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O uso indevido do correio eletrônico no ambiente de trabalho

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Agenda 07/04/2005 às 00:00

Sumário: 1. Introdução. 2. Estatísticas sobre o uso do correio eletrônico no ambiente de trabalho. 3. A natureza técnica do correio eletrônico. 4. A natureza jurídica do correio eletrônico. 5. O poder diretivo do empregador versus direito à intimidade do empregado. 6. A responsabilidade civil do empregador. 7. A importância da política pública de uso de Internet. 8. A possibilidade de aplicação de justa causa e as conseqüências na área cível, trabalhista e penal. 9. O entendimento atual da Justiça do Trabalho. 10. Visão geral de Direito Comparado. 10. Conclusão


1. INTRODUÇÃO

O assunto escolhido para este artigo "O uso indevido do correio eletrônico no ambiente de trabalho" é polêmico e desafiador. O tema provoca calorosas discussões, pois não se trata somente de discutir os princípios protetivos do empregado versus o poder diretivo do empregador perante o Direito do Trabalho. É necessário definir o novo conceito de "privacidade" no século XXI em inseri-lo no ambiente de trabalho

Preliminarmente, antes de iniciarmos o debate jurídico, a primeira questão que se coloca é a análise da natureza técnica do correio eletrônico. O correio eletrônico seria entendido como uma correspondência? Em caso positivo, correspondência fechada ou aberta? Comercial ou pessoal? Pode ser equiparado a um cartão postal, uma vez que a Internet é um veículo aberto? Ou seria equiparado a uma conversa telefônica? Seria um conjunto de dados (informática)? Há os que argumentam que não havendo legislação regulando o assunto, a sua natureza seria sui generis.

Após a definição da natureza técnica do correio eletrônico, passamos ao debate jurídico justificador da violação ou não-violação do correio eletrônico pelo empregador.

Há diversos autores que defendem a sua inviolabilidade, contudo os argumentos são diversos. Alguns argumentam que se trata de correspodência e como tal está protegido pelo sigilo constitucional das correspondências. Há os que entendem que o correio eletrônico tratar-se-ía de conjunto de dados e o texto constitucional ao referir-se "último caso", estaria se referindo somente à conversa telefônica, portanto, o sigilo do correio eletrônico continuaria protegido constitucionalmente. Por último, há aqueles que não entendem que o correio eletrônico seria protegido pelo princípio constitucional do sigilo, contudo, defendem a sua inviolabilidade com base na proteção constitucional da privacidade e intimidade do empregado.

Por outro lado, há uma grande corrente que defende a violabilidade do correio eletrônico. Há aqueles que entendem que poderia ser violável, com autorização judicial, pois se trataria de conjunto de dados e o texto constitucional ao referir-se ao "último caso", se referiria a conjunto de dados e conversa telefônica (com base na Lei nº 9.296/96). Outros argumentam que o correio eletrônico deve ser equiparado à correspondência comercial, portanto, não estaria protegida pelo sigilo constitucional (somente as correspondências pessoais teriam essa proteção). Há uma forte corrente que entende que o correio eletrônico é um instrumento do trabalho, podendo ser monitorado pelo empregador, legitimado pelo seu poder diretivo, não havendo expectativa de privacidade e intimidade em seu uso.

Não há dúvidas que o assunto é atual e envolve uma ampla discussão em vários ramos do Direito. A jurisprudência trabalhista é recente e conflitante. Portanto, a minha pretensão no presente artigo não é apresentar conclusões, mas contribuir para este apaixonante debate técnico e jurídico.


2. ESTATÍSTICAS SOBRE O USO DO CORREIO ELETRÔNICO NO AMBIENTE DE TRABALHO

Estudos divulgados nos EUA [1] mostram que, no ambiente de trabalho com acesso a Internet, 87% das pessoas usam o correio eletrônico para assuntos que não relacionados ao seu trabalho, 21% dos empregados divertem-se com jogos e piadas, 16% planejam viagens, 10% mandam dados pessoais e procuram outros empregos, 3% conversam (ou namoram) em sites de bate-papo, 2% visitam sites pornográficos.

