A Arbitragem instituída pela Lei 9.307/96, no Brasil ganhou força inquestionável com a decisão do Supremo Tribunal Federal que declarou, em questão levantada incidentalmente (STF- SE - 5.206 - DJU de 19/12/01), a constitucionalidade das formas de instituição da Arbitragem, bem como os efeitos da sentença arbitral e as alterações no Código de Processo Civil Brasileiro previstos nesta Lei.
A mencionada decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal se deu em Agravo Regimental no processo de Sentença Estrangeira, protocolada em 01/09/95, sob nº 5.206, onde se discutiu a homologação de laudo arbitral da Espanha que dirimiu conflito entre duas sociedades comerciais (MBV COMMERCIAL AND EXPORT MANAGEMENT ESTABLISHMENT e a RESIL INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA) sobre a existência e o montante de créditos a titulo de comissão por representação comercial de empresa brasileira no exterior.
O pedido de homologação do laudo arbitral, por ausência da chancela, de autoridade judiciária no Reino da Espanha, foi negado mediante despacho, do qual foi interposto Agravo Regimental, pela empresa MBV, então Requerente.
O MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE (RELATOR), votou pelo provimento ao Agravo Regimental homologando o laudo Arbitral. No entanto, o julgamento foi convertido em diligência para ouvir o Ministério Público Federal sobre a Constitucionalidade da Lei nº 9.307/96 e seus reflexos quanto à homologabilidade do laudo no caso concreto.
Em 12/12/01, o Agravo Regimental foi provido tendo em vista a edição posterior da L. 9.307, de 23.9.96, que dispõe sobre a arbitragem, para que, homologado o laudo, valha no Brasil como titulo executivo judicial, bem como para declarar a constitucionalidade da referida Lei com as suas inovações e sua conseqüente dispensa de homologação do judiciário, no País de origem, como requisito de reconhecimento, no Brasil, de sentença arbitral estrangeira (art. 35). Tal decisão assegurou, ainda, a completa assimilação da Sentença Arbitral no direito interno.
A referida decisão do Pleno do STF julgou constitucional os termos do parágrafo único, do art. 6º, do art. 7º e seus §§, ambos da Lei de Arbitragem (9.307/96), bem como a redação que esta deu em seu art. 41, ao inciso VII, do art. 267 e ao inciso IX, do art. 301 do Código de Processo Civil, além da inserção do inciso VI no art. 520, também deste Código julgado pelo Pleno e, 12/12/2001, Ata publicada e, 19/12/2001).
Por seu turno, os artigos 6º e 7º da Lei 9.307/96 dispõem sobre a conduta das partes para instituir a Arbitragem, quando já decidiram anteriormente, através de cláusula compromissória a decidir as controvérsias originárias da relação obrigacional, pela via extrajudicial.
Assim, quando na cláusula arbitral assinada pelas partes, não constar a forma de instituição ou a entidade que administrará o processo arbitral, as partes devem estabelecer as regras mediante um compromisso arbitral.
Recusando-se uma das partes à comparecer para a celebração do compromisso ou resistindo à utilização da arbitragem, a parte interessada deverá recorrer ao Judiciário.
Caberá ao Juiz que seria o competente para julgar o litígio caso as partes não tivessem optado pela Justiça Privada, tão somente analisar a cláusula arbitral assinada pelas partes e citar a parte resistente, para decidir sobre o compromisso arbitral, independentemente de acordo das partes ou do comparecimento da Requerida em audiência.
"Art. 6º Não havendo acordo prévio sobre a forma de instituir a arbitragem, a parte interessada manifestará à outra parte sua intenção de dar início à arbitragem, por via postal ou por outro meio qualquer de comunicação, mediante comprovação de recebimento, convocando-a para, em dia, hora e local certos, firmar o compromisso arbitral.
