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A aplicação do poder disciplinar aos servidores públicos em decorrência dos efeitos da responsabilidade civil estatal sentidos pela administração pública

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4. Responsabilidade objetiva e subjetiva do Estado         

A responsabilidade civil no direito privado é proveniente de um ilícito causado a um terceiro, sendo que, somente gera a responsabilidade do agente em reparar o dano caso seja comprovado o nexo causal, a conduta culposa ou dolosa e o dano. Depreende-se assim, que via de regra, a responsabilidade civil na esfera privada é subjetiva, sendo que, esta será objetiva em suas exceções, ao se tratar de relações de consumo, empresas que prestem serviços, dentre outras.

De outro lado, a responsabilidade civil da administração pública está muito mais relacionada com sua conduta e de seus agentes, havendo nexo causal entre ela e o dano, do que o grau de culpabilidade existente no ilícito causado.

Para um melhor entendimento, a corrente majoritária analisa a responsabilidade da administração pública em dois aspectos: quando esta possui uma conduta positiva, ou seja, quando sua conduta é comissiva; e quando esta atua de forma negativa, sendo que, sua conduta é omissiva.

Levando isso em consideração, o entendimento dominante é de que a administração pública responderá objetivamente se o dano causado for proveniente de uma conduta comissiva de sua parte, e, responderá subjetivamente caso o dano resulte de uma conduta omissiva. Ocorre que, faz-se necessário mencionar que essa corrente não é absoluta, havendo ainda entre alguns doutrinadores divergência quanto a aplicação da responsabilidade civil à administração pública, utilizando-se dessa premissa.

O artigo 37, §6º determina que a administração pública, bem como as pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviços públicos, ficam responsabilizados por quaisquer atos praticados por seus agentes, respondendo de forma objetiva aos danos causados. Dessa forma:

Art. 37, § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL; 1988)

Assim sendo, é interessante fazer um adendo acerca dos danos causados através de obras públicas, devendo-se levar em conta se estas estão sendo executadas pela própria administração pública ou por um particular que fora contratado pelo Estado para prestar o serviço público.

Se o dano causado resultar de obra pública que estiver sendo realizada por pessoas jurídicas de direito público, fica a administração pública responsável por indenizar e reparar o prejuízo sentido por terceiro. No entanto, se o dano for proveniente da execução de obra pública por particular, a obrigação reparatória e indenizatória fica a cargo a pessoa jurídica de direito privado.

Ressalte-se, também, que o termo “agente” deve ser empregado em sentido amplo, não se restringindo ao servidor. A expressão deve alcançar todas as pessoas cuja atuação seja imputada ao Estado. Ainda, a expressão “nessa qualidade” denota que a responsabilidade da pessoa jurídica somente ocorrerá caso seu preposto esteja agindo no exercício de suas funções ou, ao menos, esteja se conduzindo a pretexto de exercê-la (CARVALHO FILHO, 2009, p. 530).         

Carvalho Filho vem explanar que não basta que o agente da pessoa jurídica de direito público ou privado provoque o dano, sendo que, é necessário que esse servidor esteja no exercício de suas atribuições, para que então gere responsabilidade civil com vias a reparação do ilícito.

Outro fator de grande relevância pauta-se na aplicabilidade da responsabilidade civil do Estado no caso de sua omissão quanto a execução ou prestação do serviço público. Como dito anteriormente, a ação gera para o Estado a responsabilidade objetiva, e, a omissão gera uma responsabilidade subjetiva, sendo que, neste caso, a pessoa que sofreu o dano possui o ônus de provar que seu prejuízo é decorrente da falta de um serviço ou até mesmo de sua prestação.

A responsabilidade da administração pública por omissão, diferentemente dá por ação, que se utiliza da teoria do risco administrativo, adota a teoria da culpa administrativa, sendo que, neste caso deve-se provar uma parcela de dolo ou culpa do Estado, bem como a inexistência de um serviço que devia existir, ou falha de um serviço que já existe, ou ainda a demora para a execução deste.


5. Direito de regresso do estado em relação a seu servidor         

Analisando detalhadamente o art. 37, § 6º da Constituição Federal, depreende-se que ele se desenvolve em duas partes, sendo que, a primeira declara que tanto as pessoas de direito público quanto as pessoas de direito privado que estão prestando serviços públicos, responderão objetivamente pelos atos praticados por seus servidores, quando estes no exercício de suas atribuições, causar danos a terceiros; a segunda discorre assegura as pessoas jurídicas supracitadas o direito de regresso quanto aos seus agentes, quando estes agirem com dolo ou culpa.

