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O ensino técnico de jovens e adultos nas penitenciárias do regime semiaberto e a ressocialização

Este artigo tem como objetivo analisar a função do ensino de jovens e adultos na penitenciaria do regime semiaberto como fator determinante na ressocialização e desenvolvimento do caráter civilizatório do apenado.

Introdução

Sabemos que os dados do Conselho Nacional de Justiça o Brasil possuem um contingente carcerário de aproximadamente 700 (setecentos) mil presos, sendo que 70% dos apenados são reincidentes2.

Assevera a Constituição Federal:

Art. 205: A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho2 (RT, 2006,p.108)3

Nesta diapasão a Lei nº 7210/1984, que dispõe sobre as normas da Execução Penal, no seu Art. 17: “assegura que a assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado”4

Nota-se a importância de identificar e demonstrar a efetividade da educação de jovens e adultos no sistema prisional, em especial, no regime semiaberto, como forma de ressocializar e permitir a reinserção social dos apenados de maneira que desenvolva as competências: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver, aprender a ser. Nesta esteira, dentre os quatro pilares orientadores da educação no cárcere, sendo eles: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver, e aprender a ser, fundamentados em 1990, na cidade de Jomtien, na Tailândia, na Conferência Nacional sobre Educação, patrocinada pela UNESCO e editado em 1999, transformado no texto "Educação: um tesouro a descobrir", temos necessariamente dentro do sistema prisional onde aprender a conviver e ser tomam contornos não só pedagógico, mas precisamente legal e ressocializador, visto que contempla ä priori”  o desafio da convivência na qual apresenta o respeito a todos e o exercício de fraternidade como caminho do entendimento.

Nesta visão, Beber (2007, p.19) afirma ainda que:

“Impetrar condições mínimas de dignidade por meio do conhecimento científico requer desenvolver ensino e aprendizagem que incorpore referenciais úteis para ações comportamentais benéficas. Para tanto alfabetização de Jovens e Adultos se encaixa também aos alunos do Sistema Penitenciário e pode ser entendida como uma modificação sociocultural, a qual por meio da leitura e da escrita sua forma de compreender e fazer parte da sociedade modifica-se, a partir do contato com livros, revista e jornais, levando-os, a saber, o que possa estar escrito nos documentos, cartas, revistas entre outras possibilidades como ato de independência, e com determinação continuam lendo e se alfabetizando progressivamente a cada dia com ideias, criatividade e estimulados a estudar e trabalhar o que os leva a criar uma identidade própria com cidadania”.5

Beber (2007, p.20) apregoa:

“Embora o Sistema Educacional Prisional Brasileiro tenha-se mantido distante por muitos anos da realidade sociocultural destes seres humanos, ou melhor, praticamente inexistente, estruturando um “Sistema Prisional coercitivo, pensar uma “nova” estruturação educacional é possibilitar a estes indivíduos que cometeram/cometem delitos, uma forma de reeducá-los”6.

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5 BEBER, Bernadétte. Reeducar, reinserir e ressocializar por meio da Educação a Distância. Tese, 2007.

6 Idem

Temos então a tentativa de mudança de um Sistema Prisional totalmente coercitivo, ou seja, onde há interferência do poder Estado para que, geralmente contra a vontade de quem recebe, uma pena seja cumprida, para um sistema prisional ressocializador e integrativo.

Neste sentido a Lei de Execução Penal (LEP) nº. 7.210 de 11/07/1984 é explicita quanto à obrigatoriedade dos Sistemas Prisionais oportunizarem aos detentos condições de reeducação, reinserção e ressocialização.

Outrossim, o já famigerado sistema carcerário, enquanto instituição e aplicadora da lei, vem dando sinais, há muito tempo da sua ineficiência na mudança de vida dos detentos. Sendo assim, faz-se necessário, um estudo acerca da sua efetiva aplicabilidade e funcionalidade. Se um dos meios mais denotados para mudança do paradigma social em que vivemos é a fomentação e transformação da educação, em todas as camadas, devemos investigar o porque de um número absurdo de apenados reincidentes no Brasil. 

