A fragmentação da prestação de serviços é matéria que faz surgir, reiteradamente, no meio jurídico, discussões acerca do local correto para recolhimento do ISSQN, tal dúvida já pairou também sobre os contratos de leasing (RESP 1.060.210/SC), mas abordaremos, neste breve artigo, as questões sobre a prestação de serviços de análises clínicas.
O legislador adotou o princípio da territorialidade como critério definidor da competência tributária do ISSQN, e por esta razão a legislação tributária que trata do referido imposto, qual seja, a LC 116/2003, em seu art. 3º dispõe que o serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador.
Aproveitando o enunciado legal, temos que estabelecimento prestador é o local onde o contribuinte desenvolve sua atividade de prestar serviços, e que configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevante para caracterizá-lo a denominação de filial, sucursal, escritório de representação etc.
Particularmente, nos serviços prestados por laboratórios de análises clínicas temos, no mínimo, dois estabelecimentos, quais sejam, onde o material biológico é coletado e onde ele é examinado.
A coleta do material biológico, em que pese fazer parte importante do serviço, não é o seu fim, a prestação do serviço não se esgota no ato da coleta, muito pelo contrário, apenas se inicia. Aquela reunião de materiais e equipamentos, ainda que de forma organizada, não formam uma unidade econômica. Isso nos parece tão claro pois que, quando buscamos um laboratório para fazer exames, não ficamos satisfeitos apenas com a coleta de sangue, mas sim, mas sim com os laudos técnicos.
Diante disso, temos que a atividade-fim, o serviço propriamente dito, é a análise do material biológico coletado, com o que o serviço se perfectibiliza.
Em que pese a aparente harmonia deste entendimento, a questão foi muito debatida nos Tribunais Estaduais, inclusive com entendimentos divergentes na mesma Corte. Foi o que ocorreu com o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Vejamos dois julgados conflitantes sobre a questão:
Apelação. Anulação de lançamentos tributários. Serviço de análises clínicas. Recolhimento do tributo no local de prestação do serviço, ou seja, onde a atividade-fim é realizada para satisfazer o interesse do cliente. Incapacidade tributária do município de São Vicente, onde se localiza mero local de coleta de materiais para os exames. Inexistente o tributo, não há que se cogitar acerca de prescrição. Recurso do autor provido, recurso da municipalidade não provido e reexame necessário não provido. (Apelação/Reex. Necessário 0129640-18.2007.8.26.0000, data do julgamento 04/10/2012).
Apelação. Embargos à execução fiscal. Serviços de exames laboratoriais e análises clínicas. Questionamento acerca da competência para a exigência do ISS. Sentença de improcedência que reconheceu como competente o Município de São Paulo. Insurgência da parte embargante. Pretensão à reforma. Desacolhimento. Cerceamento de defesa. Matéria exclusivamente de direito. Desnecessidade da prova pericial. Artigo 370 do NCPC (art. 130 do CPC/73). Preliminar rejeitada. Nulidade da CDA. Título executivo que preenche os requisitos estabelecidos pelo art. 2º(§ 5º, inciso III) e 6º da Lei n. 6.830/80, e no art. 202, inciso III do CTN. Certeza e liquidez não afastadas. Contribuinte que ao requerer sua inscrição no Cadastro Mobiliário informa os serviços que irá prestar (Decreto Municipal n. 16.706/2009). Ausência de prejuízo ao direito de defesa. Sentença mantida também nesse aspecto. Decadência. Não configuração. Ausência de demonstração de pagamento, ainda que parcial. Prazo decadencial que deve ser contado na forma do art. 173, I, do CTN, e não na forma do § 4º do art. 150 do mesmo diploma legal. Mérito. ISS. DL 406/68, vigente à época dos fatos geradores. Serviços de exames laboratoriais e análises clínicas. Competência. Estabelecimento prestador. Artigo 12 do DL 406/68. Material colhido em São Paulo e remetido ao Município de Barueri para análise. Preponderância do serviço em São Paulo, em cujo território se dá, além da coleta, a formação da relação jurídica entre prestador e tomador e o resultado da atividade. Precedente do STJ. Sentença mantida. Recurso desprovido. (9000327-95.2009.8.26.0090, data do julgamento 07/12/2017.)
Já no STJ prevaleceu, no RESP 1439753/PE, o entendimento de que o serviço é prestado no local onde é realizada a coleta, sendo devido o ISSQN para esta municipalidade. Para o relator “na unidade econômica ou profissional do contribuinte em que o cliente colher o material, pagar pelo serviço de análise clínica e receber a nota fiscal será devido o ISS, pouco importando onde ocorra, por uma questão de organização administrativa interna, a efetiva análise clínica”.
Contudo, no mesmo voto, reconheceu que “a função econômica precípua desenvolvida pelo laboratório recorrente não é coletar material biológico, embora referido serviço constitua hipótese de incidência do ISS, por se encontrar expressamente previsto na lista anexa à Lei Complementar 116/03, mas sim proceder à sua análise clínica, serviço este também integrante da lista”.
Vejamos então a redação da ementa do referido julgado:
TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ISS. LABORATÓRIO DE ANÁLISES CLÍNICAS.COLETA DE MATERIAL. UNIDADES DIVERSAS. LOCAL DO ESTABELECIMENTO PRESTADOR. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
1. Discussão a respeito da definição do sujeito ativo do ISS quando a coleta do material biológico dá-se em unidade do laboratório estabelecida em município distinto daquele onde ocorre a efetiva análise clínica.
2. "A municipalidade competente para realizar a cobrança do ISS é a do local do estabelecimento prestador dos serviços. Considera-se como tal a localidade em que há uma unidade econômica ou profissional, isto é, onde a atividade é desenvolvida, independentemente de ser formalmente considerada com sede ou filial da pessoa jurídica" (REsp 1.160.253/MG, Rel. Min. CASTRO MEIRA, Segunda Turma, DJe de 19/8/10).
3. Na clássica lição de Geraldo Ataliba, "cada fato imponível é um todo uno (unitário) e incindível e determina o nascimento de uma obrigação tributária" (Hipótese de Incidência Tributária. 14ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 73).
4. O ISS recai sobre a prestação de serviços de qualquer natureza realizada de forma onerosa a terceiros. Se o contribuinte colhe material do cliente em unidade situada em determinado município e realiza a análise clínica em outro, o ISS é devido ao primeiro município, em que estabelecida a relação jurídico-tributária, e incide sobre a totalidade do preço do serviço pago, não havendo falar em fracionamento, à míngua da impossibilidade técnica de se dividir ou decompor o fato imponível.
5. A remessa do material biológico entre unidades do mesmo contribuinte não constitui fato gerador do tributo, à míngua de relação jurídico-tributária com terceiros ou onerosidade. A hipótese se assemelha, no que lhe for cabível, ao enunciado da Súmula 166/STJ, verbis: "Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de uma para outro estabelecimento do mesmo contribuinte".
6. Recurso especial conhecido e não provido.
É possível concluir que, para o Ministro Relator, o ISS é devido no local onde se perfectibilizou a relação jurídica entre o consumidor e o laboratório, ainda que a análise do material tenha sido realizada em outra localidade. Importante destacar que o voto foi a tese vencedora, fixando o entendimento no Superior Tribunal de Justiça.