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A vocação hereditária na inseminação artifical homóloga post mortem

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Agenda 02/08/2020 às 21:10

3 REPRODUÇÃO ARTIFICIAL POST MORTEM

3.1 Noções gerais sobre os métodos de Reprodução Artificial.

Conforme preleciona a doutrina especializada na pessoa da Drª Regina Beatriz Tavares da Silva (2002, p. 1407), os termos “fecundação” e “inseminação por meios artificiais” são utilizados como expressões sinônimas. A inseminação artificial pode ser (a) homóloga, quando realizada com sêmen originário do marido; ou (b) heteróloga, quando realizada com sêmen de terceira pessoa. Pode ser, ainda, realizada post mortem, situação em que é realizada com sêmen ou embrião conservado por meio de técnicas especiais, após a morte do doador do material genético (sêmen).

Maria Cruz Terán Velasco (2005, p. 56) assinala a distinção existente entre a inseminação homóloga e a heteróloga, a saber:

“La segunda distinción que se hace, atendendo al origen de los gametos, diferencia entre fecundación artificial heteróloga y homóloga. Se disse que la fecundación artificial es homóloga cuando se lleva a cabo com los gametos de la pareja solicitante, y heteróloga cuando se realiza com donación de uno dos elementos llamados en causa de la fecundación. A su vez, la donación puede ser de ovócitos, de espermatozoides de embriones o, incluso, se dan supuesto de alquileres de úteros. La possibilidade de donar óvulos, espermatozoides y embriones ha supuesto, por su parte, la creación de bancos donde son crioconservados y a los cuales puedem aceder los solicitantes.”

Embrião, por seu turno, é o ser oriundo da junção de gametas humanos, o qual poderá ser introduzido no corpo da mulher através de, basicamente, dois métodos, quais sejam: (a) método ZIFT, consistente na realização da fecundação fora do corpo da mulher (in vitro); e (b) método GIFT, consistente na introdução do embrião, por meio artificial, no corpo da mulher, esperando-se que a própria natureza faça a fecundação. Embrião excedentário, por seu turno, é aquele que é fecundado fora do corpo (in vitro) e não é introduzido prontamente na mulher, sendo armazenado por técnicas especiais.

3.2 A problemática da inseminação artificial homóloga “post mortem”.

As técnicas de inseminação artificial permitem a ocorrência material de filiação biológica posteriormente à morte do autor da sucessão, haja vista que o homem, que houver conservado seu material genético, poderá possibilitar à cônjuge ou companheira a sua utilização após o seu falecimento. Assim, o filho concebido a partir da técnica de inseminação post mortem não terá sido concebido até a abertura da sucessão. Portanto, embora filho[12], não seria herdeiro, conforme aplicação literal da previsão constante no artigo 1.798 do Código Civil Brasileiro.

Analisando a questão da legitimidade para suceder por sucessão legítima, Washington de Barros Monteiro (2009, p. 42-44) adverte que o indivíduo que não estiver concebido até a data da morte do autor da herança não possui legitimação para suceder por sucessão legítima, padecendo de incapacidade sucessória absoluta. Em relação à sucessão testamentária, o indivíduo que não estiver concebido até a data da morte do autor da herança somente possuirá legitimação na situação excepcional do concepturo. Leciona o ilustre autor:

“Incapacidade absoluta vem a ser a da pessoa ainda não concebida ao tempo da morte do testador. Dessa forma de incapacidade ocupa-se o Código no art. 1798: “Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão. Em regra, para receber herança ou legado, torna-se mister existir, ou melhor, estar concebido, no dia da morte do testador. Não se exige que o beneficiado já tenha nascido. Realmente, se o legislador exclui da sucessão apenas os indivíduos não concebidos, admite, a contrário sendo, os já concebidos ou nascituros. Trata-se de aplicação do princípio nasciturus pro jam nato habetur, si de ejus commodo agitur. Entretanto, o Código abre exceção em favor dos não-concebidos, desde que a disposição testamentária se refira aos filhos de pessoas designadas pelo testador e vivas ao abrir-se a sucessão (art. 1799, I). (...) Questionados preceitos da lei civil proclamam a vigência de princípios de suma importância: 1) são capazes de receber por testamento, de modo geral, aqueles a quem a lei não retira a capacidade; 2) podem suceder as pessoas naturais e as pessoas jurídicas; 3) como condição dessa capacidade, exige-se que o beneficiado exista, sobreviva ao testador, ao abrir-se a sucessão, ou venha a nascer em determinado prazo, se filho ainda não concebido de pessoas indicadas pelo testador, devendo estar vivas quando falecer o autor da herança.”

