CONCLUSÃO
Os impasses e as insuficiências do atual paradigma da ciência jurídica tradicional abrem, lenta e constantemente, o horizonte para as mudanças e a construção de inovadores paradigmas, conectados com uma visão pluralista, flexível e interdisciplinar. (WOLKMER, 2001, p. 1-3). Os “novos” direitos oriundos da biotecnologia e da engenharia genética necessitam prontamente de uma legislação específica regulamentadora, bem como de uma teoria jurídica apta a captar as novidades e assegurar proteção à vida humana.
Neste sentido, sustenta Antônio Carlos Wolkmer (2001, p. 1-3):
“A teoria jurídica formalista, instrumental e individualista vem sendo profundamente questionada por meio de seus conceitos, de suas fontes e de seus institutos diante das múltiplas transformações tecno-científicas, das práticas de vida diferenciadas, da complexidade crescente de bens valorados e de necessidades básicas, bem como da emergência de atores sociais, portadores de novas subjetividades (individuais e coletivas). Desse modo, as necessidades, os conflitos e os novos problemas colocados pela sociedade no final de uma era e no início de outro milênio engendram também “novas” formas de direitos que desafiam e põem em dificuldade a dogmática jurídica tradicional, seus institutos formais e materiais e suas modalidades individualistas de tutela. Impõe-se a construção de novo paradigma para a teoria jurídica em suas dimensões civil, pública e processual, capaz de contemplar o constante e o crescente aparecimento histórico de “novos” direitos. Esses “novos” direitos que se desvinculam de uma especificidade absoluta e estanque assumem caráter relativo, difuso e metaindividual. Trata-se de uma verdadeira revolução inserida na combalida e nem sempre atualizada dogmática jurídica clássica. O estudo atento desses “novos” direitos relacionados às esferas individual, social, metaindividual, bioética, ecossistêmica e de realidade virtual exige pensar e propor instrumentos jurídicos adequados para viabilizar sua materialização e para garantir sua tutela jurisdicional, seja por meio de um novo Direito Processual, seja por meio de uma Teoria Geral das Ações Constitucionais.”
A partir das reflexões expostas no presente estudo perfunctório acerca da temática do filho concebido mediante técnica de inseminação artificial homóloga post mortem, identificamos que a única forma de interpretarmos os dispositivos legais vigentes à luz dos princípios norteadores das relações familiares – mormente dos princípios da igualdade entre os filhos e da autonomia do planejamento familiar –, no sentido de vermos possível o reconhecimento da filiação e do direito sucessório sem maiores percalços pela família, é se deduzirmos a disposição constante no inciso III do artigo 1.597 do Código Civil Brasileiro através da figura do concepturo. Assim, para que o filho nascido através de procedimento de inseminação artificial homóloga post mortem seja contemplado com direitos sucessórios, faz-se necessária a existência de disposição testamentária expressa do testador no sentido de contemplar o seu futuro filho como herdeiro, na condição de concepturo. Nestes termos, o filho possuirá, inequivocamente, direitos sucessórios.
Contudo, caso estejamos diante da circunstância de existir material genético conservado biologicamente sem nenhum tipo de manifestação de vontade do de cujus, a orientação prevalente na doutrina é no sentido de que o filho deverá ter reconhecido o seu direito de filiação, porém, não gozará de direitos sucessórios. Nestes casos, inclusive, verifica-se que a utilização do referido material genético pela cônjuge ou companheira sobrevivente somente será possível através de ação judicial, circunstância em que o magistrado deverá analisar o caso concreto para verificar sobre a possibilidade ou não de concessão de autorização judicial, em homenagem ao princípio da autonomia do planejamento familiar.
Por fim, nos casos em que exista o material genético conservado e uma autorização por parte do de cujus no sentido da permissão da utilização póstuma do seu material genético, a posição doutrinária dominante é no sentido de que esta autorização deve surtir efeitos, inclusive sucessórios, em favor do filho concebido a partir da inseminação artificial homóloga post mortem. Trata-se, destarte, de manifestação do princípio da autonomia da vontade.
