Silva Filho (1998, p. 145) que aduz:

Destarte, se a Carta Política reservou, em caráter privativo, à Advocacia Pública a atividade de consultoria jurídica, é porque quis que órgão diverso daquele que emite a vontade político- estatal verificasse e garantisse a existência de sintonia formal e material do ato (ou do projeto de ato) aos cânones da justiça, síntese da legalidade, legitimidade e licitude, acautelando, promovendo e defendendo o interesse público.

No que tange à responsabilidade pessoal do advogado público parecerista, o Procurador do Estado do Rio de Janeiro, José Vicente Santos de Mendonça (2009) elaborou interessante texto sobre a existência de quatro “standards” de responsabilização a partir da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, sendo eles: o dolo, o erro evidente e inescusável, a não-adoção de condicionantes reais de cautela e a necessidade de preservação da heterogeneidade das ideias.

Em primeiro lugar discorreu sobre o dolo. Afirmou que este é bastante difícil de ser caracterizado, inclusive pontua que não muita informação a ser explicitada em relação a esta standard, uma vez que “dificilmente vai ser incidente de modo puro, ou porque o advogado público vai alegar erro escusável, ou porque imaginará que sua liberdade de opinião e de exercício profissional serão suficientes para escondê-lo” (MENDONÇA, 2009, p. 7).

Explanou em segundo lugar sobre o erro evidente e inescusável, fato que dizem respeito a condutas que a sociedade pode esperar de um profissional médio, por exemplo, seria um erro grosseiro enquadrar como dispensa de licitação uma hipótese inexistente no art. 24 da Lei nº 8.666/1993. Também é interessante enfatizar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quando fala sobre o erro inescusável também cita a omissão, conforme José Vicente dos Santos Mendonça (2009, p. 9):

A omissão é erro, só que erro por não-agir, enquadrada no sentido da culpa lata. Há omissão a partir de falha no dever razoável de agir: quando o procurador não detecta ilegalidades claras (não estamos falando de sofisticados artifícios contábeis ou complexas questões relacionadas à delimitação do objeto contratado, porque, mais uma vez, recairíamos na incapacidade institucional para a detecção). Assuntos como a ausência de constituição jurídica da sociedade, procurações sem poderes específicos, inexistência de certidões negativas ou positivas com efeito de negativa juntadas aos autos, inabilitação para a contratação com a Administração. Outros exemplos poderiam ser citados, mas o que é importante que fique que claro é que, se o procurador não detectou tais problemas, problemas que qualquer outro advogado público, em sua posição, poderia haver indicado, e se essa conduta gerou danos ao erário – nem que seja o dano consistente no atraso da contratação pública –, ele pode, em tese, vir a ser responsabilizado no plano civil e administrativo (Grifo nosso).

Em terceiro lugar explicitou sobre a não-adoção de condicionantes reais de cautela, que segundo o autor seriam “toda e qualquer estratégia pragmática que busque evitar a responsabilização do procurador ao demonstrar o exaurimento dos deveres ínsitos à função de parecerista público” (MENDONÇA, 2009, p. 9).

Inicialmente, destacou o uso de expressões denotativas do término do espaço de opinião jurídica e do início da área de decisão administrativa, seriam exemplos as expressões: “a juízo da autoridade competente”, “a critério do administrador” e outras. Elas fazem a indicação do momento em que a opinião jurídica acaba e que a partir dali é o administrador que decide. No que tange a esta condicionante, ele afirma que quando esconder algum tipo de hipocrisia, perderá seu valor e um outro aspecto importante é que tais expressões colocadas após a opinião pautada em erro inescusável ou dolo não isentará o advogado de responsabilidade (MENDONÇA, 2009).

