4. Da Comissão de fiscalização
Segundo o artigo 31-C, a Comissão de Representantes constituída pelos promitentes-compradores, juntamente com a instituição financiadora da construção poderão nomear, às suas expensas, pessoa física ou jurídica para fiscalizar e acompanhar o patrimônio de afetação, isto é, sua intangibilidade e administração comprometida ao fim do empreendimento.
Considerada a limitação de esfera fiscal, ressalta a lei que os nomeantes em nada se tornam responsáveis pela qualidade da obra, pelo prazo de entrega do imóvel ou por qualquer outra obrigação pertinente à responsabilidade do incorporador ou do construtor. Mesmo de natureza legal, como no trato de profissionais contratados, terceiros ou diante do Estado. Igualmente permanece responsabilidade do incorporador ou construtor a elaboração dos contratos de alienação das unidades imobiliárias, de construção e de quaisquer outros contratos eventualmente vinculados à necessidade de conclusão da incorporação (parágrafo primeiro).
A pessoa nomeada - verdadeiro mandatário - deverá agir em prol de seus interesses; aliás, probo e diligente no interesse de todos os envolvidos no empreendimento. Assim, havida negligência ou conluio na falta de fiscalização adequada, obtido e reservado o acesso às informações comerciais, tributárias e de qualquer outra natureza referentes ao patrimônio afetado, responderá pessoalmente pela falta de zelo, dedicação e sigilo destas informações (parágrafo segundo do artigo 31-C). Tais informações, por óbvio, obtidas nos exercícios do munus, destinam-se à segurança e interesse dos mandantes, não se constituindo – desnecessário, porém, normatizado ressaltar – quebra de sigilo, quando fornecidas, à própria Comissão de Representantes, cópia de seu relatório ou parecer (parágrafo terceiro, idem). Pelo preciosismo poderia ter seguido a lei e prever que também não se constituirá quebra de sigilo fornecer ao Poder Público fiscal ou por ordem judicial tais informações.
5. Da administração do patrimônio de afetação
Ao incorporador se imputa fazeres próprios de sua atividade, colimando-se na edificação contratada. Entretanto, em relação ao patrimônio de afetação, a lei lhe impõe deveres próprios haja vista que a ele caberá administrar o referido conjunto de bens.
Assim, impõe-lhe a lei, nos incisos do artigo 30-D, promover todos os atos necessários à boa administração e à preservação do patrimônio de afetação, inclusive mediante adoção de medidas judiciais, acaso necessárias (respondendo, pessoalmente, pela negligência ou morosidade, ressaltamos); manter apartados os bens e direitos objeto de cada incorporação; diligenciar a captação dos recursos necessários à incorporação e aplicá-los na forma prevista nesta Lei, cuidando de preservar os recursos necessários à conclusão da obra; entregar à Comissão de Representantes, no mínimo a cada três meses, demonstrativo do estado da obra e de sua correspondência com o prazo pactuado ou com os recursos financeiros que integrem o patrimônio de afetação recebidos no período, firmados por profissionais habilitados, ressalvadas eventuais modificações sugeridas pelo incorporador e aprovadas pela Comissão de Representantes; manter e movimentar os recursos financeiros do patrimônio de afetação em conta de depósito aberta especificamente para tal fim; entregar à Comissão de Representantes balancetes coincidentes com o trimestre civil, relativos a cada patrimônio de afetação; assegurar à pessoa nomeada pela Comissão de Representantes, livre acesso à obra, bem como aos livros, contratos, movimentação da conta de depósito exclusiva aqui referida, e quaisquer outros documentos relativos ao patrimônio de afetação; e, por fim, manter escrituração contábil completa, ainda que esteja desobrigado pela legislação tributária.
