5. A cláusula de fidelidade e o tratamento da matéria na jurisprudência
Atualmente, na sociedade capitalista, os artifícios das operadoras de telefonia para atrair mais clientes são inúmeros. Algumas operadoras oferecem promoções que dão direito a aparelhos celulares grátis, preço da chamada mais acessível; pacotes de internet 3G que garantem ser ilimitados, dentre outras vantagens.
Diante desses inúmeros benefícios que se mostram tão vantajosos, os consumidores ficam deslumbrados e tendem a aderir ao contrato mais facilmente. Muitas vezes, não analisam as cláusulas contratuais, até porque, podem não ter conhecimento para analisá-las. Uma vez aderido, os abusos podem ocorrer. Uma situação inusitada e com entendimento alternativo sobre a existência de abusividade ou não é a cláusula de fidelidade. A cláusula de fidelidade é aquela que obriga o consumidor a permanecer vinculado àquele plano durante determinado período e, consequentemente, implica uma multa a ser paga caso o consumidor deseje mudar de plano ou de operadora.
A Resolução da ANATEL nº 632, de 07 de março de 2014, autoriza essa prática, desde que a operadora proporcione benefícios ao consumidor, como por exemplo, chamadas com preços inferiores do que o normal.
Art. 57. A Prestadora pode oferecer benefícios ao Consumidor e, em contrapartida, exigir que permaneça vinculado ao Contrato de Prestação do Serviço por um prazo mínimo.
§ 1º O tempo máximo para o prazo de permanência é de 12 (doze) meses.
§ 2º Os benefícios referidos no caput devem ser objeto de instrumento próprio, denominado Contrato de Permanência, firmado entre as partes.
§ 3º O Contrato de Permanência não se confunde com o Contrato de Prestação do Serviço, mas a ele se vincula, sendo um documento distinto, de caráter comercial e regido pelas regras previstas no Código de Defesa do Consumidor, devendo conter claramente:
I - o prazo de permanência aplicável;
II - a descrição do benefício concedido e seu valor;
III - o valor da multa em caso de rescisão antecipada do Contrato; e,
IV - o Contrato de Prestação de Serviço a que se vincula.
A cláusula de fidelidade se dá através do Contrato de Permanência. Se o consumidor deseja se sujeitar à cláusula de fidelidade, deverá aderir ao contrato de permanência. Dessa forma, serão dois contratos distintos, ainda que do mesmo cliente.
De acordo com a Resolução da ANATEL, devem estar expresso no contrato de permanência o prazo que o cliente ficará sujeito a permanecer no plano, quais os benefícios que estará usufruindo, o valor da multa pela rescisão desmotivada do contrato, bem como o contrato de prestação de serviço a que está vinculado, ou seja, a empresa define e decide tudo sobre o plano e como esse usuário deverá utilizá-lo, mas não deixa claro a obrigação da empresa em cumprir, efetivamente, o que ela está ofertando. E ai começam os transtornos para o usuário que se vê, muitas vezes, em situações de má qualidade na prestação destes serviços e as dificuldades de se ver desvencilhado dos mesmos.
Sobre a imposição da cláusula de fidelidade, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido pela sua legitimidade, com a condição de proporcionar benefícios ao consumidor.
“É firme a jurisprudência do STJ de que a chamada cláusula de fidelização em contrato de telefonia é legítima, na medida em que se trata de condição que fica ao alvedrio (livre vontade) do assinante, o qual recebe benefícios por tal fidelização, bem como por ser uma necessidade de assegurar às operadoras de telefonia um período para recuperar o investimento realizado com a concessão de tarifas inferiores, bônus, fornecimento de aparelhos e outras promoções”, pontuou a decisão de um dos casos (REsp 14.45.560). (http://www.conjur.com.br/2016-jan-13/stj-considera-legal-clausula-fidelidade-contrato-telefonia)
Para o STJ, o prazo de permanência é permitido para que as operadoras recuperem o investimento realizado com a concessão das vantagens. Porém, a cláusula de fidelidade só será legal se o prazo de permanência for de no máximo 12 meses e se de fato o serviço está sendo prestado de acordo com o que foi contratado. Assim, há alguns Tribunais que entendem que, caso o serviço apresente falhas em sua prestação o consumidor tem o direito de rescindir o contrato sem pagar multa rescisória.
Neste contexto, se torna imprescindível a analise de algumas jurisprudências:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA. CONTRATO DE TELEFONIA. CLÁUSULA DE FIDELIDADE. LEGALIDADE. DANO MORAL. QUANTUM INDENIZATÓRIO. REVISÃO. INVIABILIDADE. VALOR RAZOÁVEL.