Além disso, uma outra condicionante de cautela seria o dever de informar a respeito dos riscos jurídicos que o autor entende como “instabilidade nos posicionamentos doutrinários capaz de se refletir em instabilidade jurisprudencial, divergência jurisprudencial capaz de anular a ação, riscos pessoais e/ou de responsabilização do ente federativo” (MENDONÇA, 2009, p. 9), ou seja, todos os riscos jurídicos devem ser apontados, pois caso não o faça, o parecerista pode ser chamado a prestar informações (FERNANDES, 2010).

Inclusive, destaca-se o pensamento de Marçal Justen Filho (apud BARBOSA, 2014):

Ao examinar e aprovar atos da licitação, a assessoria jurídica assume responsabilidade pessoal e solidária pelo que foi praticado. Ou seja, a manifestação acerca da validade do edital e dos instrumentos de contratação associa o emitente do parecer ao autor dos atos. Há dever de ofício de manifestar-se pela invalidade, quando os atos contenham defeitos. Não é possível os integrantes da assessoria jurídica pretenderem escapar aos efeitos da responsabilização pessoal quando tiverem atuado defeituosamente no cumprimento de seus deveres: se havia defeito jurídico, tinham o dever de apontá-lo. A afirmativa se mantém inclusive em face de questões duvidosas ou controvertidas. Havendo discordância doutrinária ou jurisprudencial de certos temas, a assessoria jurídica tem o dever de consignar essas variações, para possibilitar às autoridades executivas pleno conhecimento dos riscos de determinadas decisões. Mas, se há duas teses jurídicas igualmente defensáveis, a opção por uma delas não pode acarretar punição (Grifo nosso).

Da leitura da seguinte citação, verifica-se que o nobre doutrinador concorda com a tese da responsabilização solidária do advogado público na emissão de pareceres partindo dessa condicionante do dever de informação dos riscos. Por último, elenca o último standard elencado pelo autor é a necessidade de preservação da heterogeneidade das ideias. Primeiramente afirma que, devido ao fato do Direito não ser uma ciência exata, logicamente, as questões jurídicas podem ter mais de uma solução. Afirma que esta serve como uma espécie de filtro interpretativo dos demais standards (MENDONÇA, 2009, p. 10):

Ou seja, tanto o que é dolo quanto o que é erro inescusável, sob a perspectiva da preservação da heterogeneidade de ideias no mundo jurídico, devem ser interpretados de modo restritivo. Do contrário, estar-se-ia correndo, sim, risco de “censura”, na medida em que opinião jurídica com a qual não se concorde pode vir a ser reputada “errada” ou “dolosa” por alguma instância de controle – tradicionalmente, pelos tribunais de contas ou pelo MP – e vir a justificar alguma equivocada demanda de responsabilidade. Em médio prazo, pensando em termos consequencialistas, o efeito disso seria o de uma autocastração ideológica, na qual as consultorias públicas sequer teriam chance de pensar diferente – talvez melhor, talvez pior – do que as referidas agências de controle. Além do absurdo jurídico da posição, que consiste na violação ao pluralismo de ideias e à liberdade de opinião profissional, ela é, na essência, antipragmática, porque vai de encontro à possibilidade de aperfeiçoamento das ideias por intermédio do debate e da experimentação. Vamos rejeitá-la não apenas porque é antijurídica, mas, também, porque é ruim.

A partir desta discussão, também elenca os limites à liberdade de opinião profissional que seriam formais e materiais e que, segundo Fernandes (2010, p. 8), também podem ser entendidos como condicionantes de cautela, visto que demonstram “zelo, cuidado e diligência bastantes a evitar qualquer responsabilização do advogado público”. Sendo estes, segundo o autor são: a transcrição de dispositivos normativos, consulta à jurisprudência atual, apelo à doutrina usual, introdução de inovações a partir de um nível aceitável de redundância e ainda a rejeição do uso exclusivo ou majoritário de opiniões pessoais (MENDONÇA, 2009). Também se ressaltam o limite material que diz respeito a “razoabilidade da tese defendida” (MENDONÇA, 2009, p. 14).