Nesta esteira, o ora trabalho procura analisar a função do Ensino de Jovens e Adultos na penitenciaria do regime semiaberto como fator determinante na ressocialização e desenvolvimento do caráter civilizatório do apenado.

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Para tanto, ao considerar o objetivo deste artigo, o estudo necessário para este contexto, caracteriza-se nas investigações de cunho Bibliográfico.

Bibliográfico, pois, a literatura oferece suporte para o embasamento dos conhecimentos à luz do regramento legal, bem como sobre a importância da educação como Estratégia Didático-Pedagógica na formação e reinserção de apenados.

{C}1.    Considerações gerais sobre a educação de jovens e adultos no sistema prisional brasileiro.

A prisão surgiu no fim do Século XVIII e princípio do Século XIX com o objetivo de servir como peça de punição. A criação de uma nova legislação para definir o poder de punir como uma função geral da sociedade, exercida da forma igual sobre todos os seus membros.  Por volta da década de 1940, a educação passa a voltar-se para o público adulto assim, foram criadas várias oportunidades de escolarização, dentre as quais estão às escolas de educação supletiva, visto que na visão do Governo o analfabetismo se apresentava como um impedimento para o crescimento do país.

Posteriormente, as políticas públicas para a aprendizagem de jovens e adultos expandiu para os centros prisionais com o intuito de proporcionar ao apenado a educação como modo de promover a integração social e a aquisição de conhecimentos que permitiam aos apenados assegurar um futuro melhor quando recuperassem a liberdade. Por assim ser, o encarceramento passou a ter uma finalidade que iria além do castigo, da segregação e da dissuasão, possuindo um viés reformador em especial as atividades de educação profissional e as informações sobre oportunidades de emprego.

Para tanto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/1996), assevera:

Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho7.

Nesse diapasão a Lei nº 10.172/2001 Plano Nacional de Educação:

Meta 17. Implantar, em todas as unidades prisionais e nos estabelecimentos que atendam adolescentes e jovens infratores, programas de educação de jovens e adultos de nível fundamental e médio, assim como de formação profissional, contemplando para esta clientela as metas n 5 e nº 148.

 

Ademais, esse direito está previsto em diversos documentos internacionais, tais como: Declaração Mundial sobre Educação para Todos (artigo 1º); Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (parágrafo 1º, art. 29); Convenção contra a Discriminação no Ensino (artigos 3º, 4º e 5º); Declaração de Copenhague (compromisso nº 6); Plataforma de Ação de Beijing (parágrafos 69, 80, 81 e 82); Afirmação de Aman e Plano de Ação para o Decênio das Nações Unidas para a Educação na Esfera dos Direitos Humanos (parágrafo 2º). Portanto a prisão, enquanto instituição executora da pena tem como missão cuidar para que os apenados não voltem a reincidir, estabelecendo um conjunto de normas que objetivem a transformação dos apenados. Para tanto, a educação é um fator determinante na ressocialização e adequação do detento no convívio social.

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7 Disponível em:<http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/ce/arquivos/seminario-educacao-no-sistema-prisional> Acesso em: 20 dezembro 2017.

8 Idem

{C}2.    O papel da educação no regime semiaberto como determinante na ressocialização dos apenados e provedor da cidadania.

No ilustre entendimento de João Carvalho de Matos (2011, p. 543):

Colha-se do art. 33, paragrafo 1º, letra b, do CP, que o condenado deve cumprir a pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar. São destinatários do regime semiaberto, de acordo com o dispositivo, no art. 33, paragrafo 2º, letra b, CP – quando a pena aplicada na sentença for superior a 4 anos e não exceder 8 anos  e o réu for primário9.

Neste diapasão, segundo João Carvalho de Matos (2011, p. 544):

Com estribo no art. 35, parágrafo 2º, do CP, se o condenado precisar e o seu comportamento recomendar, poderá ser autorizado ausentar-se do estabelecimento, a fim de frequentar cursos de formação educacional e profissional – 1º e 2º graus e curso superior – com finalidade de prepara-lo para o retorno à vida em liberdade10.