Segundo a opinião de Eduardo de Oliveira Leite, ao limitar a legitimação sucessória às pessoas concebidas até a abertura da sucessão, o artigo exclui, realmente, as resultantes de inseminação artificial post mortem, argumentando que só com alteração legislativa essa situação poderia ser modificada. No mesmo sentido, afirmando que o filho resultante de inseminação post mortem não tem direito sucessório, a opinião de Guilherme Calmon Nogueira da Gama (2003, p. 19-20).

Contudo, considerando os princípios constitucionais norteadores do direito de família, analisados em compatibilidade com o princípio da autonomia da vontade[13], parece razoável defender que se o marido ou companheiro tiver deixado anuência expressa, consentindo com a inseminação post mortem, estabelece-se o vínculo de paternidade e, por extensão, o direito sucessório. Corroborando com tal entendimento, acrescenta Mauro Antonini (2008, p. 1956-1957):

“Tal hipótese não conflita com o artigo ora comentado, por não se cogitar na vigência do Código Civil de 1916, nem na elaboração do Código atual, da reprodução assistida mediante inseminação post mortem. O art. 1798 tem por finalidade, por conseguinte, em sua concepção original, resguardar o direito do nascituro, não excluir filhos concebidos após a abertura da sucessão. Quanto ao óbice de tal possibilidade gerar insegurança jurídica por tempo indefinido, é de se estabelecer como limite, para petição de herança, o prazo de dez anos da abertura da sucessão.”

Percebe-se, portanto, que a única forma de pensarmos os presentes dispositivos legais à luz dos princípios norteadores das relações familiares, mormente dos princípios da igualdade entre os filhos e o da autonomia do planejamento familiar, para vermos a filiação e o direito sucessório reconhecidos sem maiores dificuldades e percalços, é no sentido de interpretarmos a disposição constante no inciso III do artigo 1.597 do Código Civil Brasileiro através da figura do concepturo. Explica-se. Para que o filho nascido através de procedimento de inseminação artificial homóloga post mortem seja contemplado com direitos sucessórios de forma automática e sem maiores questionamentos, faz-se necessária a existência de disposição testamentária expressa do testador no sentido de contemplar o seu futuro filho como herdeiro, na condição de concepturo. Nestes termos, o filho possuirá, inequivocamente, direitos sucessórios. [14]

Porém, não podemos nos olvidar da situação jurídica constituída a partir da existência de material genético conservado biologicamente sem nenhum tipo de manifestação de vontade do de cujus. Neste contexto, em que pese o filho tenha reconhecido o seu direito de filiação, não gozará de direitos sucessórios, ao arrepio do princípio da igualdade jurídica e patrimonial entre os filhos. Nestes casos, inclusive, verifica-se que a utilização do referido material genético pela cônjuge ou companheira sobrevivente, em decorrência do princípio da autonomia da vontade, só será possível através de ação judicial, circunstância em que o magistrado deverá analisar o caso concreto para verificar sobre a possibilidade ou não de concessão da autorização judicial neste sentido, considerando então a viabilidade ou não da aplicação do princípio da autonomia do planejamento familiar.

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Percebemos, por fim, a situação na qual existe o material genético conservado e uma autorização por parte do de cujus no sentido da autorização da utilização póstuma do seu material genético. Neste caso, a posição doutrinária dominante[15] é no sentido de que esta autorização, como manifestação do princípio da autonomia da vontade, deve surtir efeitos inclusive sucessórios em favor do filho concebido a partir da inseminação artificial homóloga post mortem. [16]

Nesta linha, destaca Paulo Lôbo (2003, p.51):

“O princípio da autonomia dos sujeitos, como um dos fundamentos do biodireito, condiciona a utilização do material genético do falecido ao consentimento expresso que tenha deixado para esse fim. Assim, não poderá a viúva exigir que a clínica de reprodução assistida lhe entregue o sêmen armazenado para que seja nela inseminado, por não ser objeto de herança. A paternidade deve ser consentida, porque não perde a dimensão da liberdade. A utilização não consentida do sêmen deve ser equiparada à do dador anônimo, o que não implica atribuição de paternidade.”