1. Inocorrente a apontada negativa de prestação jurisdicional, porquanto as questões submetidas ao Tribunal 'a quo' foram suficiente e adequadamente apreciadas, com abordagem integral do tema e fundamentação compatível.
2. A cláusula de fidelização, em contrato de telefonia, é legítima, na medida em que o assinante, em contrapartida, recebe benefícios, bem como em face da necessidade de garantir um retorno mínimo em relação aos gastos realizados.
3. "É possível a intervenção desta Corte para reduzir ou aumentar o valor indenizatório por dano moral apenas nos casos em que o quantum arbitrado pelo acórdão recorrido se mostre irrisório ou exagerado, situação que não ocorreu no caso concreto" (AgRg no Ag 634.288/MG, Rel. Min. CASTRO FILHO, DJ 10.09.2007).
4. Decisão agravada mantida pelos seus próprios fundamentos.
5 AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (grifo nosso)
A decisão acima do Agravo Regimental do ano de 2012, proferida pela terceira turma do STJ, tendo como relator o Min. Paulo de Tarso Sanseverino, reconheceu, em sua maioria, a legitimidade da cláusula de fidelidade, na medida em que o assinante recebeu benefícios, admitindo a necessidade de garantir o retorno dos investimentos feitos através da fidelização.
Entretanto, a consideração da legalidade desta cláusula não é pacífica, até porque, neste acórdão, analisou-se a situação da prestadora, valorizado a sua prática, mesmo diante da insatisfação do usuário que, caso rescindisse o contrato, arcaria com todas as multas decorrentes da rescisão.
Em decisão contrária, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, já observa a vulnerabilidade do consumidor, reconhecendo o direito à rescisão do contrato por má qualidade do serviço ofertado.
APELAÇÃO CÍVEL. RESCISÃO DO CONTRATO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. MULTA POR QUEBRA DA CLÁUSULA DE FIDELIDADE INDEVIDA. INSCRIÇÃO EM ÓRGÃO NEGATIVO DE CRÉDITO. INDENIZAÇÃO. DANO MORAL CONFIGURADO. O pedido de rescisão contratual motivado por falha na prestação do serviço torna abusiva a cobrança da multa rescisória (cláusula de fidelidade). Assim, a inscrição do nome de cliente em cadastro de restrição de crédito pela cobrança da multa configura ato ilícito indenizável. Montante indenizatório adequado. APELAÇÃO CONHECIDA E IMPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70050459650, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Victor Luiz Barcellos Lima, Julgado em 07/02/2013)
(TJ-RS - AC: 70050459650 RS, Relator: Victor Luiz Barcellos Lima, Data de Julgamento: 07/02/2013, Décima Nona Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 18/02/2013) (https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/112511631/apelacao-civel-ac-70050459650-rs - grifo nosso)
Nesta decisão, a 19ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em apelação interposta pela ré CLARO S.A., que teve como relator o Min. Victor Luiz Barcellos Lima, a ilegalidade da cláusula de fidelidade foi reconhecida, tendo em vista a falha na prestação de serviço. Neste caso, a ré, operadora CLARO S.A., foi condenada ao pagamento de indenização devido a negativação do nome do cliente resultante do não pagamento da multa rescisória, multa esta, que não deveria ter sido imposta, levando em conta que a rescisão contratual se deu pela falha na prestação do serviço.
RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE TELEFONIA MÓVEL E DE COMODATO DE APARELHOS CELULARES - EXCLUSÃO DE MULTA POR INOBSERVÂNCIA DO PRAZO DE CARÊNCIA - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA - ACOLHIMENTO DO PLEITO RECURSAL DA AUTORA PELA CORTE A QUO - RECONHECIMENTO, NO ARESTO ESTADUAL, DE NULIDADE DA CLÁUSULA DE "FIDELIZAÇÃO", POR CONFIGURAR "VENDA CASADA". INSURGÊNCIA DA CONCESSIONÁRIA DE TELEFONIA.
1. Contratação simultânea de prestação de serviços de telefonia móvel e de "comodato" de aparelhos celulares, com cláusula de "fidelização". Previsão de permanência mínima que, em si, não encerra "venda casada".
[...] Em que pese ser possível a fixação de prazo mínimo de permanência, na hipótese dos autos, o contrato de "comodato" de estações móveis entabulado entre as partes estabeleceu a vigência por 24 (vinte e quatro) meses, distanciando-se das determinações regulamentares da ANATEL (Norma Geral de Telecomunicações n. 23/96 e Resolução 477/2007), de ordem a tornar tal estipulação, inequivocamente, abusiva, haja vista atentar contra a liberdade de escolha do consumidor, direito básico deste.
