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POTESTAS, AUCTORITAS E CONSTITUCIONALIDADE NA PÓS-MODERNIDADE, PARA ONDE ESTAMOS INDO?

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Agenda 25/02/2018 às 15:55

O presente artigo tem como finalidade abordar de forma pragmática os desdobramentos da Constituição vista hodiernamente por múltiplos olhares e interpretada pelas mais variegadas mentes. Será ela um poder ou mesmo uma autoridade?!

DANIEL EDSON ALVES E SILVA[1]

POTESTAS, AUCTORITAS E CONSTITUCIONALIDADE NA PÓS-MODERNIDADE, PARA ONDE ESTAMOS INDO?

RESUMO

O presente artigo tem como finalidade abordar de forma pragmática os desdobramentos da Constituição vista hodiernamente por múltiplos olhares e interpretada pelas mais variegadas mentes. Será ela um poder ou mesmo uma autoridade?! O que de fato é este documento que se apresenta como espeque para discursos e decisões jurídicas? Por ela e em nome dela são feitas escolhas que refletem diretamente na vida de cada uma das pessoas que estão sob sua égide quer elas tenham consciência disso ou não. O Direito é uma ciência em constante transformação e está sempre direcionando a sociedade. Estamos indo, descalços ou com botas de sete léguas, porém, para onde? Em busca de tal resposta será urdido o trabalho que ora se inicia.

Palavras-Chave: Pós-Modernidade – Democracia – Autoridade – Poder – Judiciário - Constituição.

ABSTRACT

The following article aims to address, pragmatically, the unfoldings of the Constitution seen in our time by multiple views and interpreted by the most variegated minds. Will it be a Power or even an Authority?! What actually is this document which is presented as stanchion for speeches and legal decisions? For her and in her name choices are made that directly reflect in the life of each person under their aegis whether they are aware of it or not. The Law is a science constantly changing and is always guiding the society. We are going, barefoot or with seven-league boots, but where to? In search of such answer will be woven the work that starts.

Keywords: Postmodernity - Democracy – Authority – Power – Judiciary – Constitution.

METODOLOGIA

            A presente pesquisa atuará de forma DESCRITIVA narrando de forma singela e perfunctória a natureza dos problemas engendrados pela constitucionalidade sob o crivo das idéias contemporâneas que se tem acerca dos conceitos de autoridade e poder. A discussão crítica é o principal anseio deste trabalho que se presta a servir como mola impulsionadora para reflexões mais amplas e abissais sobre o tema ‘a quo’. Serão utilizados como meio para realização desta pesquisas,artigos científicos, textos jurídicos e principalmente obras doutrinarias indicadas pelo professor Leandro Corrêa Oliveira ao longo das atividades do grupo de pesquisa ‘Jurisdição e Política’ e da disciplina Teoria da Democracia do programa de Mestrado em Direito da Faculdade de Direito do Sul de Minas – FDSM, dentre outras obras que venham a contribuir elucidação da importância desta questão. Ao final espera-se fechar tal trabalho com um posicionamento, apontando a direção para a qual se acredita estar sendo conduzida a sociedade brasileira nesta linha de perspectivas.

JUSTIFICATIVA

O trabalho a seguir tem relevância e importância social vez que não há pessoa no presente pessoa imune às decisões jurídicas e políticas que derivam da hermenêutica constitucional. Em nossos dias todas as questões das mais importantes às mais insignificantes tendem a ser cotejadas, aceitas ou rejeitadas sob a semântica da Constituição, todavia, não há pureza neste raciocínio. A única segurança é a incerteza fruto da instabilidade em que se encontra o Brasil e o mundo. Toda crise gera profundas mudanças e tendo como ponto nevrálgico a perspectiva do Direito, esta pesquisa se propõem a servir de base para estudos mais avançados sobre o tema e também como orientação para que outros pesquisadores possam explorar assuntos correlacionados eis que os mesmos estão sempre presentes nas celeumas que envolvem a questão da democracia em dias de constantes mutações constitucional.

OBJETIVOS

Objetivo geral

O objetivo central deste trabalho é a promoção da discussão crítica sobre os efeitos dos vários sentidos que são percebidos em matéria de constitucionalidade na pós-modernidade. De forma reflexiva a presente pesquisa anela tentar indicar a direção para a qual está sendo guiada a sociedade brasileira, ou eventualmente pugnar ao final pela possibilidade de a mesma encontrar-se desbussolada e envolvida em um romance onde autoridade e poder se confundem ao longo do processo contemporâneo de hermenêutica constitucional.

Objetivos específicos

            O presente artigo apresentará uma exposição sintetizada sobre o nascimento do Estado Moderno, sua existência e evolução até o estágio presente que é denominado por alguns de ‘Pós-Modernidade’.

            Apresentará as principais características desta nova Modernidade (reflexiva) em contraste com os anseios históricos na luta pelo Direito.

            De forma crítica tecerá ponderações no que tange a facticidade em divergência a realidade da semântica constitucional de nossos dias.

            Abordará as pretensões da constituição dirigente de 1988 e a (in)segurança jurídica na qual vive a sociedade brasileira como sendo tal fenômeno uma ruptura com a ‘ordem e progresso’ que simboliza o positivismo enraizado em nosso ordenamento jurídico.

            Questionará de forma avaliativa se é possível indicar certamente a direção para a qual estamos indo ou se eventualmente encontramos desorientados em matéria de constitucionalidade e ao final em sede de conclusão apontar a perspectiva para o futuro próximo que se conseguiu chegar sobre a temática ao término da pesquisa.

HIPOTESES

            Como o poder Judiciário se porta atualmente na sociedade ‘potestas’ ou ‘auctoritas’? E a sociedade como o concebe?

A existência ‘homo sacer’ quase três décadas após a promulgação da Constituição dirigente seria um indicio de que estamos em um ‘estado de exceção’ permanente?

E O ‘Estado de Exceção’ de alguma forma torna a democracia melhor?

            O Supremo Tribunal Federal - STF está servindo fidedignamente ou se tornando senhor da Constituição Federal?

O Judiciário está se tornando o herói ou o vilão da sociedade? É melhor seguir com ou sem ele?

           

            Backlash, outras formas de resistências e algumas estranhezas na interpretação teleológica da norma. Afinal de constas para onde estamos indo?

            O que é de fato a Constituição na pós-modernidade?