3.2.1 Referências casuísticas e a posição jurisprudencial.

A temática da inseminação artificial post mortem ganhou relevo na década de 80, a partir do caso que ficou conhecido como “Parpalaix”. Conforme relata Sandra Marques Magalhães (2010, p. 64-66), o francês Alain Parpalaix, o qual vivia um relacionamento amoroso com Corinne, descobriu ter câncer nos testículos e, antes de iniciar o seu tratamento, tendo em vista a possibilidade de ver afetada a sua fertilidade, decidiu coletar e congelar o seu sêmen com o intuito de futura utilização. Neste ínterim, o casal contraiu matrimônio, vindo Alain a falecer logo após.

Neste contexto, a viúva e os pais do de cujus solicitaram ao centro de criopreservação o sêmen de Alain, tendo ambos os pedidos resposta negativa. A família resolveu, então, recorreu ao poder judiciário, ocasião em que discutiu-se, junto ao Tribunal de Grande Instance de Crétil, a natureza jurídica do contrato havido entre o centro de criopreservação e Alain, bem como o destino que deveria ser dado ao material genético após a morte do seu doador.

A sentença, datada de agosto de 1984, decidiu que o contrato firmado entre as partes não era de depósito, tendo em vista ser de coisa fora do comércio, tratando-se, assim, de contrato atípico, cujo objeto não era vedado, porém também não era permitido em território francês. Assim, conclui-se pela entrega do sêmen criopreservado à Corinne, pois entenderam não haver nenhuma violação ao direito então vigente, sendo a procriação, inclusive, uma das finalidades do casamento.

No cenário nacional, a temática em estudo ainda não foi objeto de grande apreciação pelos Tribunais. Ocorre que, a circunstância de a matéria em análise encontrar-se deficientemente regulamentada no ordenamento jurídico pátrio acarreta uma grande insegurança jurídica. Em que pese o Código Civil Brasileiro reconheça o estado de filho ao indivíduo concebido através de técnica de inseminação artificial homóloga, o mencionado diploma legislativo é totalmente omisso em relação à forma como deve se realizar o mencionado procedimento.

O Conselho Federal de Medicina, por seu turno, editou em 2010 a resolução n.º 1.957[17] deliberando acerca da necessidade de expressa manifestação de vontade do doador sobre a utilização do seu material genético. Tal orientação, no entanto, não está amparada por regra legal expressa, sendo uma decorrência do princípio da autonomia da vontade.

Nesta perspectiva, verificamos dois julgados proferidos nos tribunais pátrios, cada um seguindo uma diretriz diversa. O primeiro que será posto em análise, foi no sentido de desconsiderar a ausência de declaração de vontade do de cujus e autorizar a viúva a utilizar o material genético do seu falecido marido[18], a saber:

“Decisão do juiz da 13ª Vara Cível de Curitiba (PR) concedeu liminar autorizando a professora Katia Lenerneier, 38, a tentar engravidar com sêmen congelado do marido, que morreu em fevereiro deste ano, de câncer de pelé (melanoma). É a primeira decisão judicial brasileira sobre reprodução póstuma, segundo advogados e desembargadores. (...)

A paranaense Katia e o contador Roberto Jefferson Niels, 33, eram casados havia cinco anos. Tentavam engravidar naturalmente quando Niels foi surpreendido pelo câncer, em janeiro de 2009. Por indicação médica, congelou o sêmen antes de iniciar o tratamento de quimioterapia, que poderia deixá-lo infértil.

Em julho do ano passado, o casal iniciou o tratamento de reprodução, interrompido depois de um novo diagnóstico: o câncer havia se espalhado para os ossos. Sete meses depois, Niels morreu.