De acordo com o terceiro levantamento sobre ética no local de trabalho [2], estima-se que 40% dos empregados entrevistados declararam que: "o monitoramento no local de trabalho representa uma seria violação ética", comparado com somente 39% que disseram o mesmo sobre a vigilância do local de trabalho através de monitores de televisão.

A pesquisa de opinião também descobriu que uma porcentagem maior de empregados considera que o monitoramento dos correios de voz ("voice mail") e a inspeção dos vestiários ou áreas de trabalho são mais do que o monitoramento dos correios eletrônicos.

O levantamento entrevistou 436 empregados e 121 integrantes de gerencias de alto escalão. Somente 39% dos patrões entrevistados reconheceram que o monitoramento dos correio eletrônicos é seriamente antiético.

Além disso, a pesquisa de opinião identificou que 50% dos patrões e 45% dos empregados ressaltaram que utilizar o correio eletrônico pessoal no trabalho também é considerado antiético e 56% dos patrões e 58% dos empregados declararam o mesmo a respeito da navegação na Internet.

Um levantamento similar realizado no ano passado pela revista "American Management Association" determinou que aproximadamente 67% das companhias americanas monitoram eletronicamente seus empregados de alguma forma.

No ano passado 40 (quarenta) empregados da Xerox Corporation, nos Estados Unidos, foram sumariamente demitidos em um mesmo dia, pois estavam visitando sites pornográficos ou esportivos durante o expediente. Os empregados chegaram a passar até 8 (oito) horas por dia em visitas inadequadas a sites da Web.

O mais surpreendente é que os empregados sabiam que estavam sendo vigiados por um programa que registra todos os acessos à Internet de todos os 92.000 empregados da empresa espalhados por todo o mundo.

De acordo com a empresa Scotts Valley, fabricante de programas que monitoram o acesso à Internet pelos empregados, perto de US$1 bilhão de dólares, ou quase 30% do que as empresas gastam em acesso à Internet, foi desperdiçado em visitas a sites recreacionais em um ano.

Em uma pesquisa recente, feita entre cerca de 1.200 empregadores pela Vault.com, companhia que publica relatórios sobre questões relacionadas com os locais de trabalho, 54% dos entrevistados declararam ter surpreendido seus empregados paginando sites da Internet que não tinham relação com o trabalho.

Em dezembro de 2001, a empresa "The New York Times" demitiu 23 (vinte e três) empregados por terem distribuído imagens pornográficas por correio eletrônico. As dispensas não foram resultado de monitoramento, e sim da reclamação de um empregado.

Segundo uma pesquisa na Inglaterra, o empregado britânico gasta em média 30 (trinta) minutos da sua jornada de trabalho na Internet, sendo metade deste tempo (50%) para ver material pornográfico.

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De 191 grandes companhias inglesas, 84% dão aos empregado acesso ilimitado à Internet. O empregado que ganha por ano US$30 mil dólares dá prejuízos de US$4 mil ao seu empregador, em tempo de trabalho perdido e uso de linha telefônica para entrar na Internet. A pesquisa mostrou que, embora duas em cada cinco companhias já tiveram problemas sérios devido ao uso impróprio da Internet, os casos que requereram medidas disciplinares chegam apenas a uma quinta parte do total. Entende-se que metade (50%) destas companhias não possuem política de controle de envio de correio eletrônicos para fora do seu recinto.

No Brasil, estima-se que 60% das grandes empresas forneçam para seus empregados algum tipo de correio eletrônico.


2. A NATUREZA TÉCNICA DO CORREIO ELETRÔNICO

Não se pode confundir a privacidade do empregado em suas correspondências e atividades privadas com o uso das tecnologias de comunicação no ambiente de trabalho.

A Internet não é, como alguns insistem em dizer, um ambiente sem regras ou mesmo diferente do mundo real. A rede é só um meio mais rápido e interativo de se fazer tudo o que já fazíamos antes por meios tradicionais. Pela Internet é possível ouvir rádio, ver televisão, ler jornais, livros, revistas, ver fotografias e, também, enviar e receber correio eletrônicos, que se assemelham as tradicionais cartas.

