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Lavagem de dinheiro: conceitos e características

Agenda 25/02/2018 às 01:02

Conceitos básicos da dinâmica da lavagem de dinheiro.

1. CONCEITOS

O crime de lavagem de dinheiro é praticado com o objetivo de impedir que determinada quantia obtida ilegalmente seja rastreada, identificada. Ao contrário, a lavagem do dinheiro propicia dar uma “aparência” legal ao mesmo, associando-o a atividades lícitas.

A origem do termo “lavagem de dinheiro”, ou money laudering, em inglês, é norte-americana, utilizada num processo judicial de 1982 contra um traficante de drogas. O sentido é o de “lavar”, “limpar” o dinheiro de origem ilícita (PITOMBO, 1999, p.33).

O Direito Tributário Brasileiro, a exemplo de outros, tem por princípio tributar o montante identificado, independentemente da origem do dinheiro. O artigo 118, do Código Tributário Nacional, a respeito do fato gerador da obrigação, deixa claramente consignado:

Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se:

I - da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos;

 II - dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos.

Ou seja, interessa, segundo esta norma geral, apenas os efeitos econômicos produzidos pelos atos, e não sua validade, licitude ou moralidade, para fins de tributação. Daí surgiu o conceito consignado na expressão latina pecunia non olet, literalmente, dinheiro não cheira. Lembra, ainda, Karkache (2013), a respeito das possíveis origens históricas da expressão citada que o Imperador Vespasiano restabeleceu uma taxa cobrada para utilização de banheiros públicos, e que se tornou impopular em Roma. Tito, filho de Vespasiano e sucessor ao trono, reclamou junto a seu pai contra a taxa, mas Vespasiano negou-se a revogá-la e, tomando algumas moedas de ouro, teria dito a famosa expressão: pecunia non olet.

Contudo, a maior problemática em relação ao crime de lavagem de dinheiro está no fato de que tal crime, na maioria das vezes, é apenas uma forma de encobrir crimes mais sérios, conhecidos pelo grupo da criminalidade organizada.

O crime organizado foi objeto de atenção da própria Organização das Nações Unidas – ONU, na medida em que o mesmo transcende fronteiras e torna-se um problema de segurança internacional. A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, na cidade italiana de Palermo, em 11 de dezembro de 1999, ratificada pelo Brasil em 29/01/2004 e promulgada pelo Decreto Nº 5015, de 12/03/2004 (JUSBRASIL) define no item a do artigo 2º, o que segue:

“Grupo criminoso organizado" - grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material (UN DOCUMENTS, 2000).

Conforme lembra Silva (2003) discorrendo sobre as diversas características da criminalidade organizada, destaca o grande poder de corrupção, a estrutura piramidal formada por cadeias específicas de comando e a própria necessidade de “legalizar” os lucros obtidos com o crime (lavagem de dinheiro).

Mendroni (2007) ajuda a estabelecer as características desta modalidade criminosa:

São inúmeras as organizações criminosas que existem atualmente. Cada uma assume características próprias e peculiares, amoldadas às próprias necessidades e facilidades que encontram no âmbito territorial em que atuam. Condições políticas, policiais, territoriais, econômicas, sociais, etc. influem decisivamente para o delineamento destas características (...).

Organização criminosa tradicional, como acima referido, pode ser concebida como um organismo ou empresa, cujo objetivo seja a prática de crimes de qualquer natureza – ou seja, a sua existência sempre se justifica por quê -, e enquanto estiver voltada para a prática de atividades ilegais. É, portanto, empresa voltada à prática de crimes (MENDRONI, 2007, p. 11).

Ainda no sentido de estabelecer a correspondência entre o crime organizado e a necessidade da lavagem de dinheiro, o Federal Bureau of Investigation (FBI), espécie de polícia federal americana, estima que o crime organizado movimente, aproximadamente, um trilhão de dólares/ano.

Não é facilmente mensurável, mas sabemos que é significativo. O Crime Organizado manipula e monopoliza mercados financeiros, instituições tradicionais, como sindicatos e indústrias legítimas, como a da construção e a do lixo. Eles (representantes do crime) trazem drogas em nossas cidades e aumentam o nível de violência em nossas comunidades, através de funcionários públicos corruptos e da prática de chantagem, extorsão, intimidação e assassinatos para manter suas operações. Seus negócios escusos , incluindo a prostituição e o tráfico humano, semeiam a miséria nacional e global. Eles também movimentam para fora do país milhões a cada ano através de ações fraudulentas de diversos tipos e golpes financeiros.