INTRODUÇÃO – REFERENCIAL TEÓRICO

                       

A única certeza possível no universo do Direito é que ele encontra-se em constante transformação. O presente artigo investigará se a constitucionalidade tornou-se um poder, uma autoridade ou mesmo senhora de outra realidade. Nas palavras do professor André Ramos Tavares[2] “O constitucionalismo, pois, exala uma energia, uma firmeza e uma estabilidade que o têm sustentado até os dias de hoje.”

Os anseios expressos neste documento ainda não foram concretizados. O mundo segue em direção ignota engendrando perspectivas multifárias e neste caminhar novos sujeitos, conjecturas e desafios aparecem a cada momento. Na visão de Ferdinand Lassalle[3]:

“Os problemas constitucionais não são problemas de direito, mas do poder, a verdadeira Constituição de um país somente tem por base os fatores reais e efetivos do poder que naquele país regem, e as constituições escritas não têm valor nem são duráveis a não ser que exprimam fielmente os fatores do poder que imperam na realidade social: eis aí os critérios fundamentais que devemos sempre lembrar.”

        Na pós-modernidade[4] o poder apresenta complexa estrutura e uma moldagem 
tanto maleável, fragmentado em múltiplas constituições civis permite-se 
influenciar pelas mais variegadas orientações e anseios dos múltiplos segmentos sociais (nacionais e internacionais) organizados ou não. O  número de intérpretes e interpretações da semântica constitucional é uma crescente sendo que neste azo os magistrados se tornam co-autores do próprio Direito a partir do momento em que suas sentenças vão se tornando jurisprudências a orientar novas decisões judiciais.

            Neste baralhar muitas são as dúvidas e poucas as certezas, entre elas, como deve o indivíduo proceder nos casos em que a Lei e o Direito conflitam diretamente? Ronald Dworkin[5] responde tal indagação da seguinte forma:

“Em uma democracia, ou pelo menos em uma democracia que respeita os direitos individuais, todo cidadão tem um dever moral geral de obedecer as leis, mesmo que ele que algumas delas sejam modificadas. Ele tem esse deve para com seus concidadãos que, para seu benefício, acatam leis de que não gostam. Mas este dever geral não pode se um dever absoluto, porque mesmo uma sociedade em princípio justa pode produzir leis e políticas injustas, e um homem tem outros deveres além daqueles para com o Estado [...]”

            Depositamos nossas esperanças na constitucionalidade mesmo sem compreender ao certo sua teleologia. Acreditamos que ela nos salvará das crises, das ameaças, conduzirá a sociedade para um bem estar coletivo onde a representação polícia não seja valetudinária, a violência e a pobreza sejam erradicadas, e as possibilidades sejam múltiplas para todos. Tal desejo jaz efervescente de modo veemente em países de modernidade tardia como o nosso. Todavia, qual caminho deve ser seguindo nesta nova linha de conjecturas. Segundo Konrad Hesse[6]

“A força normativa da Constituição não reside, tão-somente, na adaptação inteligente a uma dada realidade. A Constituição jurídica logra converter-se, ela mesmo, em força ativa que se assenta na natureza singular do presente (individuelle Beschaffencheit der Gegenwart). Embora a Constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor tarefas. A Constituição transforma-se em força ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, se existi a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se, a despeito de todos os questionamentos e reservas provenientes dos juízos de conveniência, se puder identifica a vontade de concretiza essa ordem. Concluindo, pode-se afirmar que a Constituição converter-se-á em força ativa se fizerem presentes, na consciência geral – particularmente, na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional – não só a vontade de poder (Wille zur Macht), mas também a vontade de Constituição (Wille zur Verfassung).”

A Constituição da República Federativa do Brasil/1988 tentou de alguma forma deixar todas as pessoas em situação de igualdade, todavia, além de não conseguir tal intento está não é mais a realidade perquirida. Nesta linha de raciocínios juristas como Lênio Streck preconizam que é mais interessante dar um passo atrás e voltar à modernidade buscando a efetivação dos direitos já positivados ao invés de partir em busca de um novo estágio (momentaneamente indefinido, porém, absolutamente perceptível).

No início do século passado Rui Barbosa[7] com maestria já antevendo a problemática elucidava que:

“A regra da igualdade não consiste senão em aquinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real.”

As fronteiras estão cada vez mais próximas e embora não exista na 
atualidade uma constituição supranacional ou qualquer documento congênere que 
venha a traçar diretrizes normativas para todos os países de forma homogênea e 
autopoética, impondo um Direito uníssono ao globo, muito já fora construindo no campo da 
conscientização planetária no que tange a certos problemas por meio de tratados internacionais, 
principalmente relacionados aos direitos humanos e a construção de uma 
comunidade mundial verdadeiramente livre, justa e solidária que siga rumo à paz perpétua entre todos os Estados (democráticos e além).

Em nossos dias estão o conceito/interpretação de limites ou mesmo efetividade das normas constitucionais vem engendrando o fenômeno da expansão constitucional por toda a sociedade, todavia determinados problemas vão muito além de simples questões normativas tendo em vista o avançado e estágio em que se encontra o processo de globalização[8]. O que acontece no exterior reflete diretamente no interior. Doravante a presente pesquisa proporá a reflexão crítica por meio de uma abordagem histórica e social das inseguranças e vias axiais obscuras pelas quais caminha o homem na contemporaneidade.

PROBLEMA

O movimento descrito como ‘pós-modernidade’ alimenta muitos questionamentos e sucinta as mais abrangentes dúvidas, principalmente quando analisamos tal fenômeno ‘in terrae brasilis’. Embora não seja possível precisar ao certo um marco para seu nascimento, seu inicio se da aproximadamente com o advento da Constituição Federal de 1988.

No entender de Manuel García Pelayo[9] Política e Direito caminham dentro do desenvolvimento da sociedade e seguem marchas irrefutáveis na construção do espaço público. Neste cenário percebemos hodiernamente que a Constituição é o principal mecanismo de controlo do poder nos Estados democráticos, porém, ponderoso torna-se ressaltar que a constitucionalidade enquanto ciência não pode ser observada de forma anacrônica ou teratológica tal qual o faz grande parte de seus interpretes e operadores.