Por conseguinte, o aumento da escolaridade entre os presos representa, entre outros aspectos, possibilidades de formação, acesso a conhecimentos, socialização e inclusão produtiva e ressocializadora.

Para que efetivamente ocorra a ressocialização por meio da escola é necessário o reconhecimento da realidade com a expectativa do apenado de ter na escola uma experiência diferenciada das rotinas do universo criminal, ao mesmo tempo em que a identidade dos alunos deverá ser reconhecida não apenas pelo aspecto do crime, mas também pelo fato de serem cidadãos integrantes de uma sociedade.

Ademais, se torna necessário que a escola, enquanto instituição ressocializadora, contribua para a preservação e desenvolvimento dos múltiplos papéis que a prisão busca anular: de cidadão, de pai, de filho, de sujeito de direitos e deveres etc.

Saliente-se ainda que a educação como o único instrumento capaz de transformar o potencial das pessoas em competências e habilidades. Para tanto se torna imprescindível criar espaços para que o apenado, situado no mundo, empreenda na construção do seu ser em termos individuais e sociais,

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9  MATOS, João Carvalho de. Prática e Teoria de Direito Penal e Processual Penal. 9ª ed. São Paulo: Mundo Jurídico. 2011.

10 Idem.

com vivencias socioeducativas, na qual exerçam uma influência edificante na vida do apenado, criando caminhos para que transforme a sua identidade, de modo a compreender-se e aceitar-se como indivíduo social; fomentando a construção de um projeto de vida, definindo e trilhando caminhos para a sua vida em sociedade.

Indubitavelmente, a educação nas prisões não deve e nem pode compensar uma eventual experiência de fracasso escolar, mas criar um processo pleno, que respeite o conhecimento e a experiência que o apenado traz consigo, valorando a sua trajetória de vida.

Além disso, é importante frisar que a elaboração e o desenvolvimento do conhecimento estão ligados ao processo de conscientização, sendo este inacabado, contínuo, progressivo e transformador. Toda ação educativa, para ser válida, deve, necessariamente, ser antecedida por uma reflexão sobre o homem e uma análise do meio de vida desse homem concreto, a quem se quer ajudar para que se eduque. É sabido, que o ser humano deve, necessariamente, tornar-se sujeito em seu processo educativo; pois ele não participará da história, da sociedade, da transformação da sua realidade e da comunidade, se não tiver condições de tomar consciência da existência e, mais ainda, da sua própria capacidade de transformá-la, por isso o pilar de toda educação é instigar e criar condições para que se desenvolva uma atitude de reflexão crítica, comprometida com a ação e renovadora, com perspectivas de mudanças na vida do apenado.

Portanto, a educação no sistema presidiário, deve priorizar o desenvolvimento da capacidade crítica e criadora do detento, capaz de alertá-lo para as possibilidades de escolhas e a importância dessas escolhas para a sua vida e consequentemente a do seu grupo social.

3. Dados sobre a educação formal e não formal na coordenadoria de unidades prisionais da região oeste.

 

Composta por 37 (trinta e sete) Unidades Prisionais, compreendendo as cidades de Araçatuba, Birigui, Presidente Prudente, São José do Rio Preto, Andradina, Junqueirópolis Martinópolis Dracena Florida Paulista Irapuru, Marabá Paulista Osvaldo Cruz Paraguaçu Paulista, Pracinha, Assis, Lucélia, Mirandópolis, Lavínia, Valparaíso, Pacaembu, Tupi Paulista, Presidente Bernardes, Presidente Venceslau, Caiuá, Riolândia.

As unidades classificadas:

{C}Ø  26 Penitenciárias

{C}o  {C}25 Penitenciárias Masculinas;

{C}§  01 Penitenciária com anexo de detenção provisória;

{C}§  02 Penitenciárias com ala de progressão de regime (semiaberto); e,

{C}§  02 Penitenciárias com anexo de regime semiaberto.

{C}o  {C}01 Penitenciária Feminina com Ala de progressão de Regime.