O impacto econômico por si só é impressionante: estima-se que o crime organizado global obtenha lucros ilegais de cerca de US $ 1 trilhão por ano (FBI)[1].

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Schott (2005) vai além e cita o Fundo Monetário Internacional, que estimou que o valor total da lavagem de dinheiro está entre 2% e 5% do “Produto Interno Bruto mundial, o que representaria algo em torno de US$ 1,5 trilhão, anualmente”.

Estatísticas mais recentes dão conta de que, só nos EUA, as atividades criminosas estariam movimentando por volta de 600 bilhões de dólares (Tabela 1).

Fonte: World Bank

E apenas para ilustrar os tipos de práticas elencadas como crime organizado, Davin (2007) observa que são fundamentadas num certo relacionamento afetivo (como as famílias mafiosas), étnico ou instrumental (hierárquico, por exemplo); na frequência de contatos e em determinadas áreas geográficas. Suas práticas podem incluir: tráfico de entorpecentes, armas, órgãos, seres humanos, material nuclear, pedras preciosas e antiguidades; fraudes bancárias e em negócios públicos; homicídios; roubos e extorsões, dentre outros.

Maierovitch (2008) descreve realisticamente tal atividade do submundo, em que, por exemplo, “mais de 30 milhões de jovens mulheres são exploradas no Sudeste asiático. Usando o jargão regional elas têm “dono”, como se fossem objetos ou animais colocados em comércio. São revendidas ou alugadas em bordéis” (MAIEROVITCH, 2008 p. 317). Ou, ainda:

“A Tailândia e a Índia transformaram-se em centros de recrutamento e venda de crianças para bordéis. Essas crianças provêm da China, do Laos, do Camboja, do Vietnã e de Mianmar. Algumas acabam vendidas para matrimônio. Quando menores de 14 anos e com menos de 35 quilos são repassadas aos Emirados Árabes, onde viram jóqueis, montando camelos em corridas milionárias” (MAIEROVITCH, 2008 p. 318).

O quadro abaixo dá uma ideia de tais valores que necessitam ser “lavados”, em termos globais:

Tabela 2: “Dinheiro sujo” através do mundo. Fonte: Unodc, 2011.

Para complicar um pouco mais esse quadro, estudos efetivos das organizações criminosas, com amplitude, são raros. Como lembra Koppen et al (2008) as carreiras do crime organizado são pouco estudadas, com exceção de alguns poucos casos importantes[2].

No Brasil, o órgão responsável por identificar e monitorar possíveis operações suspeitas de lavagem de dinheiro é o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, do Ministério da Fazenda. Na sua cartilha, cujos dados vão até o ano de 2011, é possível visualizar as atividades que geram movimentação bancária e financeira e, após análise específica por setor, as que geram suspeita são acompanhadas de perto e podem gerar investigações específicas. Os setores são obrigados a comunicar a movimentação – que pode estar vinculada a um determinado limite, como por exemplo, operações bancárias acima de dez mil reais. A tabela 3 mostra tais comunicações por setores.

Tabela 3: Fonte: Cartilha COAF.


2. CARACTERÍSTICAS

As operações de lavagem de dinheiro fornecem subsídio importante para o crime organizado. Mas, podem ser também fundamentais para uma espécie de crime menos engenhosa, mas também socialmente danosa que é a sonegação fiscal. Neste caso pode advir de uma atividade organizada por vários indivíduos ou por apenas um, que se dedique à economia informal. Países como o Brasil, cuja tributação é considerada excessiva, este tipo de comportamento não é incomum. E, um fato interessante, é que estes valores buscam determinados investimentos. Como pontua Lopes Júnior (2009): ” (...)os lucros auferidos tanto na economia informal quanto na ilegal direcionem-se prioritariamente aos investimentos especulativos mais seguros (ouro e dólar) e ao consumo suntuoso (automóveis e mansões, além de atividades festivas destinadas à conquista de algum reconhecimento social)”.