5. Recurso especial desprovido. (STJ - REsp: 1097582 MS 2008/0237143-0, Relator: Ministro MARCO BUZZI, Data de Julgamento: 19/03/2013, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/04/2013) (http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23546673/recurso-especial-resp-1097582-ms-2008-0237143-0-stj/inteiro-teor-23546674 - grifo nosso)
Neste acórdão, a decisão de recurso especial do Superior Tribunal de Justiça, interposto pela ré, TIM CELULAR S.A, a quarta turma negou provimento ao recurso, reconhecendo a abusividade da cláusula de fidelidade, com base no prazo de permanência superior a 12 meses, infringindo determinação da ANATEL, que dispõe que o prazo máximo de permanência não será superior a 12 meses, ficando assim, caracterizado a abusividade da cláusula de fidelidade.
Percebe-se que mesmo havendo agência reguladora e lei especificando as regras desta cláusula de fidelização, as operadoras ainda descumprem, sujeitando o usuário aos abusos de práticas empresariais, enquanto que deveria ser o contrário, a conduta das operadoras na relação contratual.
Os contratos devem obedecer ao princípio da informação, estando as operadoras obrigadas a informar o consumidor sobre todas as condições contratuais. Não o fazendo, a presença da cláusula de fidelidade no contrato caracteriza existência de cláusula abusiva. Neste sentindo:
RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. TELEFONIA. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. COBRANÇA DE DÉBITO PROVENIENTE DE PLANO DE TELEFONIA CANCELADO, RELATIVO À MULTA POR FIDELIDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE INFORMAÇÃO AO CONSUMIDOR DA CHAMADA CLÁUSULA DE FIDELIDADE - ART. 6º, III, CDC. INSCRIÇÃO NEGATIVA INDEVIDA. DANOS MORAIS IN RE IPSA. VALOR INDENIZATÓRIO MANTIDO. Irresigna-se a ré ante a sua condenação ao pagamento de indenização por danos morais, em razão de ter inscrito o nome da autora em cadastro de inadimplentes. Sem razão, todavia. A demandante possuía um contrato de telefonia fixa e móvel da requerida. Disse que requereu o cancelamento do serviço em 01/08/2013, estando em dia com os pagamentos até tal data. Contudo, ocorreu a inscrição negativa do nome da autora por solicitação da requerida (fl. 19), em referência a débito de R$ 120,00, relativo à cobrança de "multa de fidelidade 100%", com vencimento em 14/08/2013 (fl. 23). Cabia à ré, segundo o art. 333, II, do CPC, comprovar que informou a autora sobre a chamada cláusula de fidelidade em que se fundou a multa que lhe foi cobrada, em observância ao que preceitua o art. 6º, III, do CDC. Por ausente comprovação da regularidade da cobrança, foi indevida a anotação negativa do nome da autora procedida pela ré. [...] SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. RECURSO DESPROVIDO. (TJ-RS - Recurso Cível: 71005857701 RS, Relator: Luís Francisco Franco, Data de Julgamento: 01/03/2016, Segunda Turma Recursal Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 03/03/2016) (http://www.tjrs.jus.br - grifo nosso)
Em decisão de recurso inominado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a segunda turma recursal negou provimento ao recurso interposto pela ré, OI MÓVEL S.A., e reconheceu a ilegalidade da cláusula de fidelidade, tendo em vista que a ré não comprovou que o cliente foi informado sobre a fidelização, caracterizando desobediência ao princípio da informação. Dessa forma, ficou reconhecido a abusividade da cláusula de fidelidade.
Diante disso, importa salientar que os contratos de adesão de prestação de serviço telefônico devem obedecer ao disposto na determinação da ANATEL, na Resolução 632, como já exposto anteriormente. Segundo esta Resolução é imprescindível que, para não ser caracterizada cláusula abusiva, a fidelização não exceda o prazo de permanência de 12 meses, além de não poder cobrar multa rescisória caso haja falha na prestação de serviço que enseje na rescisão do contrato. Ainda, é necessário que o contrato obedeça ao princípio da informação. Infringindo estas regras, restará caracterizado a abusividade da cláusula de fidelização.
A análise da abusividade desta cláusula dever ser feita caso a caso, pois dependerá de prova que demonstre que a operadora descumpriu as regras impostas pela ANATEL ou que aponte falha na prestação do serviço que tenha sido contratado pelo usuário.