Considerada pelos especialistas como ‘tardia’ a pós-modernidade brasileira re-configura a lógica cultural que valoriza o relativismo em um conjunto de processos intelectuais flutuantes e indeterminados. Outra marca importante destes novos tempos é o fim das metanarrativas, a eliminação de certas fronteiras face às inovações tecnológicas. Em dias como estes nos quais o mundo passa por mudanças tão profundas, a ciência do Direito tem suas estruturas repensadas, este artigo investigará e discorrerá sobre o papel que o Judiciário à luz da constitucionalidade (por ela e em nome dela) está assumindo, seja ele ‘auctoritas’, ‘potestas’ ou uma existência possível. A final de contas onde estamos indo?! Luiz Werneck Vianna[10] lança luzes à discussão na seguinte passagem:

“É todo um conjunto de práticas de novos direitos, além de um continente de personagens e temas até recentemente pouco divisável pelos sistemas jurídicos – das mulheres vitimizadas, aos pobres e ao meio ambiente, passando pelas crenças e pelos adolescentes em situação de risco, pelos dependentes de drogas e pelos consumidores inadvertidos – os novos objetos sobre os quais se debruça o Poder Judiciário, levando a que as sociedades contemporâneas se vejam, cada vez mais enredadas na semântica da justiça. É, enfim, a essa crescente invasão do direito na organização da vida social que se convencionou chamar de judicialização das relações sociais”...

Historicamente o direito romano definia ‘auctoritas’ como sendo uma legitimidade no sentido de ‘autoridade’ que alguns cidadãos em certas circunstâncias possuíam uns sobre os outros. Lado outro, ‘potestas’ era entendido como sendo um ‘poder’ socialmente reconhecido e aceito entre os cidadãos da comunidade. No Brasil não há uma declaração precisa sobre qual seja o ‘status quo’ da Constituição na atualidade. A ela cabe a defesa da democracia, e nós modernos continuamos apostando na virtude. A República subsiste-se enquanto guardiã do bem comum, todavia o que se percebe são apenas os vários sacrifícios individuais por ela exigidos em prol deste bem maior que se apresenta insensível e pouco efetivo. Novamente Vianna[11]tece as seguintes considerações:

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“Na sociedade brasileira, um caso de capitalismo retardatário e de democracia política incipiente, a presença expansiva do direito e de suas instituições, mais do que indicativa de um ambiente social marcado pela desregulação e pela anomia, é a expressão do avanço da agenda igualitária em um contexto que, tradicionalmente, não conheceu as instituições da liberdade. Neste sentido, o direito não é “substitutivo” da República, dos partidos e do associativismo – ele apenas ocupa um vazio, pondo-se no lugar deles, e não necessariamente como solução permanente. Décadas de autoritarismo desorganizaram a vida social, desestimularam a participação, valorizando o individualismo selvagem, refratário à cidadania e à idéia de bem-comum.”

A insegurança e a incerteza são características marcantes de nossa época. É inegável que o Direito sofre uma crise existencial e uma influência voraz por parte de outras ciências. Nesta ala de compreensões é possível perceber de certa forma uma retomada a moral como sendo um direcionamento. Segundo Ingeborg Maus[12]

“Apesar dos contínuos processos de juridicização, as normas jurídicas são praticamente desconhecidas nesses campos sociais e por isso não teriam conseqüências para a vivência imediata dos indivíduos. Eles dirigem-se efetivamente aos aparatos do Estado, apesar de todas as estratégias em contrário por parte da jurisprudência e da metodologia jurídica.”

Nesta busca zetética pelo diálogo racional e o consenso no lugar da autoridade ou da força da lei a ciência do Direito demonstra ter vida e inteligência própria evidenciando não ser a mesma que está prevista nos códigos escritos que em grande parte das vezes estão distantes das efervescências humanas. Jurisprudência de interesses, discursos tendenciosos, metodologias autofágicas os problemas da ausência de uma forma pura que separasse Direito e Moral apresenta sintomas legiferantes e imiscuísse na realidade forense. Eduardo Giannetti da Fonseca[13] de forma lúdica considera que  

“Ao sentimento de revolta junta-se aqui a desaprovação moral — o juízo ético e a atribuição de responsabilidade (dolosa ou culposa) aos causadores do mal. Fazemos isso porque acreditamos estar diante de eventos que, de alguma forma, poderiam perfeitamente não ter ocorrido. Em contraste com a ótica estritamente científica dos fenômenos, dentro da qual “apenas o que acontece é possível”, o ponto de vista moral abre uma brecha para a possibilidade de que o mundo como ele é esteja aquém do mundo como pode e deve ser.”

            O Estado democrático liberal apresenta como valores básicos dentre outros; a liberdade, a propriedade privada individual, a igualdade, a segurança jurídica e a possibilidade de participação dos indivíduos na formação da vontade geral por meio do sufrágio universal. Livre e libertador espera tornar os valores fixados sempre mais efetivos na medida em que lhes dá uma base e um conteúdo material, partindo do pressuposto de que o indivíduo e a sociedade não são categorias isoladas com interesses contraditórios, mas em última análise se consubstanciam em duas idéias de implicação recíproca de tal modo que um não consegue subsistir sem a presença do outro.

A administração pública e todos os seus atos devem estar ligados ao princípio da legalidade de modo a não mandarem homens, mas sim a práxis constitucional. Sob a vigilância da legalidade nasceu o controle da constitucionalidade, no entanto considerando que o Estado intervém nos procedimentos administrativos é considerável que os Tribunais não são suficientes para a proteção dos direitos e interesses dos cidadãos. O professor Vianna[14] explica que:

“No Brasil, o legislador constituinte confiou ao Supremo Tribunal Federal (STF) o controle abstrato da constitucionalidade das leis, mediante a provocação da chamada comunidade de intérpretes da Constituição. E tal importante inovação não pode ser creditada, quer a uma expressão de vontade da sociedade civil organizada, antes, bem mais do que agora, alheia às possibilidades democráticas da intervenção do Judiciário na área pública, quer uma proposta amadurecida no interior do Poder Judiciário. Contudo apesar de as ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) terem caído como um raio em dia de céu azul no cenário institucional brasileiro, desde logo elas foram reconhecidas como um instrumento de significativa importância, não só para a defesa de direitos da cidadania, como também para a racionalização da administração pública.”

           

Inúmeros são os problemas que brotam desta discussão e pupulam a crise que vivenciamos no agora. A preponderância das decisões políticas vem se tornando uma realidade mantendo o ‘status quo’, todavia, o que é Política e o que o é Direito na atualidade? A Constitucionalidade é uma autoridade, um poder ou outra situação real a ser melhor estuda?! Em torno desta problemática caminhará o presente artigo anelando ao final lançar luzes na direção para a qual estamos indo.

Do Nascimento do Estado Moderno à Constelação Pós-Nacional[15]; Qual a direção correta?

