UM CASO DE ABUSO DE AUTORIDADE
Rogério Tadeu Romano
Admite-se o uso de algemas nos limites da Súmula Vinculante 11 do Supremo Tribunal Federal.
Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade de prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.
Sabe-se que o ex-governador Sérgio Cabral, que estava preso no Rio de Janeiro, por decisão judicial, foi transferido para o Paraná.
Até aí trata-se de decisão judicial sob o fulcro da execução penal necessária, diante do fundamento de que o apenado estaria recebendo privilégios no sistema penitenciário do Estado do Rio de Janeiro.
Diversas foram as provas apresentadas para tal.
O uso de algemas e a forma como foi tratado, numa verdadeira operação cinematográfica, revelam excessos que podem ser investigados sob a égide do crime de abuso de autoridade.
A Polícia Federal exagerou, avançou sinais, ao algemar o ex-governador Sérgio Cabral, inclusive nos pés, na transferência dele para Curitiba. Voltou aos tempos, ainda no primeiro governo Lula, em que dava esses shows para a imprensa, ao visitar empresas acusadas de crimes de sonegação e outros. A desproporcionalidade do tratamento que foi infligido ao ex-governador é evidente.
O tratamento medieval que a Polícia Federal dispensou ao ex-governador Sergio Cabral no último dia 19 de janeiro do corrente ano, com algemas nos punhos e correntes nos pés, só fragiliza a Operação Lava Jato.
Correntes nos pés é humilhação porque remete ao passado escravocrata do Brasil, ao tempo em que capitães do mato desfilavam com negros arrastando correntes nas ruas do Rio, Salvador e Recife para que eles não ousassem mais fugir.
A Lei 4.898/65 determina que constitui abuso de autoridade qualquer atentado: à liberdade de locomoção, à inviolabilidade do domicílio, ao sigilo de correspondência, à liberdade de consciência e de crença, ao livre exercício do culto religioso, à liberdade de associação, ao direito de reunião, ao livre exercício do direito de voto, à incolumidade física do indivíduo e aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício da profissão.
Sendo assim, por ser o abuso de poder elemento constitutivo de um crime autônomo, aplica‐se a norma do crime autônomo; o abuso de poder constitui circunstância legal específica (qualificadora) de outro crime, quando não se aplica a lei, mas a norma de outro crime, não incidindo a agravante genérica; o ato abusivo constitui um crime autônomo que não contém o abuso de poder nem como elementar nem como qualificadora e pode ser praticado por outro particular, quando é desprezada a norma subsidiária da Lei 4.898/65, aplicando‐se a norma autônoma com a agravante (é o caso do crime de lesão corporal, onde não se aplica o artigo 3, "i", da Lei 4.898/65).
Tais garantias protegidas estão fulcradas em cláusulas pétreas, de forma que não modificáveis, a preservar a cidadania contra a tirania do poder. Censura‐se a prisão arbitrária e as medidas tomadas, com absoluto excesso pelas autoridades, em violação a garantias constitucionais.
Será caso de providências que, certamente, serão tomadas pelos advogados do ex-governador.