3.3 A importância do parecer como controle de legalidade preventivo e motivação da decisão do administrador público

Conforme já explicitado, o regime jurídico-administrativo é alicerçado nos princípios da supremacia do interesse público e da indisponibilidade do interesse público. Neste sentido, o Estado, seus agentes e órgãos têm como dever zelar pelo interesse público, por isso, existe o poder de autotutela que possibilita a revogação de atos administrativos inconvenientes e inoportunos e anulação daqueles considerados ilegais. A partir disso, insere-se o controle interno de legalidade exercido pela advocacia pública (SILVA FILHO, 1998).

É neste contexto que a atuação e responsabilidade do advogado público na atividade consultiva se torna tema de interessante discussão, tanto jurisprudencial quanto doutrinária, principalmente no que tange ao procedimento licitatório, uma vez que é algo bastante frequente na rotina administrativa e que requer um estudo aprofundado, visto que conforme a linha de raciocínio de Chaves (2014), o advogado público antecipa os efeitos jurídicos que serão acarretados com as ações administrativas através de seu parecer, com o objetivo de evitar vícios que possam gerar a nulidade de todo o procedimento, uma vez que os causídicos apresentam para o gestor público as medidas corretas e que melhor atendam ao interesse da sociedade.

Enfatiza-se que o art. 49 da Lei nº 8.666/93 é claro em afirmar que é a autoridade competente que deve aprovar o procedimento licitatório. Partindo do pressuposto, surge uma interessante discussão a respeito da responsabilidade solidária entre o advogado público e o administrador, visto que este pode utilizar o parecer como motivação da sua decisão e no caso do art. 38 da Lei de Licitações, tal peça seria vinculante devido ao caráter de “aprovação” (BRASIL, 1993).

Também deve ser pontuado que há uma divergência no que tange ao parecer ser ou não um ato administrativo. No julgamento do MS 2.4073-3, de relatoria do Ministro Carlos Velloso, ficou decidido que o parecer não era “quando muito, ato de administração consultiva que visa a informar, elucidar, sugerir providências administrativas a serem estabelecidas nos atos de administração ativa” (BRASIL, 2003). Ressalta-se que os atos de administração são aqueles que, em sentido amplo, “se originam dos inúmeros órgãos que compõem o sistema administrativo em qualquer dos Poderes” (CARVALHO FILHO, 2016, p. 102).

 Em que pese a citada decisão do Supremo Tribunal Federal, a maioria da doutrina considera o parecer como ato administrativo e o classifica como ato enunciativo.  Neste sentido, é válido destacar que o ato administrativo é conceituado por José dos Santos Carvalho Filho (2016, p. 105) como “ a exteriorização da vontade de agentes da Administração Pública ou de seus delegatários, nessa condição, que, sob regime de direito público, vise à produção de efeitos jurídicos, com o fim de atender ao interesse público”. Também segundo Matheus Carvalho (2017, p. 252) é:

Todo ato praticado pela Administração Pública ou por quem lhe faça as vezes no exercício da função administrativa (estando excluídos deste conceito os atos políticos), sob o regime de Direito Público, ou seja, gozando o ato de todas as prerrogativas estatais, diferente do que ocorre com os atos privados da Administração e, por fim, manifestando a vontade do poder público em casos concretos ou de forma geral, não se confundindo com meros atos de execução de atividade (Grifo Nosso). 

No Direito Administrativo, “a lei pode estipular a atuação do agente de forma objetiva ou cedendo a este uma margem de escolha, dentro dos limites estipulados em lei” (CARVALHO, 2017, p. 252). Daí decorre a existência dos atos administrativos vinculados e discricionários. Em relação aos vinculados, há estrita vinculação à do agente à lei, uma vez que ele está subordinado à situação já delineada no dispositivo legal (CARVALHO FILHO, 2016).