O correio eletrônico seria entendido como uma correspondência? Em caso positivo, correspondência fechada ou aberta? O correio eletrônico consistiria num endereço privativo do usuário, sendo equivalente a uma caixa postal eletrônica?

Alguns argumentam que não poderia ser entedido como correspondência aberta, não se confundindo com um quadro de mensagens público, pois somente o destinatário tem acesso às mensagens enviadas, mediante o uso de uma senha.

Outros defendem que cartas são fechadas, ao passo que os correio eletrônicos não têm esta proteção. Possuem proteção e esta é a função da senha que se digita para abrir a caixa postal mas, na realidade, a senha é só proteção para a caixa postal. Depois de baixadas, todas as mensagens podem ser vistas quantas vezes forem necessárias, sem o fornecimento de qualquer outra informação ou senha que identifique o leitor.

Seria uma correspondência comercial ou pessoal? Há alguns que argumentam que seria similar a uma correspondência comercial, uma vez que o e-mail leva o nome da empresa e que a sigla @ significaria em "atenção a", ou seja, o correio eletrônico é endereçado para a empresa, em atenção ao empregado. Portanto, a empresa poderia adotar o mesmo procedimento aplicado em relação às cartas comerciais, ou seja, qualquer um da empresa poderia abri-las, pois trata-se de documento comercial da empresa, que não enseja expectativa de privacidade e intimidade.

Pode ser equiparado a um cartão postal, uma vez que a Internet é um veículo aberto? Os técnicos em informática advertem que a Internet é um ambiente público, no qual não há expectativa de privacidade. Somente as mensagens criptografadas poderiam ser entendidas como veículos próprios para a manutenção da privacidade entre as partes.

O correio eletrônico seria equiparado a uma conversa telefônica, uma vez que a internet é um veículo que se utiliza da rede telefônica? Contudo, sabe-se que atualmente a tecnologia avançou muito e não poderia ser fazer tal afirmação geral.

Poderia ser entendido como um conjunto de dados? Alguns argumentam que a informática é um conjunto de dados, ou seja, de símbolos.

Finalemnte, há os que argumentam que não havendo legislação regulando o assunto, a sua natureza seria sui generis.


3. A NATUREZA JURÍDICA DO CORREIO ELETRÔNICO

Atualmente, uma das grandes questões que tem movido a discussão na comunidade jurídica é a que diz respeito à inviolabilidade da informação contida nos correio eletrônicos. Muito se fala sobre a falta de legislação no que tange a Internet no Brasil.

Seria a confidencialidade destes, equiparados com aquela existente para a correspondência tradicional? No Brasil, não há legislação específica, nem linha jurisprudencial clara com relação a este assunto.

A transmissão de dados via Internet seria caracterizada como troca de correspondência, capaz de autorizar o sigilo tratado no art. 5o, XII da Constituição Federal e da Lei 6.538, de 22.06.1978 que trata dos serviços postais no Brasil?

Desde o advento da Constituição Federal de 1988, que o inciso XII do art. 5º do referido diploma legal, vem suscitando controvérsias jurisprudenciais e doutrinárias quanto à interpretação do mesmo.

O dispositivo normativo em questão preconiza ser "inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal e instrução processual penal."

O ponto discordante e que a hermenêutica jurídica ainda não conseguiu tornar pacífico, versa sobre o "último caso" enunciado pelo inciso.

Que último caso seria este? Compreenderia tal expressão apenas as comunicações telefônicas ou estas perfariam uma unidade, um conjunto com "dados" em decorrência da conjunção e?

Se coubesse ao inciso restringir-se às comunicações telefônicas, elencaria da seguinte forma: correspondência, comunicações telegráficas, dados, comunicações telefônicas.

Mas, ao invés de preferir a vírgula após o substantivo "correspondência", o legislador constituinte preferiu a conjunção aditiva "e", compondo uma unidade integrada por correspondência mais comunicações telegráficas.

A Lei nº 9.296, de 25 de julho de 1996, foi promulgada para elidir essas dúvidas. O "último caso" para o qual admiti-se interceptação da comunicação nos termos constitucionais, corresponderia a dados e comunicações telefônicas?