Isto posto, em virtude da instabilidade que o conflito de entendimentos doutrinários sobre a temática ocasiona, deduz-se a premente necessidade de regulamentação da matéria em análise, de sorte a conferir segurança jurídica aos jurisdicionados. Temática de tal envergadura não pode ser deixada ao alvedrio da casuística, sob pena de verificarmos latente violação aos direitos fundamentais do cidadão, bem como injustiças que ocasionam profundos e tormentosos reflexos negativos na vida dos indivíduos.
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Notas
[1] Nestes sentido, refere Ingo Wolfgang Sarlet: “Verifica-se que os direitos da terceira e da quarta dimensões (ou mesmo de uma quinta dimensão, como preferem alguns), que ainda se encontram em fase de reconhecimento e positivação, seja na esfera internacional, mas principalmente em nível do direito constitucional interno, constituem, na verdade, direitos em processo de formação, razão pela qual costumam ser caracterizados como autênticos law in making, cuja importância jurídica e política não deve, contudo, ser menosprezada. Na verdade, como oportunamente menciona Denninger, ilustre catedrático da Universidade de Frankfurt, Alemanha, ao nos depararmos com a pergunta sobre o que de novo efetivamente revelam os novos direitos fundamentais na era tecnológica, talvez possamos responder que eles nos levam a reconhecer que as antigas dificuldades da humanidade com a problemática da justiça não lograram ser superadas pelo avanço tecnológico e científico. Reconhecendo que os direitos chamados de “novos” nem sempre são genuinamente “novos”, Antônio Carlos Wolkmer bem observa a novidade muitas vezes reside no modo de obtenção (e fundamentação, poderíamos acrescer) dos direitos, que não se restringe necessariamente ao reconhecimento legislativo e jurisprudencial, mas resulta de um processo dinâmico e complexo de lutas específicas e de conquistas coletivas, até que venham a obter a chancela pela ordem social e estatal.” In: SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 56-57.
[2] Tratando do fenômeno da despatrimonialização do direito civil, Flávio Tratuce refere: “O Direito Existencial de Família está baseado na pessoa humana, sendo as normas correlatas de ordem pública ou cogentes. Tais normas não podem ser contrariadas por convecção entre as partes, sob pena de nulidade absoluta da convenção, por fraude à lei imperativa (Art. 166, VI, do CC). Por outra via, o Direito Patrimonial de Família tem o seu cerne principal no patrimônio, relacionado a normas de ordem privada ou dispositivas. Tais normas, por óbvio, admitem livremente previsão em contrário pelas partes. (...) Destaque-se que a própria organização do CCB/2002, no tocante à família, demonstra essa divisão. Primeiramente, os arts. 1511 a 1638 tratam do direitos pessoal ou existencial. Por conseguinte, nos arts. 16369 a 1722, o Código Privado regulamenta o direito patrimonial e conceitos correlatos. É correto afirmar, na verdade, que essa divisão entre direito patrimonial e direito existencial atinge todo o Direito Privado. Tal organização ainda remete à tendência de personalização do Direito Civil, ao lado da sua despatrimonialização, uma vez que a pessoa é tratada antes do patrimônio. Perde o patrimônio o papel de ator principal e se torna mero coadjuvante.” In: TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: Volume Único. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013, p. 1052.
[3] Destaca Inocêncio Mártires Coelho: “(...) um terreno que no passado estava entregue, quase por inteiro, à livre discrição dos seus integrantes, com destaque para a figura paterna, na condição de chefe e condutor dos que gravitavam a seu redor, não só a esposa e os filhos, mas também aqueles que se relacionavam com ele por vínculos de dependência econômica, o que, tudo somado e guardadas as devidas distâncias, fazia lembrar o pater familias do velho Direito Romano, cujos poderes – a chamada patria potestas – compreendiam, além da apropriação dos bens adquiridos pelos seus filhos, também o direito de puni-los como entendesse adequado, inclusive aplicando-lhes a pena de morte.” In: MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1425-1426.
