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Retorno do panoptismo: monitoração eletrônica para penas alternativas

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Agenda 29/03/2018 às 15:10

A tecnologia influenciou a evolução penal prevendo a utilização do monitoramento eletrônico como alternativa à prisão e, em 2016, surge a proposta de ampliar essa monitoração associada às medidas alternativas, remetendo ao "panoptismo".

Resumo: Punir penalmente os infratores é algo que ocorre desde o surgimento da humanidade e evoluiu de modo a permitir que penas cruéis fossem substituídas por sanções ressocializadoras, dentre elas, as penas restritivas de direito. A tecnologia também influenciou essa evolução penal, prevendo a utilização do monitoramento eletrônico como mais uma alternativa à privação da liberdade, tanto como sanção aos condenados, bem como medida cautelar para os indiciados. Em 2016 surge a proposta de ampliar essa monitoração associada às medidas alternativas, remetendo ao “efeito panóptico”, onde se busca disciplinar o indivíduo por meio do controle imposto psicologicamente pela vigilância permanente. Entretanto, um questionamento surge: será esta a melhor opção para conter e minimizar a crise do sistema prisional brasileiro? Assim como as demais penalidades, há argumentos contra e favoráveis a essa previsão penal, mas o objetivo principal da punição deve ser o foco quando da aplicação dessa medida: se a reintegração do apenado ao convívio social será possível.

Palavras-chave: Penas Alternativas, Monitoração Eletrônica, Efeito Panóptico.

SUMÁRIO: 1. Considerações gerais. 2. Como funciona a monitoração eletrônica? 3. Quais os prós e contras desse tipo de vigilância? 4. O panóptico de Bentham e Foucault retomado na ampliação da monitoração eletrônica. 5.Conclusão. 


1​. ​Considerações gerais

A aplicação de penas aos indivíduos que causem lesão ou grave ameaça aos bens tutelados pelo Estado já ocorre há muitos anos. Do Código de Manu[1], evoluindo para outros códigos até chegar à legislação penal vigente no Brasil[2], com o passar do tempo as penas cruéis dão lugar às privativas de liberdade, entretanto, a desumanidade permanece e em decorrência disso surgem questionamentos acerca das sanções, de modo que os objetivos de reeducar e ressocializar tornam-se prioritários (diferentemente do que ocorre ao encarcerar um indivíduo)[3].

Em meados dos anos 90, a ONU em seu VIII Congresso, emitiu uma resolução objetivando o uso de medidas em substituição ao aprisionamento, as chamadas Regras de Tóquio[4], inovando com ideias que primavam pelo respeito ​aos direitos humanos, às exigências da justiça social e às necessidades de reabilitação dos infratores. Essas regras, anos mais tarde, fundamentam a inclusão das penas alternativas​ ​no​ ​Código​ ​Penal​ ​Brasileiro (Decreto-Lei de nº 2.848/40)[5], objetivando humanizar a penalidade a ser imputada a um indivíduo, fundamentando a escolha da sanção no princípio constitucional da proporcionalidade/razoabilidade[6].

A inovação tecnológica, típica do século XXI, irradia seus avanços também para a área penal, assim, a partir de 2010, por meio da Lei 12.258[7], o Código Penal (Decreto-Lei de nº 2.848/40) ​e a Lei de Execução Penal ​(Lei​ ​de​ ​nº​ ​7.210/84)[8]​, passam a prever a utilização do sistema de monitoramento eletrônico de presos como mais uma medida alternativa à pena privativa de liberdade; e em meados de 2011, através da Lei 12.403[9], o Código de Processo Penal (Decreto-Lei de nº 3.689/41)[10], traz a monitoração eletrônica como medida cautelar a ser aplicada aos indiciados ou acusados, e não apenas aos condenados.

Diante da precariedade do sistema carcerário brasileiro e dos bons resultados obtidos com o uso da vigilância monitorada[11], em 2016 surge o projeto de lei PL 6472/2016[12], propondo a ampliação do uso da monitoração eletrônica para casos de liberdade ou suspensão condicional da pena, e quando houver a aplicação de penas restritivas de direito estabelecendo limitação de horários ou de frequentar locais pré-determinados.

