Inicialmente é de suma importância destacar os princípios que norteiam o assunto abordado, quais são: princípio da eficiência, princípio da vulnerabilidade, princípio da hipossuficiência e princípio da adequação/continuidade.
O princípio da eficiência traz à tona que, não basta os serviços estarem à disposição da coletividade, ele precisa alcançar a sua real finalidade. Esse princípio tende resguardar a eficiência do serviço público.
O princípio da vulnerabilidade ampara o consumidor, haja vista, o consumidor ser a parte mais frágil da relação. Todos nós sabemos que, desde que consumidor é consumidor, ele é vulnerável, uma vez que é a parte mais fragilizada dessa relação, por isso esse princípio visa equilibrar a relação entre consumidor e fornecedor.
O princípio da hipossuficiência resguarda a questão econômica do consumidor. Importante lembrar que, nem todo consumidor que é vulnerável, tende a ser hipossuficiente.
O princípio da adequação e continuidade visa manter a boa relação entre consumidor e fornecedor, onde a adequação requer que o serviço fornecido pela concessionária seja adequado, já a continuidade está ligada à impossibilidade do interrompimento dos serviços.
O Serviço Público tem um grande papel na sociedade, onde seu principal encargo é manter com eficiência e continuidade os serviços de natureza essencial.
Podemos elencar como exemplos de serviços essenciais o fornecimento e distribuição de água e energia elétrica.
O Serviço Essencial Público é uma atividade assumida pelo Estado ou então por seus delegados. Esses serviços se tornam essenciais pelo fato de suprir a necessidade de uma coletividade.
No mesmo sentido, a Lei nº 8.78/90, nominada Código de Proteçâo e Defesa do Consumidor, que visa amparar as relações de consumo, traz em seu artigo 22 o amparo legal para que não ocorra a interrupção destes serviços, mesmo com o consumidor inadimplente, ou seja, deve haver a continuidade do serviço.
Veja-se a redação do art. 22 do CDC:
Art. 22 CDC: Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
Importante dizer que é pacifico no Superior Tribunal de Justiça, que existe relação de consumo entre prestador de serviço público e o usuário. Portanto, esta relação é regida pela Lei nº 8.78/90. Abaixo, veja-se um trecho de um Agravo Regimental julgado pelo STJ:
2. A jurisprudência desta Corte possui entendimento pacífico no sentido de que a relação entre concessionária de serviço público e o usuário final, para o fornecimento de serviços públicos essenciais, tais como água e energia, é consumerista, sendo cabível a aplicação do Código de Defesa do Consumidor. (AgRg no AREsp 354.991/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/09/2013, DJe 11/09/2013).
No mesmo entendimento do artigo supra mencionado, a corrente majoritária entende que serviços dessa natureza não podem ser interrompidos mesmo em caso de inadimplemento.
Na atualidade, podemos verificar que ainda é uma praxe o corte, onde mesmo sabendo que os serviços não podem ser interrompidos, eles ainda insistem em interromper, prejudicando o consumidor do serviço.
Em contrapartida ao Código de Defesa do Consumidor, a Lei nº 8.987/95 denominada Lei de Concessão permite o interrompimento de serviços de natureza essencial, desde que o usuário seja notificado mediante aviso prévio do desligamento dos serviços.
Diante disso, pode ser verificado que ocorre uma divergência entre as normas vigentes, no entanto, como dito acima, a corrente majoritária entende que serviços essenciais não podem ser interrompidos.
O doutrinador Rizzatto Nunes (2014, p. 157) considera que:
O interesse da coletividade que seja capaz de permitir a interrupção do serviço público essencial – garantindo constitucionalmente - só pode ser fraude praticada pelo usuário. Conforme veremos mais à frente, admitir-se á o corte do fornecimento do serviço apenas após autorização judicial, se demonstrado no feito que o consumidor inadimplente, podendo pagar a conta isto é, tendo condições econômico - financeira para isso -, não o faz. Afora essa hipótese e 50 dentro dessa condição - autorização judicial o serviço não deve ser interrompido. O fato é que aqueles que pensam que pode efetuar o corte, confunde com o direito de crédito que tem o fornecedor com o direito que ele não tem de interromper a prestação do serviço.
Diante da citação supra mencionada, podemos analisar que tal direito de crédito não pode prevalecer sobre a necessidade do consumidor. Portanto, entende-se que o direito de crédito é um bem menor diante da carência da coletividade.
É preciso esclarecer que o Código de Defesa do Consumidor não quis instigar a inadimplência do consumidor, até porque se o consumidor não deixar de arcar com o pagamento, recai sobre ele multa, mora entre outros sansões cabíveis, e sim, resguardar as relações de consumo entre consumidor e fornecedor, deixando claro que nenhum direito pode ser violado, mantendo uma simples concretização da Justiça e buscando proteger a parte mais frágil da relação.
Outrossim, importante abrir um parênteses para citar o art. 10 da Lei de Greve que elenca um rol de serviços essenciais, vejamos:
Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais:
I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;
II - assistência médica e hospitalar;
III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;
IV - funerários;
V - transporte coletivo;
VI - captação e tratamento de esgoto e lixo;
VII - telecomunicações;
VIII - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;
IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais;
X - controle de tráfego aéreo;
XI compensação bancária.
Por fim, conclui-se que os serviços essenciais devem ser contínuos, pois estes estão diretamente ligados à sobrevivência da comunidade.