[4] Pontua Inocêncio Mártires Coelho: “No que respeita ao casamento, foi ainda mais longe a Constituição – nisso, em verdade, a reboque dos fatos e de algumas normas infraconstitucionais e de decisões judiciais que os legalizaram e/ou legitimara -, ao estatuir que, para efeito do proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, assim considerada, também, a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. Quanto à pessoa dos filhos, é igualmente digna de louvor a determinação constitucional no sentido de que, havidos ou não dentro do casamento, ou por adoção, terão eles os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.” In: MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Ob. Cit., p. 1426.
[5] Adverte o brilhante jurista português Jorge Miranda: “A dignidade humana é da pessoa concreta, na sua vida real e quotidiana; não é de um ser ideal e abstracto. É o homem ou a mulher, tal como existe, que a ordem jurídica considera irredutível, insubsistente e irrepetível e cujos direitos fundamentais a Constituição enuncia e protege.” In: MIRANDA, Jorge; MEDEIROS, Rui. Constituição Portuguesa anotada. Coimbra: editora Coimbra, 2010, p. 53.
[6] Neste sentido: “Trata-se, sem dúvida, de norma-princípio paradigmática, servindo para eliminar todo e qualquer tipo de tratamento discriminatório (bastante comuns no sistema do Código Civil de 1916, que optou por conferir privilégios ao filho nascido de um casamento). Com isso, afastou-se também do campo filiatório os privilégios concedidos a uma, ou outra, pessoa em razão da simples existência de casamento. Filho é filho, sem designações ou discriminações. (...) A regra em alusão consagrou a igualdade existencial entre os filhos, deixando claro que o tratamento jurídico independe da origem da filiação, pouco interessando se é sexual, biotecnológica, adotiva, afetiva ou de qualquer outra origem.” In: FIGUEIREDO, Luciano; EHRHARDT JÚNIOR, Marcos; DIAS, Wagner Inácio Freitas; FARIAS, Cristiano Chaves de. Código Civil para concursos. Salvador: Editora JusPodivm, 2013, p. 1183.
[7] Neste sentido, pertinente colacionar a reflexão do Prof. Bernardo Gonçalves Fernandes acerca do Princípio da Igualdade, in verbis: “(...) já é possível encontrar autores que apresentam uma visão mais ampla e adequada do princípio da igualdade quando lido sob o prisma do Estado Democrático de Direito. Com isso, este irão afirmar um ir além da igualdade meramente formal e da igualdade material, em favor de uma igualdade procedimental, orientando-se para garantia da igual condição (opção) de participação do cidadão em todas as práticas estatais. Trata-se de uma igualdade aritmeticamente inclusiva, já que viabiliza um número cada vez mais crescente de cidadãos na simétrica participação da produção de políticas públicas. Dessa feita, a preocupação do constitucionalismo contemporâneo no tocante ao princípio da igualdade tem sido de diferenciar discriminação (ou discriminação arbitrária e absurda) e diferenciação (que para alguns poderia ser intitulada de discriminação adequada e razoável). Enquanto as diferenciações (ou discriminações lícitas, não absurdas) se mostram como mecanismos necessários à proteção das minorias, excluídas da condição de participação na tomada de decisões institucionais (igualdade procedimental), as discriminações (ilícitas) são elementos arbitrários e, por isso mesmo, lesivos à própria igualdade.” In: FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Ob. Cit., p. 463-464.
[8] “Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.” In: BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm> Acesso em: 30 out. 2017.
[9] Destaca Ingo Wolfgang Sarlet: “Tanto o nascituro quanto o embrião situado fora do útero, em virtude de sua vida e dignidade humana, são titulares de direitos fundamentais.” In: SARLET, Ingo Wolfgang. Ob. Cit., p. 221.
[10] Enunciado n. 1 da Jornada de Direito Civil do CJF: “Art. 2º: a proteção que o Código defere ao nascituro alcança o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como nome, imagem e sepultura.” In: Enunciados do CJF. Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/cjf/CEJ-Coedi/jornadas-cej/JORNADA%20DE%20DIREITO%20CIVIL%202013%20ENUNCIADOS%20APROVADOS%20DE%20NS.%201%20A%20137.pdf/view> Acesso em 30 de out. 2017.