Essa proposta legislativa remete ao chamado “efeito panóptico”[13], onde se busca o disciplinamento do indivíduo pelo controle psicológico resultante da vigilância permanente, cujo intuito maior é a prevenção de novas condutas delituosas, sem necessariamente infringir algum tipo de violência. Será esta uma alternativa eficaz para combater a superlotação prisional e o surgimento de criminosos mais perigosos, oriundos desse sistema falido? É mais viável para o Estado, do ponto de vista econômico, ter um indivíduo encarcerado ou em liberdade vigiada? E para o indivíduo, o que traria menos danos: o privar de sua liberdade ou ser monitorado de forma contínua por meio de um instrumento​ ​que​ ​o​ ​identificará​ ​como​ ​criminoso​ ​perante​ ​toda​ ​a​ ​sociedade?


2​. Como​ ​funciona​ ​a​ ​monitoração​ ​eletrônica?

A monitoração eletrônica consiste em implantar no corpo do apenado uma tornozeleira com dispositivo eletrônico que possibilita o monitoramento por satélite, via GPS (Global Position System), de modo que seja possível identificar sua localização em qualquer lugar do planeta, desde que ele esteja com o equipamento instalado em seu corpo[14]. Atualmente, é usada apenas em duas situações: em regime de prisão domiciliar e em saídas temporárias no regime semiaberto. Dentre os objetivos dessa monitoração, está o combate ao uso indiscriminado da prisão provisória e a vigilância dos apenados quando estes não estão encarcerados, assegurando assim, o cumprimento​ ​da​ ​pena[15].

Quando há qualquer violação às condições impostas ao monitorado (estipulação de horário, local, pessoas), alarmes são disparados na Central de Monitoramento e ela averigua a situação por meio telefônico, contato sonoro emitido pela própria tornozeleira ou envia uma equipe policial para checar a possível transgressão. Dispõe de uma bateria com autonomia de cerca de 19 horas e sua recarga deve ser feita por 2 horas com um carregador ligado à tomada; pesa cerca de 200 gramas, é resistente à água e poeira, permitindo que o monitorado ao tomar banho ou mergulhar,​ ​não​ ​saia ​do​ ​radar​ ​de​ ​localização[16].

No ano de 2007, quando o então senador Magno Malta, propôs o rastreamento eletrônico por meio do projeto de lei PLS 175/2007[17], dando origem à Lei 12.258/10[18], modificando assim, o Código Penal (Decreto-Lei de nº 2.848/40) e a Lei de Execução Penal​ ​(Lei​ ​de​ ​nº​ ​7.210/84), afirmou que:

A prisão deixou de ser o controle perfeito. É ultrapassado porque ainda é estabelecido em espaço rígido. O limite territorial determinado pelo cárcere não é mais um aspecto positivo do controle penal, mas um inconveniente, haja vista que é insustentável para o Estado manter aprisionado as inúmeras pessoas condenadas […] É preciso que criemos sistemas que não tenham os inconvenientes do cárcere, tais como impossibilidade de expansão rápida e custo muito elevado […] O controle monitorado de presos, já aceito socialmente em alguns países, pode substituir eficientemente a prisão. A pulseira ou chip, dizem os seus defensores, não afetaria a integridade física do preso e permitiria o seu convívio social. É considerado um avanço tecnológico de controle penal. Seria um controle estabelecido, através de satélite, sem limites, presente no corpo do indivíduo onde​ ​quer ​ ​que​ ​ele​ ​fosse.
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O advento dessa norma trouxe avanços importantes no campo penal, e para dar prosseguimento a essas melhorias, em 2011, foi criada a Lei 12.403/11, ampliando o uso da monitoração eletrônica durante o curso do processo penal, e não apenas após o seu ​término, permitindo que não apenas os condenados se beneficiassem dessa​ ​medida,​ ​mas​ ​também​ ​os​ ​indiciados​ ​ou​ ​acusados[19].

Em decorrência da importância de se buscar um direito penal cujo intuito maior da aplicação da pena é a ressocialização, e em virtude da realidade do sistema penitenciário brasileiro ter se desviado desse objetivo, em 29 de junho de 2016, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou a Súmula Vinculante 56[20], determinando que “a falta de estabelecimento prisional adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso”. Com esta Súmula, o STF vem reforçar a adoção de medidas alternativas à prisão, principalmente o uso da tornozeleira eletrônica, por ser esta um instrumento de vigilância capaz de monitorar o cumprimento da pena quando for​ ​necessário[21].