                “O direito é, em verdade, um produto social de assimilação e desassimilação psíquica.

A Margem do Direito – Pontes de Miranda.

            ‘Ab initio’ importante torna-se tecer as seguintes considerações sobre a idéia que se tem a cerca do movimento cunhado como ‘pós-modernidade’ (modernidade reflexiva[16], ou mesmo segunda modernidade[17]) sendo estas expressões referências a um momento de diversas críticas aos múltiplos campos do saber. Os paradigmas criados pela modernidade (ocidental) são repensados e incerteza toma lugar à segurança que acreditávamos ter conquistados, consensos já não são engendrados.

Neste processo de modificações (valores, hábitos, concepções, modelos de organização institucional, etc), o mundo caminha para uma direção desconhecida. No medievo havia a completa insegurança já que tudo derivada de desígnios divinos. Na modernidade in(segurança) passa a buscas bases científicas na racionalidade. A crise deste período se instaura quando descobrimos que o projeto ‘homem’ não deu tão certo quanto acreditávamos. A efetivação dos direitos, distribuição das riquezas, desenvolvimento da sociedade industrial, expansão tecnológica, etc, não foram suficientes para tirar o homem de seu estado de miséria.

A Modernidade é vista então como um projeto objetificador, de certa forma o ‘homo faber’ já adentra em um sistema de etiquetamento social[18] neste período onde o que interessa é a sua domesticação, tornando servil e desprovido de possibilidades que escapem ao normal. Em algum momento este homem superveniente é tomado pelo espírito do aufklarung e então conhece a liberdade. A monarquia não mais é uma possibilidade. Respondendo a pergunta se temos um direito à liberdade Ronald Dworkin[19] nos lembra que

“Thomas Jefferson pensava que sim, e desde sua época o direito à liberdade tem recebido mais atenção do que os direitos concorrentes, à vida e à busca da felicidade, por ele mencionados. A liberdade deu seu nome ao movimento político mais influente do século XIX, e muitos daqueles que hoje desprezam os liberais assim procedem por considerá-los insuficientemente libertários. Sem dúvida, quase todos reconhecem que o direito á liberdade não é o único direito político e que, portanto, as exigências da liberdade devem ser limitadas, por exemplo, por restrições que projetam a segurança ou a propriedade dos outros.”

                                        

Cesare Beccaria[20] na introdução da obra clássica Dos Delitos e das Penas datada de 1764, já anunciava em tom de preocupação com o que viria após a conquista da tal propalada liberdade que as vantagens da sociedade deviam ser igualmente repartidas entre todos os seus membros. No entanto, entre os homens no convívio social é perceptível uma contínua tendência a se acumular em certas minorias os privilégios, o poder e a felicidade, deixando então à maioria a miséria e debilidade.

No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.[21] Ao perceber que não era essencialmente servo perdemos o ‘verbo’ na pós-modernidade. A fraternidade é chamada para construir novos diálogos, e a torre de Babel é instaurada já que ninguém entende a comunicação do outro. Segundo José Carlos Ruy[22]:

“Enraizado no passado do pensamento burguês, o pós-modernismo emergiu em contraposição ao marxismo e prega a fragmentação e o “vale-tudo” cultural, o apoliticismo, a rejeição ao conhecimento científico e a ideia de que a sociedade (e a história) não podem ser mudadas pela ação coletiva dos homens.”

            Completando o pensamento, Bittar[23]

                       

“As certezas modernas se abalam, as verdades científicas se relativizam, as instituições na base do poder se desmancham; o controle sobre a natureza sai de rumo, ameaçando a sobrevivência da própria condição planetária do homem. [...] Em tempos sombrios, com a ameaça de uma extinção global da vida, somente se torna possível pensar os desafios da existência e sua superação pela ampla projeção do afeto e da valorização da vida.”

Por volta dos anos 60, em meio a diversos movimentos globais de protestos e sublevações generalizadas foi preparado o terreno onde se germinaou tal pensamento. A pós-modernidade é um fenômeno vivo, todavia não é sensato afirmar que a modernidade em si deixou de existir ou foi totalmente superada. Destarte dois universos de projetos coexistem com valores próprios, um pretérito que restou inseguro, valetudinário e de certa forma malogrado, outro hodierno, multiforme, abastado de esperanças, porém opaco no que tange a direção para a qual estamos sendo conduzidos. De olhos vendados ou esforçando para enxergar içamos a lume nossas esperanças embora não saibamos verdadeiramente qual a trajetória perquirida o que nos faz crer que estamos aparentemente desbussolados ou até mesmo de certa forma perdidos.

Em verdade, muito mais se especula e imagina do que verdadeiramente se tem domínio sobre este movimento, de modo que não mais acreditamos em certezas e a célebre frase de Sócrates “só sei que nada sei” é mais válida do que milhões de respostas prontas. A vida em sociedade grita por fraternidade, de acordo com Klaus Gunther[24]

“É só com dificuldade que consigo, especialmente em situações complexas, colocar-me na situação de outrem. Além disso, nunca abandono completamente a minha própria perspectiva em favo da alteridade. A reflexão, exigida pelo normativismo universal, sobre querer ainda executar uma ação alternativa, mesmo quando, na mesma situação, outrem a executaria em relação a mim, acaba sempre deixando a decisão comigo mesmo.”

Longe de ser algo programado ou fruto de uma corrente filosófica única e predominante, este fenômeno mágico engloba todos os grupos e conflitos, modifica de forma substancial a consciência global acerca de si mesma, provoca debates, produz aproximações, torna possível laços de fraternidade nunca antes pensados. O Direito diferente da ideologia burguesa (e iluminista) é concebido no bojo desta metamorfose sócio-cultural com outro viés. O Estado reflexivo da sociedade que olha para si e percebe suas misérias, que enxerga um sistema falido, burocrático, que tipifica pessoas e destina as punições estatais a determinados grupos, doravante enaltece direitos humanistas, trabalhistas, fundamentais, sociais, proclama eufóricos discursos em defesa do retorno a busca do bem estar de todos, todavia a facticidade demonstra uma convivência fria com o ‘homo sacer’[25] sem qualquer perturbação moral ao ver a insignificância em que foi reduzido outro sectário de sua espécie (mesmo enquanto ser humano?!).

