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Juspositivismo e a perda de direitos fundamentais.

A decisão do STF acerca da nacionalidade de Cláudia Hoering

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Análise e Discussão

O STF julgou o Mandado de Segurança 33864 no dia 04 de abril de 2016. A decisão foi publicada no Diário da Justiça Eletrônico de número 92, publicado dia 09 de maio do mesmo ano, tendo como relator do processo o Min. ROBERTO BARROSO. No entanto, o acórdão da decisão só foi publicado no dia 20 de setembro de 2016. Sendo o resultado da votação da 1ª turma do STF contabilizado com 3 votos a favor do relator e dois contra, decidindo pela validade do que fora declarado na Portaria Nº 2.465, de 3 de julho de 2013. Dessa forma, ratificou-se a perda da nacionalidade de Cláudia Hoering, confirmando sua nacionalidade norte-americana.

Essa decisão teve grande repercussão tanto no Brasil, quanto nos Estados Unidos, uma vez que a consequência para o pedido de extradição realizado pelo governo estrangeiro teria grande possibilidade de ser aprovado. E, de fato, em março de 2017, o STF autorizou a extradição de Cláudia, desde que o governo americano assumisse o compromisso público de não aplicar pena inexistente no ordenamento jurídico brasileiro.

O julgamento acerca do MS 33864 resultou uma votação acirrada, como explicitado acima. Cabe observar de início o posicionamento do relator, Ministro Luís Roberto Barroso, a despeito da competência do STF para julgar o caso. Contextualiza-se que o Superior Tribunal de Justiça, na pessoa do Ministro Napoleão Nunes Maia, havia concedido liminar suspendendo a Portaria Nº 2.465, no entanto, o STJ decidiu declinar de sua competência e enviar o processo ao STF. Nesse sentido, a primeira consideração do relator consta no sentido de ratificar a competência do STF sobre o caso.

26. De início, cumpre salientar não haver dúvida quanto à competência deste Supremo Tribunal Federal para o julgamento da presente ação mandamental.

27. Trata-se de ato do Exmo. Sr. Ministro de Estado da Justiça, praticado por delegação da Presidência da República que interfere, diretamente, em matéria extradicional, conforme se vê do HC 83113/DF, sob relatoria do Min. Celso de Mello, de cuja ementa, no que releva, se colhe: “HABEAS CORPUS - IMPETRAÇÃO CONTRA O MINISTRO DA JUSTIÇA - WRIT QUE OBJETIVA IMPEDIR O ENCAMINHAMENTO, AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, DE PEDIDO EXTRADICIONAL FORMULADO POR GOVERNO ESTRANGEIRO - INAPLICABILIDADE DO ART. 105, I, "C", DA CONSTITUIÇÃO - COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - PEDIDO CONHECIDO. - Compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar, originariamente, pedido de habeas corpus, quando impetrado contra o Ministro da Justiça, se o writ tiver por objetivo impedir a instauração de processo extradicional contra súdito estrangeiro. É que, em tal hipótese, a eventual concessão da ordem de habeas corpus poderá restringir (ou obstar) o exercício, pelo Supremo Tribunal Federal, dos poderes que lhe foram outorgados, com exclusividade, em sede de extradição passiva, pela Carta Política (CF, art. 102, I, "g"). Conseqüente inaplicabilidade, à espécie, do art. 105, I, "c", da Constituição (...)“1

Após a defesa da competência do STF, o Ministro Barroso, relator, aborda a questão da nacionalidade. Inicialmente relata um breve histórico dos fatos, e em seguida manifesta seu voto com base no texto constitucional, assumindo uma linha de estrita influência do Direito Positivo, defendendo a tese que uma vez adquirida a nacionalidade estrangeira, “a impetrante, brasileira nata, não se enquadra em qualquer das duas exceções previstas nas alíneas a e b, do § 4º, do art. 12, da CF” que permitiria manter a nacionalidade brasileira.

Para reforçar esse posicionamento, o Ministro Barroso alerta para o fato de que Cláudia já possuía o green card, um visto permanente de imigração, que conferia diversos direitos civis, inclusive o de trabalhar sem restrições. Daí a afirmação do relator que era desnecessária a solicitação de nacionalidade americana e que, por isso, não se encaixa nas exceções constitucionais sobre a perda de nacionalidade. Dessa forma se manifesta o Ministro Barroso revogando a liminar que havia sido concedida pelo STJ, implicando na validade da portaria que declara a perda da nacionalidade brasileira de Cláudia Hoering.