[11] Neste sentido, adverte Sílvio de Salvo Venosa: “O testador não fazendo referência (e sua vontade deve ser respeitada), não se faz distinção quanto à filiação: recebem os filhos legítimos ou ilegítimos, isto é, na nova sistemática, filhos provenientes ou não de união com casamento. Afirmava-se que os adotivos não se incluíam nessa possibilidade, a menos que houvesse referência expressa do testador (Wald, 1988:94). Contudo, entendemos que a evolução da situação sucessória do adotivo não permite mais essa afirmação peremptória. Lembre-se de que houve sucessivas alterações de direito sucessório em favor do filho adotivo. A intenção do legislador foi, sem dúvida, possibilitar a contemplação dos filhos de sangue. A pessoa indicada poderia adotar exclusivamente para conseguir o benefício testamentário. Contudo, já a legitimação adotiva e a adoção plena das leis revogadas não mais permitiam diferença entre a filiação natural e a filiação civil. Cremos que na atual legislação incumbe ao testador excluir expressamente os filhos adotivos se não desejar incluí-los, por força do art. 41 da Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente).” In: VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Sucessões. v. 6. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 222.
[12] Ensina Regina Beatriz Tavares da Silva: “(...) Na fecundação homóloga considera-se, por presunção, filho do marido aquele concebido após a sua morte e aquele concebido a qualquer tempo, sendo embrião excedentário, e na fecundação heteróloga presume-se a filiação do marido desde que tenha havido o seu consentimento.” In: SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Ob. Cit., p. 1407.
[13] Ensinam Andrey Borges de Mendonça e Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira: “Desta feita, é imprescindível partirmos da premissa de que o princípio da autonomia da vontade também é um princípio assegurado implicitamente pela ordem constitucional e não pode ser desconsiderado pelo intérprete e aplicador do direito. Realmente, analisando a Constituição, verifica-se que ela assegura a autonomia da vontade implicitamente. (...) Verifica-se, assim, que o aplicador, ao se deparar com a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas, terá que ponderar dois bens jurídicos igualmente tutelados pela Constituição da República: de um lado a dignidade da pessoa humana, como síntese dos direitos fundamentais, e de outro, a autonomia da vontade. (...) Porém, apesar da necessidade de soluções diferenciadas, entendemos que todas as vezes em que, sobre o pretenso argumento de exercício da autonomia da vontade, malferir-se o princípio da dignidade da pessoa humana, a balança deve pender para a proteção deste último bem jurídico.” In: MENDONÇA, Andrey Borges de; FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves. Eficácia dos Direitos Fundamentais nas Relações Privadas. In: CAMARGO, Marcelo Novelino (Organizador). Leituras complementares de Direito Constitucional – Direitos Fundamentais. 2. ed. Salvador: Edições Juspodivm, 2007, p, 148-149.
[14] “Direito sucessório do filho nascido por fertilização homóloga post mortem. Promovendo uma interpretação sistêmica dos comandos dos arts. 1597, III, e 1798 do Código de 2002, diferentes conclusões surgem. Se já havia concepção, quando do falecimento do genitor, o filho terá direito sucessório, uma vez que o art. 1798 é de clareza solar ao afirmar que a capacidade para suceder é reconhecido em favor de quem nasceu ou foi concebido. Ora, não havendo diferenciação entre a concepção uterina ou laboratorial, é forçoso concluir que ambas estão abarcadas, em homenagem ao princípio constitucional da igualdade entre os filhos (que é princípio de inclusão). A outro giro, se não havia concepção, ou seja, em se tratando de sêmen congelado, sem ainda ter havido a concepção laboratorial, não há que se falar em direito sucessório, exatamente pelo princípio da isonomia porque as situações são absolutamente distintas e a igualdade substancial consiste em tratar desigualmente quem está em situação desigual. Mas, curiosamente, haverá a presunção de paternidade, caso preenchidas as diretrizes do inciso III do art. 1597. Ou seja, o exuberante quadro apresentado pelas novas técnicas reprodutivas nos apresenta uma singular situação jurídica, na qual uma pessoa será filha de um homem já morto, mas não será seu herdeiro legítimo. Poderá, de qualquer sorte, ter sido beneficiado por testamento deixado pelo seu pai em favor da prole eventual (CC, art. 1800, § 4º), desde que tenha sido concebido no prazo de dois anos, contados a partir da data do óbito (abertura da sucessão), sob pena de caducidade da disposição testamentária. O entendimento mereceu assento no Enunciado 267 da Jornada de Direito Civil: “a regra do art. 1798 do Código Civil deve ser estendida aos embriões formados mediante o uso de técnicas de reprodução assistida, abrangendo, assim, a vocação hereditária da pessoa humana a nascer cujos efeitos patrimoniais se submetem às regras previstas para a petição de herança”.” In: FIGUEIREDO, Luciano; EHRHARDT JÚNIOR, Marcos; DIAS, Wagner Inácio Freitas; FARIAS, Cristiano Chaves de. Ob. Cit., p. 1185-1186.