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A ação de regresso que a administração pública irá propor contra o agente que causou o dano a terceiro, não possui a mesma natureza que a ação proposta pela vítima do dano contra a administração, uma vez que, nesta se estabelece uma relação de responsabilidade objetiva proveniente da teoria do risco administrativo, e, aquela ocorre através de uma relação de responsabilidade subjetiva proveniente da teoria da culpa, tendo em vista que, a administração pública somente terá direito de demandar regressivamente contra seu agente se este tiver agido com dolo ou culpa.

Outra característica acerca do direito de regresso que o Estado possui em relação a seu agente, se concentra no fato de que a administração pública não pode descontar diretamente do salário de seu servidor o valor que teve de indenizar o particular prejudicado, sendo que, caso isso ocorra, haverá lesão direta ao direito constitucional ao contraditório e ampla defesa.

Dessa forma, Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo asseveram que para que haja a possibilidade de a administração pública regredir contra seu servidor, deve-se estar presentes dos aspectos principais:

(1) a entidade pública (ou a delegatária de serviços públicos), para poder voltar-se contra o agente, deverá comprovar que já foi condenada judicialmente a indenizar o particular que sofreu o dano, pois o direito de regresso dela nasce com o trânsito em julgado da decisão condenatória, prolatada na ação de indenização; (2) enquanto a responsabilidade civil da Administração (ou da delegatária de serviços públicos) perante o particular que sofreu o dano é objetiva, na modalidade risco administrativo (independe de culpa ou dolo), a responsabilidade civil do agente perante a Administração (ou a delegatária) só se configura se restar comprovado dolo ou culpa desse agente (responsabilidade subjetiva).

  Assim sendo, para que a administração pública possa regredir contra seu servidor é necessário que ação anterior tenha condenado o Estado a reparar o dano causado por seu servidor a terceiro, havendo o trânsito em julgado desta. Além disso, é necessário que o agente tenha agido com dolo ou culpa, caso em que, a administração não poderá demandar contra este se houver apenas dano, nexo causal e conduta comissiva ou omissiva de seu agente.

A ação regressiva que a administração pública intenta contra seu agente possui período prescricional de 03 (três) anos, sendo que, fora muito discutido acerca de sua imprescritibilidade. Ocorre que, já houve entendimento no STF acerca da imprescritibilidade de ações que causem dano ao erário decorrente de crimes de improbidade administrativa. No entanto, já é pacífico que, ao que se refere a ações regressivas comuns, observar-se-á o art. 206, § 3º, inciso V, do Código Civil.

Importa dizer que a ação de regresso é o poder-dever do Estado em reaver do agente público, o valor que teve que pagar ao particular a título de indenização pelo dano causado a este. Por se tratar de ação cível, nada impede que a administração pública julgue administrativamente seu agente, sendo que, a ação de regresso poderá alcançar até mesmo os sucessores do servidor, no montante dos bens a serem herdados.


    6. Poder Hierárquico e Poder Disciplinar         

A administração pública possui dois princípios basilares que caraterizam seu regime de direito público, sendo, o princípio da supremacia do interesse público e o princípio da indisponibilidade do interesse público. Tais princípios delineiam as prerrogativas e restrições em relação as atividades estatais.

Posto isto, a administração pública possui poderes, com os quais poderá cumprir e alcançar suas finalidades. Dentre esses poderes, pode-se dividi-los em gerais e específicos, sendo os poderes vinculados e discricionários tidos como gerais, e, os poderes regulamentar, hierárquico, disciplinar e poder de polícia, como sendo poderes específicos.

No entanto, para o trabalho em tela, trataremos mais aprofundadamente dos poderes hierárquico e disciplinar, sendo este derivado daquele. Ocorre que, como dito anteriormente, a administração pública pode demandar contra seu agente tanto civilmente, com uma ação de regresso, quanto administrativamente, com uma ação disciplinar, sendo esta última, nada mais do que o exercício do poder disciplinar.

6.1) Poder Hierárquico            

Quando se estuda a estrutura da administração pública é possível observar a distinção existente entre descentralização e desconcentração. A primeira ocorre através da criação, por lei, de uma nova entidade, ou seja, de uma nova pessoa jurídica em que o Estado deposita a execução de alguma atividade da administração pública, ficando a cargo dessa entidade executar o serviço atribuído. A segunda trata-se das subdivisões existentes dentro de uma mesma entidade, havendo entre ela relações de hierarquia.

