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Algumas práticas culturais polêmicas à luz dos direitos humanos

Agenda 13/02/2018 às 14:30

O cenário contemporâneo sobre os direitos humanos impõe a necessidade de descrever e/ou analisar algumas práticas culturais que podem ser objeto de severas críticas no sentido de violar direitos humanos.

O cenário contemporâneo sobre os direitos humanos impõe a necessidade de descrever e/ou analisar algumas práticas culturais que podem ser objeto de severas críticas no sentido de violar direitos humanos.

A primeira e principal prática cultural a ser explorada, e, pode-se afirmar, a que mais nos chamou atenção, se refere à mutilação genital feminina, a qual pode ser conceituada como extirpação parcial ou total do órgão genital feminino.

Trata-se de algo que já foi ou é realizado em países da África, oriente médio, Ásia, Europa e América, como aduziu Dulce de Queiroz Piacentini, em dissertação de mestrado sobre o tema, apresentada a Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC:

A prática da MGF é comum em países da África (Benin, Burkina Faso, Camarões, República Centro-Africana, Chad, Costa do Marfim, Etiópia, Eritréia, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Quênia, Libéria, Mali, Mauritânia, Níger, Nigéria, Congo, Senegal, Serra Leoa, Somália, Sudão, Tanzânia, Togo, Uganda, Djibuti) e em alguns países do Oriente Médio (Egito, Omã, Iêmen e Emirados Árabes), além de ocorrer em comunidades de imigrantes em regiões da Ásia (Indonésia, Sri Lanka, Índia e Malásia), Pacífico (Austrália), Europa (Inglaterra, Holanda, Suécia, França e Itália) e América (Canadá e Estados Unidos) (PIACENTINI, 2007, p. 121).

A mutilação genital feminina abrange diferentes formas como a clitoridectomia, a excisão, a infibulação ou circuncisão faraônica e a ablação do prepúcio do clitóris ou raspagem da zona genital (que é menos agressiva) (PIACENTINI, 2007).

A primeira consiste na retirada de parte ou de todo o clitóris. Na segunda, se inclui a extirpação parcial ou completa dos lábios pequenos. Já a terceira é compreendida dos dois procedimentos anteriores. Faz-se um corte dos lábios grandes para criar superfícies em carne viva as quais, posteriormente, são costuradas ou mantidas unidas para que tapem a vagina ao cicatrizar. (PIACENTINI, 2007).

Não há consenso sobre sua origem e manutenção prática, sendo o costume e a tradição as razões comumente utilizadas para justificar a mutilação genital feminina, conforme Dulce de Queiroz Piacentini frisou:

[...] sua origem remonta a tempos anteriores ao do surgimento da religião muçulmana. Não está claro, contudo, quando ou onde a prática iniciou. Alguns autores sugerem que foi no Antigo Egito. Outros dizem que a MGF é um velho ritual africano que chegou ao Egito por difusão. Há ainda quem levante a hipótese de a prática ter sido aplicada nas mulheres negras à epoca do velho mercado árabe de escravos ou de que ela tenha sido introduzida quando o Vale do Nilo foi invadido por tribos nômades cerca de 3.100 a.C. [...] Existem diversas crenças a manter a prática da MGF. Diz-se que os homens a quiseram pelas seguintes razões: assegurar seus poderes; acreditar que suas mulheres não iriam procurar outros genitores ou que homens de outras tribos não as violariam; crer que as mulheres perderiam o desejo sexual. Em algumas tribos, acredita-se que o clitóris é diabólico e que se tocar na cabeça da criança durante o parto, ela estará condenada a inimagináveis desgraças. Outros pensam que essa falsa representação de um pênis minúsculo faria sombra à virilidade masculina (PIACENTINI, 2007, p. 120).

Ademais, a mutilação é feita, geralmente, em meninas entre 4 (quatro) e 8 (oito) anos, em grupo de irmãs ou vizinhas. Quem a pratica costuma ser uma anciã, uma parteira ou uma curandeira tradicional. Em algumas localidades o evento é associado a festividades ou a ritos de iniciação ou purificação (PIACENTINI, 2007).

De um modo geral, só são admitidas mulheres durante o procedimento. Por vezes, há o auxílio de algum detentor de conhecimentos para aplicar um anestésico ou se ordena à menina que se sente em água fria para intumescer a região e reduzir o sangramento. De todo modo, o mais frequente é que não se tome nenhuma medida para diminuir a dor (PIACENTINI, 2007).

A mutilação é efetuada com um vidro quebrado, a tampa de uma lata, tesouras, uma navalha ou outro instrumento cortante. Seus efeitos físicos são muita dor e hemorragia no momento do rito. Depois, causa, por vezes, infecções crônicas do aparelho urinário, pedras na bexiga e na uretra, transtornos renais, infecções no aparelho genital (como consequência da obstrução do fluxo menstrual), infertilidade, formação excessiva de tecido cicatrizante, queloides, dor durante o ato sexual e aumento da dor na hora do parto (PIACENTINI, 2007).