            As apostas que são feitas caminham no sentido de se acreditar na legislação. Na observação de Jeremy Waldron[26] não há nada sobre legislatura ou legislação na moderna jurisprudência filosófica que seja remotamente comparável à discussão da decisão judicial. As pessoas de certa forma ao longo do tempo convenceram-se de que há algo errado neste sistema no qual uma legislatura eleita, (claramente dominada por partidos políticos e tomando suas decisões com base no ‘governo da maioria’), tem a palavra final nas questões de direito e princípios sempre que há discussão em defesa dos interesses do povo.

            A lei engendrada pelo costume era vista como algo sacro restando ao Estado sua administração, efetivação e codificando a própria legislação, todavia, o condão de criá-la, alterá-la ou concebê-la era algo estanque a realidade comum, sendo coloquial a dúvida de quem estava legitimado a fazê-lo e em quais condições. Até nossos dias dúvidas semelhantes pairam no ar, como por exemplo, o que de fato simboliza a Constituição, um poder ou uma autoridade? O Governo deve respeitar os direitos de seus cidadãos sendo esta uma das principais exigências hodiernamente. Ronald Dworkin[27] interpela a discussão da seguinte forma:

“A linguagem dos direitos atualmente domina o debate policio nos Estados Unidos. O governo respeita os direitos morais e políticos de seus cidadãos? A política exterior do Governo, ou sua política racial, desobedece ostensivamente a esses direitos? As minorias cujos direitos foram violados têm, em contrapartida, o direito de violar a lei? A própria maioria silencia tem direitos, inclusive o direito a que os que violam a lei sejam punidos? [...] Discute-se muito, sem dúvida, sobre que direitos particulares os cidadãos possuem. Será que o amplamente admitido direito à liberdade de expressão inclui, por exemplo, o direito de participar de manifestações que perturbam a ordem pública? Na prática, o governo terá a última palavra sobre quais os direitos individuais, porque sua polícia fará o que suas autoridades e seus tribunais ordenarem.”

            Existem entre os juristas do direito consuetudinário aqueles que por motivos particulares ponderam que a legislação não teria validade como uma espécie de lei. Neste sentido, para que uma norma fosse então considerada como tal seria necessário que seu texto fosse então não visto como um simples pedaço de papel[28] mas sim era imprescindível perceber seu desempenho na vida das pessoas e da comunidade sem saber de que modo os tribunais iram administrá-la e interpretá-la.

            Sociológica e não metafísica, a imunidade da moralidade à mudança deliberada é explicada como sendo um fenômeno social. Do mesmo modo uma lei pode ser mudada da noite para o dia sem que sua redação original sofra qualquer alteração, mas sim a comunidade passe adotar uma interpretação diversa da mesma. Para o professor José Emílio citando o pai da teoria dos sistemas[29]:

“De acordo com Luhmann, revendo toda a sociologia clássica, o sistema social não se baseia nas ações humanas, mas em comunicações, e isso pode parecer chocante para muitos. O homem já é para Luhmann um entorno, um ambiente da sociedade, já que ele é formado pela relação, ou na linguagem luhmaniana, pelo acoplamento estrutural entre o sistema psíquico e sistema biológico. Isso não significa que o homem não seja importante para a sociedade, já que ao se relacionarem (homem e sociedade), produzem irritações e modificações constantes em seus respectivos sistemas.

Para Luhmann, a sociedade moderna é fruto de uma série de modificações que oram acontecendo em um período de mais de trezentos anos, culminando, para o que nos interessa, com o aparecimento das primeiras Constituições formais e rígidas, que marcaram a diferenciação funcional entre o sistema jurídico e os demais sistemas da sociedade.”[30]

            Na época atual o papel que as regras possuem na vida da sociedade inibe seus sectários de modo que os mesmos só possuam acesso a ela de forma instintiva ou intuitiva. Premente é a necessidade de se investigar cientificamente a eventual existência por parte dos legisladores (nossos representantes) de uma compreensão sobre o que é de fato a constitucionalidade. Afinal de contas, o que realmente é a Constituição? Os discursos, as exaltações e a argumentação estão realmente adequadas ao que é apresentado nas deliberações no interior do parlamento e a realidade dentro da comunidade brasileira?

            Descalços ou com botas de sete léguas seguimos por este estranho e imprevisível caminho, motivados em face de uma procura (não tácita) por outras referências possíveis (afetiva, psicológica, comportamental), bem como um novo projeto social onde anseios por justiça, prosperidade, desburocratização[31] e boas condições de vida sejam mais que aflições, todavia, insurge uma assustadora pergunta ‘ab ovo’ deste movimento, como teremos certeza que estamos no caminho correto se não há se quer sinais do ponto para o qual estamos nos movendo? 

Das Luzes do Aufklãrung ao Espectro Contemporâneo; Facticidade e a realidade da Democracia sob os olhares da Constituição.

Todo o conhecimento humano começou com intuições, passou daí aos conceitos e terminou com ideias.” 

Immanuel Kant.

Decidimos erradicar o diferente, apenas por ser diferente e não nos importamos com isso. Após a segunda grande guerra mundial ficou evidente que o projeto ‘homem’ havia frustrado e alguma coisa deveria ser feita, uma nova rota deveria ser traçada, a humanidade estava perdida, velejando por vias perniciosas e em dado momento se deu conta de sua própria ignorância. É em Habermas[32] que encontramos a seguinte passagem:

“Graças a uma grande realização civilizatória, o Estado constitucional democrático consegue agir como um domesticador jurídico do poder político, com base na soberania de sujeitos reconhecidos por um direito internacional; ao passo que um estado de “cidadania-mundial” coloca esta independência dos Estados nacionais em banho-maria. Será que o universalismo do iluminismo não se choca aqui com o sentido próprio de um poder político no qual está indelevelmente inscrito o impulso para a auto-afirmação de uma comunidade particular? Este é o aguilhão realista fincado na carne da política dos direitos humanos.”

            Quase dois séculos antes, porém, entre 1783/1784, o filosofo prussiano Immanuel Kant[33] que foi um divisor de águas na filosofia, em um opúsculo delineou que se podia dizer que um Estado era livre quando não ousava dizer: “raciocinai o quando quiser e sobre o que desejar, mas obedecei”! Tal comando revelava assim uma marcha estranha, inesperada das coisas humanas; de todo modo, quando considerada de forma global e atual tal orientação faz nos perceber que quase tudo o que está envolto nisso é paradoxal e não colabora na solução das aflições que desatinam o homem moderno.