Segundo Carvalho Filho, pode-se entender como hierarquia:

Hierarquia é o escalonamento em plano vertical dos órgãos e agentes da Administração que tem como objetivo a organização da função administrativa. E não poderia ser de outro modo. Tantas são as atividades a cargo da Administração Pública que não se poderia conceber sua normal realização sem a organização, em escalas, dos agentes e dos órgãos públicos. Em razão desse escalonamento firma-se uma relação jurídica entre os agentes, que se denomina relação hierárquica. (CARVALHO FILHO; 2010, p. 74)

  A administração pública em suas entidades, divide-se em escalas de forma a facilitar a execução do serviço público, além de gerar efeitos como o de comando, o dever de obediência e o de fiscalização, com vias a fazer valer os principais deveres dos administradores públicos, sendo, o dever de probidade, dever de prestar contas e o dever de eficiência.

Do poder hierárquico advêm uma relação de subordinação de um órgão ou agente hierarquicamente superior em relação a um órgão ou agente inferior, gerando uma situação de supervisão, de controlo, de avocação de competências, de delegação e de aplicar sanções. Tomando como margem essa última função do poder hierárquico, observa-se que o poder disciplinar deriva deste, com o objetivo de aplicar sanções aos órgãos e agentes públicos.

6.2) Poder disciplinar         

O poder disciplinar dá margem para a administração pública aplicar sanções internas decorrentes de infrações cometidas por seus funcionários, bem como aplicar punições aos particulares que estão ligadas ao Estado através da celebração de um contrato administrativo para a prestação de um determinado serviço ou para o cumprimento de determinada obrigação.

Diante disso, depreede-se dois aspectos principais: a vinculação existente entre o poder hierárquico e o poder disciplinar quando no que se refere ao controle interno da administração; e esse mesmo vínculo proveniente da celebração de contrato administrativo da administração pública com o particular para a realização de um negócio entabulado entre as partes.

Ocorre que, quando a administração pública exerce seu controle interno, aplicando penalidades aos seus servidores decorrentes da prática de infrações funcionais, existe o vínculo entre esses dois poderes, sendo que o poder disciplinar atua de forma imediata e o poder hierárquico de forma mediata.

Lado outro, quando a administração pública atua de forma a aplicar penalidades decorrentes de infrações administrativas cometidas por particulares que firmaram contrato administrativo com esta, sendo que, neste caso, não existe o vínculo entre esses poderes, de forma que, somente é aplicado o poder disciplinar.

De forma geral podemos entender o poder disciplinar através da conceituação que Hely Lopes Meireles dispõe. Diante disso:

Poder disciplinar é a faculdade de punir internamente as infrações funcionais dos servidores e demais pessoas sujeitas à disciplina dos órgãos e serviços da Administração. É uma supremacia especial que o Estado exerce sobre todos aqueles que se vinculam à Administração por relações de qualquer natureza, subordinando-se às normas de funcionamento do serviço ou do estabelecimento que passam a integrar definitiva ou transitoriamente. (MEIRELES; 2016, p.145)           

  Tratando-se de cominação de sanções administrativas aos servidores públicos, trataremos mais especificamente da aplicabilidade do poder disciplinar ao agente que, culposa ou dolosamente provocou dano a terceiro, tendo a administração pública que arcar com o ônus de indenizar e reparar o dano causado ao prejudicado.

Tendo em vista essa vertente, o primeiro detalhe a ser discutido é que, a administração pública não pode, de forma desenfreada, aplicar punições a seus servidores sem antes ter dado a estes o direito ao contraditório e ampla defesa, e, mesmo que o Estado respeite esses direitos, através de uma apuração administrativa ou até mesmo da abertura de um processo administrativo, existem limites a serem observados por este.

Este trabalho não se trata de demonstrar as punições que a administração pública aplica em casos expressos de improbidade administrativa, mas tão somente, da aplicação do poder disciplinar aos servidores nos casos em que o Estado têm de responder com vias reparatórias e indenizatórias em relação aos danos causados por seus agentes.

Dito isso, passaremos agora a discorrer acerca de quais são as punições aplicadas pela administração pública em caráter administrativo, quando essas sanções podem ser aplicadas, quais os limites para a sua aplicabilidade e acerca do Processo Administrativo Disciplinar (PAD).       

Sobre os autores
Carlos Henrique Tavares

Acadêmico de direito da instituição de ensino FINOM, cursando o VI período

Queila Paula Rosa

Bacharel em História pela Universidade de Patos de Minas e acadêmica do curso de Direito pela Faculdade do Noroeste de Minas.

Érico Lucas Souto Lepesqueur

Professor de Direito Constitucional e Direito Administrativo na Faculdade do Noroeste de Minas.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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