Ela quis dar continuidade ao sonho do casal de ter filhos, fazendo uma inseminação com o sêmen congelado. Mas, ao procurar o laboratório onde está o esperma de Niels, ela soube que não poderia utilizá-lo porque não havia um consentimento prévio do marido liberando o uso após sua morte. O laboratório alegou "razões éticas" para justificar a recusa. Não há legislação brasileira que regulamente a matéria. Clínicas de reprodução e laboratórios se baseiam em norma do Conselho Federal de Medicina que os orienta a documentar o que os homens pretendem fazer com o sêmen congelado. Em sede de antecipação de tutela a liminar foi deferida, entendendo o juiz Alexandre Gomes Gonçalves que a manifestação de vontade não deveria necessariamente ser escrita nos termos do enunciado nº.106 do Conselho da Justiça Federal, mas deveria ser manifestada por atos do falecido em vida de forma inequívoca, o que foi feito pelo ato inquestionável de depósito de seu sêmen, bem como o incentivo ao tratamento da esposa para que a fertilização pudesse ser realizada, interrompido pelo grave estágio da doença. Assim, o juiz concedeu a antecipação de tutela entendendo que a verossimilhança está provada pelos atos do marido em vida, bem como a anuência da família deste para que tal procedimento fosse realizado. Ademais, o perigo do dano irreparável ou de difícil reparação foi configurado a partir de relatório médico pelo qual a demora na solução da lide tornaria mais difícil o sucesso na fertilização. Quanto à questão do planejamento familiar e a possibilidade da concretização da vontade após a morte, o juiz discorre na decisão interlocutória: “A autora, portanto, além da provável legitimação, como sucessora para realizar a vontade do marido, parece ter também o direito de concretizar os planos feitos com eles, utilizando-se dos meios que deixou notadamente, porque, segundo prescrevem os §§ 5º e 7º do art.226 da Constituição Federal, o planejamento familiar é de livre decisão do casal, sendo os direitos referentes à sociedade conjugal “exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”. Normas que não por sua redundância, mas por sua importância, estão reafirmadas no art.1.565 do Código Civil vigente e o art.2° da Lei nº.9.263/96.” Processo nº. 27862/2010. 13º Vara Cível da Comarca de Curitiba.”

O segundo julgado[19], por seu turno, orientou-se no sentido diametralmente oposto, entendendo que a ausência da declaração de vontade impede a utilização do material genético por parte da viúva, em respeito ao princípio da autonomia da vontade do de cujus, in verbis:  

A utilização de sêmen armazenado para inseminação artificial post mortem está condicionada à manifestação expressa de vontade do doador. A Juíza a quo reconheceu o direito da autora sobre o material genético de seu falecido companheiro. Por sua vez, a empresa responsável pela coleta e armazenagem do sêmen alegou a inexistência de autorização expressa do doador nesse sentido. Os Desembargadores, por maioria, entenderam que o fato de o de cujus ter guardado material genético, ao saber que poderia ter sua capacidade reprodutiva afetada pelo tratamento ao qual se submeteria, não significa que o mesmo estaria de acordo com a inseminação post mortem. Dessa forma, o voto majoritário foi no sentido de que, diante da falta de disposição legal expressa sobre a utilização do material, presumir o consentimento do de cujus caracteriza violação ao princípio da autonomia da vontade. Por outro lado, no voto minoritário, ficou consignado que se houve a celebração de contrato para a realização de coleta e armazenagem de sêmen é porque o casal pretendia ter filhos mediante inseminação artificial, o que caracteriza a autorização implícita do de cujus. (Acórdão n.º 820873, 20080111493002APC, Relatora: NÍDIA CORRÊA LIMA, Relator Designado: GETÚLIO DE MORAES OLIVEIRA, Revisor: GETÚLIO DE MORAES OLIVEIRA, 3ª Turma Cível, Data de Julgamento: 03/09/2014, Publicado no DJE: 23/09/2014. Pág.: 139)”

3.2.2 Análise do Direito comparado.

A fecundação homóloga é reconhecida por diversos países que têm legiferado nesta seara do direito. Diferentemente do Brasil, o Velho Mundo dispõe de regramento expresso acerca dos direitos hereditários do inseminado artificialmente post mortem.

A título de exemplo, perfazendo leitura direita das normas regentes no Direito português, percebe-se vedação da inseminação póstuma homóloga prescrita no artigo 22 da Lei n.º 32 de 26 de julho de 2006. Conforme adverte José de Oliveira Ascensão (2005, p. 30), “estabelece-se como princípio a proibição da inseminação pós-mortem e a destruição nesse caso do sêmen eventualmente criopreservado. Mas admite-se a transferência pós-morte de embrião dentro de um Projecto parental claramente estabelecido por escrito antes do falecimento do pai”.

Na Espanha, conforme disposição da Lei n.º 35 de 1988, a inseminação homóloga post mortem não estabelece filiação, salvo se o pai tenha deixado, mediante escritura pública ou testamento, que o seu material genético possa ser utilizado após a sua morte, desde que dentro do prazo de 12 meses. Percebe-se, assim, a primazia do consentimento (autonomia da vontade do de cujus) sobre a verdade biológica, conforme conclui Eduardo Serrano Alonso (2007, p. 302).