6 Dos efeitos da decretação de falência e da assembléia para solução do patrimônio de afetação
Os efeitos da decretação da falência ou da insolvência civil do incorporador não atingirão os patrimônios de afetação constituídos, não integrando a massa concursal o terreno, as acessões e demais bens, direitos creditórios, obrigações e encargos objeto da incorporação (artigo 31-F).
Desta forma, como providência complementar, nos sessenta dias que se seguirem à decretação da falência ou da insolvência civil do incorporador, determina a Lei (parágrafo primeiro do artigo 31-F), para solução de continuidade, que a Comissão de Representantes ou, na sua falta, um sexto dos titulares de frações ideais, ou, ainda por determinação do juiz da falência, sejam convocados, pessoalmente, todos condomínios adquirentes, como condição de validade, para que se instale assembléia geral. Por maioria simples de presentes, quando poderá ser novamente ratificado o mandato da Comissão de Representantes, ou nomeada outra. A seguir, por dois terços dos votos dos adquirentes, em primeira convocação, ou pela maioria absoluta desses votos, em segunda convocação, será instituído por instrumento público ou particular o condomínio da construção, que deliberará sobre a continuação da obra ou a liquidação do patrimônio de afetação. Se houver financiamento para construção, a convocação poderá ser feita pela instituição financiadora, que deverá, nas primeiras hipóteses, ter sido convocada, pessoalmente, sob pena de invalidade da decisão encontrada na referida assembléia.
Idêntica providência – a de convocação de assembléia – terá lugar, se paralisada a obra, sem justa causa, como previsto no artigo 43, inciso VI da mesma Lei de Incorporações.
Em qualquer destas duas hipóteses, acima, a Comissão de Representantes ficará investida de mandato irrevogável, sendo válido mesmo depois de concluída a obra, para o fim de firmar com os adquirentes das unidades autônomas o contrato definitivo a que estiverem obrigados o incorporador, o titular do domínio e o titular dos direitos aquisitivos do imóvel objeto da incorporação em decorrência de contratos preliminares. Não se trata de reconhecer personalidade jurídica a esta Comissão, mas de legitimidade representativa pelo conjunto de condôminos.
Os poderes concedidos à Comissão são específicos, observado o fim de resguardar os direitos e interesses dos condôminos, pelo que responderão os seus membros diante da ineficácia dos atos que firmarem, quando em desacordo com o escopo do empreendimento. Neste sentido dispõe a lei, que o mandato outorgado à Comissão de Representantes confere poderes plenos, para em nome dos condôminos transmitir domínio, direito, posse e ação, manifestar a responsabilidade do alienante pela evicção e imitir os adquirentes na posse das unidades respectivas, caso alguns deles não queira continuar no empreendimento, custeando-o (parágrafo quinto do artigo 31-F).
Mais uma vez a redação dada ao dispositivo da lei constitui-se em técnica tímida. Em estilo confuso estabelece o parágrafo sexto do mesmo artigo 31-F que os contratos definitivos serão celebrados mesmo com os adquirentes que tenham obrigações a cumprir perante o incorporador ou a instituição financiadora, desde que comprovadamente adimplentes; situação em que a outorga do contrato fica condicionada à constituição de garantia real sobre o imóvel, para assegurar o pagamento do débito remanescente.
Ao que tudo indica, o legislador quis ressaltar que qualquer adquirente, mesmo aquele que tenha obrigações pendentes para com o incorporador – isto é, o que ainda não integralizou os valores devidos para aquisição das unidades prometidas -, não estará impedido de celebrar contratos com a Comissão de Representantes. Para tanto, será necessário, apenas, que tais obrigações pendentes, de natureza de trato sucessivo, estejam sendo adimplidas em seu tempo de pagamento. Ou seja, o adquirente em mora, ou o inadimplente, não poderá firmar contrato com a Comissão de Representantes. De toda sorte, em face das obrigações pendentes, e para não colocar em risco o empreendimento, será necessário a este adquirente dar garantia, de alguma forma, de que as obrigações pendentes serão adimplidas, quer pelo pagamento normal, quer através da garantia.