Quando, portanto, a natureza libertou de seu duro envoltório o germe sobre o qual ela velava mais ternamente, ou seja; a inclinação e a vocação para pensar livremente, então a sensibilidade humana (graças à qual este se torna cada vez mais capaz de ter a liberdade de agir) e finalmente, também sobre os princípios do governo que encontra o seu próprio interesse em tratar o homem como homem, uma vez doravante o ser é mais do que uma máquina, na medida em que tem percepção de sua dignidade. Nesta linha de pensamento de Martin Heidegger[34]pondera que:

“Se o ser no mundo é uma constituição fundamental da presença em que ela se move não apenas em geral, mas, sobretudo, no modo da cotidianidade, então a presença já deve ter sido sempre experimentada onticamente. Incompreensível seria uma obnubilação total, principalmente porque a presença dispõe de uma compreensão ontológica de si mesma, por mais indeterminada que seja.”

Complementando tal entendimento encontramos em Kant[35] a seguinte passagem:

“Todo aumento do conhecimento, todo progresso da percepção, é apenas uma extensão da determinação do sentido interno [...] Esta progressão no tempo determina tudo e em si permanece indeterminada, isto é, que as partes estão necessariamente no tempo e que sondadas pela síntese do tempo, porém não antes dela.”

Antes do Estado moderno o que havia eram precárias organizações políticas. Com o tempo o indivíduo foi entrando em um processo de alienação mental já que passou a ocupar quase todo seu tempo com o trabalho e o respectivo descanso a fim de repor suas forças produtivas, tal estado de alheamento levava o indivíduo ao agir social[36] sem questionar ou revoltar. Esta ausência de um período para meditações sobre sua própria realidade tornou o homem dócil e até mesmo parceiro desta sórdida situação que o devora. Sobre a idéia de mundanidade do mundo em geral observando o ser que nele habita Heidegger[37] doutrina que:

“Em primeiro lugar, deve-se tornar visível o ser no mundo, no tocante a seu momento estrutural ‘mundo’. O cumprimento desta tarefa parece tão fácil e trivial que sempre se acredita poder prescindir dela. O que poderia significar descrever o ‘mundo’ como fenômeno? Seria deixar e fazer ver o que se mostrar no ‘ente’ dentro do mundo. O primeiro passo consistiria, então, em elencar tudo o que se dá no mundo [...] O que, porém se procura é o ser. Em sentido fenomenológico, determinou-se a estrutura formal de ‘fenômeno’ como o que se mostra enquanto ser e estrutura ontológica.”

 Quem sou eu, ou mesmo quem é o povo[38] na perspectiva deste ente administrador? Como o Estado me enxega em um modelo de democracia direta. Bernard Manin[39] atenta ao fato de a distância entre os representantes e os representados parecer estar aumentando a cada eleição, tornando ainda mais tênue a relação existente entre os governados e os governantes. Tal simbiose longe de atender aos interesses reais do povo fortalece tão e unicamente os interesses próprios dos representantes. O protótipo do governo é lançado à guisa dessa vontade ponderosa. Acreditamos no pacto social ou pelo menos não encontramos alternativas melhores até o presente. Nas lições de Habermas[40]:

“É o Estado nacional que, desde o final do século XIX, produz uma forma abstrata de solidariedade entre estranhos, mediante o simbolismo cultural do povo e mediante o estatuto republicano do cidadão, que satisfaz a exigência de participação de seus membros. Finalmente, é o Estado social da segunda metade do século XX que atenderá à exigência de remodelação política das condições de vida da sociedade, no contexto de um crescimento econômico acelerado que assegura um valor mais ou menos equitativo aos direitos dos cidadãos.”

 Tanto no sistema parlamentar, na democracia de partidos e a democracia do público é irrefutável a existência de uma grave crise principalmente no que tange a valores a representatividade. Paira no ar um clima perene de desconfiança, já que por razões óbvias em um método eletivo o povo não governa a si mesmo. Unidos atribuem a alguém a autoridade para governo sobre os outros, sendo tal consentimento criado por meio da legitimação do poder através do processo de escolha.

                    

            A preponderância do sistema representativo consubstancia-se na possibilidade de haver um distanciamento entre as decisões do governo e a fidedigna vontade popular. No modelo capitalista moderno de sociedade as pessoas estão demasiadamente ocupadas com a produção de riquezas não lhes restando tempo necessário para se imiscuírem nos negócios públicos, ademais, as mesmas precisariam ser educadas politicamente e terem acesso á informações pertinentes. A opinião pública torna-se viva, tanto que a primeira emenda[41] da Constituição dos Estados Unidos já estabelecia que o Congresso daquele país não teria autorização para aprovar qualquer lei que limitasse a liberdade de expressão ou de imprensa.

                    

            No pensamento de Hobbes[42], um grupo de indivíduos significaria tal e unicamente a união de individualidades que se conservam como tal até que entre eles exista uma assembléia para escolha de uma líder a quem todos conferem certa autoridade e obediência, ou seja, o povo só expugna unidade e força política por meio da escolha de um representante, que é eleito após debates onde todos podem exprimir suas opiniões. Não há superioridade intrínseca que legitime determinados grupos a imporem sua vontade sobre os demais, nas assembléias (vistas simultaneamente de forma coletiva e diversificada) não é o mais forte, nem o mais rico ou o mais competente quem deve sobrepor seu pensamento aos demais, mas sim todos juntos devem procurar o consentimento por meio da persuasão. Em Habermas[43] encontramos a seguinte colocação:

“Pergunto-me se este exemplo não aponta para algo situado mais além, pois o núcleo universalista do Estado constitucional democrático, ou melhor, da autocompreensão normativa da modernidade em geral, não coloca necessariamente para escanteio formas de representação simbólicas e rituais de identidades coletivas. No entanto, parece que elas não conseguem mais produzir pretensões de validade normativas, nem impô-las através de um poder simbólico, sem passar antes por uma fundamentação.”

No momento presente, a Constituição representa essa força, mas o que ela exatamente ‘auctoritas’, ‘potestas’ ou até quem sabe uma energia com vida própria?!  Temos um belo discurso em forma de texto onde estão salvaguardados direitos humanos, fundamentais, trabalhistas, uma série de garantias. Todavia na contramão da expectativa inicial o homem continua sendo explorado pelo homem[44], todos os dias detentos (sob a custódia do Estado) são espancados, mulheres são vitimizadas, crianças são exploradas, pessoas sentem fome, frio e medo e padecem por todas as mazelas imaginais. Tal conjunto de evidências nos permite ratificar que as certezas modernas (verdade, ciência, ordem, código, sistema, etc), se consubstanciaram em falácias e hoje o que há é a desordem, a ineficácia, a contracultura e um desejo enorme de mudança (para não se sabe o que). A democracia ainda que tenha existência apenas conceitualmente também é radicalmente ferida neste troittor e mesmo sem saber para onde estamos indo, já não sabemos mais exatamente qual a nossa vontade. Estamos extremamente confusos e começamos a nos dar conta disso.