Na Itália, por seu turno, a inseminação homóloga póstuma é expressamente vedada, conforme disposição constante na Lei n.º 40 de 19 de fevereiro de 2004. Comentando a legislação italiana, Sílvia Orrù (2008, p. 12-13) refere que “è vietato, in fatti, qualsivoglia tecnica di fecondazione post mortem, realizzata mediante l’utilizzazione di gameti crioconservati appartenenti a persona già deceduta; ne puÒ essere consentito il prelievo di materiale genético da cadavere”.

Compartilhando desta mesma orientação, a legislação francesa proíbe expressamente a procriação assistida post mortem, sendo condição sine qua non, para a utilização de quaisquer dos métodos de reprodução artificial, a circunstância de o casal encontrar-se vivo. Adverte Frédéric Debove (2011, p. 344): “La loi prohibe ainsi l’insémination et la gestation post mortem”.

Na Argentina, a legislação é omissa sobre a temática. Outrossim, conforme ensinam Gustavo Bossert e Eduardo Zannoni (2004, p. 475), em ocorrendo a inseminação artificial post mortem, o filho deverá ver a sua filiação reconhecida, porém não gozará de direitos sucessórios, in verbis: 

“Como hemos dicho, el congelamiento de semen crea la posibilidad de que, tras la muerte del marido, la esposa solicite ser fecundada con sêmen congelado de aquél. Ante el silencio actual de nuestra legislación, no creemos que podría negarse el derecho de la mujer a lograrlo; tampoco resulta posible sostener que se trata de un hecho ilícito, aunque pueda resultar cuestionable de lege ferenda, ya que no respeta el interés del niño que nacería condenado de antemano a ser huérfano de padre. Concretada dicha inseminación, no rige la presunción de paternidade -pues el hijo, salvo una inseminación practicada inmediatamente después del fallecimiento del marido, nacerá después de trescientos días de la disolución del matrimonio-, pero puede probarse, en base a la comprobación de la inseminación y a las pruebas biológicas, que el niño es, biológicamente, hijo del marido muerto. De manera que en función de dicha prueba, que se deberá producir dentro de un juicio de reclamación de filiación, quedará establecido el vínculo de filiación entre el hijo y quien era el marido de la madre. Claro está que este hijo carecerá de derechos hereditarios, ya que no existía al tiempo de la apertura de la sucesión (arg. art. 3282, Cód. Civil).”

Aníbal Guzmán Ávalos (2006, p. 238), ao analisar a legislação mexicana acerca do tema, aponta a necessidade do consentimento para a realização do procedimento de inseminação, sob pena do ato ser considerado criminoso, sinalizando que “la ausência de la voluntad para la práctica de la inseminación artificial se considera como uma conducta punible. Este critério lo siguen los códigos penales de los Estados de Querétaro y Colima, que autorizan el aborto cuando el embarazo es causa de una inseminación artificial indebida”. Indica o mencionado autor, ainda, que “para la inseminación artificial se requiere el consentimento por escrito de la mujer y del marido o concubinario, previa explicación y justificación que se les otorgue y con la satisfación de los requisitos exigidos”.

3.3 Ação de Petição de Herança e seus efeitos.

A ação de petição de herança é a medida judicial cabível para que se veja reconhecida a qualidade de herdeiro, bem como para postular o recebimento dos bens que compõem a herança, inclusive com os seus rendimentos e acessórios. Nas palavras de Orlando Gomes (1984, p. 266), é a ação que se destina “ao reconhecimento da qualidade sucessória de quem intenta; ou visa, precipuamente, à positivação em um status, do qual deriva a aquisição da herança”, devendo ser proposta pelo interessado ‘não unicamente no propósito de ter reconhecida a sua condição de herdeiro, mas, também, para obter a restituição de todos os bens da herança, ou de parte deles”.

Whashington de Barros Monteiro (2009, p. 83), por sua vez, indica que:

“É ação que compete a quem é herdeiro, mas não tem título reconhecido, como acontece, por exemplo, se, aberta a sucessão, esta se processa como se fora ab intestato, vindo a descobrir-se, porém, que o falecido deixou testamento no qual contempla o autor da ação; é ainda o caso do filho não reconhecido, que deve antes comprovar a filiação para depois receber seu quinhão hereditário; ocorre também se é sucessão de irmão não reconhecido, tendo a herança sido atribuída a tios do extinto. Dispõe o art. 1.824 que o herdeiro pode, em ação de petição de herança, demandar o reconhecimento de seu direito sucessório, para obter a restituição da herança, ou de parte dela, contra quem, na qualidade de herdeiro, ou mesmo sem título, a possua. É ação pertinente tanto à sucessão legítima como à testamentária, e seu prazo prescricional é de dez anos.”

