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Compensação tributária na sentença parcial de mérito

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Agenda 11/09/2020 às 14:40

A partir da premissa de que a compensação tributária é um direito fundamental decorrente do direito de propriedade, o presente artigo tem como objetivo analisar a configuração desta na sentença oriunda do julgamento antecipado parcial do mérito.

1 INTRODUÇÃO

O artigo 386 do Código Civil (CC) prevê que a compensação ocorrerá nas situações em que duas pessoas forem ao mesmo tempo credoras e devedoras uma da outra. Já no contexto do Direito Tributário, a compensação tributária, encontra-se prevista no artigo 170 do Código Tributário Nacional (CTN), in verbis:

Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública.[1](Grifo próprio).

Ressalta-se, ainda, que tal instituto também consiste em uma modalidade de extinção do crédito tributário, conforme artigo 158, inciso II do aludido diploma legal.

A compensação poderá ser realizada pela via administrativa ou judicial. Explica-se:

A compensação tributária administrativa será verificada quando for realizada pelo próprio contribuinte e homologada pelo Fisco no prazo de cinco anos. Lado outro, será ela judicial quando o tributo a ser compensado for objeto de contestação, nesse caso, o artigo 170 – A, do CTN dispõe que é necessário o trânsito em julgado da respectiva decisão.

Observa-se, ademais, que o Código de Processo Civil (CPC) – Lei n° 13.105/2015 - previu no artigo 356, inciso I, o julgamento parcial do mérito que, por sua vez, é visualizado quando um ou mais pedidos formulados ou parcela deles forem incontroversos.

Nesses termos, indaga-se, na presente pesquisa, a viabilidade da compensação tributária ocorrer diante da sentença parcial de mérito.

Neste cenário, este artigo, num primeiro momento, visará a análise do referido instituto sob o prisma da Constituição da República de 1988 (CR/88), em especial sobre a perspectiva dos direitos fundamentais. Em sequência, explorará a coisa julgada, e, por fim, examinará o julgamento antecipado parcial de mérito.


2 A COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA É UM DIREITO FUNDAMENTAL?

A compensação tributária é um direito fundamental, consoante os fundamentos a seguir expostos.

A Constituição é composta por normas constitucionais dotadas de força normativa. No tocante a essas, Luís Roberto Barroso assevera:

As normas constitucionais, como espécie do gênero normas jurídicas, conservam os atributos essenciais destas, dentre os quais a imperatividade. De regra, como qualquer outra norma, elas contem um mandamento, uma prescrição, uma ordem, com força jurídica e não apenas moral. Logo, a sua inobservância há de deflagrar um mecanismo próprio de coação, de cumprimento forçado, apto a garantir-lhe imperatividade, inclusive pelo estabelecimento das consequências da insubmissão ao seu comando. As disposições constitucionais não são apenas normas jurídicas, como têm um caráter hierarquicamente superior, não obstante a paradoxal equivocidade que longamente campeou nesta matéria, considerando as prescrições desprovidas de sanção, mero ideário, não jurídico.[2]

Neste sentido, Gustavo Binenbojm, em sua obra Uma Teoria do Direito Administrativo afirma que a Constituição é “[...] norma jurídica dotada de eficácia e aplicabilidade direta [...]”, sendo elas “[...] o estatuto fundamental do Estado e da sociedade.”[3]

Ressalta-se, ademais, ainda nos dizeres de Binenbojm, que a partir do reconhecimento do caráter normativo das normas constitucionais, “[...] pode-se falar numa supremacia não apenas formal, mas também material da Constituição.”[4]

Neste cenário, surge o processo da “constitucionalização do direito”[5], este, por sua vez, implica no reconhecimento de que toda legislação infraconstitucional tem de ser interpretada e aplicada à luz da Constituição, que deve tornar-se um verdadeiro guia dos intérpretes jurídicos.

Nesse contexto, é indispensável a interpretação do denominado interesse público através do prisma constitucional.

Sabe-se que a Magna Carta visa implementar, consagrar, garantir, efetivar e proteger os direitos fundamentais. Sob essa ótica, cumpre observar que estes possuem como base a dignidade da pessoa humana e esta, em sua essência, tutela os direitos individuais.

Diante disso, insurge a concepção de que o princípio da supremacia do interesse público sobre os interesses privados não possui legitimidade constitucional, visto que a escolha pré-determinada e absoluta dos interesses públicos em detrimento dos particulares acarreta na violação aos fundamentos constitucionais, como por exemplo, a dignidade da pessoa humana previsto no artigo 1º, caput, inciso III, da CR/88.

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Assim sendo, considerando que o CTN é uma lei infraconstitucional, deve esse ser interpretado em consonância com as normas constitucionais.