Outra prática polêmica a ser abordada se refere a atos de determinadas tribos brasileiras no sentido de rejeitar crianças portadoras de alguma deficiência e, por vezes, mata-las.

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A título de exemplo, citemos um caso envolvendo duas índias da tribo étnica Suruwahá, considerada semi-isolada pela Fundação Nacional do Índio – FUNAI, em que uma nasceu com pseudo-hermafroditismo e a outra com paralisia cerebral. De todo modo:

[...] os integrantes da tribo decidiram buscar tratamento na medicina “dos brancos”, com ajuda de missionários, antes de matar as crianças. Porém, nesta situação, mesmo com o consentimento dos pais das crianças, a FUNASA e a FUNAI foram bastante resistentes ao tratamento médico, por considerarem uma interferência cultural causada pelos missionários. Também, houve resistência por parte da Procuradoria da República, no Amazonas. Se não fosse pela intervenção de alguns deputados, as crianças teriam sido compelidas a retornar à aldeia, sem tratamento, onde seriam mortas e seus pais se suicidariam, como declararam, várias vezes. Além disso, quando foram levadas a Brasília para o tratamento, foram proibidas de serem acompanhadas por intérpretes (os Suruwahá não falam português), o que é uma clara violação de seus direitos linguísticos, em virtude de pertencerem a uma minoria nacional (BARRETO, S.D., p. 4)

Tratemos, agora, de algumas tradições angolanas, que por sinal, foram objeto de críticas por parte do sub-procurador da Huila, Carlos Xavier Arsénio, no ano de 2015. 

Em palestra sobre o tema As práticas tradicionais em Angola e a violência dos Direitos Humanos, referida autoridade criticou a já trabalhada decapitação genital feminina, bem como alguns rituais de puberdade, ou seja, da invasão escolar de crianças para a assunção de responsabilidades sucessórias. Segundo este:

Neste prisma, temos que dizer que algumas práticas africanas e angolanas, ofendem valores universais, falo do caso da mutilação genital feminina que ocorre um pouco pela África Central, o ritual da circuncisão sem o mínimo de condições sanitárias, alguns rituais de puberdade, da invasão escolar de crianças para a assunção de responsabilidades sucessórias. [...] Quero com isto dizer que é preciso se rever as práticas culturais. O direito não se opõe ao costume, pois este é de certa forma derivação do costume, reconhecendo apenas o costume segundo a Lei e não aquele contra a Lei ou para além da Lei, porque o costume segundo a Lei é um direito em potência num futuro mediamente distante (ANGOP, 2015, p. S.N.).

Por fim, lembremo-nos de um fato ocorrido no ano em curso. Como difundido no Portal Terra e noutros meios de comunicação, a TV Estatal Ekhbariya, da Arábia Saudita, no dia 18 (dezoito) do mês corrente (julho), noticiou que a polícia da Arábia Saudita prendeu uma mulher após um vídeo em que ela aparece andando por uma rua vazia vestindo uma minissaia e um top tomou grandes proporções na internet.

Segundo a publicação, na imagem, a mulher, cujo nome não foi divulgado, teria caminhado pela vila patrimonial Ushaiqir, a cerca de 200 quilômetros a noroeste da capital Riad, na província de Najd. Informou-se, também, que:

[...] no Twitter, a emissora afirmou que o caso foi encaminhado para o Ministério Público e a mulher será interrogada por um representante da Justiça, que vai decidir se ela permanecerá detida ou se será aberto um processo. "A polícia de Riad deteve a mulher que apareceu com roupas indecentes em Ushaiqir e a encaminhou para o procurador público", escreveu a TV. [...] De acordo com a polícia, a garota admitiu ser ela no vídeo, mas disse que não sabia da repercussão que as imagens tinham causado nas redes sociais. O Comitê para a Promoção da Virtude e Prevenção do Vício pretende adotar as medidas necessárias contra essa "transgressão da ordem moral" e uso de "traje indecente" Com cultura conservadora, a Arábia Saudita não permite que mulheres andem nas ruas com roupas que não cobrem da cabeça aos pés” (PORTAL TERRA, 2017, p. S.N.).


Referências

ANGOP. Huila. Procurador aponta certas práticas culturais como factores de violação dos Direitos Humanos. Disponível em: http://www.angop.ao/angola/pt_pt/noticias/sociedade/2015/3/17/html. Acesso em: 20 de julho de 2017.

BARRETO, Maíra de Paula. Universalidade dos direitos humanos e da personalidade versus relativismo cultural. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/manaus/estado_dir_povos_maira_de_paula_barreto.pdf. Acesso em: 20 de julho de 2017.

PIACENTINI, Dulce de Queiroz. Direitos humanos e interculturalismo: análise da prática cultural da mutilação genital feminina. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp034905.pdf. Acesso em: 19 de julho de 2017.

PORTAL TERRA. Oriente Médio: Mulher é presa por usar minissaia em rua na Arábia Saudita. Disponível em: https://www.terra.com.br/noticias/mundo/oriente-medio. Acesso em: 20 de julho de 2017.

Sobre o autor
Hugo Garcez Duarte

Mestre em Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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