De forma geral, o mecanismo consiste em injetar o “dinheiro sujo” no mercado, disfarçá-lo através de várias operações e trazê-lo devidamente “limpo” para a conta dos beneficiados. A figura abaixo ilustra este mecanismo:

Fonte Virdi (2013).

Como bem explica Virdi(2013):

A lavagem de dinheiro é um processo dinâmico de três fases, que envolve: colocação, levando os fundos do crime para o local de investimento; camadas, que são várias operações para disfarçar a trilha e frustrar a perseguição; e, a integração, tornando o dinheiro disponível para o criminoso, mais uma vez, com o seu trabalho e origens geográficas devidamente ocultados[3].

Tal procedimento pode ocorrer em qualquer país do mundo. As múltiplas operações, que podem envolver a transferência do dinheiro para vários países e, quase sempre, envolvem paradas por “paraísos fiscais”, ou seja, países cujo controle das atividades financeiras são mais “frouxos”.

O que importa é que quando falamos em paraísos fiscais estamos a falar de países ou territórios que possibilitam a minimização da carga fiscal, assegurando a confidencialidade das operações financeiras, podendo também ser utilizados para outros fins como ocultar rendimentos e branqueamento de capitais, e onde existe um sistema financeiro fracamente regulado, um tratamento fiscal preferencial para os não-residentes, regras de incorporação simples para os mesmos, e estritas leis de sigilo bancário que protegem os titulares da conta (VEIGA, 2013).

O Banco Interamericano de Desenvolvimento (IPES 2005) relaciona as seguintes implicações da lavagem de dinheiro:

a) Distorções Econômicas: O objetivo não é investir, ou seja, privilegiar a atividade econômica. O importante é dissimular, disfarçar para trazer de volta o dinheiro de origem ilícita. Pode haver perversão dos princípios econômicos haja vista que até negócios que deem prejuízo podem ser feitos, desde que o dinheiro seja lavado;

b) Risco à integridade e à reputação do sistema financeiro: Grandes somas de dinheiro “aparecem” e “desaparecem” rapidamente;

c) Diminuição dos recursos governamentais: A distorção causada pelas manobras com o objetivo de dissimular as fontes de renda e os montantes arrecadados substituem fontes fidedignas e realmente produtivas; 

d) Repercussões socioeconômicas: A lavagem de dinheiro traz problemas de ordem social na medida em que estimula a criminalidade e todos os custos a isso associados, absorvidos pela sociedade. 


3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O crime de lavagem de dinheiro tem uma especificidade que o distingue dos demais: a de tornar “legítimos” determinados montantes obtidos através de outros crimes, como a corrupção, o tráfico de variadas matizes (drogas, órgãos, pessoas, minérios etc.), roubos e extorsões, dentre outros. A criminalidade organizada é a que mais se utiliza deste expediente, que movimenta valores estimados entre 1 e 1,5 trilhão de dólares anualmente. Outra vertente, também criminosa, contudo de “menor gravidade” é aquela da sonegação de impostos, que trabalha com a lavagem do dinheiro com o objetivo de tornar lícito o montante obtido com a economia informal, por exemplo.

O ponto fundamental é o controle na movimentação dos valores e, aqui no Brasil, tal monitoramento é desenvolvido pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, do Ministério da Fazenda.

As múltiplas operações com a finalidade de inserir o montante a ser “lavado” no sistema financeiro, as diversas “idas” e “vindas” (muitas vezes passando por paraísos fiscais) e a volta dos valores para a conta dos beneficiados, devidamente “lavados” são as características distintivas da atividade.


NOTAS

[1] Tradução livre do autor. Parêntesis do autor. Texto original em inglês: It isn’t easily measured, but we know it’s significant. Organized crime rings manipulate and monopolize financial markets, traditional institutions like labor unions, and legitimate industries like construction and trash hauling. They bring drugs into our cities and raise the level of violence in our communities by buying off corrupt officials and using graft, extortion, intimidation, and murder to maintain their operations. Their underground businesses—including prostitution and human trafficking—sow misery nationally and globally. They also con us out of millions each year through various stock frauds and financial scams. The economic impact alone is staggering: it’s estimated that global organized crime reaps illegal profits of around $1 trillion per year.

[2] No original: Criminal careers in organized crime are scarcely investigated, with the exception of a few important case studies, and have never been studied in a broad, quantitative way. 