Nesse sentido, é o entendimento de Hugo de Brito Machado:

[...] o direito do contribuinte à compensação tem inegável fundamento na Constituição. Isto quer dizer que nenhuma norma inferior pode, validamente, negar esse direito, seja diretamente, seja por via oblíqua, tornando impraticável o seu exercício.[6]

Outro ponto que lastreia a compensação tributária como um direito fundamental é o fato dessa decorrer do direito de propriedade previsto no artigo 5°, inciso XXII, da CR/88, que, por sua vez, garante ao proprietário as faculdades de usar, gozar e dispor, cabendo a ele quitar o crédito, decorrente de referido direito, perante a Fazenda, podendo, inclusive, reavê-lo por meio da compensação.

 Seguindo nesta lógica, depreende-se que a compensação tributária reflete o princípio da boa-fé objetiva (artigo 3°, inciso I, da CR/88), eis que o contribuinte a utiliza com intuito de recuperar sua propriedade.

Noutro giro, reafirmando-se que o crédito que o sujeito passivo possui contra o Fisco deriva de seu direito de propriedade, e, considerando que esta não pode ser confiscada em observância ao princípio constitucional da vedação ao confisco, disposto no artigo 243 da CR/88, verifica-se que a compensação tributária visa também evitar o confisco indireto da propriedade do contribuinte.

Consoante a esta linha de pensamento, Hugo de Brito delineia:

[...] o crédito do contribuinte é parcela de seu patrimônio. E sua propriedade. Na medida em que não se admite a compensação de créditos do contribuinte com dívidas fiscais suas, se está admitindo verdadeiro confisco de seus créditos, sabido que é, de todos, que o contribuinte não dispõe de meios eficazes para os fazer valer contra a Fazenda.[7]

Ante o exposto, se faz necessário o questionamento quanto a constitucionalidade do artigo 170 – A do CTN que vincula a compensação tributária ao trânsito em julgado da sentença, ou seja, é preciso indagar se esta vinculação não comporta uma espécie de confisco indireto da propriedade do contribuinte, violando assim o direito de propriedade, e, em consequência, a própria Constituição.


3 A COISA JULGADA

A coisa julgada consiste em uma garantia constitucional prevista no artigo 5°, XXXVI, da CR/88, tratando-se ela de uma qualidade da decisão judicial, pois confere a esta o caráter da imutabilidade. Ressalta-se que a configuração da coisa julgada tem como objetivo primordial promover a segurança jurídica.

A res judicata pode ser classificada como formal ou material, no tocante a esta, o art. 502 do Código de Processo Civil dispõe:

Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.[8]

Sobre o tema, Humberto Theodoro assevera:

A coisa julgada leva em conta o objeto da decisão, que haverá de envolver o mérito da causa, no todo ou em parte, seja o ato decisório uma sentença propriamente dita, seja um acórdão, seja uma decisão interlocutória. O importante é que o pronunciamento seja definitivo e tenha sido resultado de um acertamento judicial precedido de contraditório efetivo.[9]

Ressalta-se que a imutabilidade da decisão, oriunda da formação da coisa julgada, decorre da ausência de sua impugnação no prazo fixado pela lei.

Assim sendo, ressalvadas as exceções legais, a formação da coisa julgada põe fim na discussão sobre a matéria, possibilitada a execução definitiva da decisão, impedindo que o mesmo conteúdo seja novamente questionado em juízo.

Analisando o conceito de coisa julgada, cabe analisar se é possível a compensação tributária na sentença parcial de mérito.


4 É POSSÍVEL A COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA NA SENTENÇA PARCIAL DE MÉRITO?

A sentença parcial de mérito advém da coisa parcialmente julgada de mérito, e esta, por sua vez, se dá em razão da autonomia dos capítulos da sentença.

Assim sendo, e, considerando, ainda, que a sentença não é una, mas sim divisível, tem-se a formação da coisa julgada progressiva, sendo esta construída ao longo do tempo, isto é, é possível a formação da coisa julgada de cada capítulo da sentença, e o seu trânsito em julgado em momentos distintos.

Consoante, a este pensamento Humberto Theodoro afirma:

[...] a sentença apresentar-se-á composta por capítulos, cuja autonomia terá grande influência, sobretudo, na sistemática recursal na formação da coisa julgada, na execução da sentença e no regime recursal. [...] Da autonomia (e não necessariamente da independência), decorre a possibilidade de o recurso abordar apenas um ou alguns dos capítulos, o que provocaria o trânsito em julgado dos que não foram alcançados pela impugnação [...].[10]

Neste sentido, tem-se o seguinte enunciado jurisprudencial do Superior Tribunal Federal (STF):

Súmula 514-STF: Admite-se ação rescisória contra sentença transitada em julgado, ainda que contra ela não se tenham esgotado todos os recursos.[11]

Na mesma linha tem-se a seguinte decisão:

[...] O Supremo admite, há muitos anos, a coisa julgada progressiva ante a recorribilidade parcial também no processo civil. É o que consta do Verbete nº 354 da Súmula, segundo o qual, “em caso de embargos infringentes parciais, é definitiva a parte da decisão embargada em que não houve divergência na votação”. Assim, conforme a jurisprudência do Tribunal, a coisa julgada, reconhecida na Carta como cláusula pétrea no inciso XXXVI do artigo 5º, constitui aquela, material, que pode ocorrer de forma progressiva quando fragmentada a sentença em partes autônomas[...].[12] (Grifo próprio).