De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), em 2015, cerca de 86% das pessoas monitoradas encontravam-se em execução penal, sendo 25,91% cumprindo regime aberto em prisão domiciliar; 21,87% em regime semiaberto em prisão domiciliar; 19,89% em regime semiaberto em trabalho externo; 16,57% em saída temporária; 1,77% em regime fechado em prisão domiciliar e 0,17% em livramento condicional[22].

Para o Depen, alguns aspectos devem ser considerados ao tratar do monitoramento eletrônico, dentre eles está a falsa premissa de que o monitorado não estaria sendo punido por não estar encarcerado, pois o fato dele ter cada movimento vigiado, não deixa de ser uma privação de liberdade; além disso, caso haja descumprimento das regras impostas para a concessão dessa medida, a mesma será imediatamente revogada; frisa-se também, que a prisão deve ser considerada enquanto pena​ ​definitiva​ ​e​ ​não​ ​como​ ​provisória,​ ​devendo​ ​ser​ ​sempre​ ​a​ ultima​ ​ratio​.

No Estado de Alagoas, a Corregedoria-Geral da Justiça, por meio do provimento de n° 29/2017[23], autoriza o juiz a determinar o uso da monitoração eletrônica antes do oferecimento da denúncia, queixa ou durante o curso da ação penal, pelo prazo de 180 dias, podendo ser renovado se for necessário, desde que seja devidamente fundamentado, cabendo como justificativa a inexistência de vaga nas unidades penitenciárias​ ​de​ ​regime​ ​semiaberto[24].


3. Quais os prós e contras desse tipo de vigilância?

Luiz Flávio Gomes, por meio do princípio da ofensividade[25] (visualizado no Art. 98, I, da CF/88[26]), vem mostrar a importância da tipicidade penal como fator determinante para se considerar uma conduta como crime. Segundo ele, deve-se ter um ato que lesione um bem jurídico protegido, logo, na ausência de um resultado ofensivo, não se tem um fato a ser enquadrado como tipo penal. Cabe destacar que a punição a ser imposta, deve ser fundamentada na proporcionalidade/razoabilidade, para que uma violação de menor potencial ofensivo receba uma pena compatível com a conduta, para que ao tentar proteger um bem jurídico tutelado não se lesione outro de igual importância.

Com isso, temos um dos principais argumentos usados pelos que defendem a ​monitoração​ ​eletrônica​; com ela, seria possível adequar os delitos mais leves a punições mais adequadas, impedindo assim, que investigados e condenados por condutas menos gravosas tenham contato com criminosos perigosos e com o ambiente degradante dos presídios, expondo-os​ ​a​ ​novas​ ​ações ​delituosas[27];

Além do que, evitaria os altos custos do Estado em manter um indivíduo encarcerado, pois enquanto um preso custa em média R$ 1.800,00/mês, a monitoração eletrônica, a depender da empresa fornecedora do equipamento, pode custar de R$ 200 a R$ 600/mês por pessoa; em média o custo da tornozeleira é 8 vezes menor que ter um apenado na cadeia[28].

Por meio da vigilância também seria possível beneficiar os condenados que estão em situação de vulnerabilidade, como os idosos; mulheres com filhos que dependam exclusivamente de seus cuidados; apenados com sérios problemas de saúde, cujo tratamento​ ​não​ ​tem​ ​como​ ​ser​ ​prestado​ ​no​ ​sistema​ ​prisional; de modo a não tornar ainda mais penosa o cumprimento da pena.

Com a monitoração o controle dos condenados seria maior, inclusive podendo inibir fugas, pois a tornozeleira possui sensores que ao ser rompida ou em caso de o monitorado se movimentar para além do perímetro autorizado para que ele se desloque, o equipamento emite um aviso para a Central de Monitoramento, e no geral, esse apenado tem essa medida​ ​revertida.

Cabe lembrar que a realidade do sistema carcerário no Brasil é de superlotação, com condições sub-humanas, e ao optar por uma pena que não submeta um indivíduo a essas circunstâncias traumatizantes, é prezar pela integridade física e psíquica de pessoas que muitas vezes são consideradas inocentes ou se julgadas culpadas, seriam sentenciadas com​ ​pena​ ​menos​ ​gravosa​ ​que​ ​a​ ​prisão[29].

Em contrapartida, os críticos desse tipo de medida apontam algumas desvantagens que devem ser analisadas com cautela ​antes​ ​de​ ​se​ ​aplicar​ ​a​ ​monitoração​ ​eletrônica. O primeiro ponto a ser considerado deve partir do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, ao lembrar que o ser humano não deve ser visto como um objeto no qual se instala um equipamento de monitoração, e em caso de violação deste, o mesmo​ ​poderá​ ​ser​ ​localizado e resgatado a qualquer custo, como se fosse uma propriedade estatal[30].