O parágrafo único do art. 1º da referida lei que prevê: "a interceptação de comunicações telefônicas de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal dependerá de ordem do Juiz competente da ação principal, sob requerimento de segredo de justiça. Parágrafo único: O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação de comunicações de sistemas e em telemática."

O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Melo, já em 1992, na Questão de Ordem da Petição 577, havia tido idêntica interpretação do inciso supracitado.

O Ministro Luiz Vicente Cernichairo, do Superior Tribunal de Justiça adverte que: "a Lei 9.296, de 24 de Julho de 1996, regulamenta o inciso XII, parte final do art. 5o. da Constituição Federal - trata da interceptação de comunicações telefônicas, aplicando-se também ao fluxo de comunicações em sistemas de telemática. O legislador mostrou-se cauteloso. Adotou o sistema da verificação prévia, ou seja, nenhuma interceptação será lícita, se o Juiz não autorizá-la".

Entretanto, a Lei nº 9.296/96, ao invés de solucionar as controvérsias, fomentou-as, pois insignes doutores bradam contra o parágrafo único do seu art. 1º alegando sua inconstitucionalidade.

A doutrina entende que a comunicação de dados pode ser interceptada da mesma forma que as comunicações telefônicas, porque ambas possuem uma característica em comum: a instantaneidade, ou seja, consumadas as mesmas, nada sobra que possa ser retido como instrumento de prova de um ilícito penal, como ocorre com a correspondência e o telégrafo, hipóteses que permitem a apreensão de objetos tangíveis, quais sejam, a carta e o telegrama, suscetíveis de propiciarem uma investigação eficaz. Assim, um delito pode ser planejado, executado, bem sucedido e até comemorado no ciberespaço, sem que qualquer informação fique inexorável e indelevelmente arquivada em qualquer lugar, podendo prejudicar a produção de provas contra os executores desse delito.

Diante disso, para evitar que criminosos ficassem à margem e a salvo da lei, protegidos por um eventual arcaísmo do Direito, é que o parágrafo único do art. 1º da Lei 9.296/96 abrangeu a comunicação de dados como passível de interceptação legal.

Primando a comunicação pela instantaneidade, pela fugacidade, urge sua interceptação nos termos legais, i.e., quando houver real necessidade em investigação criminal e instrução processual penal e mediante ordem judicial.

Dessa maneira, pode-se dizer que quando da forma de comunicação resultar algo tangível, perceptível materialmente e que, conseqüentemente, possa ser apreendido para fins de investigação ou processo criminal, então o sigilo será absoluto, não podendo a comunicação ser interceptada, como ocorre com a correspondência, com a comunicação telegráfica e mesmo com a comunicação de dados em sistemas informáticos quando os dados em questão repousarem em bancos ou arquivos próprios.

No entanto, como já o dissemos, há quem considere inconstitucional o parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.296/96. Assim, o último caso de que fala o inciso XII, do art. 5º, da CF/88, restringir-se-ia a comunicações telefônicas, pois estas vêm por último, por derradeiro, no breve elenco de formas de comunicação integrantes do inciso supracitado.

Portanto, para cogitar-se a quebra de sigilo de comunicação, cinco requisitos precisam ser atendidos: a instantaneidade da mesma; a existência de fortes indícios da autoria ou participação em infração penal; a ordem judicial competente; o procedimento plenamente vinculado (à Lei nº 9.296/96) e o fim legítimo (impossibilidade da prova ser feita por outros meios disponíveis).

Sobre o caráter de ser ou não o correio eletrônico uma correspondência fechada, além dos argumentos iniciais acerca da questão da senha e da característica eminentemente aberta deste recurso que a Internet nos proporciona (o que leva algumas pessoas a considerar o correio eletrônico mais um cartão postal do que uma carta), salienta-se que o correio eletrônico não está entre os objetos descritos na Lei nº 6.538/78, que dispõe sobre os serviços postais e em seu artigo 7º, parágrafo 1º relaciona o que é passível de ser chamado de objetos de correspondência, entre os quais temos apenas carta, cartão-postal, impresso, cecograma e a pequena-encomenda.