Já nos discricionários, há uma margem de liberdade de atuação, contudo também estipulada legalmente, visto que “a lei não delineia a situação fática, mas transfere ao agente a verificação de sua ocorrência atendendo aos critérios de caráter administrativo de conveniência e oportunidade” (CARVALHO FILHO, 2016, p. 118). A tomada de decisão a que se refere o art. 49 da Lei nº 8.666/1993 é um ato discricionário da autoridade competente, que pode, inclusive, revogar o procedimento por motivos de interesse público.

Contudo, um ponto importante a ser discutido no que tange à responsabilidade solidária entre o administrador e o advogado parecerista, é que tal peça pode ser utilizada como motivação da decisão. Diante disso, torna-se interessante elencar os elementos ou requisitos dos atos administrativos, que são: competência, finalidade, forma, objeto e motivo, visto que a decisão a que se refere o art. 49 da Lei nº 8.666/1993 é um ato administrativo (CARVALHO, 2017).

Fato é que, o parecer pode integrar a motivação da decisão da autoridade competente nos procedimentos licitatórios, que caso não concorde, deve apresentar formalmente a justificativa. Inclusive, no Acórdão nº 521/2013 do Tribunal de Contas da União essa questão foi discutida, pois no caso, houve supostas irregularidades relacionadas à licitação do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

REPRESENTAÇÃO. SUPOSTAS FALHAS EM PROCESSOS LICITATÓRIOS APONTADAS PELO ÓRGÃO JURÍDICO E POSSIVELMENTE IGNORADAS PELA UNIDADE CONTRATANTE. REALIZAÇÃO DE DILIGÊNCIAS COM VISTAS À OBTENÇÃO DE INFORMAÇÕES ACERCA DA ADOÇÃO DE POSSÍVEIS MEDIDAS SANEADORAS PELA CONTRATANTE. PERDA DE OBJETO DA MAIORIA DAS OCORRÊNCIAS. PROCEDÊNCIA PARCIAL. CIÊNCIA AO INPE COM VISTAS À NÃO REPETIÇÃO DE IMPROPRIEDADES.

(...)

9.2.1. em razão do disposto no art. 38, parágrafo único, da Lei 8.666/1993, as minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, necessitam ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração, de modo que, havendo o órgão jurídico restituído o processo com exame preliminar, torna-se necessário o retorno desse, após o saneamento das pendências apontadas, para emissão de parecer jurídico conclusivo, sobre sua aprovação ou rejeição;

9.2.2. caso venha discordar dos termos do parecer jurídico, cuja emissão está prevista no inciso VI e no parágrafo único do art. 38 da Lei nº 8.666/1993, deverá apresentar por escrito a motivação dessa discordância antes de prosseguir com os procedimentos relativos à contratação, arcando, nesse caso, integralmente com as consequências de tal ato, na hipótese de se confirmarem, posteriormente, as irregularidades apontadas pelo órgão jurídico; (BRASIL, 2013).

No acórdão do Tribunal de Contas da União citado acima, a recorrente/interessada foi a Consultoria Jurídica da União em São José dos Campos- São Paulo e a entidade o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – MCT. De modo geral, o órgão entendeu que a contratação de mão-de-obra não caracterizava de forma adequada o objeto, assim como não possuía planilhas detalhadas, a razão da escolha do fornecedor e justificativa de preços. Averiguou-se que um dos posicionamentos adotados pelo Tribunal foi de que o parecer referido pelo parágrafo único do art. 38 da Lei nº 8.666/1993 não vincula o gestor público. (BRASIL, 2013)

A competência é definida pela lei ou em atos administrativos gerais e não pode ser alterada por vontade das partes ou sequer por decisão do administrador público, além disso o ato deve ser praticado por um agente público em sentido amplo. A finalidade está relacionada com o propósito do referido ato, sendo a genérica o atendimento ao interesse público e a específica aquela que está definida em lei. Vale lembrar que, caso a específica seja violada, há desvio de finalidade em que pese o agente esteja visando o interesse público (CARVALHO, 2017).