[3] Texto original: Money-laundering is a dynamic three-stage process that requires:

- placement, moving the funds from direct association with the crime;

- layering, disguising the trail to foil pursuit; and,

- integration, making the money available to the criminal, once again, with its occupational and geographic origins hidden from view.


REFERÊNCIAS:

BRASIL. Legislação. CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. LEI Nº 5.172, DE 25 DE OUTUBRO DE 1966. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm>. Acesso em: 12 Jul 2014.

BRASIL. Ministério da Fazenda. Cartilha COAF.

DAVIN, João. A Criminalidade Organizada Transnacional. A Cooperação Judiciária e Policial na EU. 2ed. Coimbra (Portugal): Almedina, 2007.

FBI. Organized Crime. Disponível em: <http://www.fbi.gov/about-us/investigate/organizedcrime/overview>. Acesso em: 12 Jul 2014.

IPES, 2005. Unlocking Credit: The Quest for Deep and Stable Bank Lending , Inter-American Development Bank, Economic and Social Progress in Latin America Report. Published by The Johns Hopkins University Press.

JUSBRASIL. LegislaçãoDECRETO Nº 5.015, DE 12 DE MARÇO DE 2004.Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/97877/decreto-5015-04>.Acesso em 15 Jul 2014.

KARKACHE, Sérgio. O que é o princípio “pecunia non olet”Disponível em:< http://aprovaexamedeordem.com.br/2013/11/o-que-e-o-principio-pecunia-non-olet/>. Acesso em: 31 Mai 2014.

KOPPEN, M. Vere van. POOT, Christianne J. de. , KLEEMANS, Edward R. , NIEUWBEERTA, and Paul. CRIMINAL TRAJECTORIES IN ORGANIZED CRIME. Advance Access publication 3 November 2009. British Journal of Criminology. (2010) 50, 102–123.

LOPES JÚNIOR, Edmílson. As Redes Sociais do Crime Organizado. A Perspectiva da Nova Sociologia Econômica. Revista Brasileira de Ciências Sociais. Vol.24. Nº69, 2009.

MAIEROVITCH, Wálter Fanganiello. Na Linha de Frente pela Cidadania. A Criminalidade dos Potentes.São Paulo: Editora Michael, 2008.

MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime Organizado: Aspectos Gerais e Mecanismos Legais. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2007.

PITOMBO, Antonio Sérgio A. de Moraes. Lavagem de Dinheiro: a tipicidade docrime antecedentes. São Paulo: Revista dos Tribunais,1999.

SCHOTT, Paul Allan. Guia de referência Anti-branqueamento de Capitais e de Combate ao Financiamento do Terrorismo. 2. ed. BIRD/Banco Mundial, abril 2005.

SILVA, Eduardo Araújo de. Crime Organizado: procedimento probatório. São Paulo: Atlas, 2003.

UN DOCUMENTS. United Nations Convention against Transnational Organized Crime. 11/2000. Disponível em: <http://www.un-documents.net/a55r25.htm>. Acesso em: 31 Mai 2014.

UNODC. United Nations Office on Drugs and CrimeEstimating illicit financial flows resulting from drug trafficking and  other transnational organized crimesOctober, 2011Disponível em: < http://www.unodc.org/documents/data-and-analysis/Studies/Illicit_financial_flows_2011_web.pdf>. Acesso em: 31 Mai 2014.

VEIGA, Iolanda. Os offshores e a evasão fiscal das grandes empresas e grupos econômicos. JURISMAT, Portimão, n.º 3, 2013, pp. 363-383. ISSN: 2182-6900.

VIRDI, Monica et al. Money Laundering (from a Management Perspective).Available at SSRN 2235067, 2013.

WORLD BANK. World Development Indicators (WDI), 2011. 

Sobre o autor
Herbert Gonçalves Espuny

Doutor pela Universidade Paulista - UNIP, com pesquisa específica na área de Inteligência. Mestre na área interdisciplinar Adolescente em Conflito com a Lei, pela Universidade Bandeirante de São Paulo - UNIBAN. Administrador, registrado no CRA-SP. Bacharel em Direito. Corregedor, na Controladoria Geral da Administração, Governo do Estado de São Paulo. Professor universitário.

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