Parágrafo único. Não comparecendo a parte convocada ou, comparecendo, recusar-se a firmar o compromisso arbitral, poderá a outra parte propor a demanda de que trata o art. 7º desta Lei, perante o órgão do Poder Judiciário a que, originariamente, tocaria o julgamento da causa.
Art. 7º Existindo cláusula compromissória e havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, poderá a parte interessada requerer a citação da outra parte para comparecer em juízo a fim de lavrar-se o compromisso, designando o juiz audiência especial para tal fim.
§ 1º O autor indicará, com precisão, o objeto da arbitragem, instruindo o pedido com o documento que contiver a cláusula compromissória.
§ 2º Comparecendo as partes à audiência, o juiz tentará, previamente, a conciliação acerca do litígio. Não obtendo sucesso, tentará o juiz conduzir as partes à celebração, de comum acordo, do compromisso arbitral.
§ 3º Não concordando as partes sobre os termos do compromisso, decidirá o juiz, após ouvir o réu, sobre seu conteúdo, na própria audiência ou no prazo de dez dias, respeitadas as disposições da cláusula compromissória e atendendo ao disposto nos arts. 10 e 21, § 2º, desta Lei.
§ 4º Se a cláusula compromissória nada dispuser sobre a nomeação de árbitros, caberá ao juiz, ouvidas as partes, estatuir a respeito podendo nomear árbitro único para a solução do litígio.
§ 5º A ausência do autor, sem justo motivo, à audiência designada para a lavratura do compromisso arbitral, importará a extinção do processo sem julgamento de mérito.
§ 6º Não comparecendo o réu à audiência, caberá ao juiz, ouvido o autor, estatuir a respeito do conteúdo do compromisso, nomeando árbitro único.
§ 7º A sentença que julgar procedente o pedido valerá como compromisso arbitral.
Depreende-se do exposto, que apesar da Lei de Arbitragem ter sido editada em setembro de 1996, acabando com o sistema anterior, em que o Árbitro proferia um Laudo Arbitral sujeito à homologação do Poder Judiciário para ter a qualidade de título executivo, o paradigma só começou a ser quebrado, efetivamente, com a decisão do Supremo Tribunal Federal no Agravo Regimental da Sentença Estrangeira, supra comentada, proferida em 12 de dezembro de 2001.
De conseguinte, ocorreram os reflexos na legislação brasileira, sendo que, de imediato, no Código de Processo Civil Brasileiro, com as alterações promovidas pela própria Lei 9.307/96, em suas disposições finais:
Disposições Finais
Art. 41. Os arts. 267, inciso VII; 301, inciso IX; e 584, inciso III, do Código de Processo Civil passam a ter a seguinte redação:
"Art. 267. Extingue-se o processo, sem julgamento do mérito:
VII - pela convenção de arbitragem;
Art. 301. Compete-lhe, porém, antes de discutir o mérito, alegar:
IX - convenção de arbitragem; ".
Levada ao Judiciário lide que deveria ser resolvida por arbitragem, em razão de convenção anterior entre as partes caberá a extinção do processo como questão preliminar, ou seja, antes do julgamento do mérito.
Não poderá, o Juiz, analisar essa matéria de ofício, segundo o disposto no art. 267, parágrafo 3º e 301, parágrafo 4º do Código de Processo Civil. A existência da convenção arbitral (cláusula arbitral ou compromisso arbitral) deverá ser denunciada pela parte interessada.
"Art. 584. São títulos executivos judiciais:
III - a sentença arbitral e a sentença homologatória de transação ou de conciliação; ".
A leitura deste dispositivo, combinada com a do artigo 18 da Lei de Arbitragem que estabelece que o Árbitro é Juiz de fato e de direito, assegura a qualificação da Sentença Arbitral como título executivo JUDICIAL.
Assim, determina que a Sentença Arbitral não necessita de homologação por ato do Juiz Estatal para ter validade e eficácia.