Constituição Dirigente e a (In)Segurança Jurídica no ‘Ordem e Progresso’[45]; Afinal de contas, para onde estamos verdadeiramente indo?

O Amor por princípio e a Ordem por base; o Progresso por fim.”

Auguste Comte.

            A Constituição dirigente (ou pragmática) se caracteriza por conter normas definidoras de tarefas e programas de ação a serem concretizados pelos pores públicos. A nossa Carta Magna é um clássico exemplo de documento deste jaez vez estabelece objetivos fundamentais dentre vários outros comandos neste sentido. As pessoas devem ter condições de paridade nas oportunidades, de modo que o princípio ‘U’ ou a o amor entre os habitantes da Terra deve estar presente em todas as ações individuais ou coletivas.

            A Ordem consiste na conservação e manutenção de tudo o que é bom, belo e positivo. O progresso é a conseqüência do desenvolvimento e aperfeiçoamento desta Ordem, logo é do desenvolvimento que se resulta a evolução individual, moral e social. A vontade da lei parece se inclinar nesta posição, mas infelizmente existe um grande obstáculo a ser superado para que o discurso e a prática forense caminhem na mesma direção. De acordo com Klaus Gunther[46]

“Com o princípio (U), a validade de normas dependerá de que as conseqüências e os efeitos colaterais da sua observância, sob circunstâncias inalteradas para os interesses de cada um individualmente, sejam aceitas por todos os implicados conjuntamente. Esse princípio moral somente poderá ser aplicado como regra de argumentação em discursos, nos quais a potencial generalização dos interesses se expressa na aceitabilidade das razões, apresentadas por participantes de direitos iguais.”

Uma das principais características da república é a abolição da escravatura. De certa forma ao menos ‘prima facie’ pensamentos em justiça social. Se no medievo os homens tudo fundamentavam em ‘Deus’ e transformavam suas vidas em função desta cresça seja para a adoração eterna, guerras e mesmo cometimento de barbarias diversas, na modernidade uma transformação similar se da na vida das pessoas, porém agora direcionadas rumo ao progresso (seja ele como for). Nesta nova compreensão a razão passou a ser o centro de fundamentações. Na pós-modernidade tal razão é veemente questionada, olhamos de forma reflexiva a História e não conseguimos vislumbrar hipóteses convencíveis para onde estamos indo. Fábio Corrêa e Larissa de Oliveira[47] tecem as seguintes considerações:

“Na chain novel há vinculação: as novas páginas da história obrigatoriamente guardam coerência com as anteriores. É a tradição, a história como memória. Romance em cadeia não se restringe à jurisprudência. É mais do que isto. É a composição e a consolidação de acordos substantivos pela comunidade no curso/processo dialético da história, quando então se formando uma tradição por meio da qual a sociedade se reconhece.”

Na modernidade, o discurso dominante bradava no sentido de que a civilização iria vencer seus problemas, todavia, o capitalismo não cumpriu com suas promessas e olhando para o futuro a idéia de ‘progresso’ deve se pensada não por um viés material, mas sim pela realização da pessoa humana. Fukuyama.[48] nos lembra que:

“Algumas pessoas gostam de traçar uma distinção clara entre as intervenções em nome dos direitos humanos e aquelas para evitar ameaças à segurança de outros países e dizem que somente as primeiras constituem base legítima para violação da soberania”.

            É chegado o fim de utopias, das grandes metanarativas que serviram de sustentáculo para ‘status quo ante’, ascendendo um estilo de vida estético, individualista, consumista, líquido e inconsistente. Os valores são vistos sobre uma nova perspectiva (sobretudo os que estão ligados a idéia de ‘modernidade) e um estranho mal-estar[49] paira sobre nós. E nesta nova época, todas as vezes em que culpo as pessoas por suas próprias misérias absolvo o Estado de sua responsabilidade.

            Produzindo rupturas e apresentando novas definições axiológicas, este fenômeno está envolto a temática da ‘crise’, a começar pelos pelo modelo de produção (capitalista) cujas bases estão fincadas na ação intervencionista do Estado. Não só este como os demais conflitos apresentam uma dimensão conjuntural e ilusão da objetividade alcançou o pensamento ocidental. O Estado contemporâneo para firmar suas políticas públicas tem que supera paradigmas tradicionais já que os mesmos não mais servem de espeque. Para Ronald Dworkin[50]

“Essa visão moderna e agradável da justiça social: promete uma sociedade em paz com suas tradições, sem as contestantes tensões, comparações, ciúmes e arregimentação da igualdade ‘simples’. Os cidadãos vivem juntos, em harmonia, apesar de nenhum ter exatamente a riqueza, educação, ou oportunidade que qualquer outro, por casa um compreende que recebeu o que a justiça exige em cada esfera e não acha que seu auto-respeito ou posição na comunidade dependa de alguma comparação de sua situação geral com a dos outros.”

            Até mesmo a ciência sob determinado aspecto passou a ser vista como produto a ser explorado na esteira do capital o que soa como uma incongruência vez que o progresso implica em maiores possibilidades para todos principalmente no que tange ao conhecimento científico. Nas literais palavras de Bittar[51]

"Como ciência, o direito, ao se imunizar da contaminação das aflições do injusto, o alimento fundamental de toda necessária demanda por justiça, converte-se em um conjunto de fórmulas conceituais que, divorciadas da realidade sensorial, projetam-se como conhecimento na dimensão de uma mente que não possui corpo e não se relaciona a corpos humanos de indivíduos vivos de cujas necessidades reais deveria se alimentar a legitimidade do próprio sistema jurídico."

               

Agora, todos interpretam a constitucionalidade, porém ninguém sabe ao certo o que ela é em nossas vidas. A incerteza nos assusta, incomoda, perturba nossa realidade na medida em que não sabemos para onde estamos indo. Estará a humana vivendo um armistício ou preparando os alicerces da paz perpétua?! Michel Foucault citando Kant[52] nos que lembra que “não é nos grandes acontecimentos que devemos buscar o signo rememorativo, demonstrativo e prognóstico do progresso; é nos acontecimentos bem menos grandiosos, bem menos perceptíveis.”