 A vontade do agente público se exterioriza através do ato administrativo, por isso ela deve estar compatibilizada com a lei, diante da importância do princípio da legalidade para o Direito Administrativo. A licitação é um exemplo de importância do elemento forma, uma vez que é um procedimento administrativo baseado em diversos atos formais definidos em lei. Sendo assim, essa exigência da forma decorre do princípio da solenidade, pois diferente do direito privado, no qual vigora o princípio da solenidade das formas, deve vigorar o interesse público. O objeto, que uma parte da doutrina chama de conteúdo, é a alteração que o ato causará no mundo concreto, por exemplo, quando a autoridade competente na licitação aprova o procedimento este ato irá acarretar na assinatura de um contrato administrativo que objetivará a concretização do interesse coletivo (CARVALHO FILHO, 2016).

O motivo que é “a razão de fato e de direito que dará ensejo à prática do ato, ou seja, a situação fática que precipita a edição do ato administrativo” (CARVALHO, 2017, p. 267). É preciso enfatizar que o motivo não é sinônimo de motivação, pois segundo Justen Filho (2011, p. 371), ela “consiste na exteriorização formal do motivo, visando a propiciar o controle quanto à regularidade do ato”.

Desta feita, Di Pietro (2017, p. 274) pontua quanto ao caráter obrigatório e vinculante do parecer de que trata a Lei nº. 8.666/1993, alegando que que, neste caso, a função não seria somente de consultoria diante do termo “aprovação” previsto no dispositivo legal. E também opina pela responsabilização em casos de erro grosseiro, culpa grave e má-fé do advogado consultor, inclusive, esta consequência não pode ocorrer se o parecer estiver bem fundamentado (BRASIL, 1993).

A título de informação, destaca-se o recente Acórdão 2.296/2017[8] do Tribunal de Contas da União no qual o recorrente pretendeu sua irresponsabilização devido à atendimento de orientação da consultoria jurídica da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, segundo trecho do acórdão:

7.5. E, ainda que fosse um erro grosseiro do parecerista jurídico, por não se tratar de decisão a ele vinculada, o administrador poderia atuar de forma diversa, desde que devidamente motivada. Portanto, assim como já demonstrado no subitem 5.7 desta, a decisão tomada com base em parecer deficiente não afasta, por si só, a responsabilidade do gestor-supervisor por atos considerados irregulares, ainda mais quando esses atos já haviam sido objeto de determinação por parte do TCU (BRASIL, 2017).

Mattos (2016) afirma que” a principal função da advocacia pública não é repressiva, mas instrutiva e preventiva, como auxiliar do administrador público para evitar que seus atos sejam questionados futuramente”.  Portanto, o presente tópico discorreu justamente sobre a importância dessa atuação em âmbito consultivo, visto que o parecer é peça de fundamental importância para o controle de legalidade exercido preventivamente, ainda na fase interna, da licitação. Sendo assim, qualquer irregularidade que possa prejudicar o procedimento contratação pública deve ser apontada para que haja correção.

Por fim, Barbosa (2014), inclusive tem linha de raciocínio interessante no sentido de que o parecer é um importante instrumento para o efetivo esclarecimento do certame, contudo não pode ser utilizado por gestores desonestos que procuram meios de burlar a legislação para justificar suas atitudes ilegais perante os tribunais de contas. Por isso ele ressalta a importância da fiscalização sob a elaboração dos pareceres, sendo essa questão até mais importante que a responsabilização ou não do advogado público, mas que esta seja efetuada quando ocorrer dolo, má-fé ou erro inescusável.

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Sobre a autora
Adriana Teixeira Mendes Coutinho

Aluna do 4º período do Curso de Direito, da UNDB.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COUTINHO, Adriana Teixeira Mendes. A responsabilidade administrativa do advogado público parecerista no procedimento licitatório. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5285, 20 dez. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/62502. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Monografia apresentada ao Curso de graduação em Direito, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito.

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