Em seguida, manifesta-se o Ministro Edson Fachin que desde o início mostra preocupação com o processo de extradição, cita a afirmação do relator ao trata do pedido da requerente como “nacionalidade de conveniência” destaca que não há condenação, mas apenas uma suspeição recai sobre Cláudia. Alega o Ministro Fachin, com base nas conclusões do Ministério Público a respeito do caso:

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No item III, aqui está dito - opinando o Ministério Público pela concessão da ordem - : "Na impossibilidade de manutenção da dupla nacionalidade, é necessário oportunizar à impetrante optar ou pela nacionalidade brasileira ou pela norte-americana, jamais declarar a perda de nacionalidade brasileira pelo simples fato de a estrangeira ter sido adquirida posteriormente".2

A partir desse posicionamento, o Ministro Fachin alerta para a necessidade de oportunizar à requerente o direito de se manifestar de forma clara sobre sua escolha em relação à nacionalidade. Em sua argumentação, o ministro continua:

Peço todas as vênias a Vossa Excelência, nós aqui estamos no campo dos direitos e garantias fundamentais, que, em meu modo ver, tem uma posição destacada na ambiência da Constituição. E, ademais, ao estatuir "nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado", a hipótese não contempla essa exceção de que estamos a tratar aqui. Nós estamos falando de uma brasileira nata, que optou por uma outra nacionalidade.

Porém, aqui está acentuado:

"LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado," (...).

Portanto, as exceções que aqui são elencadas, "crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes de drogas afins, na forma da lei", parece-me serem aplicáveis ao naturalizado. 3

Observando-se os argumentos apresentados pelo Ministro Fachin, percebe-se que seu entendimento é de que, enquanto direito fundamental, não há como o alterar sem a devida manifestação de Cláudia Hoering e que a nacionalidade, por ser um direito fundamental, está em “uma posição destacada na ambiência da Constituição”, como defende o Ministro Edson Fachin. Vale ressaltar a preocupação deste ministro com o processo de extradição, mesmo sendo o julgamento apenas do Mandado de Segurança contra a Portaria do Ministro da Justiça, a clara consequência da decisão da corte apresenta-se como uma série ameaça para o votante.

Após a resposta do relator, na qual ressalta a solicitação de cidadania norte-americana como prova de manifesta vontade da requerente, os votos da Ministra Rosa Weber e do Ministro Luiz Fux acompanham o voto do relator e confirmam a perda da nacionalidade de Cláudia Hoering.

Por fim, o voto mais emblemático foi o do Ministro Marco Aurélio. Como primeiro ponto ele afirma que julga o STJ competente para julgar o caso e não o STF. No entanto, o posicionamento mais divergente é sobre a perda da nacionalidade. O Ministro Marco Aurélio defende que a nacionalidade é um direito indisponível e que para se atestar a nacionalidade, basta averiguar o nascimento.

Atrevo-me, contrariando até a doutrina de Francisco Rezek, a afirmar que o direito à condição de brasileiro nato é indisponível e que cumpre, tão somente, assentar se ocorreu, ou não, o nascimento – porque se trata dessa hipótese – daquele que se diz brasileiro nato na República Federativa do Brasil. E isso se mostra estreme de dúvidas.

Diante dessa afirmativa, pode-se inferir que, para o Ministro Marco Aurélio, a nacionalidade que guarda similaridade com outros direitos ditos naturais, como o direito à vida, pois também é indisponível e fundamental. Ainda no mesmo entendimento, o ministro questiona a submissão da lei brasileira à estrangeira quando na alínea "a" do inciso II do § 4º do artigo 12 declara a possível perda da nacionalidade de origem “pelo brasileiro nato, se não houver o reconhecimento, da nacionalidade originária, no país amigo”. Indo além na argumentação, o ministro pergunta: “Será que a ordem jurídica constitucional brasileira se submete, em termos de eficácia, a uma legislação estrangeira?”