Apesar de declarativa, a petitio hereditatis reveste-se igualmente de índole condenatória (MONTEIRO, 2009, p. 83-84), submetendo-se, necessariamente, a prazo prescricional. Aplica-se a ela a cláusula geral de prescrição que estabelece o prazo extintivo de 10 anos, o qual deverá ser contado a partir da data da abertura da sucessão (fato gerador do direito sucessório). Verifica-se oportuna a lembrança de que contra os absolutamente incapazes não corre qualquer prazo prescricional.

Cumpre destacar, ainda, que mesmo estando cumulada com outro pedido - v.g. investigação de paternidade –, a petição de herança prescreverá em 10 anos. Assim, apesar de imprescritível a declaração filial, a petitio hereditatis prescreverá normalmente, conforme entendimento cristalizado na Súmula 149 do Supremo Tribunal Federal[20], segundo a qual “é imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas não o é a de petição de herança”. (RIZZARDO, 2009, p. 144 – 146)

Contudo, impende destacar que não há que se falar em petição de herança enquanto não houver a confirmação da paternidade. À vista disso, conclui-se que o termo inicial do início da contagem do prazo prescricional para o ajuizamento da ação de petição de herança é a data do trânsito em julgado da ação de investigação de paternidade[21], quando, em síntese, confirma-se a condição de herdeiro (CAVALCANTE, 2017, p. 467).

Neste sentido, posiciona-se Carlos Roberto Gonçalves (2016, p. 142), in verbis:

“O termo inicial do lapso prescricional é coincidente com a data da abertura da sucessão, como já decidiu o Supremo Tribunal Federal, uma vez que não se pode postular acerca de herança de pessoa viva. Somente depois da morte há legitimação ativa para suceder, por parte de quem tiver de pleitear a herança. (...) Todavia, se a legitimação depender do prévio reconhecimento da paternidade, o dies a quo do prazo prescricional será a data em que o direito puder ser exercido, ou seja, o momento em que for reconhecida a paternidade, e não o da abertura da sucessão.”

Por fim, cabe salientar que não se pode confundir a petitio hereditatis com a ação reivindicatória, haja vista que enquanto nesta busca-se o reconhecimento do direito de propriedade, naquela pretende-se a declaração do direito de reclamar a herança, ou que se reconheça o direito na universalidade hereditária. Ademais, na reivindicatória postula-se a restituição de coisa singular e determinada, enquanto que na ação de petição de herança persegue-se um título para, posteriormente, vindicar o bem ou o conjunto de bens que integra o quinhão.

Outrossim, mesmo delimitando-se o campo de atuação de cada uma das ações, percebe-se uma grande semelhança quanto à natureza, tendo em vista que ambas possuem cunho real, sendo exercitáveis e oponíveis erga omnes. Adverte Arnaldo Rizzardo (2009, p. 131-133) que a petição de herança possui, efetivamente, “uma extensão que antecede a natureza real, e que a torna também uma ação pessoal: na parte que envolve o reconhecimento da qualidade de herdeiro, considerada como preliminar, é prejudicial ou não ao direito de peticionar o recebimento do quinhão”. Informa, destarte, que esta ação constitui o meio judicial de receber os direitos hereditários, ou de salvaguardá-los, contra as usurpações de terceiros. “Não propriamente para defender os direitos ou bens, eis que, para tanto, há as ações possessórias, utilizáveis no caso de turbação ou esbulho, ou de ameaça de perda. Serve mais para reclamar e conseguir o bem ou o quinhão hereditário.”

Sobre a autora
Charlene Cortes dos Santos

Mestre em Direito Civil e Empresarial pela UFRGS. Especialista em Direitos Fundamentais e Constitucionalização e Graduada pela PUC/RS. Especialista em Direito Público pela Escola Superior Verbo Jurídico. Autora da obra "Curatela e Tomada de Decisão Apoiada: Teoria e Prática", publicada pela editora Juruá, bem como de capítulos de livros e artigos jurídicos. Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Advogada licenciada. Corretora de imóveis licenciada. Ex-proprietária de imobiliária, com 15 anos de atuação no Direito Imobiliário. Servidora Pública Estadual.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Charlene Cortes. A vocação hereditária na inseminação artifical homóloga post mortem. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6241, 2 ago. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64312. Acesso em: 22 nov. 2024.

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Seminário apresentado no curso de mestrado da faculdade de Direito da UFRGS, na disciplina "Direito das Sucessões: o direito das sucessões em sua transitoriedade” .

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