Peter Haberle[53]entende que a Constituição Federal enquanto documento mais importante de um país pode ser interpretada por um grupo muito amplo de participantes, sendo este processo quase sempre difuso e complexo. A teoria da interpretação constitucional esteve vinculada a um modo de interpretação de uma sociedade hermética, tendo seu âmbito de investigação diminuído já que a concentração da interpretação constitucional se aglutina figura dos magistrados e nos procedimentos já formalizados. Todavia, e na contramão deste caminho, a interpretação constitucional é um elemento da sociedade aberta, logo, os critérios de estudo sobre a Constituição deverão ser tanto mais amplo quanto mais pluralista for a sociedade envolvida. Por razões óbvias, independente do grau de preparação, todo aquele que vive no contexto regulado por uma norma se torna um tradutor da mesma. Destarte, independentemente do controle que se possa ser exercido sobre tal questão ou mesmo eventual previsão já institucionalizada (ou não), sempre haverá essa participação em sentido lato influenciando a práxis.

           

            Nos dias de hoje, novas indagações aparecem sobre a teoria constitucional, porque a Constituição dirigente não conseguiu cumprir suas promessas quase três décadas depois de sua promulgação? O Direito constitucional é visto desta forma como sendo um campo de conflitos e compromisso, surgindo assim um número vasto de funções corretamente exercidas, entre elas as que são desempenhadas pelo legislador, pelo juiz constitucional, pelo cidadão comum e pela opinião pública. Obedecemos e sentimos confiança na constitucionalidade, todavia, o que ela é de fato? Enquanto tentamos compreender se ela é uma autoridade, um poder, ou outra realidade estanque as leis ordinárias sentimos que desorbitados enquanto somos atingidos pelas vibrações da marcha para a qual segue a ‘Ordem’, o ‘Progresso’ e o ‘Direito’.  

  

CONCLUSÃO

            Após analisar o que foi esboçado, concluímos que as reflexões engendradas conduzem a uma relativização da hermenêutica constitucional jurídica, de modo que o juiz constitucional já não interpreta de forma isolada. Noutras palavras, o processo constitucional formal não é a única via de acesso ao processo de interpretação constitucional, devendo este último ser ampliado para além de um processo constitucional concreto. Nas palavras de Gadamer[54]

“Percebemos agora que todo esse processo é um processo de linguagem. Não é por acaso que a verdadeira problemática da compreensão e a tentativa de dominá-la pela arte, o tema de hermenêutica, pertencem tradicionalmente ao âmbito da gramática e da retórica. A linguagem é um meio em que se realizam o acordo dos interlocutores e o entendimento sobre a coisa em questão.”

            Considerando que todos estão potencialmente aptos a oferecer interpretações ao texto, a sociedade fragorosamente se torna aberta e livre. A opinião pública, embora distante de ser organizada e espontânea, pressiona a força normativa de modo que indubitavelmente, a expansão da atividade jurisdicional da Corte Constitucional significa uma restrição do espaço de interpretação do próprio legislador, e todas nas ocasiões em que a fundamentação não for adequada ou mesmo vier a falta estaremos face um estágio de crise.  Ronald Dworkin[55]

“Contudo, embora o modelo centrado nos direitos admita que o texto jurídico é, dessa maneira, uma fonte de direitos morais no tribunal, ele nega que o texto jurídico seja a fonte exclusiva de tais direitos. Se, portanto, surgem alguns casos sobre os quais o texto jurídico nada diz, ou se as palavras estão sujeitas a interpretações conflitantes, então é correto perguntar qual das duas decisões possíveis no caso melhor se ajusta aos direitos morais de fundo das partes.”

            Celebrada e concebida como a abertura de um ‘estado democrático brasileiro’, a nova Constituição Federal da República do Brasil mirou novos horizontes e possibilidades, transformou-se em algo indefinível, ‘auctoritas’, ‘potestas’, um livro sagrado ou outra categoria de diploma legal, o que de fato é a Constituição em nossos tempos continua sendo uma incógnita.

            Distante do mundo forense onde os personagens são caricatos e em muitas das vezes não promovem a deliberação ou a fazem, porém sem se permitir convencer dos argumentos contrários, percebemos que a Constituição não é aquilo que os Tribunais dizem que ela exatamente é, e nem é uma construção solipsista dos juízes, mas sim o conjunto da opinião de muitas mentes[56].

Na concepção de Fábio Corrêa Souza de Oliveira e Larissa Pinha de Oliveira[57]as teorias dialógicas pugnam que o Judiciário não tem a última palavra em todas as questões. Consoante o texto constitucional o Supremo Tribunal Federal – STF é o ‘guardião’ da Constituição, mas em momento algum afirmou que o mesmo deve ser a derradeira voz em toda sistemática da democracia.

           

             A mobilização popular pode vir como uma resistência das interpretações e decisões judiciais, fenômeno conhecido como ‘backlash’. No Brasil, por exemplo, o próprio STF em certas ocasiões afirmou que a voz do povo deve ser ouvida já que a sociedade civil encontra de alguma forma sua identidade na Constituição, logo, os Tribunais não podem ser insensíveis a este clamor.

            Findando, embora não saibamos para onde estamos indo, temos consciência daquilo que nos causa aflição, cada qual sabe seus medos, e o principal anseio popular é a efetivação de direitos já expugnados ao longo da história. Nas palavras de Ulrich Beck:

“por lo cual, deben reformularse los fundamentos de la primera modernidade. Qué significa la tolerância? Qué implican los derechos humanos, que se supone deben valer para todos, com respeto a las distintas culturas? Quién garantiza los derechos humanos em el mundo del post-Estado nacional?”

        

            Com os pés nus e mal agasalhados, perseguimos a via que nos é imposta. A vida é aquilo que acontece enquanto fazemos planos e sonhamos com uma ordem efetiva e um progresso real para todos. O que é ou não constitucional está em definição neste momento, as letras do texto não mudam, todavia, possuímos uma enorme capacidade de interpretá-las a nossa vontade sempre que nos é conveniente. Ao término deste artigo a incerteza sobre estarmos jornadeando em um armistício ou rumo a novos conflitos bélicos continua. A dúvida se a Constituição é um poder, autoridade ou outra realidade continua. Todavia, precisamos assim mesmo marchar, aliais a inércia não é uma opção já que o Direito é uma ciência em continua transmutação.

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Sobre o autor
Daniel Edson Alves e Silva

advogado, mestrando em Direito pela FDSM, professor de Sociologia.

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