O preconceito e a discriminação sofrida por esses condenados é algo muito presente, e ao serem vistos com um equipamento de monitoração eletrônica, identificando-os de pronto como criminosos, traria ainda mais estigma e marginalização por parte da sociedade, dificultando ainda mais sua​ ​reinserção​ ​social.

Ao determinar o uso da tornozeleira eletrônica, o magistrado deve lembrar que vivemos em uma realidade onde impera a tecnologia, usada muitas vezes para realizar atos ilícitos, logo, será que esse equipamento eletrônico estaria imune à ação de um ​hacker? Será que esse sistema não poderia ser hackeado e controlado, alterando-se desde o perímetro permitido até os sinais a​ ​serem​ ​emitidos​ ​em​ ​caso​ ​de​ ​rompimento​ ​do​ ​instrumento?

Ademais, muitos Estados brasileiros passam por muitas dificuldades financeiras, sendo necessário estabelecer prioridades, e provavelmente, a aquisição desse tipo de equipamento de monitoração eletrônica não estaria dentre elas; além disso, caso esses Estados pudessem adquirir esse tipo de tecnologia, a limitação orçamentária impossibilitaria atender à​ ​demanda​ ​de​ ​condenados.

Outro empecilho a ser levantado é a tornozeleira eletrônica em si, pois seu formato, peso, os sons emitidos por ela e o fato de ter que ser recarregada diariamente por duas horas na tomada, limita o deslocamento do monitorado por esse tempo, dificultando ​a​ ​inclusão​ ​desse​ ​apenado​ ​a ​sociedade[31].

A falta de um padrão nacional quanto à monitoração apresentasse como mais um ponto negativo, já que entre os Estados que fazem uso desse tipo de vigilância pode haver regras diferenciadas, como por exemplo, estipular diferentes níveis de gravidade para a mesma violação, podendo ter em​ ​alguns​ Estados ​um​ ​controle​ ​disciplinar​ ​excessivo, ​e​ ​em​ ​outros​ ​um​ ​descontrole.

Para aumentar o hall de desvantagens, há um projeto de lei que visa cobrar os custos da monitoração eletrônica dos apenados (exceto os hipossuficientes, que seriam isentos dessa cobrança); de acordo com o PLS 310/2016[32], do senador Paulo Bauer, essa cobrança poderia ser descontada da remuneração do trabalho do preso, pois para ele, o gasto com a monitoração não deve ser transferido para a sociedade, que já é tão onerada com a violência sofrida. Caso esse projeto seja aprovado, além de todos os danos causados por essa vigilância constante, arcar com os custos de sua​ ​monitoração, surtirá​ ​como​ ​uma​ ​punição​ ​a​ ​mais para o apenado.


4. O panóptico de Bentham e Foucault retomado na ampliação da monitoração eletrônica

O filósofo inglês Jeremy Bentham foi pioneiro ao conceber a ideia do disciplinamento social por meio do controle psicológico do indivíduo; inicialmente propôs sua aplicação para os encarcerados em presídios, mas acabou se estendendo para outras instituições como escolas e empresas[33].

Segundo Bentham, as instituições deveriam ser edificadas de maneira que fosse possível vigiar de forma absoluta todos os indivíduos que ali estivessem, para tanto, se construiria um edifício em forma radial, dividido em pequenas celas, e no centro deste teria uma torre; em cada cela teria um indivíduo e na torre central um vigilante, sendo que da cela não seria possível visualizar quem estaria na torre, porém, da torre seria possível ver todos os indivíduos que estivessem nas celas.

Essa construção denominada panóptico, permitia a observação total, e reproduzia no indivíduo que estava enclausurado, a sensação de estar sendo vigiado o tempo todo, causando assim, um efeito panóptico, de vigilância permanente, o que inibiria a prática de novas condutas delituosas, pois a certeza de ser surpreendido a qualquer momento era constante, e com receio de ser punido, o indivíduo não violaria as regras impostas.

Na definição de Foucault, o panoptismo “É um controle, uma vigilância que permite qualificar, classificar e punir, estabelece sobre os indivíduos uma visibilidade através da qual eles são diferenciados e sancionados [...] Nele vêm-se reunir a cerimônia do poder e a forma da experiência, a demonstração da força e o estabelecimento da verdade”[34]. Assim, o “efeito panóptico” visa combater a criminalidade através da disciplina de ordem psicológica e não física, tornando desnecessária a aplicação de violência.