Na hipótese de constituição de Comissão de Representantes, quando do abandono da obra ou de sua paralisação injustificada (parágrafos primeiro e segundo do artigo 31-F), ficará a Comissão investida de mandato irrevogável em nome dos adquirentes, e em cumprimento da decisão da assembléia geral, para deliberar pela liquidação do patrimônio de afetação, podendo efetivar, através de contrato eficaz para transmissão de direitos reais, a alienação do terreno e das acessões; transmitindo posse, direito, domínio e ação, responsabilizar-se pela evicção, bem como imitir os futuros adquirentes na posse do terreno e das acessões (parágrafo sétimo, idem).
A Comissão de Representantes, como mandatária, cumprirá o mandato nos exatos termos e limites estabelecidos pela deliberação da assembléia geral, assim como prestará contas aos adquirentes, entregando-lhes o produto líquido da alienação, no prazo de cinco dias do recebimento do preço ou de cada parcela do preço (parágrafo nono do artigo 31-F), sendo consignados judicialmente, os destinados aos adquirentes não localizados (parágrafo dez, idem).
7. Da assunção do empreendimento pelos promitentes-compradores
Caso decidam pela continuação da obra, os adquirentes, promitentes-compradores ficarão automaticamente sub-rogados nos direitos, nas obrigações e nos encargos relativos à incorporação; inclusive aqueles relativos ao contrato de financiamento da obra, se houver, perante o agente financeiro com quem fizera o incorporador o respectivo contrato para obtenção dos recursos (parágrafo onze do artigo 31-F da Lei 4.591/64). Neste caso, cada um responderá individualmente pelo saldo porventura existente entre as receitas do empreendimento e o custo da conclusão da incorporação na proporção dos coeficientes de construção atribuíveis às respectivas unidades, isto é, na proporção da cota de obra (futura fração ideal); salvo se outro critério de rateio não for deliberado em assembléia geral. A modificação do critério de custeio exigirá o quorum de dois terços dos votos dos condôminos adquirentes e, para tanto, será observado o seguinte:
I - os saldos dos preços das frações ideais e acessões integrantes da incorporação que não tenham sido pagos ao incorporador até a data da decretação da falência ou da insolvência civil passarão a ser pagos diretamente à Comissão de Representantes, permanecendo o somatório desses recursos submetido ao sistema de afetação, nos termos do art. 31-A, até o limite necessário à conclusão da incorporação;
II - para cumprimento do seu encargo de administradora da incorporação, a Comissão de Representantes ficará investida, por mandato tácito, decorrente da própria lei, em caráter irrevogável, para, em nome do incorporador ou do condomínio de construção, receber as parcelas do saldo do preço e dar a respectiva quitação; legitimando-se, ainda, a promover as medidas extrajudiciais ou judiciais necessárias a cobrança destes valores, praticando todos os atos relativos ao leilão de que trata o art. 63 ou os atos relativos à consolidação da propriedade e ao leilão de que tratam os arts. 26 e 27 da Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, devendo realizar a garantia e aplicar na incorporação todo o produto do recebimento do saldo do preço e do leilão; [7]
III - consideram-se receitas do empreendimento os valores das parcelas a receber, vincendas e vencidas e ainda não pagas, de cada adquirente, correspondentes ao preço de aquisição das respectivas unidades ou do preço de custeio de construção, bem como os recursos disponíveis que tenham sido afetados; e
IV - compreendem-se no custo de conclusão da incorporação todo o custeio da construção do edifício e a averbação da construção das edificações para efeito de individualização e discriminação das unidades, nos termos do artigo 44, da mesma Lei 4.591/64, que determina as providências conclusivas para averbação e constituição plena da propriedade autônoma edificável.