"Art. 42. O art. 520 do Código de Processo Civil passa a ter mais um inciso, com a seguinte redação:
"Art. 520. A apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo. Será, no entanto, recebida só no efeito devolutivo, quando interposta de sentença que:
VI - julgar procedente o pedido de instituição de arbitragem."
De conseguinte, apesar do recurso de Apelação da sentença que julgou procedente o pedido de instituição da arbitragem poderá ser, desde logo instituído o processo arbitral sem aguardar decisão da instância superior.
É evidente que será nula a decisão arbitral, se em final instância decidir-se pelo não provimento do pedido de instituição de arbitragem. Mas, isto só será possível mediante algum erro formal na cláusula arbitral assinada pelas partes.
Existe a possibilidade de uma cláusula arbitral não conter os requisitos mínimos necessários para que, no futuro, quando da ocorrência de um litígio, venha a surtir efeitos para a instituição da arbitragem. Por exemplo: a) constar no mesmo contrato uma cláusula arbitral para solução de controvérsias e uma cláusula sobre o foro; b) constar cláusula arbitral cujo conteúdo fale de mediação e conciliação no lugar de falar em arbitragem para a solução de controvérsias.
Segundo a jurista Selma M. Ferreira Lemes, membro da Comissão Relatora da Lei de Arbitragem [1], as cláusulas arbitrais ou compromissórias, podem não gerar nulidade quando estão apenas incompletas. São as chamadas cláusulas em branco ou vazias, as quais são suscetíveis de validade, como por exemplo: a) as cláusulas que não esclarecem a forma de eleição dos árbitros; b) cláusulas que não esclarecem se a arbitragem será regida por uma Instituição (adesão ao Regulamento de uma Câmara de Arbitragem) ou ad hoc (regulamento definido pelas próprias partes); c) cláusulas arbitrais que indicam erroneamente o nome da Instituição escolhida.
Nesse caso, o Judiciário deverá buscar a verdadeira vontade das partes em resolver o litígio pela Justiça Privada ou pela Justiça Estatal.
Instituída a Arbitragem e desenvolvendo-se o processo formalmente, de acordo com os princípios fundamentais previstos no ordenamento jurídico, como o da isonomia, do contraditório, da moralidade entre outros, não há como ser alegada a nulidade da decisão arbitral.
Quanto ao mérito, a decisão arbitral não poderá ser revista pelo Poder Judiciário, em qualquer hipótese, conforme assegurado pela Lei de Arbitragem o qual teve a constitucionalidade de seus dispositivos reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal em dezembro de 2001, conforme anteriormente mencionado.
Resta agora divulgar, disseminar junto à sociedade brasileira a quebra do paradigma referente à dúvida quanto à eficácia da decisão arbitral.
A Arbitragem é um avanço na solução de controvérsias em razão de envolver a vontade das partes envolvidas em resolver o litígio, sendo que é uma via sem volta, há muito já recepcionada nas relações internacionais, alcançando especificamente os direitos disponíveis dos interessados, como vemos nas relações comerciais, as quais, com o avanço da tecnologia, se tornaram mais informais e, conseqüentemente, ganharam maior celeridade.
O processo arbitral acompanha essa mudança e auxilia a reduzir, ao menos em parte, o congestionamento de processos no Poder Judiciário.
Os advogados também ganham muito com a Arbitragem porque, apesar de não ser obrigatória a sua participação no processo Arbitral, as partes sempre procuram estar representadas por este profissional tendo em vista a natureza do instituto. E mais, os advogados e demais operadores do direito ganham, pelo fato do processo de desenvolver por prazo máximo de 180 dias, estabelecido na Lei 9.307/96, sendo que não terão mais, que aguardar de 10 a 20 anos para receberem os seus honorários.
Assim, com a Arbitragem ganham todos, o Poder Judiciário, os operadores do direito e as partes.
Nota
1 Reflexões sobre Arbitragem, LTr, 2002, São Paulo, 1ª ed., pág.188 a 208