O filósofo Michel Foucault veio ressaltar a funcionalidade do panoptismo ao afirmar que “quanto maior o número de informações em relação aos indivíduos, maior a possibilidade de controle de comportamento desses indivíduos”; para ele, o disciplinamento seria efetivo se o indivíduo acreditasse que está sendo observado o tempo todo, mesmo que de fato não estivesse, mas a possibilidade de ser “pego” a qualquer momento inibiria a prática de novas transgressões.

A junção da vigilância hierárquica, da sanção normatizadora e do exame, se tornam instrumentos poderosos na ressocialização do infrator, capazes de disciplinar sem a imposição da força física; assim, seria possível moldar o comportamento do indivíduo apenas pelo controle psíquico, de forma que ele voltasse a se adequar às regras sociais. Para Foucault, o panoptismo poderia ser aplicado em qualquer instituição que tivesse como objetivo enquadrar pessoas nos padrões estabelecidos.

Essa concepção de eficácia no disciplinamento através da vigilância constante é visualizada na monitoração eletrônica no âmbito penal, principalmente no que se refere às penas restritivas de direito, onde se busca afastar a concepção errônea de que punição efetiva está associada ao encarceramento do indivíduo. A prisão deve ser ponderada caso a caso, pois em alguns deles, esta não é a melhor pena a ser aplicada, pelo contrário, enclausurar pode tornar o indivíduo um inimigo para a sociedade, não sendo possível sua ressocialização.

As penas alternativas monitoradas se mostram como uma possibilidade de “tornar tudo visível, mas com a condição de ser tornar ela mesma invisível”, ou seja, fazendo uso das palavras de Foucault, o principal intuito das medidas restritivas de direito associadas à monitoração eletrônica, é garantir que a presença do Estado será sentida e respeitada, mesmo sem que ele esteja efetivamente presente.

A essência do panóptico pode ser vista, não somente nesse tipo de sanção, mas em toda a sociedade moderna, onde a vigilância é algo comum, incessante, e muitas vezes transformada em um espetáculo, violando a intimidade e expondo a vida do indivíduo. O que se percebe na contemporaneidade é que o panoptismo está sendo usado com um fim diverso do idealizado por Bentham[35] e Foucault, mas diante da associação das penas alternativas com a monitoração eletrônica, há uma retomada da origem do efeito panóptico[36].

Apesar da controvérsia gerada sobre a monitoração eletrônica, ainda é maioria os que pregam pela intervenção mínima do direito penal e o respeito pelos princípios constitucionais embasadores de todo o ordenamento jurídico. Uma alternativa a ser considerada para alcançar esse objetivo, é aplicando punições que causem danos mínimos à integridade física e psíquica do condenado; com isso, surge o projeto de lei PL 6472/2016[37], do deputado federal Francisco Floriano autorizando o juiz a aplicar a monitoração também com pena restritiva de liberdade em regime aberto ou semiaberto e quando determinar a pena restritiva de direito estabelecendo limitação de horários, de local a ser frequentado pelo apenado e de prestação de serviço à comunidade ou à entidades públicas[38].

O​ ​intuito​ ​principal desta norma ​não​ ​é​ ​criar​ ​mais​ vagas no​ ​sistema ​prisional, mas​ sim​ fiscalizar​ ​de​ ​maneira mais eficaz​ os​ ​presos do​ ​regime aberto e​ semiaberto, pois muitos condenados reincidentes cometem novos delitos quando saem provisoriamente do presídio, seja para trabalhar ou quando são beneficiados com o indulto; sendo essa prática facilitada porque o quantitativo de agentes​ ​do​ ​sistema​ ​prisional​ ​responsável ​pela​ ​fiscalização​ ​da​ ​saída dos​ presos​ é​ insuficiente. Entretanto, se o apenado estiver fazendo uso da tornozeleira eletrônica, esse controle poderá ser mais eficiente e contribuir para a diminuição da reincidência e das fugas, além disso, diminuiria a sensação de que o crime ficou impune, pois o condenado de certa forma estaria sendo privado de sua liberdade.

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NARDINI, Fabiana Lobo. Retorno do panoptismo: monitoração eletrônica para penas alternativas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5384, 29 mar. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/63772. Acesso em: 22 nov. 2024.

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