Ao ser confrontado pelo relator sobre a manifestação da vontade da requerente, o Ministro Marco Aurélio reforça a indisponibilidade da nacionalidade e reafirma seu entendimento sobre o caso, votando à favor da solicitação da defesa de Cláudia Hoerig. Percebe-se no voto do deste magistrado um indicativo da necessidade de refletir acerca do que está imposto pela lei positivada a partir da lei natural, ou como afirma Grossi (2006, p. 72), “a ideia do direito natural deve ser colocada em estreita dialética com aquela do direito positivo”, sempre com o intuito de buscar adequar o direito posto às mudanças na sociedade de forma a garantir um direito justo.

O resultado final da votação, levou à revogação da liminar, implicando na perda de nacionalidade por Cláudia Hoering. Com essa decisão, o processo de extradição seria uma consequência óbvia com resultado já antecipado pelo Ministro Luís Roberto Barroso, uma vez que não se estaria extraditando uma brasileira nata, mas sim uma estrangeira que havia nascido no Brasil e abriu mão de sua nacionalidade para adquirir nacionalidade norte-americana. Fatos que vieram depois a se confirmar em nova decisão do STF.


Considerações Finais

Os fatos e características envolvidos no caso Cláudia Hoering o tornam singular. A grande importância que se atribui a ele graças a suas especificidades, agrega-se à decisão do Supremo e às manifestações dos votos dos ministro da 1ª Turma. A suspeita do homicídio marido, a perda da nacionalidade e a extradição para um país estrangeiro apresentam-se como facetas de um magnífico capítulo de nosso ordenamento jurídico mais recente que envolveu a brasileira.

Percebe-se nos votos dos ministros do STF o quanto essa matéria é controversa. O entendimento acerca da nacionalidade como direito indisponível, como disse o Ministro Marco Aurélio, está em um âmbito de valor constitucional superior, tende a uma visão Jusnaturalista, onde tal indisponibilidade se daria por ser um direito fundamental e natural.

A preocupação manifestada pelo Ministro Fachin com o provável desfecho do processo de extradição, em caso de confirmada a perda da nacionalidade brasileira de Cláudia, também demonstra aproximação com a tese de que a nacionalidade não poderia ser retirada da pessoa, a menos que seja dada a opção de escolhas, inclusive de manutenção das dupla nacionalidade.

No entanto, prevaleceu o entendimento do ordenamento jurídico, o Direito Positivo foi determinante nos votos dos outros três membros da 1ª Turma do STF do julgamento do Mandado de Segurança contra a Portaria do Ministério da Justiça. Assim, os Ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux justificaram seus votos a partir do texto constitucional, seguindo o entendimento estrito da norma vigente. Dessa forma, garantiu-se a segurança jurídica minimizando o debate em torno da indisponibilidade da nacionalidade, ao menos enquanto a norma vigente assim não determinar.


Referências Bibliográficas

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Notas

1. Acórdão publicado em setembro de 2016 disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/acordao-ms-33864.pdf> Acesso em 22 de setembro de 2017.

2. Acórdão publicado em setembro de 2016 disponível em:<https://www.conjur.com.br/dl/acordao-ms-33864.pdf>. Acesso em 22 de setembro de 2017.

3. Acórdão publicado em setembro de 2016 disponível em:<https://www.conjur.com.br/dl/acordao-ms-33864.pdf>. Acesso em 22 de setembro de 2017.

Sobre os autores
João Marcelo Negreiros Fernandes

Bacharel em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR), Mestre em Direito Público pela Universidade de Salamanca (Espanha) e doutorando pela mesma Universidade.

Jefrei Almeida Rocha

É Mestre em Computação Aplicada pela UECE/IFCE, Especialista em Ensino de Língua Portuguesa e Literatura (2007). Possui graduação em Letras pela Universidade Estadual do Ceará (2002). Graduando em Direito na Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza - FAMETRO. É escritor e professor, assessor na Secretaria da Educação do Estado do Ceará, além de ministrar aulas em cursos de Pós-Graduação da Faculdade Ateneu e Universidade Federal do Ceará. É também membro do Grupo Interdisciplinar de Pesquisas e Estudos em Educação - GIPEE, na linha de pesquisa Processos linguísticos e saberes docentes. Colabora no Grupo de Pesquisa Sociedade e Política, da Universidade de Fortaleza - UNIFOR. Desenvolve pesquisas abordando diversos assuntos, dentre eles: leitura, escrita, ensino, mídias educativas, linguagem corporal, ambientes virtuais de aprendizagem, teoria geral do estado, Direito e sociedade, Direito e Política e Princípios do Direito.

Informações sobre o texto

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