Vale dizer ainda que a definição de carta nesta mesma lei, em seu artigo 47, diz expressamente: "ser este objeto de correspondência, com ou sem envoltório, sob a forma de comunicação escrita, de natureza administrativa, social, comercial ou qualquer outra que contenha informação de interesse específico do destinatário".

Além disso, de acordo com a Constituição Federal (art. 21, inc. X) e com o artigo 2º da mencionada Lei, os serviços de correio são aqueles explorados em caráter exclusivo pela União, através de empresa pública vinculada ao Ministério das Comunicações.

A Lei e Constituição, portanto, impedem que servidores prestem serviço postal e de telegrama. Por esse motivo, parece razoável afirmar que tais prestadores de serviços não desenvolvem atividade que, pelo ordenamento legal, é reservada ao Estado e que, portanto, os correio eletrônicos não se confundem com a definição de carta e telegrama tratada na Lei.

Durante um congresso de Direito Eletrônico na cidade de São Paulo em 2000, o Ministro Nelson Jobim comentou a tendência do STF considerar a violação do correio eletrônico não como violação de correspondência (inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal), mas da privacidade (inciso X do mesmo artigo), mostrando a tendência de não se equiparar o correio eletrônico a carta em nosso sistema legal.


4. O PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR VERSUS DIREITO À INTIMIDADE DO EMPREGADO

A Constituição Federal de 1988 adotou o modelo capitalista quando previu o princípio da proteção da propriedade privada. Com base neste princípio, o empregador tem legítimo direito de regular o uso dos bens da empresa.

No Direito do Trabalho, o art. 2º da CLT prevê o poder diretivo do empregador para dirigir a prestação de serviços dos seus empregados, podendo regular como se utilizarão os recursos da empresa no ambiente de trabalho.

Ao empresário, que tem o poder hierárquico para dirigir a prestação de serviços por seus empregados cabe regulamentar como se utilizarão os recursos da empresa no ambiente de trabalho.

Inegável que o empregado tem direito à sua intimidade e à sua privacidade no ambiente de trabalho. Tem o direito de se proteger da entrada indevida do seu empregador em sua vida pessoal.

A origem do conceito jurídico de intimidade é norte-americano. Em 1873, o juiz Thomas A. Cooley, em sua obra "The Elements of Torts", o definiu como "the right to be let alone", ou seja, o direito a ser deixado em paz, ou de ser deixado só.

A previsão normativa específica da proteção da vida privada não tem sido contemplada em nossos textos constitucionais. Apenas recentemente com a atual Constituição Federal brasileira, é que a matéria alcançou tratamento personalizado, pois afirma serem em seu artigo 5, X:

"invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".

É indubitável que na época atual devido ao aumento considerável da informação que se dispõe acerca de uma pessoa deve haver a necessidade de resguardo do direito à intimidade protegido por intermédio de uma série de garantias jurídicas frente à intromissão dos demais, feito que ultimamente é mais freqüente pelo surgimento da Informática. 

Portanto, no âmbito laboral coexistem 2 (duas) tendências:

a) Há um interesse legítimo do empresário em utilizar as enormes vantagens proporcionadas pelo tratamento automatizado de dados com vistas de aumentar a eficácia de sua gestão pessoal.

b) Por outro lado, esse acesso e tratamento de dados pessoais do trabalhador, pode por em perigo direitos fundamentais do mesmo, e, sobretudo, seu direito a intimidade.

Haveria uma colisão de direitos? Direito de propriedade e poder diretivo do empregador versus direito à privacidade e intimidade do empregado?

É inegável que o poder diretivo do empregador sobre os empregados lhe permite traçar regras que mantenham a empresa funcionando sem prejuízo, seja qual for o empregado sob sua autoridade.

O Dr. Carlos Roberto Fornes Mateucci afirma que quando o empregador coloca um computador ao dispor do empregado, o faz para uso diretamente ligado as atividades do seu negócio, esteja ele conectado na rede ou não.