{C}Ø  03 Centros de Detenção Provisória;

{C}Ø  03 Centros de Progressão Penitenciária;

{C}Ø  04 Centros de Ressocialização; e,

{C}Ø  01 Unidade de Regime Disciplinar Diferenciado.

As ofertas de educação (formal/escolar e não formal/não escolar), nas Unidades Prisionais da Região Oeste, apresentam os seguintes números, tendo por data base o mês de Novembro/2014:

a)        Educação Formal: nas unidades prisionais, desde 2013, a Educação Formal é realizada em parceria com a Secretaria da Educação, com as aulas sendo ministradas por professores da rede pública de ensino, ofertando ensino.

b)        Educação Não Formal: a qualificação profissional do preso, ocorre em parceria com a Coordenadoria de Reintegração Social e Cidadania – CRSC e FUNAP que através dos programas como PRONATEC, VIA RÁPIDA, PEQ e PET ofertam vários cursos profissionalizantes, a exemplo de pedreiro, pintor, azulejista, encanador e outros, ministrados pelo sistema S (SENAI, SENAC, SENAT e Outros), Centro Paula Souza, Instituto Federal e Instituto Neotrópica.

Considerações Finais.

 

Ao longo deste artigo, procurou-se evidenciar que a educação técnica de jovens e adultos no sistema prisional, deve ultrapassar a esfera clássica do modelo educacional. Ou seja, esta deve ser atuante e reagente, afim de se tornar uma ferramenta eficaz na ressocialização. Nesse sentido, deve primar pela humanização, capacitação e provocar mudanças de paradigma na vida dos apenados. Sendo assim a educação deve ser uma prática renovadora, um instrumento de mudança que fomenta a fusão do intelecto com o crítico. É claro, que o objetivo da educação é favorecer que os indivíduos se tornem sujeitos pensantes, nos quais saibam: codificar, decodificar, interpretar, interagir, socializar e pensar, tendo total compreensão do mundo ao seu redor. Por assim ser, não há como pensar em ressocialização do apenado por meio da educação se esta não for restauradora e transformadora. Nota-se que muito se caminhou neste sentido, entretanto ainda há entraves burocráticos, estruturais e gerenciais que acabam por descaracterizar uma educação formadora de cidadãos pensantes, que busca a efetiva ressocialização e formação de um caráter civilizatório. Ainda se tem um longo caminho a percorrer no sentido de capacitar um apenado para a total ressocialização e reintegração ao seio social e que fomente o aprender a conviver e ser.

Referências

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Organização de Alexandre de Moraes. 16.ed. São Paulo: Atlas, 2000.

BRITO, Alexis Couto de. Execução Penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

GADOTTI, Moacir. Comunicação Docente: ensaio de caracterização da relação educadora. São Paulo: Loyola, 1975.

MATOS, João Carvalho de. Prática e Teoria de Direito Penal e Processual Penal. 9ª ed. São Paulo: Mundo Jurídico. 2011.

Documento Base: Programa nacional de integração da educação profissional com a educação básica na modalidade de educação de jovens e adultos – PROEJA – Educação profissional técnica de nível médio / ensino médio. Ministério da Educação: Brasília, 2007.

Disponívelem:<http://www2.camara.leg.br/atividadelegislativa/comissoes/comisoes-permanentes/ce/arquivos/seminario-educacao-no-sistemaprisional>Acesso em: 20 dezembro 2017.

Disponívelem:<http://www.educacao.sp.gov.br/a2sitebox/arquivos/documentos/983.pdf> Acesso em 20 de dezembro de 2017.

Sobre as autoras
Maria Fernanda Paci

ADVOGADA NA ÁREA CÍVEL E CRIMINAL, ESPECIALISTA EM DIREITO PROCESSUAL E DO TRABALHO. DOCENTE DO CENTRO PAULA SOUZA.

Maria Fernanda Paci

ADVOGADA NA ÁREA CÍVEL E CRIMINAL, ESPECIALISTA EM DIREITO PROCESSUAL E DO TRABALHO. DOCENTE DO CENTRO PAULA SOUZA.

Informações sobre o texto

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