Destarte, registra-se que as partes de um julgado que decidem questões distintas criam sentenças independentes entre si, suscetíveis de serem mantidas ou reformadas sem prejuízo das demais; se mantidas formar-se a coisa julgada, e, advindo o trânsito em julgado a execução da sentença será definitiva iniciando-se, assim, o termo inicial da ação rescisória.

Entretanto, esse não é o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), eis que este adota a teoria da indivisibilidade da sentença, isto é, o termo inicial da rescisória somente se iniciará quando não for mais cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial. Tal entendimento encontra-se manifesto na súmula 401, veja-se:

O prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial.[13]

Neste cenário, cumpre observar que a decisão supracitada do STF, proferida no RE 666.589/DF, tinha como objeto a reforma de um decisum proferido pelo STJ, que, por sua vez, baseava-se nos termos da súmula 401, logo se esperava uma mudança de posicionamento do Egrégio Tribunal, o que até o presente momento não ocorreu.

Havia a expectativa de que o novo CPC comungaria com o entendimento da Suprema Corte, contudo, este acompanhou o posicionamento do STJ ao prever, no artigo 975, um único prazo para o termo inicial da ação rescisória, desconsiderando-se, assim, a sua própria sistemática, haja vista que tal tese é contrária à definição de coisa julgada apresentada no referido diploma legal. Ademais, ignora a possibilidade das decisões parciais de mérito, expressamente previstas no artigo 356, in verbis:

Art. 356. O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou 6mais dos pedidos formulados ou parcela deles:

I - mostrar-se incontroverso;

II - estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355.

§ 1° A decisão que julgar parcialmente o mérito poderá reconhecer a existência de obrigação líquida ou ilíquida.

§ 2º A parte poderá liquidar ou executar, desde logo, a obrigação reconhecida na decisão que julgar parcialmente o mérito, independentemente de caução, ainda que haja recurso contra essa interposto.

§ 3º Na hipótese do §2°, se houver trânsito em julgado da decisão, a execução será definitiva.

§ 4° A liquidação e o cumprimento da decisão que julgar parcialmente o mérito poderão ser processados em autos suplementares, a requerimento da parte ou a critério do juiz.

§ 5º A decisão proferida com base neste artigo é impugnável por agravo de instrumento. (Grifo próprio).[14]

Em que pese a regra do novo CPC prevista no artigo 975, a ação rescisória continuará cabível de forma individual para cada capítulo, independentemente de resolução do mérito da demanda, sendo que o prazo de ajuizamento das ações fluirá a partir do momento em que cada uma das decisões parciais autônomas transitarem em julgado, e não após o trânsito em julgado do último decisum proferido no processo.

A vista disso, destaca-se que quando preenchidos os requisitos previstos no artigo 356 do CPC, o julgador pode, desde logo, resolver parcela da lide com o julgamento antecipado do mérito, o que seria, basicamente, o fatiamento da sentença.

Neste viés, ressalta-se que o pronunciamento oriundo do referido julgamento, é uma decisão definitiva de mérito, razão pela qual, se esta não for impugnada pelo recurso cabível, far-se-á coisa julgada material, nos termos do §3° do artigo 356 c/c o artigo 502, ambos do CPC.

Nesta perspectiva, observa-se que o trânsito em julgado da decisão referente ao tributo contestado judicialmente, nos termos do artigo 170 – A do CTN, pode ser proveniente de um julgamento antecipado parcial de mérito, visto que, se o Fisco não contestar um dos pedidos formulados pelo contribuinte e esse tornar-se incontroverso o juiz decidirá de forma antecipada o mérito e, esta decisão, transitada em julgado, fará coisa julgada material. Por exemplo, caso o contribuinte requeira a compensação do PIS pago a maior com os recolhimentos dos próximos três períodos subsequentes e o Fisco, em sede de contestação, impugne apenas um período, a possiblidade da compensação em relação aos demais será fato incontroverso, conforme exposto.

Não obstante a possibilidade da realização da compensação diante da sentença parcial de mérito, em razão da coisa julgada progressiva, se faz necessária a indagação acerca da constitucionalidade da vinculação da compensação tributária ao trânsito em julgado.

As premissas deste trabalho, partem da supremacia da Constituição e, portanto, envolvem uma abordagem do direito tributário constitucionalizado. Isso significa que, a resolução do problema proposto não pode ser resolvida sem a observância aos direitos fundamentais, como por exemplo, o direito de propriedade, bem como aos princípios constitucionais, da dignidade da pessoa humana, da boa-fé e da vedação ao confisco.

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Priscila Vieira. Compensação tributária na sentença parcial de mérito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6281, 11 set. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/62879. Acesso em: 21 nov. 2024.

Mais informações

O presente artigo foi desenvolvido como TCC (Trabalho de Conclusão de Curso), sob a orientação do professor Gustavo Almeida Paolinelli de Castro.

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