A empresa tem o direito de através de seu departamento técnico criar nomes de usuário e senha de acesso para cada empregado, estabelecer direitos e privilégios destes na rede e efetuar, sem prévio aviso, a mudança nestes nomes, senhas e/ou privilégios. É importante que tanto o nome de usuário quanto à senha de um empregado na rede da empresa sejam atribuídos por ela, e não pelo empregado.

A motivação disso é simples, pois o empregado pode ficar doente, faltar, pedir demissão ou mesmo ser despedido sem que o serviço que este prestava tenha de sofrer qualquer atraso ou interrupção.

Se a senha de uma estação é privada, tal se torna mais difícil, o que não ocorrerá se a senha puder ser suprida pelos técnicos da empresa para que outro possa exercer as atividades daquele que, temporária ou definitivamente, não está ali para trabalhar.

O poder de organização permite que o empregador expeça regras para o andamento dos serviços na empresa. Estas normas, podem ser positivas ou negativas, gerais ou específicas, diretas ou delegadas, verbais ou escritas.

Nas grandes empresas o poder de organização também se manifesta através da imposição unilateral de um conjunto de normas estruturais chamado Regulamento Interno de Trabalho, cujo teor obriga tanto a comunidade de trabalho como o empregador.

Argumenta-se que existem áreas onde o controle das correspondências e

dos telefonemas é lícita e viável, inclusive visando a proteção do empregado. Isto ocorre em áreas especialmente sensíveis, como por exemplo, a mesa de valores de um banco, onde através deste tipo de controle se pode identificar os responsáveis por uma ordem de compra e venda.

Seria razoável em áreas como o telemarketing, onde o poder diretivo do empregador abrange o direito de controlar as tarefas de seus empregados, o que só pode ser feito através do monitoramento das chamadas telefônicas.

Argumentam alguns que se o empregador pode normatizar o uso pelos seus empregados dos veículos que possui, pode regular o uso do telefone e dos demais equipamentos, como não poderia fazê-lo sobre o tráfego na rede ou de seus correio eletrônicos?

Deveria o empregador aceitar que um empregado divulgasse o endereço da empresa como seu endereço pessoal de correspondência e daí em diante recebesse cartas e encomendas pessoais no seu local de trabalho?

Além do lugar adequado para armazenamento disso tudo, fatalmente surgiriam os casos de furto de cartas e encomendas entre eles e casos de furto de materiais da empresa levados através dos pacotes recebidos.

Nas hipóteses dos empregados que teriam de parar o trabalho e se dirigir até a portaria para receber encomendas registradas e na tendência deles a querer interromper o serviço para ler o que receberam. Se a perspectiva já é ruim, imagine outros perigos como pacotes bomba ou na atual ameaça de anthrax e visualize o risco para o seu negócio, até mesmo em relação aos outros empregados, pois se algo ocorrer na empresa, quem seria o responsável?

Poderiam os empregados mandar, da empresa e as expensas desta, suas cartas e encomendas? Argumentam-se que como se pretende aceitar ambas as situações imaginadas, só porque elas ocorrem com algo imaterial (e as vezes nem tanto) como o correio eletrônico? Por acaso o risco é menor?

Há alguns que argumentam que não há privacidade do empregado no ambiente do trabalho. Tal afirmação não pode ser convalidada, pois é demasiadament extremista. O empregado tem interesse legítimo de ter respeitada a sua privacidade e sua intimidade dentro dos limites impostos pelo empregador. Por outro lado, como equilibrar ambos os direitos? Como estabelecer tais limites, sem se fazer do local de trabalho um lugar opressor e pesado para o empregado?

Sobre a autora
Adriana Carrera Calvo

coordenadora pedagógica e professora do Instituto de Ensino Jurídico Luiz Flávio Gomes (IELF, Curso Preparatório para Carreiras Públicas), mestranda em Direito do Trabalho pela PUC/SP, advogada trabalhista com experiência em escritórios de advocacia de São Paulo (Trench Rossi & Watanabe, Mattos Filho, Felsberg e Stuber Advogados)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CALVO, Adriana Carrera. O uso indevido do correio eletrônico no ambiente de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 638, 7 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6451. Acesso em: 23 nov. 2024.

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