Considerando que as providências que justificaram a constituição e interveniência da Comissão de Representantes decorre da falência ou insolvência do incorporador, os valores restantes, após apurado saldo positivo entre as receitas da incorporação e o custo da conclusão da incorporação, serão entregues à massa falida ou disponibilizadas ao Juízo da declaração de insolvência (parágrafo treze).
Caso não tenham sido compromissadas pelo incorporador todas as unidades disponíveis no empreendimento, até sua decretação de falência ou insolvência, a Comissão de Representantes agilizará a oferta pública de tais unidades a novos aderentes, como forma de obter recursos que possam concorrer para o fim comum, a edificação edilícia. A lei determina o prazo de sessenta dias após a constituição da Comissão, para realização do referido leilão público, onde se alienarão as referidas frações ideais e acessões, sub-rogando-se, os adquirentes, em todos os direitos e obrigações comuns aos demais, inclusive diante do agente financeiro, caso aja (parágrafo quatorze do mesmo artigo 31-F).
As eventuais vendas realizadas pela Comissão informarão o valor das acessões não pagas pelo incorporador, assim como o preço da respectiva fração ideal disponibilizada (parágrafo dezesseis, idem o artigo), sendo assegurado, em igualdade de condições com terceiros, preferência ao proprietário do terreno, a ser exercida nas vinte e quatro horas seguintes à data designada para a venda. Hipótese em que este seja pessoa distinta da pessoa do incorporador falido ou insolvente; e, em segundo lugar ao condomínio, a ser exercida no prazo de quarenta e oito horas, caso não haja licitantes, desde que deliberada em assembléia geral, pelo voto da maioria simples dos adquirentes presentes (parágrafo dezessete do artigo 31-F).
Diante do bom êxito por parte da Comissão, na transmissão onerosa dos direitos disponíveis quanto às unidades não comercializadas, nos cinco dias seguintes ao recebimento do preço, pago terceiro aderente, serão adimplidas as seguintes obrigações pendentes, em decorrência do empreendimento: (i) trabalhistas, previdenciárias e tributárias, vinculadas ao respectivo patrimônio de afetação, observada a ordem de preferência prevista na legislação, em especial o disposto no art. 186 do Código Tributário Nacional; (ii) aos adquirentes o reembolso das quantias que tenham adiantado, com recursos próprios, para pagamento das obrigações acima, aqui mencionadas; (iii) a instituição financiadora a quantia que esta tiver entregue para a construção, salvo se outra forma for convencionada entre as partes interessadas; (iv) ao condomínio o valor que este tiver desembolsado para construção das acessões de responsabilidade do incorporador (§ 6º do art. 35 e § 5º do art. 31-A), na proporção do valor obtido na venda; (v) o proprietário do terreno, nas hipóteses em que este seja pessoa distinta da pessoa do incorporador, o valor apurado na venda, em proporção ao valor atribuído à fração ideal; e, (vi) a massa falida o saldo que porventura remanescer.
O incorporador deve assegurar à pessoa nomeada pela Comissão de Representantes, para fiscalização e acompanhamento do patrimônio de afetação (artigo 31-C), o acesso a todas as informações necessárias à verificação do montante das obrigações que foram pagas ao incorporador, até a decretação da falência ou insolvência, e que foram transferidas ou passaram a ser pagas àquela Comissão (§ 12, inciso I, do art. 31-F), vinculadas ao respectivo patrimônio de afetação (parágrafo dezenove, idem 31-F).
Considerada a natureza do patrimônio de afetação - como garantia constituída em favor dos adquirentes -, nenhuma pretensão se reconhecerá à Fazenda Pública ou quaisquer outras parafiscais, como contribuições sociais, v.g., imputáveis ao incorporador falido ou insolvente, quer sobre o lucro devido, inclusive as decorrentes de outras atividades ou dívidas que não o referido empreendimento. Tais dívidas - resolveu ressaltar o legislador - não se imputarão aos adquirentes, conforme o texto do parágrafo vinte do citado artigo 31-F.