[15] Indica Paulo Luiz Neto Lôbo que a manifestação de vontade é ponto pacífico como pressuposto para a presunção de paternidade contida no artigo 1.597, III do Código Civil, para aqueles que admitem a legitimidade de tal efeito jurídico contido no disposto em tal dispositivo. Deste modo, não se cogita em tal situação quanto à entrega obrigatória do material genético a viúva, como se tal material se tratasse de herança. Repita-se que a realização de tal inseminação dependerá sempre do consentimento de ambos, e na ausência deste consentimento caso a inseminação se realizasse teria status de inseminação por doador anônimo. In: LÔBO, Paulo Luiz Neto. Código Civil Comentado: direito de família. Relações de parentesco. Direito Patrimonial. Álvaro Vilaça Azevedo (coord.). São Paulo: Atlas, 2003. V.XVI. p.51.
[16] Enunciado 267 do Conselho da Justiça Federal do Superior Tribunal de Justiça: “A regra do art. 1798 do Código Civil deve ser estendida aos embriões formados mediante o uso de técnicas de reprodução assistida, abrangendo, assim, a vocação hereditária da pessoa humana a nascer cujos efeitos patrimoniais se submetem às regras previstas para a petição de herança.” In: Enunciados do CJF/STJ. Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/526> Acesso em: 31/10/2017.
[17] A deliberação do casal sobre a criopreservação de gametas está prevista na Resolução n. 1.957/2010 do Conselho Federal de Medicina, segundo a qual: “V – 3. No momento da criopreservação, os cônjuges ou companheiros devem expressar sua vontade, por escrito, quanto ao destino que será dado aos pré-embriões criopreservados, em caso de divórcio, doenças graves ou de falecimento de um deles ou de ambos, e quando desejam doá-los.” In: Resoluções do Conselho Federal de Medicina. Disponível em: <http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2010/1957_2010.htm> Acesso em 31/10/2017.
[18] Disponível em: < https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/2209896/liminar-autoriza-reproducao-post-mortem> Acesso em: 31 out. 2017.
[19] Disponível em: <https://www.tjdft.jus.br/institucional/jurisprudencia/informativos/2014/informativo-de-jurisprudencia-n-o-292/utilizacao-de-material-genetico-post-mortem-2013-violacao-ao-principio-da-autonomia-da-vontade> Acesso em 31 out. 2017.
[20] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula 149. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/ jurisprudencia/menuSumarioSumulas.asp?sumula=1986> Acesso em: 06 nov. 2017.
[21] Em recente julgado acerca da matéria o Superior Tribunal de Justiça posicionou-se no sentido de que na hipótese em que ação de investigação de paternidade post mortem tenha sido ajuizada após o trânsito em julgado da decisão de partilha de bens deixados pelo de cujus, o termo inicial do prazo prescricional para o ajuizamento de ação de petição de herança é a data do trânsito em julgado da decisão que reconheceu a paternidade, e não o trânsito em julgado da sentença que julgou a ação de inventário. In: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1475-759-DF. Sobre prazo prescricional para o ajuizamento da ação de petição de herança. Disponível em <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=1475759&b=ACOR&p=true&t=JURIDICO&l=10&i=2> Acesso em: 06 nov. 2017.